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FÁBIO PINTO/OBSERVADOR

FÁBIO PINTO/OBSERVADOR

A anatomia de uma bolha imobiliária

O preço de imóveis novos sobe 24% desde 2015; os antigos estão 45% mais caros. Estamos numa bolha imobiliária? Como se chegou aqui? Que fazer agora? Ensaio de Ana Isabel de Sá.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

Receios sobre a possível existência de uma bolha no mercado imobiliário português proliferam nos meios de comunicação social e nas conversas de café. Por um lado, o Banco de Portugal, a CMVM, o FMI e alguns académicos alertam para os perigos de uma subida rápida dos preços das casas. Por outro, banqueiros, agentes imobiliários e também alguns (outros) académicos reconhecem uma “procura quente”, mas recusam a ideia de que o mercado português esteja perante um movimento especulativo.

Que o mercado está quente não existem dúvidas. Segundo dados do INE, nos últimos 5 anos, o índice de preços da habitação subiu mais de 39% (do segundo trimestre de 2013 ao segundo trimestre de 2018). Em 2017, venderam-se o dobro dos alojamentos familiares vendidos em 2012. Os novos contratos de crédito à habitação mais do que duplicaram no mesmo período. As dúvidas são, portanto, legítimas: poderá a recuperação do mercado trazer consigo uma bolha imobiliária?

As opiniões divergem, entre alarmismos e alertas realistas. Comecemos, então, pelo início – perceber o que é uma bolha imobiliária, quais as suas consequências e o que podem as autoridades fazer perante uma bolha. Este ensaio fornece alguns dos indicadores necessários para uma análise isenta e fundamentada desta realidade tão presente no debate público. Poderá o leitor, no final do ensaio, ter a certeza de que (não) estamos perante uma bolha imobiliária? Olhe que não: certezas, afinal, ninguém as tem.

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O que é uma bolha?

As bolhas são fenómenos económicos que podem ocorrer em qualquer mercado. São, geralmente, caracterizadas por uma rápida subida de preços seguida de uma queda abrupta que pode perdurar no tempo. As características de uma bolha no mercado acionista, no mercado imobiliário ou mesmo no mercado de tulipas são em tudo semelhantes.

Mas falemos de bolhas imobiliárias no mercado residencial. No momento que antecede a compra de uma casa, o comprador compara o preço do imóvel com o valor que lhe atribui. Se considerar que o preço é igual ou inferior ao valor, compra o imóvel. Se considerar que o preço é superior ao valor, não compra o imóvel. Se for demasiado otimista, desinformado ou mesmo espontâneo no cálculo do valor do imóvel, pode estar a contribuir para a formação de uma bolha imobiliária.

Uma bolha imobiliária surge quando os preços dos imóveis divergem do seu valor fundamental. Isto é, do valor que pode ser atribuído ao imóvel tendo em consideração os rendimentos que dele poderão ser extraídos no futuro e a taxa de retorno exigida ao longo do investimento. Formalmente, o valor fundamental de um imóvel obtém-se através de três componentes. Primeiro, o retorno anual líquido esperado ao longo do tempo, onde se incluem as rendas cobradas (ou “poupadas”), os custos de manutenção do imóvel, os impostos, as despesas de condomínio, etc. Segundo, o valor do imóvel no final do período de investimento, que varia de acordo com o horizonte temporal do comprador e com as suas expectativas sobre a evolução do mercado imobiliário. Terceiro, a taxa de desconto que “traduz” rendimentos futuros em rendimentos no presente. Ter cem mil euros daqui a 10 anos, não é o mesmo que ter cem mil euros hoje.

Apesar de ser matematicamente simples, a determinação do valor fundamental de um imóvel revela-se economicamente complexa. Pela quantidade de expectativas incorporadas no seu cálculo, o valor fundamental não é um valor determinístico e consensual. Caso o fosse, bastaria que uma autoridade competente apurasse o valor fundamental por m2 de habitação em cada região e informasse o mercado. Se fosse uma realidade inquestionável, ninguém compraria acima desse valor e nenhuma bolha seria alguma vez criada.

Sendo de apuramento complexo, não é surpreendente que os compradores possam ser “induzidos” a determinar um valor do imóvel que esteja, na verdade, acima do seu valor fundamental. Se os compradores forem persistentemente “induzidos” (por expectativas irrealistas) a valorizar o imóvel acima do seu valor fundamental, os preços sobem e a bolha forma-se.

A atual recuperação do mercado imobiliário não é exclusiva de Portugal. Mas como nos posicionamos face ao resto do mundo? O FMI compara indicadores em todo o mundo, incluindo a taxa de variação anual dos preços reais da habitação. Portugal apresenta a quarta maior subida anual de preços de entre as regiões analisadas. 

Mas, então, a acentuada subida de preços dos imóveis em Portugal é sinónimo de uma bolha imobiliária?

A subida de preços está para uma bolha como a febre está para uma gripe. O primeiro sintoma de uma gripe é, geralmente, a febre, mas nem sempre a febre é sinónimo de gripe. Perceber a anatomia de uma bolha imobiliária passa por analisar as causas da subida de preços e perceber qual o impacto dessa subida no valor fundamental dos imóveis. Ciente da heterogeneidade territorial do mercado português, este ensaio versa apenas sobre dados nacionais.

Desde o mínimo registado em 2013, o índice de preços da habitação em Portugal aumentou 39%. Nesta recuperação destacam-se dois momentos:

  1. De 2013 a 2015, com uma recuperação tímida e até com alguns recuos nos alojamentos novos (gráfico 1);
  2. E de 2015 a 2018, com uma recuperação eufórica, especialmente nos alojamentos existentes. Estes dados revelam um ponto essencial da realidade portuguesa. Enquanto que o preço dos imóveis novos subiu 24% no período, o preço dos imóveis existentes subiu 45%.

A atual recuperação do mercado imobiliário não é exclusiva de Portugal. Mas como nos posicionamos face ao resto do mundo? O FMI compara indicadores do mercado imobiliário em todo o mundo, incluindo a taxa de variação anual dos preços reais da habitação. O panorama é inquietante. Portugal apresenta a quarta maior subida anual de preços de entre as regiões analisadas. Só Hong Kong, Irlanda e Islândia têm uma taxa superior (gráfico 2). Consequentemente, a vigorosa subida dos preços em Portugal é um sinal evidente de alerta.

Quais as suas causas? Uma subida de preços tem origem num aumento da procura que não é acompanhado por um aumento da oferta; ou numa queda da oferta que não é acompanhada por uma queda da procura. Olhando para o caso português, não são precisos muitos números para perceber que a “procura quente” se enquadra no primeiro caso (figura 1).

Análise, parte 1: causas do aumento da procura de imóveis

Adiamento da decisão de compra. De 2005 a 2012, o número de contratos de compra e venda de imóveis urbanos desceu para menos de metade (gráfico 3). De 2012 a 2014, observou-se uma recuperação tímida. Nestes períodos, muitas famílias adiaram a decisão de compra de casa, quer pelo aumento das taxas de juro (entre 2005 e 2008), quer pela retração da atividade económica (entre 2008 e meados de 2014) (gráfico 4). A relação do mercado imobiliário português com as taxas de juro e a atividade económica é reportada num estudo recente do Banco de Portugal.

A partir de meados de 2014, com a recuperação da atividade económica e a manutenção das taxas de juro em mínimos históricos, muitas famílias reequacionaram a compra/troca de casa levando a um aumento da procura. Tal como no índice de preços da habitação, também o número de contratos de compra e venda aumentou euforicamente. Entre 2014 e 2017, o número de contratos de compra e venda aumentou 71%, tendo ultrapassado a média observada nos últimos 14 anos.

Melhorias no acesso ao crédito à habitação. Apesar de as taxas interbancárias terem iniciado uma trajetória descendente em 2008 (gráfico 4), a taxa de juro efetiva do crédito à habitação (TAEG) permaneceu elevada até 2015. Ou melhor, a TAEG começou por acompanhar o movimento descendente das taxas interbancárias, mas reverteu com a entrada da Troika em Portugal (gráfico 5). As restrições ao crédito traduziram-se não só na manutenção de taxas de juro elevadas, como também na contração dos novos créditos à habitação. Em 2015, o cenário muda. O novo crédito à habitação aumenta de forma notória, estando hoje próximo dos valores observados em 2008.

O contributo do crédito à habitação para o aumento da procura de casas é um ponto nevrálgico na anatomia de uma bolha. A maioria das bolhas imobiliárias sentidas pelo mundo (e que se transformaram em crises financeiras), foram alimentadas por um mercado permissivo de crédito à habitação. É, por isso, fundamental perceber o papel do crédito à habitação na “procura quente” em Portugal.

Há dois fatores a considerar. Primeiro, apesar de existir um aumento significativo do novo crédito à habitação, estima-se que apenas 40% dos contratos de compra e venda realizados em 2017 tenham um contrato de mútuo de hipoteca associado (gráfico 6). Ou seja, a “procura quente” tem sido maioritariamente suportada por capital próprio, e não por crédito bancário.

Segundo, o capital médio em dívida por novo contrato de crédito habitação aumentou quase 50% desde o mínimo atingido no final de 2013 (gráfico 7). Este comportamento é inverso ao da TAEG e indicia que:

  1. Devido às baixas taxas de juro, os compradores podem estar a assumir uma dívida maior;
  2. E, devido ao aumento do preço das casas, os compradores podem estar a assumir uma maior dependência financeira na compra.

Por estes motivos, o papel do crédito à habitação na recuperação do mercado imobiliário não é negligenciável.

Falta de investimentos alternativos. As taxas de juro baixas representam um duplo perigo para o aumento da procura de casas. Por um lado, tornam o crédito muito atrativo e dão a ilusão de que a prestação mensal é reduzida. Por outro refletem a inexistência de investimentos alternativos, o que se traduz numa menor taxa de retorno exigida no mercado imobiliário e num aumento do valor apurado do imóvel.

Sem alternativas, surgem no mercado imobiliário investidores “temporários” que causam pressão na procura de casas. O perigo destes investidores é assumirem a posição inversa assim que as taxas de juro começarem a subir e os investimentos alternativos tornarem-se atrativos.

Procura externa. A “procura quente” não é composta apenas por procura interna. De acordo com o presidente da APEMIP, em 2017 uma em cada quatro casas foi comprada por estrangeiros. Não é possível caracterizar a procura externa através de dado públicos, mas é possível perceber a sua magnitude através da evolução do investimento direto estrangeiro residencial. De acordo com o Banco de Portugal, o investimento direto estrangeiro residencial em rácio do PIB duplicou nos últimos 10 anos.

Procura com o mercado de arrendamento como finalidade. A procura de casas com a finalidade de colocação no mercado de arrendamento é motivada pelo turismo, mas também pelo arrendamento para primeira habitação. A “febre” do turismo originou um aumento de 45% do número de estabelecimentos de alojamento local em apenas um ano (dados do INE para 2016-2017). O impacto estendeu-se ao arrendamento para primeira habitação onde, em alguns casos, os aumentos poderão ter sido superiores aos dos preços das casas.

O mercado de arrendamento é um atributo essencial para a determinação do valor fundamental de um imóvel. Quem compra casa para investir considera as rendas cobradas. Quem compra casa para primeira habitação considera as rendas “poupadas”. Desta relação entre o mercado imobiliário e o mercado de arrendamento surge o rácio “Price-to-Rent” que compara o custo de comprar um imóvel ao custo de arrendar um imóvel semelhante. Mais do que analisar o valor deste rácio, interessa analisar a sua evolução. Se o rácio aumentar ao longo do tempo, significa que o custo de comprar casa é relativamente elevado face à de arrendar. Intuitivamente, a reação esperada é que os potenciais compradores de casa optem por arrendar. A procura de compra de casa diminui e o “Price-to-Rent” cai, corrigindo os desvios entre os preços das casas e o seu valor fundamental.

Mas nem sempre isto acontece. Rácios “Price-to-Rent” que aumentam consistentemente, ou que se mantêm em níveis elevados por um período prolongado, podem indicar que o mercado está a sustentar expectativas demasiado otimistas. Neste caso poderá surgir uma bolha imobiliária. Segundo a OCDE, o rácio “Price-to-Rent” de Portugal aumentou de 97,7 em 2014 para 122,7 no segundo trimestre de 2018 (gráfico 8).

Especulação. É certo que a especulação faz parte dos mecanismos estabilizadores do mercado. Mas as “especulações” não são todas iguais, nem a volatilidade de preços que geram é irrelevante. A preocupação em torno da especulação no mercado imobiliário não está necessariamente relacionada com a sua existência, mas antes com a sua dimensão e com as consequências que poderá gerar ao nível da estabilidade económica.

O mercado imobiliário distingue-se dos demais: pela dimensão; por transacionar um bem de primeira necessidade – a habitação; e por ter uma relação estreita com o mercado de crédito (seja habitação, seja à construção). Qualquer desequilíbrio gerado no mercado imobiliário pode facilmente dar origem a uma crise financeira, especialmente se o mercado for altamente dependente do crédito. Mesmo não havendo estimativa para o número de casas que são compradas com a exclusiva finalidade de vender no futuro, é essencial não ignorar o impacto que a especulação tem no aumento da procura em Portugal.

Análise, parte 2: causas dos limites à oferta de imóveis

Demora no processo de licenciamento. Frequentemente, os empresários do setor da construção alegam a demora no processo de licenciamento como um entrave ao aumento da oferta. Apesar de uma ligeira recuperação nos últimos anos, as licenças de construção de habitação estão muito aquém das observadas nos golden days do mercado imobiliário português. De acordo com o INE, para cada licença atribuída em 2017 foram atribuídas quatro em 2002 (gráfico 9). Sem licenciamento também não há obras concluídas. Nem hoje, nem amanhã.

Dificuldade no acesso ao crédito à construção. O setor da construção é altamente dependente de financiamento pelas instituições de crédito. Não é possível aumentar significativamente a oferta de casas novas ou reabilitadas sem aumentar o crédito à construção. Contudo, após anos de crédito malparado (aos quais nem as grandes construtoras escaparam), o acesso ao crédito é restrito. Nos últimos nove anos, o stock de empréstimos concedidos à construção caiu mais de 60% (gráfico 10).

Falta de capacidade instalada no setor da construção. O mercado imobiliário sofreu uma forte correção até 2014. Durante esse período, várias construtoras procuraram compensar a redução da atividade através de oportunidades no exterior. A combinação de queda da procura, crescimento do malparado e aumento da oferta de imóveis pelos bancos levou a uma forte redução do número de trabalhadores no setor da construção. De acordo com o INE, em junho de 2018 o emprego na construção ascendeu a cerca de 316 mil trabalhadores (gráfico 11). Realidade muito aquém dos 621 mil trabalhadores registados em 2002. O crescimento do número de trabalhadores nos últimos 3 anos (cerca de 14%) mostra que a resposta do setor da construção tem sido insuficiente para responder ao aumento da procura.

Diagnóstico: há uma bolha no mercado imobiliário?

É evidente que Portugal enfrenta uma procura de casas que não é acompanhada pela oferta. Do lado da procura, existe simultaneamente um cenário de recuperação económica que potencia a procura interna, uma atratividade no mercado internacional que potencia a procura externa, um aumento do turismo, uma geração que durante muitos anos adiou a compra de casa, uma escassez de investimentos alternativos… e tudo isto aliado a uma “reabertura” do mercado de crédito à habitação. Apenas um destes fatores seria o suficiente para impulsionar os preços das casas. Todos juntos inflam a procura para valores que poderão não ser sustentáveis no tempo.

Do lado da oferta, existe uma reação ao aumento da procura que é claramente insuficiente. Ajustamentos na oferta de imóveis são, por natureza, lentos. O tempo de construção implica um desfasamento entre o investimento e a colocação dos imóveis no mercado. No caso de Portugal, a insuficiente resposta parece ser mais um problema estrutural do que um problema de desfasamento. Um estudo recente do FMI corrobora esta conclusão através da análise da elasticidade de longo prazo da oferta de casas em Portugal em comparação com outros países. Portugal apresenta uma elasticidade da oferta reduzida face à média dos países da OCDE, o que indica que, perante um mesmo choque na procura, o aumento de preços é maior em Portugal do que nos outros países.

O problema estrutural da oferta em Portugal reflete-se na fraca reação do número de licenças à construção e do número de trabalhadores a um choque na procura. O setor da construção foi fortemente afetado nos anos de crise, o que levou a um ajustamento da capacidade instalada, seja pela redução da dimensão das empresas, seja pelo seu desaparecimento. As poucas que resistem enfrentam, ainda, restrições no acesso ao crédito.

Tudo isto nos leva à pergunta inevitável: há uma bolha imobiliária em Portugal? A resposta mais correta é “nim”. Sim, porque Portugal agrega todas as condições para a formação de uma bolha –a bolha pode estar a ser criada e poderá ser alimentada durante anos. Não, porque não é possível afirmar pelos fundamentais se existe uma bolha. O único sinal inequívoco da existência de uma bolha é o seu rebentamento que pode durar um mês, um ano ou mesmo décadas. Ou seja, a partir do momento que seja claramente identificada uma sobrevalorização dos imóveis o destino único dos preços é cair.

Consequentemente, mais importante do que identificar uma bolha é reconhecer que, perante os desequilíbrios observados no mercado imobiliário português, não é possível descartar a ocorrência de uma forte correção a curto-médio prazo. Ou seja, há desequilíbrios no mercado imobiliário que poderão, mais cedo ou mais tarde, resultar numa bolha – e esses desequilíbrios devem ser corrigidos antes que seja tarde demais.

Que políticas públicas e medidas podem ser adotadas?

Quem estiver em busca de soluções milagrosas irá ficar inevitavelmente desiludido: as bolhas não se corrigem, nem se evitam. Quando muito podem ser adotadas políticas e medidas que dificultam o seu aparecimento ou limitam o seu crescimento. Como? Atuando preventivamente e reconhecendo os sinais de desequilíbrios no mercado imobiliário. Por exemplo: do lado da procura, estão as medidas relacionadas com o crédito à habitação e com os impostos sobre a propriedade; do lado da oferta, estão as medidas relacionadas com a regulamentação do mercado imobiliário e com os incentivos à construção.

Crédito à habitação. A maior parte das bolhas imobiliárias são alimentadas pelo acesso fácil ao crédito, seja pela elevada oferta das instituições de crédito, seja pela manutenção de taxas de juro baixas. Por este motivo, é frequente que as autoridades adotem políticas designadas de macroprudenciais. Isto é, medidas que tornem “o sistema financeiro resiliente à absorção de riscos, garantindo níveis adequados de intermediação financeira e contribuindo para o crescimento económico sustentável”.

Porque é que o crédito à habitação constitui um risco especial? Porque tem três características que o distinguem:

  1. Está associado à satisfação de uma necessidade primária;
  2. Assume um peso elevado no rendimento mensal das famílias;
  3. E tem usualmente maturidades elevadas.

Quais as medidas macroprudenciais usualmente adotadas? Restrições ao rácio “Loan-to-Value” (LTV) e ao rácio “Debt Service-to-Income” (DSTI). O primeiro impõe restrições ao montante máximo de crédito passível de ser concedido face ao valor do imóvel. O segundo impõe restrições ao peso que o pagamento da prestação mensal do crédito representa no rendimento familiar.

No início de 2018, o Banco de Portugal adotou estas medidas macroprudenciais (entre outras). Mas, olhando para o panorama internacional, facilmente concluímos que não são uma novidade. Por exemplo,  limites ao LTV são usados no Canadá desde 2007, na Suécia desde 2010 e na Irlanda desde 2015; e limites ao DSTI são usados também no Canadá desde 2008, na Holanda desde 2007 e na Estónia desde 2014. Estas medidas pretendem evitar excessos, quer por parte dos bancos, quer por parte das famílias e investidores que recorrem ao crédito bancário. Neste momento, as instruções do Banco de Portugal têm apenas o caráter de recomendação, mas espera-se que venham a produzir efeitos no mercado de crédito à habitação.

Mais do que saber se existe uma bolha imobiliária em Portugal, é premente reconhecer os fortes desequilíbrios que o mercado enfrenta atualmente. A limitada oferta de casas é estrutural e tem uma resposta lenta aos choques na procura.

Impostos sobre a propriedade. Os impostos sobre a propriedade reduzem o valor fundamental dos imóveis e, como tal, são um instrumento para reduzir a procura. Num mundo ideal seria possível criar um imposto que funcionasse à semelhança de uma reserva contracíclica, isto é, que aumentasse quando existissem indícios de bolha e diminuísse em momentos de correção. Este mecanismo seria capaz de estabilizar os preços e “controlar” os movimentos especulativos no mercado.

Contudo, há riscos reais que não podem ser ignorados. Primeiro, como poderiam as autoridades identificar os indícios de bolha? Segundo, como poderia ser assegurado o ajustamento atempado do imposto, sabendo que as autoridades costumam ter um papel passivo ou, pelo menos, lento? Terceiro, como assegurar que o imposto é isento da vontade política e se rege apenas pelos indicadores de mercado? Quarto, qual o impacto no acesso à habitação e no custo de vida das famílias?

Há ainda um critério que pode divergir consoante o posicionamento político e ideológico, mas que tem sido considerado no desenho de impostos sobre a propriedade. Comprar um imóvel para habitação própria não é o mesmo que comprar um imóvel para arrendamento habitacional, nem este último é o mesmo que comprar um imóvel para arrendamento temporário ou por especulação. Por exemplo, na Nova Zelândia, o imposto sobre as mais-valias na venda de casa depende de quatro indicadores:

  1. A intenção subjacente à compra;
  2. O histórico de compra e venda;
  3. A relação com o setor imobiliário;
  4. E o espaço temporal entre a compra e a venda.

Regulamentação do mercado imobiliário. Processos de licenciamento simplificados podem potenciar a resposta da oferta de imóveis. Em Portugal, os processos de licenciamento variam consoante o município, tanto na submissão do pedido de licença, como nas regras a cumprir. Não desconsiderando que cada município tem autonomia no seu Plano Diretor Municipal (PDM), poderia ser criado um projeto de SIMPLEX no processo de licenciamento que reduzisse o tempo de espera dos pedidos, mas sobretudo que evitasse que um mesmo pedido fosse submetido repetidamente para correção. Poderia passar, por exemplo:

  1. Pela adoção de um formulário standard para todos os municípios;
  2. Pela criação de uma tabela tipificada com os requisitos a cumprir no projeto de obra (podendo cada município adaptar o valor desses mesmos requisitos);
  3. Pela criação de uma base de dados online onde esses mesmos requisitos pudessem ser consultados por município;
  4. E pela criação de uma ferramenta de submissão online de documentação que, através de workflow pré-definido, automaticamente reencaminharia para cada município e reportaria o estado do pedido.

Podendo ter um impacto positivo na oferta de imóveis, este tipo de medidas peca pelo tempo que demora a produzir efeitos.

Incentivos à construção. Os incentivos à construção também demoram a produzir efeitos. Mas, sobretudo, reavivam a memória de anos de condições de financiamento facilitado que desmoronaram numa crise de malparado. Ainda assim, olhando para a pressão no preço dos imóveis existentes (subiram 45% nos últimos cinco anos, enquanto os imóveis novos subiram 24%), há oportunidade para implementar uma política de incentivo à construção que aumente a oferta de imóveis novos.

Para salvaguardar a sua eficácia, estas seriam sempre medidas dirigidas a áreas específicas e nunca medidas generalistas de apoio à construção. Incentivos à construção que deem resposta às necessidades de habitação do país e que permitam ultrapassar as barreiras ao financiamento à construção. Por exemplo, apoiar a construção de residências para estudantes ou apoiar a reabilitação de imóveis nos centros históricos, desde que para arrendamento habitacional.

Conclusão

As bolhas alimentam-se da ilusão do otimismo. E, tal como a ilusão, são apenas visíveis quando rebentam, podendo demorar anos a curar. Mais do que saber se existe uma bolha imobiliária em Portugal, é premente reconhecer os fortes desequilíbrios que o mercado enfrenta atualmente. O excesso de procura de casas reúne uma perigosa coincidência de fatores: procura interna, procura externa, turismo, taxas de juro baixas e recuperação económica. A limitada oferta de casas é estrutural e tem uma resposta lenta aos choques na procura.

É recomendável que as políticas públicas e medidas no mercado imobiliário sejam desenhadas tendo em consideração as características tanto da procura, como da oferta – e pensar a médio e longo prazo. Por exemplo, incentivar a oferta hoje, levará à colocação de imóveis novos no mercado daqui a dois ou três anos. Mas a incerteza existirá sempre: como estará a procura daqui a três anos? Manter-se-ão todos os fatores que potenciam o atual excesso de procura? Afinal, não há soluções que previnam todos os riscos –seria extremamente perigoso se a oferta aumentasse num momento de contração da procura.

Ana Isabel de Sá é docente e doutoranda na Faculdade de Economia da Universidade do Porto

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