Olhar para o caso particular da Grécia parece um bom exercício para fazermos um retrato do que se passou na noite de ontem na Europa. Senão vejamos: por um lado, o vencedor inquestionável das eleições helénicas, com 26,4% dos votos, foi o partido da esquerda radical – o Syriza -, que se tem apresentado como a cara da luta contra a austeridade e contra a ‘ditadura’ da Europa. Mas, por outro, a vitória da esquerda não chegou para bater o total somado da coligação governamental – Nova Democracia, conservadores (23,2%) e Pasok, socialistas (9%).

Ou seja, a esquerda vence, abala, mas não derruba, já que os resultados não devem chegar para fragilizar o Governo ao ponto de ser obrigado a partir para eleições antecipadas. A par disto, ainda na Grécia, o partido neo-nazi Aurora Dourada consegue um resultado histórico e, com 9,3% dos votos, a extrema-direita elege três deputados para o Parlamento Europeu.

A maioria continua ao centro, mas menos

De um pólo ao outro, com uma forte presença de partidos anti-Europa, mas ainda assim com uma maioria centrista, este é o cenário global do que ontem se passou na Europa e do que, a partir de hoje, vai ser a realidade do Parlamento Europeu.

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Feitas as contas aos 28 estados-membros e aos 751 lugares à disposição, os partidos do centro direita (PPE) voltaram a ser os mais votados, com 28,23% (elegeram 212 deputados), um passo à frente dos sociais democratas (PSE) que, com 24,9% dos votos, conseguiram eleger 187 eurodeputados. Ainda assim, note-se que tanto PPE como PSE caíram face às últimas europeias de 2009: a direita tinha elegido 274 deputados e o centro-esquerda 196. A terceira maior força no Parlamento Europeu volta a ser a Aliança dos Liberais e Democratas da Europa, com 9,52% dos votos e 74 deputados eleitos, menos do que os 83 que tinha em 2009.

Uma queda generalizada das forças do centro que se deve, claro, a uma ascensão surpreendente (ou pelo menos inédita) dos extremos. O novo Parlamento Europeu (PE) vai contar com mais de 120 deputados considerados extremistas, entre eurocéticos, conservadores e da esquerda radical.

A desilusão que conduz ao extremismo

O que se passou em França é o indicador mais gritante. A Frente Nacional de Marine Le Pen conseguiu 26% dos votos e conseguiu eleger entre 23 a 25 deputados. Uma vitória de protesto contra os socialistas de François Hollande, que foram esmagados, conseguindo apenas 14%; e contra a UMP, de centro direita (no governo anterior), que ficou em segundo lugar, com 21% dos votos. Com fortes políticas anti-imigração, anti-Bruxelas e anti-euro, a Frente Nacional teve a votação mais expressiva entre a franja da população mais jovem: 30% dos seus eleitores têm menos de 35 anos.

Para Le Pen, a eleição de domingo mostra que França “gritou alto e bom som” que quer ser governada “por franceses, para os franceses e com os franceses” e não por “comissários estrangeiros em Bruxelas”. “Mais do que um choque, foi um terramoto”, viu-se obrigado a dizer o primeiro-ministro gaulês, Manuel Valls. Resta saber como Valls e Hollande vão reagir ao cartão vermelho.

Mas além do caso hiperbólico francês, os conservadores e nacionalistas ligados à ala da extrema-direita também venceram na Áustria e na Dinamarca, conseguindo eleger cinco e quatro deputados, respetivamente. E conseguiram resultados inéditos na Holanda, com o ‘Partido da Liberdade’ de Geert Wilders, que a dada altura se associou à Frente Nacional francesa para fortalecer a ideia de uma direita unida na Europa, a conseguir um quase empate no primeiro lugar e a eleger quatro deputados para o Parlamento; na Finlândia, com o ‘Partido dos Verdadeiro Finlandeses’ a ficar como terceira força política, com praticamente 13% dos votos (dois deputados); e na Grécia, onde o partido neo-nazi Aurora Dourada voltou à cena e conseguiu eleger três representantes.

Também na Alemanha, onde o terramoto foi menor já que o partido vencedor voltou a ser a CDU de Angela Merkel (com 36 deputados eleitos), o partido neo-nazi conseguiu mesmo eleger um deputado, e o partido ‘Alternativa para a Alemanha’ (AfD), profundamente eurocético e anti-euro, celebrou a eleição de sete deputados, entrando desta forma triunfal pela primeira vez no Parlamento Europeu.

No Reino Unido o cenário também foi de protesto, com o “terramoto” de Nigel Farage (UKIP) a abalar os conservadores de David Cameron e os trabalhistas da oposição, com o seu discurso anti-imigração, anti-democracia direta e anti-Europa. Um resultado acima de tudo histórico: há mais de um século que nenhuma eleição britânica tinha sido ganha por um partido que não o Trabalhista ou o Conservador.

Semelhante ao caso britânico foi o caso dos nuestros hermanos. Em Espanha, apesar de os dois maiores partidos terem voltado a conseguir os melhores resultados, não conseguiram manter a hegemonia dos anos anteriores – ficando abaixo dos 50% dos votos expressos. Muitos dos votos dos conservadores do PP e dos socialistas do PSOE foram distribuídos por várias outras forças políticas insurgentes. Mais um caso de desilusão pelas forças políticas vigentes. O movimento ‘Podemos’, nascido das manifestações do movimento 15M, foi a quarta força política mais votada, conseguindo eleger cinco deputados. Também a ‘União Progresso e Democracia’, criada especificamente para arrebatar a liderança bipartidária do PP e do PSOE, conseguiu eleger quatro nomes para o Parlamento.

Em Itália, a vitória esmagadora do partido no Governo põe em evidência uma espécie de contra-ciclo transalpino. O ‘Partido Democrático’ de Matteo Renzi conseguiu um resultado surpreendente face às sondagens pré-eleitorais, com 40,86% dos votos – mais 20% do que a segunda força, o eurocético ‘Movimento 5 Estrelas’, do comediante Beppe Grillo. Quem foi esmagado foi Silvio Berlusconi, com a ‘Força Itália’ a parar nos 16,7%. Mas também aqui se notou uma ascensão da política anti-europeia, não só pela forte expressão do partido de Beppe Grillo, como também pela eleição de um deputado por parte da Lista Tsipras (esquerda radical) e por parte do Novo Centro-Direita, encabeçado por Angelino Alfano (próximo de Berlusconi, e atualmente no Governo), que também conseguiu eleger um membro do Parlamento.

Perante esta mudança de rosto da Europa, resta saber como se vão entender os vários partidos europeus em coligação no seio do PE. Para já, a conclusão inevitável é de que a Europa está em protesto – o que também se pode ver pela fraca afluência às urnas (43%) que não chega para dar força à imagem de Bruxelas.