Depois de a agência espacial norte-americana (NASA) anunciar no site que daria uma conferência de imprensa sobre uma descoberta importante em Marte – “NASA anuncia ter resolvido mistério de Marte” –, os órgãos de comunicação social e o público nas redes sociais ficaram em alvoroço. Pensar que podiam ser marcianos era muito pouco realista, já mais plausível seria a descoberta de água. Ainda não foi desta, mas quase, porque para já são apenas sinais. Indícios. Ou seja, a equipa que junta investigadores da NASA, de instituições norte-americanas e de uma francesa encontrou provas indiretas da presença deste líquido essencial à vida no planeta vermelho.

“De todos os mundos que já explorámos, a água existe na superfície de apenas um – o nosso. Daí que a descoberta de que possa haver água a correr regularmente em Marte seja tão estonteante”, disse num comentário ao artigo Alan Duffy, investigador no Centro de Astrofísica e Supercomputação da Universidade de Tecnologia de Swinburne, que não fez parte do estudo.

Os resultados da análise dos dados recolhidos pelo Mars Reconnaissance Orbiter – o satélite que orbita Marte desde 2006 para estudar a história da água naquele planeta –, publicados esta segunda-feira na revista Nature Geosciences, mostram que em quatro locais de estudo, onde existem linhas de escorrência recorrentes, foram encontrados sais hidratados, ou seja, sais que têm moléculas de água na sua composição.

“Encontrámos indícios de sais hidratados em todas as quatro localizações nas estações em que as linhas de escorrência são mais extensas, o que sugere que é a fonte de hidratação que está a tornar esta atividade de escorrência periódica”, afirmam os investigadores no artigo. “As nossas descobertas apoiam a hipótese de que as escorrências recorrentes se formam como resultado da atividade de água em Marte atualmente.”

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Para Mário Lino da Silva, engenheiro aeroespacial do Instituto Superior Técnico, estes resultados deixam poucas dúvidas de que exista água líquida em Marte, conforme disse ao Observador. O investigador, que colabora nas missões espaciais a Marte, considera que os sulcos resultam de uma erosão semelhante à que os rios fazem na Terra. “[Os sulcos] são mais provavelmente um subproduto da presença de água do que de gelo.” E explica porquê: “O gelo aparece sobretudo nos polos e as zonas estudadas são mais equatoriais”.

“Marte parece ser um planeta frio e seco, mas as observações ao longo do anos revelaram estrias na superfície que vão e vêm com as estações. Neste artigo, Ojha [Lujendra Ojha, primeiro autor] encontrou a assinatura de sais nas estrias, um sinal importante para demonstrar que as estrias se formaram por água corrente ou, pelo menos, gotejante”, disse num comentário ao artigo Geraint Lewis, professor de Astrofísica no Instituto de Astronomia de Sidney, que não fez parte do estudo.

Os sais têm a capacidade de diminuir a temperatura a que a água congela e de evitar que evapore tanto. Além disso, são higroscópicos – têm a capacidade de absorver água –, aumentando a possibilidade de reter água na superfície do planeta. O presidente da Sociedade de Marte na Austrália, Jonathan Clarke, que não participou no estudo, lembra que estas condições podem ser suficientes para o crescimento de microorganismos. “Isto faz destas áreas locais importantes para futuras missões que procurem vida em Marte.”

“A NASA é guiada, em termos científicos, por ‘seguir a água’ porque onde há água no estado líquido, há vida”, nota Alan Duffy. Mas as estrias encontradas em Marte não têm necessariamente de suportar vida, esta descoberta diz apenas que o planeta não é tão árido como se pensava, lembra Alan Duffy. O investigador concorda no entanto que, ainda que não se possa afirmar que ali há vida, os cientistas sabem onde procurar no futuro.

Mário Lino da Silva lembra que quando as missões Viking chegaram a Marte houve uma grande desilusão, porque em vez de encontrarem rios cheios de água, encontraram um deserto. “Esta descoberta [anunciada pela NASA] volta a despertar interesse da comunidade científica e do público em geral na exploração de Marte.”

“Observar água salgada a correr na superfície de Marte é muito significativo. A água líquida não é estável na superfície marciana na atualidade, devido à baixa pressão atmosférica e às mais temperaturas”, disse num comentário ao artigo Eriita Jones, investigadora na Universidade da Austrália do Sul, que não fez parte do estudo. “O gelo é o estado dominante da água observada em Marte, mas mesmo este é restrito às latitudes polares onde as temperaturas à superfície são baixas.”

Amanda Bauer, astrónoma no Observatório Astronómico Australiano, que não fez parte do estudo, mostrou-se muito entusiasmada com a descoberta: “Só posso dizer que a presença potencial de água no estado líquido na superfície de Marte é incrivelmente emocionante, porque a água é essencial à vida como a conhecemos”. A investigadora acrescentou ainda que: “É preciso mais estudos para compreender perfeitamente como estas escorrências salgadas se formam em Marte, mas os novos indícios de escoamento de água são certamente um excitante passo em frente na compreensão da atividade da água em Marte”.

Estudar o potencial de vida em Marte, implica também ter extremo cuidado ao fazê-lo. Não queremos que os robôs que cheguem ao terreno para tentar encontrar microorganismos no planeta vermelho acabem por contaminar o local com vida terrestre. “Sabemos que bactérias terrestres chegaram ao espaço a bordo de naves espaciais”, alerta num comentário ao artigo Alice Gorman, especialista em arqueologia espacial na Universidade Flinders, que não fez parte do estudo. “Há muito tempo que se pensa nas nossas obrigações em relação à vida que se possa encontrar em Marte e, de facto, a necessidade de evitar a contaminação vinda da Terra consta no Tratado do Espaço Exterior.”

O engenheiro aeroespacial português considera que isso não será preocupação, porque o tratado define bem as regras e as naves espaciais são esterilizadas. Mais difícil vai ser encontrar indícios de vida. Aqui, como no caso da água, a observação não é direta, lembra o investigador. E se dantes se pensava que encontrar metano era prova da existência de vida, agora sabe-se que também é formado por outros processos.

O mais importante é manter a mente aberta para formas de vida completamente diferentes daquelas que estamos habituados a ver na Terra. Essa foi a lição que os organismos que vivem em condições extremas de pressão e temperatura na Terra nos mostraram. Outra hipótese, diz Mário Lino da Silva, é estudar fósseis em Marte. Mas isso será ainda mais difícil, talvez mesmo só com exopaleontólogos no terreno.