O processo ainda está a arrancar, anota-se em Belém. O Presidente da República recebe esta tarde, pelas 18h00, o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, dando o pontapé de saída para a formação do próximo Governo. Mas o jogo pode ser mais longo do que se esperaria depois da noite eleitoral.

Segundo apurou o Observador, Cavaco Silva tem pressa, sim, mas em ver Passos Coelho e António Costa a falar. Há muita coisa a acertar, depois do discurso de António Costa na noite de domingo. Exemplos? As linhas gerais do próximo Orçamento, cujas orientações principais o atual Governo terá de entregar em Bruxelas até 15 de outubro (com quadro macroeconómico atualizado), passando pelas reformas de que falou Passos Coelho no discurso de vitória (quando prometeu diálogo “no quadro parlamentar” com o PS), até à eleição do próximo Presidente da Assembleia da República, na qual Belém espera ver um primeiro sinal de que a coligação e o PS vão entrar em território de negociação e não de confronto.

Cavaco Silva quer, assim, que haja “muito diálogo” antes de dar posse ao novo Executivo. Não é conhecido ainda o grau de exigência que o Presidente quer colocar no processo, mas em agosto passado Cavaco Silva deu uma ideia do que seria, para si, o ideal: “O compromisso pode também revestir a forma de acordo de incidência parlamentar”, disse aos jornalistas.

A dúvida é, claro, até que ponto estão ambas as partes dispostas a ceder. Mas há quem tire alguns bons sinais do que se ouviu nos últimos dois dias. Primeiro, a palavra de António Costa no final da noite de domingo, garantindo que o PS não seria um partido desestabilizador; depois, o de Passos, falando de “compromissos”; e por fim o discurso de Fernando Medina no 5 de outubro, onde o sucessor de Costa na Câmara de Lisboa sublinhou a mesma palavra (“compromissos”) e elaborou sobre o tema (de forma “construtiva”, como se viu em Belém):

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“Este é o tempo de os partidos que têm agora de dar resposta às mensagens que os portugueses lhes impuseram: conciliar a pertença à Europa e à moeda única, com a mudança nas políticas económicas e sociais e num quadro de negociação pluripartidária”

O calendário do Presidente para começar esta ronda foi escolhido, pelo que se percebe, a dedo. Passos vai ao Palácio de Belém pelas 18h00, seguindo logo depois para um importante Conselho Nacional do PSD. À noite, há reuniões também no CDS e, sobretudo no PS, onde a expetativa é perceber que estratégia leva Costa e até que ponto se pode abrir um problema de liderança. Ao que se sabe, Costa deverá ir a Belém depois disso, seguindo a ordem escolhida pelo chefe de Estado para avaliar os resultados das legislativas.

Para mais tarde ficarão os partidos da esquerda, que desafiaram já o PS a deitar abaixo o novo Governo de Passos. Bloco de Esquerda e CDU vão apresentar uma moção de rejeição do programa da direita e querem que o PS o chumbe, inviabilizando esse Governo. Costa, no domingo, respondeu que não alinha em coligações negativas (ou seja, que servem apenas para derrubar governos). Mas acrescentou um discreto “mas”: não alinha quando não está construída uma alternativa de Governo, neste caso à esquerda. Não ficou totalmente fechada a ideia de última linha: se a direita não estender a mão para compromissos, Costa pode desafiar Catarina Martins e Jerónimo a dar-lhe essa bênção – mas sabe que esse é o mais difícil dos consensos.

Na equipa de Costa, segundo apurou o Observador, há quem não descarte esta hipótese. Mas há também quem aguarde que Cavaco Silva diga ao que vem (aguardando para ver até onde Passos está disposto a ceder).

E à direita? A expetativa é que o Presidente não suba demasiado a fasquia – pedindo apenas que o próximo Governo se abra a negociações e compromissos, na Assembleia e na Concertação Social – garantia que, por exemplo, o ministro Mota Soares foi dar ontem à noite à TVI24. Há, mesmo assim, quem tenha outras indicações: “O Presidente está tentado a pedir um acordo prévio entre PSD, CDS e PS, antes de avançar com o novo Governo.” A dúvida, nesse cenário, é se o Presidente arrisca tornar pública essa exigência, sabendo que pode falhar o objetivo; sabendo que a vida interna do PS pode complicar mais os consensos; e sabendo que este será o último ato da sua Presidência.