Após a ameaça de que ninguém sairia da sala sem acordo, ele chegou duas horas depois. Foi após essa longa maratona que finalmente houve algum fumo branco sobre a situação grega. Mas será que a capacidade para tomar decisões às oito da manhã, depois de 17 horas de reunião e sem dormir, é a mesma? O Observador foi tentar saber de que forma não dormir pode afetar a nossa capacidade para fazer opções.
“Trabalhar ininterruptamente é mau.” A afirmação de João Lopes, médico neurofisiologista no Centro Hospitalar do Porto. Catarina Resende de Oliveira, investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular de Coimbra, ainda acrescenta que no final de uma reunião destas é “humanamente impossível” manter a capacidade para uma boa tomada de decisão.
“Mesmo durante o sono a atividade cerebral não para”, lembra Catarina Oliveira. “Mas o sono é fundamental para a consolidação da memória e para a reorganização dos circuitos cerebrais.” E a tomada de decisão está dependente destes dois processos, “requer que os períodos de sono sejam respeitados”. A investigadora acrescenta ainda que “durante o período de sono há uma remoção mais ativa das proteínas [uma espécie de limpeza do cérebro]. Proteínas como a beta-amilóide responsável pelo desenvolvimento de Alzheimer”.
“Esta situação em Bruxelas é do tipo ‘o último homem/mulher de pé’. Quando estamos privados do sono a nossa capacidade de processar nova informação cai, a nossa capacidade de lidar com distrações está comprometida e a nossa memória de curto prazo diminui. Todos os elementos fundamentais para o processamento rápido de informação estão diminuídos”, diz, citado pelo Guardian, Michael Chee, diretor do centro de neurociência cognitiva na Faculdade de Medicinca Duke-NUS em Singapura.
“O nosso cérebro precisa de descansar”, afirma João Lopes. “Os últimos estudos norte-americanos dizem que devemos dormir oito horas por dia”, diz o médico, “de preferência durante a noite”. No entanto, João Lopes defende que a capacidade de decidir melhor ou pior, tendo dormido ou não, varia de pessoa para pessoa e é um processo complexo. “Sem conhecer as [restantes] condições a que estiveram sujeitos [os elementos presentes na Cimeira euroepia] é difícil avaliar.”
Embora defenda que o ideal é fazer um período único de sono durante a noite, o médico não descarta os benefícios da sesta – 30 minutos podem ter um efeito “retemperador”. Existem outros casos em que as pessoas são obrigadas a fazer períodos de sono mais curtos, de duas horas e meia ou três horas, como os velejadores solitários. Estes ritmos podem ser treinados e as pessoas podem até conseguir funcionar bem desta forma. Para João Lopes o pior mesmo é acordar a meio de um ciclo de sono, ou seja, durante a fase em que estamos em sono profundo e quando a atividade elétrica do cérebro é muito reduzida. Acordar nesta fase pode significar que a atividade do cérebro é equivalente ao sono profundo mesmo que a pessoa esteja acordada e pode demorar mais do que uma hora a resolver-se. “É um despertar confuso. A pessoa não tem capacidade para decisões acertadas.”
Tanto quanto se sabe, Alexis Tsipras, Angela Merkel, François Hollande e Donald Tusk não dormiram durante o período de negociações de 17 horas. A privação de sono é uma técnica de tortura usada para que a vontade da pessoa mais persistente prevaleça sobre a da outra, diz Michael Chee. Num estudo feito pela equipa deste invetigador concluiu-se que: “Quando os participantes estavam bem descansados procuravam minimizar os efeitos da pior perda, mas a privação de sono fazia com que os mesmo indivíduos estivessem menos preocupados com as perdas e com a mudança para uma estratégia que melhorasse a magnitude dos melhores ganhos.”
“Negociações em privação de sono são irresponsáveis e prejudiciais”, afirma Anders Sandberg, investigador no Instituto do Futuro da Humanidade na Universidade de Oxford, citado pelo Guardian. O investigador acrescenta que a atividade mental fica tão perturbada como quando se consome álcool.
Curiosamente a própria União Europeia tem legislação específica sobre as horas de trabalho, conforme lembra o Guardian.
Melhorar a segurança, higiene e saúde dos trabalhadores no local de trabalho é um objetivo que não deve ser subordinado a considerações puramente económicas.
Todos os trabalhadores devem ter períodos de descanso adequados. O conceito de “descanso” deve ser expresso em unidades de tempo, isto é, em dias, horas e/ou frações de tempo. Aos trabalhadores comunitários deve ser garantido períodos mínimos de descanso diários, semanais e anuais, e pausas adequadas. Também é necessário, neste contexto, estabelecer um limite máximo de horas de trabalho.
A investigação mostrou que, durante a noite, o corpo humano é mais sensível às perturbações ambientais e também a certas formas de organização de trabalho penosas. Longos períodos de trabalho noturno podem ser prejudiciais à saúde dos trabalhadores e podem comprometer a segurança no local de trabalho… Os trabalhadores noturnos cujo trabalho envolve riscos particulares ou tensão física ou mental não devem trabalhar mais do que oito horas num período de 24 horas durante o período em que realizem esse trabalho noturno.