A paisagem alentejana está pintada de sobreiros, casas brancas e histórias seculares que ajudaram a definir o que é hoje Portugal. Aproveite este roteiro pelo interior do Alentejo, numa viagem ao passado com Lusitanos, mouras encantadas e minas de cobre. E o melhor de tudo? Pode “enregar” (começar) a sua própria viagem, sem precisar de um cientista louco ou de um carro movido a energia atómica – como o DeLorean do “Regresso ao Futuro” – para acreditar no que vê.

Alandroal e os lusitanos


Viriato poderá ser considerado o primeiro “português” ilustre, mas após a Idade do Ferro, nos primórdios da presença humana por estas bandas, o culto era outro. Entre as planícies fronteiriças do Alto Alentejo, em São Miguel da Mota (Terena), ainda há vestígios da fé num importante deus dos Lusitanos: o Endovélico. Se quer viajar a esses tempos e conhecer as virtudes desta divindade da medicina e da segurança, passeie pelas ruínas do templo virtual e tente ouvir as vozes dos antepassados que, mesmo com rezas, gritaram: “Vêm aí os romanos!”

Tome nota:
 O Festival Terras do Endovélico é organizado, anualmente, pela Câmara Municipal do Alandroal. No início de Julho, em torno do milenar santuário, a cidade recebe música celta, passeios noturnos e muitas iniciativas de homenagem à antiga divindade.

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Beja e os romanos

Badajoz tão longe e a polémica durou séculos. Durante anos, os espanhóis disputaram com Beja o título de Pax Julia. Em tempos de romanização da Península Ibérica, o nome desta cidade refere a paz alcançada com os ariscos lusitanos e homenageia o imperador Júlio César. Foram 600 anos de vida romana e marcas não faltam. Siga as estradas que ficaram dessa era e passe pelo arco do Castelo como se de um portal do tempo se tratasse. Para a viagem, não se esqueça da música: o latim poderá ter sido o legado mais importante dos romanos, mas, no Alentejo de hoje, as palavras ganham forma e fama através do cante.

Tome nota:
 Entre 15 e 17 de maio, a capital do Baixo Alentejo vai voltar 2000 anos no tempo. Pela segunda vez, a Beja Romana ocupa o centro da cidade com recriações históricas, mercados e boa gastronomia. Se ficar algum tempo, é possível que um grupo de cante afine as gargantas e comece a cantar.

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Torre de menagem do Castelo de Beja (Fonte: www.cm-beja.pt)

Mértola e os árabes


Junto às margens do Guadiana esteve um grande porto fluvial da Península Ibérica, com uma importância tal que, durante a ocupação muçulmana, chegou a ser um emirado independente: a Taifa de Mértola. Percorra os pórticos e vire-se para Meca seguindo o mirabe da Igreja Matriz, a única grande prova arquitetónica da passagem da religião islâmica pelo sul de Portugal. Por toda a cidade, não faltam exemplos da presença árabe, com estátuas, edifícios e um dos centros arqueológicos mais importantes do país.

Tome nota: Mértola será palco da oitava edição do Festival Islâmico, um evento anual que transforma a cidade num imenso souk (mercado árabe). Para este regresso ao passado, há música, conferências, visitas guiadas e muitas lendas de mouros e mouras à sua espera.

Évora e a reconquista cristã

Não há passeio pela história do Alentejo que não desemboque na cidade-museu nomeada pela UNESCO como Património da Humanidade: Évora. Em cada esquina do centro histórico espreitam vestígios de um passado em que celtas, romanos, árabes e cristãos escolheram esta localidade para deixar a sua marca. Comece pela Praça do Giraldo, nome do heróico guerreiro que ajudou Afonso Henriques a derrubar fronteiras a sul, e desperdice horas sem receio em visitas ao longo das muralhas medievais. Há igrejas, palácios, templos romanos e muitos outros espaços por onde passar, não faltando sequer uma capela de ossos arrepiante a pedir companhia (“Nós, ossos que aqui estamos/Pelos vossos esperamos” – diz a placa à entrada). Para terminar a visita, siga rumo à Universidade e entoe um velho fado até que lhe surja uma resposta: “Eu não sei que tenho em Évora…” (Link 1 e Link 2)

Tome nota:
 Durante o mês de maio, o grupo de teatro CENDREV vai transformar o Palácio D. Manuel (no Jardim Público) numa corte renascentista. As palavras de Gil Vicente ganham vida e n’”Estes Autos que Ora Vereis” o passado nunca anda muito longe. E marque já na sua agenda: em 2016 volta mais uma Feira Medieval no centro da cidade-museu, com falcões, lutas de espadas, damas de corte, malabaristas e os sempiternos cobradores de impostos.

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Templo de Diana. Imagem: Paolo Querci (wikipedia.org)

Elvas e as batalhas

Ao longo dos séculos, as guerras com Espanha (ou Castela) foram muitas e as escaramuças na fronteira levaram ao constante reforço militar. Daí que Elvas, com Badajoz logo ali, tivesse sido a cidade mais fortificada da Europa. Para aproveitar uma visita, percorra esta cidade-militar laureada pela UNESCO em 2012 com calma e com o olhar virado para Espanha. Na Guerra da Restauração que se seguiu à Independência de 1640, foi nas Linhas de Elvas que se aguentaram as fronteiras a sul. Hoje, as marcas continuam bem fortes: Forte da Graça, Forte de Santa Luzia, vários fortins e umas imponentes muralhas que séculos de invasões não conseguiram conquistar.

Tome nota: Com os olhos no futuro, Elvas recebe mais uma Semana da Juventude, entre 12 e 16 de maio. A par de artistas mais recentes como Regula ou Dengaz, os mais jovens podem sempre lembrar a música intemporal de Quim Barreiros e Xutos&Pontapés.

Aljustrel e as minas

A exploração de pirites, de onde se extrai o ferro, transformou o Alentejo durante o século XIX. Nos complexos mineiros de Aljustrel, com alguns espaços já desativados há muito, há paredes de pedra esgravatadas, malacates (elevadores) abandonados, chaminés enormes de cementação e um número imenso de locais por explorar. Para imaginar uma revolução industrial à portuguesa, conheça a memória desses tempos e imagine as velhas máquinas em funcionamento. Mas, não se esqueça de levar a merenda, porque um passeio pelo Alentejo pede sempre uma pausa com um bom naco de pão com “conduto” (queijo, presunto, paio e o que mais levar).

Tome nota:
 Aproveite a segunda semana de Junho para visitar a Feira do Campo Alentejano, um evento anual com que Aljustrel honra um dos maiores legados alentejanos: o pão. Petisque muito e prove um pouco da tradição rural que o Alentejo continua a alimentar.

Lavre e a literatura

O que mais há na terra, é paisagem.” Foi com estas palavras que um escritor, inspirado pela vivência de meses na comunidade rural de Lavre (Montemor-o-Novo), arrancou a obra “Levantado do Chão”. Anos mais tarde, esse mesmo escritor seria o único Prémio Nobel da Literatura Português (até ao momento). Falamos, claro, de José Saramago e da história dos Mau-Tempo. Percorra a saga desta família ao longo de décadas e visite os espaços que Saramago narrou, ao recontar um lado da história do século XX português. Porque a paisagem respira história e, no Alentejo, a planície é imensa e as histórias escondem-se em cada recanto.

Tome nota: A Natureza também merece destaque neste roteiro. Se passear por Lavre, vai perder a conta às referências a montes. Mas há um Monte Selvagem a trazer miúdos e graúdos para a região, com residentes muito diversos: iaques, cisnes, macacos, camelos e até um crocodilo do Nilo com um padrinho famoso (o músico Jorge Palma).

Alqueva e o futuro

Numa região ligada tão fortemente à terra, a história do Alentejo e o seu futuro passam por outro recurso vital: a água. A construção da barragem do Alqueva e do maior reservatório artificial de água da Europa trouxe muita polémica mas, por estes tempos, transporta a esperança dos (ainda poucos) milhares que continuam a ficar num território tão envelhecido. Neste século XXI, aproveite para conhecer uma das grandes apostas para o desenvolvimento da maior região portuguesa, em que mais culturas, mais empregos e mais água poderão pintar um retrato optimista de um Alentejo em que o tempo tem outra medida, outro “vagar”.

Tome nota: 
Para lá da barragem, visite a aldeia que lhe deu o nome. Em Alqueva (Portel) já não há provas do solo árido e em descanso, ou alqueive, que a toponímia guardou. Mas há a memória de uma região resiliente com séculos de história e inúmeros locais para começar a descobrir. O que é que está à espera para “abalar”?

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Barragem do Alqueva (Imagem: Nuno Veiga/LUSA)