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A acupuntura médica e a chinesa são diferentes? E alguma resulta?

Médicos de um lado, terapeutas alternativos do outro. Cada um reclama para si a prática válida da acupuntura e muitos doentes garantem que sentem melhorias, mas a ciência ainda não o conseguiu provar.

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Há quem sinta uma pequena dor na picada, deite umas gotas de sangue ou até desmaie. Nada de preocupante. Mas se tem medo de agulhas, a acupuntura é capaz de não ser a melhor opção si. Se o problema são dores lombares, uma das principais razões que levam os portugueses ao médico e a faltar ao trabalho, saiba que as autoridades de saúde britânicas preferem recomendar exercício físico do que acupuntura ou massagens. Para outros tipos de dores, como enxaquecas, dores menstruais ou fibromialgia, não há provas fortes de que funcionem. E se for para outro tipo de doenças, como herpes, asma, diabetes ou infertilidade, ainda é mais difícil encontrar resultados que demonstrem que a acupuntura é eficaz para os tratar.

Os praticantes de acupuntura chinesa vão alegar que a acupuntura não pode ser aplicada aos diagnósticos da medicina moderna (embora usem doenças identificadas pela medicina como exemplos que podem tratar). Os praticantes de acupuntura médica afirmam que só os médicos têm competência para estabelecer um diagnóstico e que, portanto, só eles podem praticar acupuntura.

Não há dúvida que muitas pessoas que fazem acupuntura, seja ela de que tipo for, dizem sentir-se melhor depois da sessão. Se isso lhes tratou o problema, já é uma questão diferente. É por isso que um grupo de profissionais de saúde e cientistas defende que a acupuntura, e outras terapias alternativas, devem ser considerados serviços de bem-estar e não de saúde. Dizem que a acupuntura (e as outras terapias alternativas) deve ser regulamentada e certificada sim, para as pessoas não correrem o risco de sofrerem lesões graves ou infeções, mas não deve ser considerada uma intervenção terapêutica.

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E porque não? Porque, até ao momento, não foi possível demonstrar, sem sombra de dúvidas, que a acupuntura é mais do que um placebo. Ou seja, está demonstrado que muitas pessoas se sentem melhor (embora muitas outras não), mas não é possível atribuí-lo, com certeza, à inserção das agulhas. Pode tão somente dever-se ao facto de a pessoa saber que está a ser tratada ou de ter recebido mais atenção do terapeuta do que numa consulta de cinco minutos em que o médico não tira os olhos do computador.

O Observador falou com médicos e terapeutas de acupuntura chinesa (e leu muitos artigos científicos) para lhe explicar o que está em causa quando falamos dos tratamentos com acupuntura.

Quais as principais diferenças entre a acupuntura médica e a acupuntura chinesa?

A acupuntura, seja ela chinesa, japonesa, coreana, indiana, ou seja a chamada acupuntura médica, parte de um princípio comum: a colocação de agulhas em pontos ou áreas específicos. Os próprios protocolos da acupuntura médica foram escolhidos a partir dos protocolos da acupuntura chinesa, disse ao Observador, Helena Pinto Ferreira, presidente da Sociedade Portuguesa Médica de Acupuntura (SPMA). A partir daqui, as práticas parecem seguir caminhos diferentes para um objetivo comum: tratar os doentes. Os locais de inserção das agulhas, as próprias agulhas, o número de agulhas por tratamento e a profundidade com que penetram a pele são alguns dos pontos divergentes, mas não são os motivos que causam mais mal-estar entre praticantes de acupuntura médica e acupuntura chinesa — só para citar as práticas mais comuns em Portugal.

A formação do acupuntor e o diagnóstico são as principais diferenças apontadas pelos dois grupos. Os médicos defendem que têm mais competências para fazer o tratamento, motivado pelo diagnóstico que realizam. Os acupuntores chineses dizem que a formação dos médicos em acupuntura é insuficiente. “Na verdade, esta terminologia ‘médica’ é apenas marketing”, diz ao Observador Pedro Choy, diretor das clínicas de medicina chinesa com o seu nome. O médico João Júlio Cerqueira, crítico das terapias alternativas, diz ao Observador que “não é por colocarem o ‘médico’ à frente da acupuntura que a técnica se torna excecional”. Para o médico de família e criador do projeto Scimed, a falta de evidência científica é um problema para ambos os casos (mas já lá vamos).

Outra visão têm os médicos que praticam acupuntura. A investigação que tem sido feita sobre os efeitos fisiológicos da acupuntura, explicam que a técnica “tenha evoluído significativamente” ao longo do últimos 20 anos e se tenha “distanciado completamente da acupuntura tradicional chinesa”, diz ao Observador Maria do Rosário Alonso, presidente da Competência em Acupuntura Médica na Ordem dos Médicos.

A formação

Os médicos, para poderem exercer acupuntura médica, têm de realizar uma pós-graduação validada pela Ordem dos Médicos (OM) e, depois, pedir o reconhecimento dessa competência à entidade que a regula dentro da OM — criada em 2002. Esta pós-graduação deve ter no mínimo 300 horas (um ano letivo) e, pelo menos, 150 horas de contacto em presença física, define a comissão técnica da Competência em Acupuntura Médica.

A Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Lisboa, por exemplo, tem uma pós-graduação de 316 horas, 166 das quais de presença física, com pelo menos 70 horas de tempo de contacto. As restantes 150 horas são de “um programa de estudo domiciliário”, “que se focará no estudo da anatomia e dos conceitos fisiológicos necessários para compreender a ação terapêutica da acupuntura”. Ou seja, metade do curso é feita em casa. “São horas de estudo para os testes”, explica ao Observador Maria do Rosário Alonso.

Esta é uma das principais críticas dos praticantes de acupuntura chinesa. “A acupuntura médica é um resumo da acupuntura chinesa”, diz Pedro Choy, diretor de uma escola Medicina Tradicional Chinesa com cursos de cinco anos. “Em resumo, é como se quisesse falar português, mas apenas com 500 palavras.” Para o acupuntor, o facto de já serem médicos em nada ajuda a formação em acupuntura — “até dificulta” — porque o pensamento que regula a medicina chinesa é “totalmente diferente do pensamento médico”. Neste ponto — a diferença do pensamento — os dois lados estão de acordo.

“A acupunctura médica é um resumo da acupuntura chinesa.”
Pedro Choy, terapeuta de Medicina Tradicional Chinesa

Para Eduardo Augusto Vicente, membro do Conselho Consultivo para as Terapêuticas Não Convencionais no Ministério da Saúde, os médicos “apenas aprendem a pôr agulhas para aliviar as dores” e mesmo para isso não têm uma habilitação adequada porque não têm um número de horas suficientes. A licenciatura em acupuntura, definida por portaria do Governo, tem a duração de quatro anos — e nem sequer pode ser lecionada por médicos acupuntores. Além disso, este acupuntor das Clínicas Pedro Choy considera que “a formação escassa dos médicos não os consegue habilitar para tratar as doenças previstas pela Organização Mundial de Saúde”.

Sobre os conteúdos específicos da formação em acupuntura regulados pela portaria recaem também críticas. “Os domínios de yin e yang, cinco movimentos, qi, sangue e líquidos orgânicos, os oito princípios de diagnóstico, o sistema dos meridianos e ramificações jing luo, síndromes gerais e síndromes dos zang fu, patologia e etipatogenia energéticas, os seis níveis, as quatro camadas, os três aquecedores” descritos, são conceitos que não têm base científica, nem correspondência na prática clínica, lembram os autores do livro “A Ciência e os Seus Inimigos”, da editora Gradiva. As universidades e politécnicos não deveriam ter cursos em terapias que não têm base científica, porque isso induz os alunos, os doentes e as pessoas em geral em erro, como alerta David Marçal no livro “Pseudociência”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

O diagnóstico

Para Eduardo Augusto Vicente, só a formação adequada em acupuntura vai permitir um diagnóstico correto. Neste caso, um diagnóstico em medicina tradicional chinesa, ou seja, um “diagnóstico energético”. Localizado o problema, o tratamento também será “energético”.

“A questão do diagnóstico é para nós muito importante, dado que apenas os médicos têm a preparação suficiente e adequada para o fazer”, disse Helena Pinto Ferreira, presidente da Sociedade Portuguesa Médica de Acupuntura (SPMA), numa entrevista ao Observador em abril de 2018. Os médicos que praticam acupuntura baseiam o diagnóstico na anatomia, na neurofisiologia e na investigação científica. “Errar ou atrasar um diagnóstico é errar ou atrasar um tratamento e colocar um doente em risco potencialmente fatal”, alertou a médica.

Uma das principais críticas dos médicos acupunturistas é a linguagem e tipo de raciocínio usado na acupuntura chinesa. Mas o médico João Júlio Cerqueira também critica a forma como a SPMA apresenta a acupuntura médica no site, classificando-a de “pseudocientífica” (que utiliza conceitos que parecem científicos, mas que não é baseada na ciência). “Afirmações como a capacidade da acupuntura em ‘utilizar a capacidade natural do corpo de retornar à normalidade’, ‘modular o sistema nervoso central’ e ‘estimular o sistema imunitário’ são vagas e carecem de explicação mais aprofundada”, diz.

A moxibustão consiste na queima de ervas chinesas nos locais dos pontos de acupuntura — STR/AFP/Getty Images

STR/AFP/AFP/Getty Images

O tratamento

A acupuntura chinesa e a acupuntura médica têm em comum a prática de inserção de agulhas. Mas enquanto a acupuntura chinesa pode usar a moxibustão (estimulação dos pontos de acupuntura pelo calor), a acupuntura médica prefere a estimulação elétrica (eletroacupuntura).

Diferentes são também os pontos selecionados. A acupuntura chinesa tem cerca de sete mil pontos de acupuntura predefinidos (metade de cada lado do corpo), referiu Eduardo Augusto Vicente. Já acupuntura médica não tem pontos pré-estabelecidos, diz Maria do Rosário Vicente. A médica admite, no entanto, que alguns dos “pontos gatilho” identificados pela medicina (locais no músculo como maior tendência para contraturas ou lesões, e que provocam uma dor disseminada) correspondem a pontos de acupuntura descritos na medicina tradicional chinesa.

Na medicina, o tratamento é definido com base no diagnóstico médico, que depende da entrevista feita pelo profissional de saúde (anamnese), do exame físico e dos exames complementares, diz Maria do Rosário Alonso. Nem todos os doentes terão recomendação para fazer acupuntura e, muitas vezes, a acupuntura é apenas uma das opções terapêuticas, que pode ser combinada com tratamentos-padrão (como medicação, fisioterapia ou exercícios físicos) para obter melhores resultados. “A acupuntura não substitui nem se sobrepõe às técnicas recomendadas [padrão], é complementar.”

Quais as aplicações da acupuntura?

A lista de aplicações da acupuntura é vasta, tendo em conta as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Uma revisão dos ensaios clínicos sobre acupuntura, publicada no final dos anos 1990, identificou quase 30 doenças ou sintomas para os quais a acupuntura se teria mostrado um tratamento eficaz, incluindo dor lombar, no pescoço e ciática, depressão, hipertensão e hipotensão (tensão alta e baixa), correção da posição do feto, entre outros. Outros 70 problemas, como acne, dependência do tabaco, infertilidade feminina e disfunção sexual masculina, para nomear alguns, foram identificados como tendo tido resultados positivos, apesar de precisarem de mais estudos.

"A acupuntura não substitui nem se sobrepõe às técnicas recomendadas [padrão], é complementar."
Maria do Rosário Alonso, presidente da Competência em Acupuntura Médica da Ordem dos Médicos

O problema é que a larga maioria, para não dizer todas estas condições, não passou no teste dos ensaios científicos mais rigorosos, como veremos adiante. A defesa da acupuntura pela autora da revisão, Xiaorui Zhang, coordenadora das políticas para as medicinas tradicionais da OMS, torna-se clara quando recomenda o uso de acupuntura para doenças e sintomas cuja evidência é escassa, mas “vale a pena tentar, porque o tratamento com terapias convencionais e outras terapias é difícil”, como em casos de surdez ou daltonismo. Ou nos casos em que o acupuntor tem formação em medicina moderna e um equipamento de monitorização adequado, apesar de não haver indicação do sucesso da acupuntura, como para o coma e convulsões infantis.

Eduardo Augusto Vicente concorda que “a acupuntura aplica-se a qualquer tipo de doença”. Reforça “aplica” e não “cura”, porque “não há nenhuma medicina que possa curar todas as doenças”.

A posição dos médicos é bem diferente. Helena Pinto Ferreira deixava claro, em 2018, que “a acupuntura não é panaceia para todos os males e mesmo a lista de indicações publicada pela OMS não corresponde, em geral, a estudos clínicos validados”. No site da SPMA, a acupuntura é indicada no “tratamento da artrose da anca, joelho, na lombalgia e cefaleia de tensão, dor crónica do ombro e em outras situações, como a dismenorreia [dores menstruais]”. Considera ainda que a acupuntura é “eficaz no alívio da dor pós-operatória, dor pós-cirurgia dentária e nas náuseas (pós-quimioterapia e gravidez)”. Já sobre doenças dos órgãos internos, a sociedade refere que os efeitos do tratamento “não estão tão bem estudados como os efeitos no tratamento da dor”.

Uma das críticas frequentes entre quem não reconhece os efeitos da acupuntura, nem das outras terapias alternativas, é que não é possível que um único tipo de tratamento, como inserção de agulhas, seja capaz de tratar situações tão díspares como náuseas, pedras dos rins, dores de cabeça, tosse convulsa ou dores no pescoço.

O que diz a ciência sobre a eficácia?

A acupuntura é uma prática muito mais antiga do que a medicina moderna ou que a investigação científica, mas a utilização cada vez mais comum fora dos países de origem tem motivado trabalhos científicos para validar a utilização em determinadas doenças ou sintomas. No entanto, estes trabalhos não distinguem a acupuntura médica da acupuntura chinesa e, muitas vezes, misturam também a eletroacupuntura (com estímulos elétricos), acupuntura laser ou a moxibustão (que inclui a utilização de calor nos pontos de acupuntura).

Nos trabalhos de investigação, publicados em artigos científicos, e nas revisões sistemáticas, que pretendem agregar vários estudos para chegar a uma conclusão mais abrangente, são frequentes dois tipos de conclusões: a acupuntura ou não mostra efeitos terapêuticos ou mostra efeitos moderados; estes efeitos são independentes dos pontos de acupuntura usados. “Obviamente que existem muitos estudos que demonstram a eficácia da acupuntura”, diz João Júlio Cerqueira. “Mas quando vamos analisar esses estudos percebemos que existem falhas metodológicas importantes.” Ou seja, a forma como são conduzidos os estudos deixam margem para se obterem resultados enviesados ou existirem erros de interpretação.

“Às vezes, pensamos muito em medicina baseada na evidência [na investigação científica], mas esquecemo-nos que há evidência na prática da medicina”, diz Maria do Rosário Alonso. A médica explica que para muitas técnicas a evidência científica é muito baixa — ou seja, os resultados dos estudos com vários doentes são fracos —, mas o que interessa são os resultados que se veem no doente que têm à frente. “Se baseássemos a medicina apenas na evidência [no que é demonstrado pela investigação científica], haveria muitos atos médicos que não seriam praticados. Como muitas das técnicas usadas na medicina física e de reabilitação”, acrescenta. “A prática da medicina é uma arte, uma arte com bom senso.”

Acupuntura no tratamento da dor crónica

Os defensores da acupuntura, como Helena Pinto Ferreira, indicam os resultados da equipa de Andrew J. Vickers, publicados na revista científica Archives of Internal Medicine em 2012, como uma validação para o uso da acupuntura na dor crónica: nas costas, pescoço e ombros, assim como na artrose (perda de cartilagem nas articulações) e na dor de cabeça crónica. Na revisão sistemática, que usou 29 ensaios clínicos e juntou um total de 17.922 doentes, os autores concluem que “os resultados são importantes tanto a nível clínico como científico”.

No entanto, os autores parecem contradizer as suas próprias conclusões. Primeiro dizem que “os dados indicam que a acupuntura é mais do que um placebo”. Mas na mesma frase referem que “as diferenças entre a acupuntura real e simulada é relativamente modesta, sugerindo que fatores além dos efeitos específicos da inserção das agulhas dão contributos importantes para os efeitos terapêuticos”. Ou seja, os investigadores não conseguiram confirmar que os resultados positivos nos doentes foram realmente resultado da inserção das agulhas, o que torna difícil afirmarem que é mais do que um placebo.

Mais: no artigo, os autores afirmam que a relevância clínica da acupuntura não se deve nem aos pontos onde se inserem as agulhas, nem à profundidade com que penetram a pele, e parecem reforçar mais uma vez o efeito placebo. “Várias linhas de argumentação sugerem que a acupuntura (quer seja real ou simulada) está associada a efeitos mais potentes de placebo ou de contexto do que outras intervenções”, referem no artigo que foi financiado pelo Centro Nacional para as Medicinas Complementares e Alternativas dos Institutos Nacionais de Saúde (Estados Unidos), um dos organismos que mais dinheiro tem investido na investigação das terapias alternativas.

“Quando há confiança no tratamento, o efeito do tratamento parece ser superior.”
João Júlio Cerqueira, médico especialista em Medicina Geral e Familiar

Reconhecendo a importância do efeito placebo, João Júlio Cerqueira, especialista em Medicina Geral e Familiar, diz que não são precisos comprimidos ou agulhas para se conseguir esse efeito. O mais importante é uma boa relação entre o terapeuta e o doente. “Quando há confiança no tratamento, o efeito do tratamento parece ser superior”, diz citando um artigo científico publicado na revista The British Medical Journal. “O primeiro grupo [de doentes com síndrome do intestino irritável] foi colocado numa lista de espera, o segundo recebeu tratamentos de acupuntura placebo e o terceiro recebeu acupuntura placebo acompanhada de atenção especial do médico (um relacionamento caloroso, o estabelecimento de uma relação de confiança e atenção sustentada)”, conta. Foi no terceiro grupo que se notaram as melhorias mais significativas, mostrando que a relação com o médico tinha sido a componente diferenciadora. “Portanto, a associação de um tratamento eficaz a uma relação médico/doente de qualidade é aquilo pelo qual devemos lutar na medicina.”

Juntar o maior número de artigos possível

Existirem muitos artigos sobre uma técnica terapêutica não significa, só por si, que essa técnica esteja validada pela ciência. Muitas vezes, esses trabalhos de investigação estão mal desenhados, incluem poucos doentes ou misturam várias técnicas, o que inviabiliza conclusões fidedignas. O artigo da equipa Andrew J. Vickers, enquanto revisão sistemática, inclui vários artigos sobre ensaios clínicos, o que permite aumentar o número de doentes em estudo, e os autores garantem que fizeram uma seleção dos melhores resultados.

Ainda assim, o trabalho têm algumas limitações. Para começar, misturam dentro daquilo a que chamam acupuntura simulada grupos que foram sujeitos a técnicas diferentes: inserção superficial das agulhas, agulhas retrateis, agulhas de eletroacupuntura desligadas ou intervenções laser com o aparelho desligado. Não é acautelado que o efeito de cada tipo de intervenção simulada possa dar resultados diferentes dos restantes. Além disso, alguns dos doentes, quer no grupo da acupuntura real, quer na simulada, estavam a tomar analgésicos ou faziam exercícios físicos acompanhados por terapeuta — e ambos as intervenções também têm como objetivo aliviar as dores. Torna-se, assim, difícil perceber até que ponto os efeitos são causados exclusivamente pela acupuntura ou se de facto há algum efeito causado pelas agulhas.

Os autores referem que os doentes sujeitos a acupuntura real ou simulada mostravam melhorias superiores às dos grupos que não receberam acupuntura, mas, nestes grupos, as pessoas foram sujeitas a situações muito diferentes: a alguns foi recomendado não recorrer à acupuntura, outros participaram em sessões educativas e alguns doentes receberam recomendações sobre a medicação aconselhada e as doses a tomar. Os próprios autores identificam esta diversidade e heterogeneidade nos grupos de controlo como um fator que justifica as diferenças encontradas — e não exclusivamente o tratamento de acupuntura.

Para reduzir a probabilidade de infeções, as agulhas de acupuntura devem ser descartáveis e ter um aplicador — Joe Raedle/Getty Images

Joe Raedle/Getty Images

Tendo em consideração as limitações e as dúvidas que ainda persistem sobre a eficácia e segurança dos tratamentos com acupuntura, a equipa de Edzard Ernst, investigador na área de Medicina Complementar da Universidade de Exeter & Plymouth (Reino Unido), decidiu fazer uma revisão das revisões. Num artigo publicado na revista científica Pain, em 2011, analisou as revisões sistemáticas (aquelas que juntam vários artigos) publicadas desde 2000, incluindo também trabalhos presentes em bases de dados coreanas e chinesas. Foram selecionadas 57 revisões sistemáticas que cumpriram o critério de inclusão nesta análise abrangente, ainda que só quatro deles fossem de excelente qualidade — 19 eram de qualidade fraca.

Os autores concluíram que, para a maior parte das doenças ou sintomas, quando existem resultados positivos, não existe mais do que uma revisão sistemática de qualidade a indicá-lo. “Para o tratamento da enxaqueca, artrite reumatóide e dores de cabeça de tensão, as conclusões foram principalmente negativas. Para a dismenorreia [dores menstruais] e dores na articulação temporomandibular [que liga os dois maxilares], a evidência era contraditória, sugerindo que mais e melhores estudos são necessários”, concluem os autores. Mais: a acupuntura falhou como tratamento eficaz na fibromialgia, não foi possível chegar a uma conclusão sobre a dor pós-operatória e os estudos sobre o herpes eram de fraca qualidade.

Só o tratamento das dores no pescoço aparece com resultados positivos em mais do que uma revisão sistemática de elevada qualidade, destacam os investigadores. Mesmo assim, mantém as dúvidas: “Não há razão plausível para que a acupuntura reduza as dores em certas condições, mas não funcione em muitas outras”.

Para outras condições, como deixar de fumar, diminuir a frequência de cesarianas ou depressão, só para citar algumas, a Cochrane, que faz revisões sistemáticas na área da saúde, não encontrou benefícios claros da acupuntura e, pelo contrário, refere que os estudos são, em geral, de fraca qualidade. No caso das enxaquecas, porém, a Cochrane refere que pode ser uma opção para a prevenção dos episódios, para quem se quiser sujeitar a ela, e que é pelo menos tão eficaz como os medicamentos normalmente usados.

A evidência científica versus a antiguidade

Quando questionado sobre a escassez de resultados científicos favoráveis, Eduardo Augusto Vicente nega que a acupuntura não tenha comprovação científica. Mas vai mais longe: “Que melhor comprovação pode haver, para além da comprovação científica, que a acupuntura ter milhares de anos, já muitos [milhões de] pessoas beneficiaram da acupuntura”. O acupuntor que diz não desvalorizar o método científico, porque contribuiu para a evolução da medicina, parece, ao mesmo tempo, não o quer misturar com a acupuntura e medicina tradicional chinesa. “O método científico é muito mais recente.”

Tal como muitos artigos publicados não são prova de eficácia, a antiguidade de uma técnica também não. O tabaco era usado pelos nativos americanos com alegados benefícios para a saúde e mais tarde foi incorporado pelas sociedades modernas, mas a investigação científica mostrou que é um forte fator de risco para o aparecimento de cancro. Da mesma forma, as sangrias e purgas eram uma prática comum na medicina ocidental, até se ter demonstrado que não só não eram eficazes no tratamento dos doentes como, em certos casos, lhes aceleravam a morte.

A acupuntura é muito mais antiga e não apresentará, claro, os mesmos riscos que o tabaco ou as sangrias — se o risco de morte ou complicações graves fosse maior, seria mais rapidamente abandonada. Além disso, ao longo do tempo têm sido publicados resultados positivos da prática de acupuntura. Mas entre as principais críticas a estes estudos positivos estão a origem e quem os realiza. Os resultados positivos são mais frequentes quando são feitos na China (ou noutros países que pratiquem tradicionalmente a acupuntura), quando são financiados por grupos que apoiam as terapias alternativas, quando são estudos de pior qualidade e quando são publicados em revistas científicas que se dedicam exclusivamente a este tipo de terapias.

Claro que nas situações em que comprovadamente as terapias tradicionais se mostrem eficazes, mediante recurso à investigação científica, é possível e desejável integrá-las na medicina moderna. Um desses casos é o do medicamento mais eficaz contra a malária, inicialmente extraído da planta artemísia (agora fabricado em laboratório), que deu inclusivamente lugar a um prémio Nobel da Medicina, em 2015. Youyou Tu, investigadora chinesa, voltou-se para a medicina tradicional à procura de uma solução para esta doença e conseguiu isolar a molécula artemisinina, que se viria a mostrar eficaz contra o parasita da malária tanto em animais como em humanos. Mas para se tornar um medicamento amplamente utilizado, foi sujeito à investigação científica e ensaios clínicos.

Prémio Nobel da Medicina para a descoberta de terapias contra malária e elefantíase

Quais as limitações à investigação científica?

A investigação em acupuntura médica ou acupuntura chinesa enfrenta as mesmas dificuldades, que são semelhantes às de outros tratamentos que não se baseiam em fármacos.

Os ensaios clínicos devem ter um grupo de pessoas a receber o tratamento que se quer testar e, pelo menos, um grupo controlo, ou seja, um grupo de pessoas que não recebe o tratamento — mas também pode ter outros grupos que recebem outros tipos de tratamento, com os quais se quer fazer uma comparação. Primeiro, as pessoas devem ser distribuídas ao acaso pelos grupos, sem saberem em que grupo estão. Depois, para se poder ter um bom grupo controlo, as pessoas devem ser sujeitas ao mesmo tipo de procedimentos que o outro grupo, exceto na parte do tratamento — ou seja, terem o mesmo tipo de consulta, fazerem o mesmo tipo de exames, terem a mesma duração de tratamento. Se para fármacos isto é fácil — o grupo em teste toma o medicamento e o grupo controlo toma algo que se assemelha ao medicamento, mas sem a molécula —, para terapias como a acupuntura ou mesmo a manipulação física, isto é mais difícil.

Esta tem sido uma das limitações na investigação da acupuntura: definir qual o melhor grupo controlo. Não faz sentido comparar a acupuntura com tratamento nenhum, porque não receber tratamento já está a influenciar negativamente a pessoa. Comparar acupuntura com um fármaco também não fará sentido porque quem faz acupuntura terá mais tempo de atenção do terapeuta o que pode, só por si, ser um fator para influenciar a melhoria do doente. Assim, foram criadas formas de acupuntura simulada, com agulhas retrateis ou usando pontos que não estão definidos para a acupuntura.

Mas também aqui se encontram limitações, o terapeuta sabe sempre se está a fazer acupuntura real ou simulada, o que pode influenciar a forma como lida com o doente, e os doentes mais experientes podem perceber que estão a receber uma simulação. Maria do Rosário Alonso lembra ainda que a acupuntura simulada não é um verdadeiro controlo porque não é um estímulo inerte — não é como um comprimido só de açúcar para comparar com um comprimido real. “Quando se realizam estudos que comparam a acupuntura [real] com acupuntura sham [simulada], o que se está a comparar é uma técnica de acupuntura com outra técnica de acupuntura.”

Os melhores ensaios clínicos, além de terem grupos controlo e doentes distribuídos ao acaso pelos grupos, deveriam também ser duplamente cegos (ter dupla ocultação), quer isto dizer que nem doente, nem terapeuta deveriam saber se estão a fazer o tratamento ou o placebo. Visto que os acupuntores percebem se estão a fazer a simulação ou não, o ideal seria que o médico ou investigador que avalia os doentes antes e depois da terapia não soubesse que tipo de tratamento recebeu o doente.

“É muito difícil fazer um estudo duplamente cego controlado, quando é necessário introduzir uma agulha através da pele”, disse Helena Pinto Ferreira. “Assim, torna-se difícil comprovar que a acupuntura, que é uma intervenção complexa, tem um efeito superior ao placebo.” A médica admite que, na comparação entre a acupuntura real e a simulada, as diferenças “não são claras”, “em parte devido aos efeitos não específicos da agulha”.

Uma opção possível seria ter dois grupos, um de acupuntura real com um comprimido placebo e outro de acupuntura simulada com um comprimido real, sugere João Júlio Cerqueira. Assim, seria possível determinar o que é mais eficaz: a acupuntura ou o tratamento-padrão (como um comprimido para as dores). “Isto raramente é feito, infelizmente.” Maria do Rosário Alonso concorda que falta investigação que compare acupuntura com outros tratamentos, não só medicamentos, mas outras técnicas de reabilitação física como ultra-som ou massagens. A médica diz também que são precisos mais estudos com eletroacupuntura.

Se fazer ensaios clínicos não é fácil e pode introduzir algum enviesamento, outro tipo de trabalhos apresentam resultados ainda menos confiáveis, como refere a Organização Mundial de Saúde, na revisão dos ensaios clínicos sobre acupuntura. Comparar o efeito de acupuntura com tratamentos usados anteriormente pelo doente podem não ter interesse, especialmente porque o estudo pode não ter sido bem desenhado, refere a OMS. Não comparar a acupuntura com outro tipo de tratamento tem ainda menos significado, especialmente quando se trata de doenças ou sintomas que passam ao fim de algum tempo, mesmo sem tratamentos específicos.

“É muito difícil fazer um estudo duplamente cego controlado, quando é necessário introduzir uma agulha através da pele.”
Helena Pinto Ferreira, presidente da Sociedade Portuguesa Médica de Acupuntura

“Comigo funcionou.” Os testemunhos pessoais são um dos argumentos usados não só pelos doentes como pelos acupuntores e outros praticantes de terapias alternativas. Sem nenhum estudo científico do caso, não é possível afirmar que a terapia foi eficaz no tratamento da doença, assim como também não se pode dizer que a pessoa não se tenha realmente sentido melhor. Mas o que pode justificar estas melhorias? A expectativa que o doente tem em relação ao tratamento; a doença passar ao fim de algum tempo, mesmo que não tenha havido qualquer intervenção (como as dores menstruais); a doença ser crónica e estar a passar por um momento alto (em que o doente se sente melhor mesmo sem tratamento); ou o doente estar a fazer outros tratamentos ou ter mudado hábitos no seu dia a dia, mas atribuir a melhoria a um tratamento específico (como a acupuntura). Se não for possível eliminar outros fatores que possam ter contribuído para a melhoria, não se pode afirmar o que provocou essa melhoria e muito menos validar o tratamento como eficaz para outras pessoas.

Além do que já foi referido, até ao momento a ciência ainda não conseguiu demonstrar a energia qi, a existência dos meridianos ou mesmo onde se localizam os pontos de acupuntura — não existe nenhuma diferença anatómica ou fisiológica para determinar que a agulha se insere num local e não noutro.

Qual a posição da Ordem dos Médicos em relação à acupuntura?

A Ordem dos Médicos tem na sua estrutura, desde 2002, uma comissão que avalia e certifica a competência em acupuntura médica. O reconhecimento desta competência e a existência de formação superior na área é apoiada pela Sociedade Portuguesa Médica de Acupuntura. Até ao momento já foram reconhecidos mais de 150 médicos acupuntores que podem ser integrados no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Os primeiros médicos portugueses a praticarem acupuntura terão aprendido a técnica em França, há cerca de 30 anos, “um conhecimento que se baseava exclusivamente na medicina tradicional chinesa [MTC]”, confirma a presidente da Competência em Acupuntura Médica. Mas nos últimos 10 a 15 anos, a prática foi-se distanciando da acupuntura chinesa porque o princípio dos meridianos e os protocolos da MTC não eram compatíveis com o pensamento médico. “Começou a pensar-se em estruturas anatómicas, estruturas musculares e nervosas.” A MTC baseia-se no fluxo de energia.

A acupuntura existirá nos serviços de saúde públicos desde que existem médicos formados na área, mas a primeira consulta de acupuntura no SNS terá surgido no Serviço de Medicina Física e Reabilitação do Hospital Dona Estefânia, em 1988. Pontualmente, foi-se estendendo a outros hospitais e centros de saúde, mas a grande expansão deu-se com a integração de médicos acupuntores nas Unidades de Dor dos hospitais, conta Maria do Rosário Alonso. “Atualmente, cerca de 70% das Unidades de Dor dos hospitais do SNS têm médicos de distintas especialidades que oferecem esta técnica terapêutica [acupuntura] aos seus doentes.”

A integração da acupuntura (como qualquer outra valência) nos hospitais e centros de saúde depende do interesse da direção clínica dos próprios estabelecimentos de saúde. Neste caso, a acupuntura foi integrada nestes serviços, muito antes de a competência ter sequer sido reconhecida pela Ordem dos Médicos (OM). A competência só surgiu depois de já haver um número considerável de profissionais habilitados, que solicitaram a criação da competência à OM.

A oposição à acupuntura

O facto de a Ordem dos Médicos reconhecer a acupuntura médica como uma prática na medicina não é consensual entre os médicos, como João Júlio Cerqueira já deixou claro inúmeras vezes. “A existência de uma competência em acupuntura médica é uma forma de validar institucionalmente, utilizando a autoridade e credibilidade da Ordem dos Médicos, uma prática que não tem validação científica”, diz. “Os médicos praticantes de acupuntura ‘lavaram a cara’ a esta prática removendo os termos místico-mágicos como meridianos e energia qi e substituindo-os por uma linguagem mais científica para dar credibilidade a esta prática que simplesmente não tem.”

O próprio bastonário, Miguel Guimarães, disse ao Observador, em abril de 2018, que esta competência deveria ser revista. “Nos últimos estudos já não está a demonstrar a evidência científica que demonstrava. Temos de voltar a debatê-la.” O Observador tentou contactar o bastonário da Ordem dos Médicos, mas, até ao momento, não obteve respostas às perguntas enviadas.

Médicos ibéricos querem as pseudoterapias fora dos consultórios

Para combater práticas na medicina que não tenham evidência científica, a Ordem dos Médicos portuguesa e o Conselho Geral de Colégios Oficiais de Médicos em Espanha assinaram uma declaração conjunta que, entre outros pontos, exige que as pseudoterapias e as pseudociências sejam retiradas dos serviços de saúde e dos consultórios médicos. A declaração não especifica, no entanto, que práticas devem ser banidas.

A formação dos acupuntores e a própria prática da profissão encontra-se regulamentada em Portugal. Os acupuntores, que não sejam médicos com competência reconhecida pela OM, têm de ver a sua cédula profissional certificada pela Administração Central do Sistema de Saúde. Para muitos investigadores e profissionais de saúde, haver legislação sobre uma prática em saúde, antes de existir evidência científica para a mesma, é inverter o processo. “A ciência não se baseia em portaria, decretos-lei, diretivas ou regulamentos, porque qualquer governo pode publicar um disparate qualquer. Baseia-se antes em provas”, escreveram Carlos Fiolhais e David Marçal, no livro “A Ciência e os Seus Inimigos”.

João Júlio Cerqueira diz não ter como objetivo que os médicos que praticam acupuntura deixem de o fazer. “Mas não podemos continuar a reconhecer institucionalmente uma terapia quando ela não demonstrou ser eficaz para merecer tal reconhecimento.” Os signatários manifesto “Por cuidados de saúde de base científica”, que incluem profissionais de saúde, cientistas e vários cidadãos não ligados à investigação científica, defendem que a terapias alternativas devem ser regulamentadas, mas não como uma intervenção terapêutica, antes na área do lazer e bem-estar.

Manifesto pede a revogação da legislação que regulamenta as terapias alternativas

Qual a posição das instituições de saúde a nível internacional?

A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem vindo a recomendar, já desde finais dos anos 1970, que as medicinas tradicionais (e não apenas a chinesa) sejam integradas na medicina moderna e que os países criem regulamentação nesse sentido. O objetivo principal seria que, sobretudo nos países mais pobres, a população tivesse acesso a algum cuidado de saúde. Embora pareça um objetivo nobre, também tem sido criticado por quem defende que o foco deveria ser levar medicina baseada na evidência, sobretudo às populações mais carenciadas.

A expansão das práticas tradicionais e de outras terapias alternativas, como a homeopatia, levaram a que a OMS e até o Conselho Europeu reforçassem a necessidade de regulamentação das mesmas. Uma e outra entidade, no entanto, deixavam claro que deveriam ser avaliadas a eficácia e segurança das terapias e que era necessário fazer mais investigação.

Vários países, tal como Portugal, seguiram as orientações da OMS e criaram legislação específica para a prática de terapias não-convencionais, alternativas ou complementares, consoante a designação adotada pelos Estados. O Reino Unido era um dos exemplos mais vezes referido, por exemplo, em relação à inclusão da acupuntura no serviço nacional de saúde. No entanto, em 2016, as recomendações oficiais mudaram e a acupuntura deixou de ser recomendada para tratar as dores lombares (como era anteriormente). Da mesma forma, deixaram de ser recomendadas terapias manipulativas, como quiropráxia ou a osteopatia, isoladamente. As recomendações apostam agora no exercício físico regular que pode ou não ser feito em conjunto com estas terapias.

“Em políticas de saúde não é possível regular o que não tem fundamento lógico. Regular estas práticas será sempre um exercício de ficção, porque se estará a tentar regular práticas sem demonstração de eficácia ou demonstradamente ineficazes.”
Manifesto “Por cuidados de saúde de base científica”

Mesmo o Centro Nacional para as Medicinas Complementares e Alternativas, nos Estados Unidos, reconhece que embora “a investigação sugira que a acupuntura pode ajudar a lidar com certos tipos de dores, a evidência sobre a utilidade para outras questões de saúde é duvidosa”. Este centro reconhece a utilidade da acupuntura nas dores de costas, pescoço, artrose do joelho e dor de cabeça.

Em Espanha, a Organização Médica Colegial aderiu a uma campanha do governo espanhol que pretende fornecer informação fidedigna aos cidadãos para que possam tomar decisões informadas sobre as pseudoterapias e pseudociências. Das 139 terapias alternativas identificadas no levantamento de 2011, 73 não tinham qualquer ensaio clínico ou revisão sistemática publicada entre 2012 e 2018. Sobre as restantes 66, onde se inclui a acupuntura, “o fato de haver publicações relacionadas com essas práticas não implica que as técnicas sejam suportadas por conhecimento científico e que sua eficácia e segurança estejam garantidas”, lê-se no comunicado da organização. Os médicos espanhóis admitem que os médicos pratiquem acupuntura desde que deixem claro aos doentes que conhecimentos científicos existem na área.

Quais os riscos associados à acupuntura?

A acupuntura é, regra geral, um técnica considerada segura, em particular se for executada por profissionais bem treinados, que usem agulhas descartáveis ou esterilizadas. A maior parte dos casos graves reportados surgem na China onde as populações rurais recorrem a acupuntores sem formação médica ou nas escolas de medicina tradicional chinesa.

Os efeitos secundários mais comuns reportados são a dor da picada da agulha, um ligeiro sangramento no ponto de inserção ou hematomas nessa área. Tudo condições passageiras e de fácil resolução. Também são reportados desmaios, náuseas ou alergias. O pneumotórax (presença de ar na cavidade entre os pulmões e a caixa torácica, que pode provocar o colapso dos pulmões) e as infeções, que podem mesmo causar a morte dos doentes, estão entre as complicações graves mais comuns.

Ervas, agulhas e comprimidos de açúcar. Quando as alternativas lhe arranjam um problema maior

Tendo em conta que a maior parte dos artigos científicos com efeitos adversos são publicados fora da China, a equipa de Junhua Zhang, investigador na Universidade de Medicina Tradicional Chinesa de Tianjin (China), decidiu verificar o que aparecia na literatura chinesa. Os autores reportam pelo menos três mortes relacionadas com pneumotórax — há zonas onde a superfície pulmonar se encontra um ou dois centímetros abaixo da pele — e acrescentam aos efeitos adversos já referidos: lesão da medula espinal (com duas mortes reportadas 30 minutos depois da sessão de acupuntura); rutura de órgãos e vasos sanguíneos; perfuração da vesícula biliar, dos intestinos e do estômago; lesões neuronais e na vista; e hemorragia cerebral (com três mortes). Os resultados foram publicados no Boletim da Organização Mundial de Saúde, em 2010.

Apesar dos casos publicados, a equipa de Junhua Zhang suspeita que, nos artigos chineses, seja muito mais comum não se reportarem os eventos adversos, seja por não se dar valor (como a dor na zona da inserção), seja por desconhecimento (como muitos casos de infeção), seja por outros motivos, o que torna mais difícil estimar a frequência destes eventos. Nos artigos analisados, por exemplo, os investigadores verificaram que a maior parte dos casos foram denunciados por médicos ou forças de autoridade e que apenas 20% dos autores dos artigos eram os acupunturistas que tinham realizado a intervenção.

Na revisão publicada na revista Pain, a equipa de Edzard Ernst, que analisou artigos de bases de dados chinesas e coreanas, encontrou cinco mortes em 95 casos de problemas de saúde causados pela acupuntura. “Podem argumentar que, tendo em conta a popularidade da acupuntura, o número de efeitos adversos graves é pequeno. Contra-argumentamos, contudo, dizendo que um efeito adverso evitável é um efeito a mais”, escrevem os autores nas conclusões.

O Observador voltou a contactar Helena Pinto Ferreira para confirmar algumas informações prestadas, em abril de 2018, por email. A presidente da SPMA não refutou nenhuma das declarações feitas anteriormente.

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