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JOÃO DE ALMEIDA DIAS/OBSERVADOR

JOÃO DE ALMEIDA DIAS/OBSERVADOR

A batalha da rua do PSOE contra o prédio do Vox, em dia de eleições

Na rua do PSOE, quem teve as atenções não foi a sede socialista — foi o prédio em frente. No 3º C passaram música nacionalista ao lado da bandeira do Vox, igual à do 2º D. Do 4º C, contra-atacaram.

Enviado especial a Madrid, Espanha

Mesmo à frente da sede do PSOE, pela tarde, mais parecia que estava a acontecer um comício do Vox. Os rapazes do 3.º andar C do número 33 da rua Ferraz começaram às 15h00. Abriram as janelas e penduraram nelas três bandeiras: duas de Espanha, destacando-se com o seu vermelho e amarelo e, no meio das duas, uma bandeira do Vox, verde. E, depois, fizeram uso da aparelhagem de casa e, dali, puseram a tocar aquele que é possivelmente o pasodoble mais conhecido do mundo. Quem não se lembrasse da letra, bastaria esperar um pouco para ouvir os rapazes do 3º C a cantá-la.

La, la, la, la, la, la, la… Y viiiiiiiiiva España! La, la, la, la, la, la, la… Y viiiiiiiiiva Españaaaaa!

“Se achas que isto é uma festa, então não sabes bem do que é que nós somos capazes”, diz um dos rapazes do 3º centro. Chama-se José, é um jovem trabalhador de uma indústria que não se atreve a dizer qual é: afinal de contas, não quer aparecer, nem quer que escrevamos o seu apelido. “Ainda arranjo problemas à conta disto e isso é que não me apetecia nada, que amanhã é dia de trabalho”, diz-nos, à porta de casa. Não quer que entremos.

"Eu era até capaz de provocar o partido em que eu votasse. Só que calha que tenho a casa em frente ao PSOE. Então é neles que malho, mais nada. E a melhor forma de fazê-lo é com uma bandeira do Vox e a passar música."
José, do 3º C

Também não quer dizer em quem votou. “Eu não votei no Vox, isso posso dizer”, assegura. Perguntamos-lhe, então, porque é que tem uma bandeira do Vox na varanda. “Porque não vivo sozinho e há aqui quem seja do Vox. Mas, repara, eu apoio que a bandeira esteja ali. Sabes porquê? Eu quero é provocar tudo e todos”, diz — e ri-se às gargalhadas, que ecoam pelas escadas de pedra que atravessam o prédio de alto a baixo. “Eu era até capaz de provocar o partido em que eu votasse. Só que calha que tenho a casa em frente ao PSOE. Então é neles que malho, mais nada. E a melhor forma de fazê-lo é com uma bandeira do Vox e passar música”, diz.

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Quando José fala, já se conhecem as primeiras projeções. O que todas sugerem, de forma unânime, é que o PSOE sai vencedor, mas sem conseguir uma maioria absoluta. Os socialistas precisam, pois, de aliar-se aos mesmos partidos que os ajudaram a derrubar Mariano Rajoy com uma moção de censura: o Unidas Podemos e diferentes forças independentistas. Já a direita ficou para trás. O PP tem o seu pior resultado de sempre, o Ciudadanos não sobe conforme as suas expectativas e o Vox entra, pela primeira vez, no Congresso dos Deputados.

José insiste: já houve festas melhores. Qual?, perguntamos. E este jovem de 25 anos, nascido em Badajoz, remete-nos para o final de 2016, quando Pedro Sánchez se demitiu do cargo de secretário-geral do PSOE após uma longa e dura reunião em que não conseguiu vencer os barões do partido e a sua adversário-mor, a andaluza Susana Díaz. “Dessa vez é que montámos la puta fiesta“, acredita.

Mas é na puta fiesta que alguns dos seus companheiros de casa insistem. Poucos depois de José ter dito estas palavras, já voltam a fazer uso do sistema de som. Desta vez, a música é outra. Trata-se de uma canção que o Vox tirou do baú da extrema-direita espanhola, ao passá-la em todos os seus comícios: o hino da Falange, “Novio de La Muerte”.

Soy un hombre a quien la suerte
hirió con zarpa de fiera
soy un novio de la muerte
que va a unirse en lazo fuerte
con tal leal compañera.

As caixas de correio do número 33 da rua de Ferraz, o prédio em frente à sede do PSOE

Um andar acima, Pedro decidiu que já estava farto da festa dos seus vizinhos de baixo, que não conhece, mas sempre achou “terem pinta de serem do Vox”. Há coisa de dois anos, quando passeava em Madrid com os amigos, viu uma bandeira tricolor — vermelha, amarela e roxa, isto é, a bandeira da Segunda República espanhola, de 1931 e 1939. A ideia que tinha na altura era precisamente a de pendurá-la na janela do seu quarto, mesmo de frente para a sede do PSOE. “Mas acabei por não fazer isso, porque aqui em casa nem todos somos republicanos, então achei que não valia a pena estar a passar por cima deles”, diz.

Mas este domingo, pouco antes das 19h00, achou que já era demais. À enésima repetição do pasodoble de Manolo Escobar, tirou a bandeira republicana do armário e atou-a à janela do quarto. “Lamento, mas, tendo em conta a festa que estes gajos do Vox aqui montaram, não tenho outra opção senão pôr a bandeira republicana”, disse aos seus colegas, antes de fazê-lo. E assim foi.

Pedro tem 24 anos e trabalha para uma ONG com projetos em África e no Médio Oriente. Ainda sobre os vizinhos de baixo, diz: “Espero bem que eles moderem a festa deles, porque amanhã trabalha-se”. Pedro está sentado com alguns amigos e colegas de casa num dos três sofás da sala, todos a dever à limpeza. Estão postos em volta de uma mesa de centro com aparas de tabaco de enrolar espalhadas por cima. Nas paredes há pósteres do Real Madrid e de uma marca de cerveja. Olham todos pela televisão, onde o diretor do jornal El Español, Pedro J. Ramírez, opina que os resultados do Ciudadanos não foram tão maus quanto se estava a pintar. “Ah, pois não…”, diz Pedro, o da bandeira republicana, irónico.

Pedro votou no PSOE, mas não totalmente convencido. “Fizeram-me a cabeça com a porcaria do voto útil. Se não fosse assim, tinha votado no Unidas Podemos”, diz. Ali em casa, fala-se de política regularmente. Os assuntos mais quentes nos últimos meses têm sido todos os temas sociais que a agenda tem trazido para as mesas de debate em Espanha. “A pena perpétua revertível, a eutanásia, o aborto…”, elenca Pedro. Ali, nem todos estão de acordo — nem sequer todos são de esquerda. Há um setor da casa, maioritariamente da Galiza, que vota mais à direita — uma realidade que, ainda assim, não impediu que, na sua região, o PP perdesse pela primeira vez, segundo as projeções.

"Lamento, mas tendo em conta a festa que estes gajos do Vox aqui montaram, não tenho outra opção senão pôr a bandeira republicana."
Pedro, do 4º C

“Que maravilha que isto acabou por ficar, ahn?”, atira Pedro para alguns dos seus colegas de casa. Um dos galegos ri-se, conformado. Uma rapariga, que também aqui vive, continua a enrolar um cigarro sem prestar atenção ao mapa que aparece na televisão, com Espanha maioritariamente pintada com o vermelho do PSOE, com muito poucas exceções. Lá fora, na rua, começam a juntar-se apoiantes do PSOE. Um funcionário do partido distribui bandeiras vermelhas. Há quem já vá gritando: “Ista, ista ista! Espanha socialista”. Cá de cima, Pedro ri-se.

Quando entrámos no prédio, também no 2º direito havia bandeiras do Vox. Porém, quando lá chegámos, já não havia nada para mostrar — apenas as bandeiras espanholas, mais consensuais. Porquê? Ignacio, estudante de engenharia de 21 anos, explica porquê, também à porta, pedindo que não entremos. Fala de voz baixa. “É que eu não votei no Vox e acho mal ter uma bandeira deles na minha varanda, pronto”, explica. Ignacio conta que houve uma certa discussão em casa. Entre os estudantes e jovens trabalhadores que ali vivem, todos votam à direita. Ignacio votou no Ciudadanos e a bandeira do Vox incomodou-o. “Sinceramente acho que é má ideia, porque pode trazer-nos problemas. Ainda vêm para aqui mandar ovos e fazer outras coisas desagradáveis, e eu passo bem sem isso”, diz.

Chega à porta, vindo de dentro, um novo amigo dos rapazes do 2º direito. Chama-se Diego, tem 23 anos e é estudante de Direito. E assume: “Eu é que sou o dono da bandeira do Vox”. Quem lha deu foram uns amigos que estiveram no comício de encerramento de campanha do partido de Santiago Abascal, na Praça de Colombo, em Madrid. Em fevereiro, os três partidos da direita espanhola — PP, Ciudadanos e Vox — juntaram-se ali para exigir o fim do governo de Pedro Sánchez, numa altura em que o acusavam de querer ceder às exigências dos independentistas catalães, tudo para que pudesse continuar no poder. Estiveram ali entre 50 a 100 mil pessoas e, nessa altura, as sondagens davam uma maioria absoluta daqueles três partidos, em caso de eleições antecipadas.

"Eu não votei no Vox e acho mal ter uma bandeira deles na minha varanda, pronto."
Ignacio, do 2º D

Era mesmo isso que Diego queria: uma maioria de direita. Mas acabou por não ser assim. “É uma desgraça. O nosso país vai afundar-se ainda mais, porque este socialismo só nos traz pobreza. Vamos ficar na cauda da Europa. Aliás, já estamos. Mas, agora, vamos ficar ainda pior”.

Votou no Vox, mas não totalmente de acordo. “Eu não concordo com as visões que eles têm sobre a violência de género, também acho que é uma parvoíce querer proibir o casamento homossexual, nem acho que, em Espanha, haja um problema enorme com a imigração, pelo menos não tanto como noutros países da Europa”, diz. “O que eu quero é uma Espanha liberal, que seja amiga das empresas, que baixe os impostos e diminua o tamanho do Estado”, continua o estudante de direito.

Dizemos-lhe que, por aquilo que ele diz defender, parece estar mais próximo do Ciudadanos do que do Vox. Porque não votou, então, no Ciudadanos? “Porque não acredito no Albert Rivera. Ele diz tudo e o seu contrário, é uma desgraça. Pode dizer tudo aquilo em que eu penso, mas como é que eu posso ter garantias de que ele vai pôr isso em prática depois de tudo o que tem feito?”, diz. “Desta forma, ele pode andar a dizer que quer uma Espanha liberal e depois, quando subisse ao poder, ainda nos levava a ser ainda mais socialistas.”

"O governo em Portugal é socialista, não é? Mas também se puseram de acordo com a Uber, baixaram os impostos... Isso a mim interessa-me. Até era capaz de votar num partido socialista, desde que ele também agisse assim."
Diego, do 2º direito

Diego, porém, faz uma ressalva. “Eu até gosto de algumas medidas socialistas. Mas é preciso fazer as coisas com calma, com moderação, não se pode dar tudo de mão beijada”, diz. E, depois, fala de Portugal. “Por exemplo, o governo em Portugal é socialista, não é? Mas também se puseram de acordo com a Uber, baixaram os impostos… Isso a mim interessa-me. Até era capaz de votar num partido socialista, desde que ele também agisse assim.”

Enquanto Diego demonstra o seu apreço pelo governo de António Costa, chega uma encomenda de pizzas. É aqui que a conversa acaba — lá dentro estão todos com fome e já o chamam. Diego despede-se e pede licença para fechar a porta.

Pouco depois, já na rua, vemo-lo à janela de casa. Cá em baixo, a maré de bandeiras do PSOE vai crescendo e ganhando força. E, em menos de nada, monta-se uma troca de cânticos entre a janela de Diego e a rua socialista. De dentro do 2º direito, alguém grita: “Viva Espanha”. Cá fora, alguns ouvem esse grito e assumem-no como tendo um tom de troça. “Eu também gosto de Espanha, coño!”, grita um homem da rua, com a bandeira do PSOE pousada no ombro. E logo se juntam a ele os demais socialistas. “Viva Espanha! Viva Espanha! Viva Espanha e vivam os espanhóis!”, gritam, agora em direção a Diego, o único na janela. Lá de cima, algo incomodado, ele lá lhes devolve na mesma moeda: “Viva Espanha, viva!”.

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