A 23ª edição do Vodafone Paredes de Coura esgotou pela primeira vez a praia fluvial do Taboão. O primeiro dia anunciava um cartaz a meio gás mas o campismo estava lotado – os passes de quatro dias foram todos vendidos com vários dias de antecedência, os bilhetes individuais para quinta-feira igualmente e, sem surpresa, este primeiro dia, o mais “fraco” (leia-se, com menos atuações) também. Foram 25 mil pessoas a encher o anfiteatro natural daquele que é, provavelmente, o mais bonito dos grandes festivais de verão portugueses. O palco fica posicionado de costas para o rio Coura, o cenário é o vale que aponta para a encosta verde. O Sol desaparece por detrás dos montes, a luz do final de tarde é tranquila e enche todo o espaço com uma atmosfera serena.
A quantidade de bilhetes vendidos justificou o investimento na melhoria das condições técnicas, como aqui nos explicou João Carvalho. E não foi só cara lavada (o palco Vodafone está magnífico, composto por grandes discos espelhados e uma grande estrutura tubular multicolor), nota-se no terreno, a organizacão do espaço é mais ou menos a mesma mas apesar da enchente, a circulação é fluida. O diabo está nos detalhes — e as coisas pequenas parecem bem afinadas.
Ainda assim, não foi fácil chegar. Voltas e filas de espera para chegar aos parques de estacionamento, carros cheios à cata de um lugar e depois de um metro quadrado para montar a tenda. Mas o ambiente é bom, há gente de todo o país (e alguns estrangeiros, na maioria espanhóis), a festa começou há uns dias e por isso há já quem leve balanço. A música subiu à vila no início da semana mas esta quarta-feira começaram os espetáculos do cartaz principal. E havia um nome para marcar a noite.
Os norte-americanos TV on the Radio são bem conhecidos do público português (e espanhol, ouve-se por todo o lado, inclusive na sala de imprensa) e foi para os ver que a multidão se apinhou neste pedaço do vale do Coura. Se havia banda para encher a noite mais “fraca”, a escolha foi na mouche. Tal como o disco, a digressão de “Seeds” (2014) é marcada pela lacuna deixada pela morte do baixista Gerrad Smith, em 2011. O indie rock continua lá mas a banda poliu o som com a lixa da pop, para o bem ou para o mal (as opiniões dividem-se).
A verdade é que o sucesso faz com que eles façam o que lhes apetece, os anos de carreira (14) e de estrada deram-lhes um traquejo que passa do palco para o público. Foram sensíveis para intuir que o que o público queria era rock e fizeram-lhe a vontade, deixaram os temas pop de lado, o que foi uma pena. “Seeds” é uma mistura descomplexada de ritmos e melodias que a banda fez questão de deixar de fora. Afinados, instrumentos e vozes (de Tunde Adebimpe e Kyp Malone), desfilaram pelo meio alguns temas mais antigos. Missão cumprida.
Foi mais de uma hora indie rock com direito a um verdadeiro caos lá na frente de palco, crowdsurfing e moche non stop que levantou mais pó que o fumo do palco. Até uma tocha vermelha foi acendida, um perigo que passou no difícil crivo da segurança. Uma brincadeira sem graça que Tunde Adebimpe fez questão de sublinhar, dizendo que não queria ninguém em chamas e pedindo calma: “that’s not funny”.
A noite foi deles, sem espalhafato ou fogo de artifício. As 25 mil pessoas ali presentes terão ficado contentes, mas quem assistiu lá em cima (ou atrás, na perspectiva do palco e do vale) terá sentido que faltou som. A configuração do terreno faz com que a música se disperse, só a partir do meio do recinto é possível sentir a força do sistema de som, do meio para trás a sensação perde-se.
E foi também por isso que os britânicos Slowdive perderam força, no segundo ano consecutivo a tocar em Portugal. Escuros e densos como sempre, foram simpáticos mas sem grandes conversas. Entraram em palco em câmara lenta e logo encheram o vale de shoegaze que levantou do chão a maioria assistência, a muralha de som lá apareceu ao terceiro tema, mas sem grande efeito longe das colunas. As pausas por vezes demasiado longas entre os temas não ajudaram. Ficou a sensação de uma banda deslocada, perante o público demasiado jovem que não estava ali para os ver; com excepção da linha da frente, foram pouco mais que uma curiosidade. Estiveram no tom mas fora do sítio.
Foi um dos aspetos mais curiosos: ouvimos vários comentários positivos em relação ao ambiente (“eh pá, este espaço é brutal!”) e também mais que uma vez a frase “não conheço nada deste cartaz”. Bem sabemos que a experiência de um festival está para além da música, mas desta vez notou-se mais que em edições anteriores. O hype “Paredes de Coura” chegou e em força nesta edição. De festival de culto parece ter passado a moda de verão, fosse a praia junto ao mar…
Este primeiro dia foi o mais calmo. Os principais artistas do alinhamento concentraram-se no palco Vodafone (o principal), foi por isso um dia sem distrações, com todos a olhar para o mesmo lado. Com o Sol ainda sobre o vale, os portugueses Gala Drop abriram o festival ainda a maioria das pessoas estava a caminho. Foi uma banda sonora bem esgalhada que seguiu a compasso com os californianos Ceremony, já com o anfiteatro mais composto, à frente os que gostam das reminiscências do punk rock, o vocalista despiu a t-shirt ainda não tinha acabado a primeira canção, é disso que também é feito o Vodafone Paredes de Coura, de nus e tatuagens. A toada indie das primeiras bandas não chegou para levantar a maioria da relva, foi gente sentada a que assistiu ao pôr-do-sol no vale do Coura.
A amplitude térmica por estes dias é muito grande (32-12ºC), com a noite caiu o frio, sentiu-se bem na pele. Os britânicos Blood Red Shoes subiram ao palco com força para aumentar a temperatura.O duo de Brighton (Laura-Mary Carter na guitarra e Steven Ansell na bateria) foi eficaz a fazer (bom) “barulho”, é fantástico o que se consegue produzir com apenas dois instrumentos. Vai do uso que se lhes dá, entraram com um instrumental lento e daí foram crescendo, “estamos de regresso a Portugal quatro anos depois”, foram as primeiras palavras do baterista. Muitos fãs com refrãos sabidos de cor, é um casal com muitas cartas para dar.
O dia de amanhã promete, é o primeiro com o palco Vodafone FM a funcionar. A lotação está esgotada, as 25 mil pessoas vão estar mais distribuídas, vamos a ver como corre a circulação. Tal como hoje, siga-nos pelo Twitter e pelo Periscope. Até logo.