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As últimas movimentações de Yevgeny Prigozhin indiciam que o mercenário já entendeu a mudança de atitude do Kremlin
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As últimas movimentações de Yevgeny Prigozhin indiciam que o mercenário já entendeu a mudança de atitude do Kremlin

As últimas movimentações de Yevgeny Prigozhin indiciam que o mercenário já entendeu a mudança de atitude do Kremlin

A guerra dentro da guerra: Putin tira o tapete a Prigozhin e diminui "protagonismo" do grupo Wagner na Ucrânia (e do seu rival no futuro)

Líder do grupo Wagner tinha "posição privilegiada" na Rússia. Com alguns sucessos na linha da frente, Prigozhin ofuscou ministro da Defesa e criticava-o. Putin viu o perigo e retirou-lhe protagonismo.

Alexey Stolyarov, genro do ministro da Defesa russo, colocou recentemente ‘gosto’ numa publicação do Instagram contra a guerra na Ucrânia, que a caracterizava como “sem sentido e sangrenta”. A imprensa russa apurou que esta não terá sido a primeira vez que, nas redes sociais, este familiar de Sergei Shoigu reagia favoravelmente a mensagens antibélicas. Em sua defesa, Alexey Stolyarov garantiu que “nunca” pôs ‘gosto’ em nenhuma publicação do género e alegou que se tratava de uma “manipulação por photoshop“.

A polémica não passou ao lado do líder do grupo Wagner, que perdeu o seu quase lugar de número dois de Vladimir Putin. Yevgeny Prigozhin deixou de ser visto com bons olhos no Kremlin. Apesar de dirigir a milícia que conseguiu a última vitória russa (Soledar) e que continua a ter na mira a conquista de Bakhmut, o mercenário “ofuscou” e ganhou uma preponderância na guerra indesejável para a imagem do Presidente russo — e, talvez por isso, este tenha passado a criar dificuldades à atuação dos mercenários. Mas o antigo homem de confiança de Putin já entendeu a campanha que está em marcha contra si e por isso aproveita para comentar todas as controvérsias relacionadas com Moscovo.

Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre os receios do Kremlin em relação ao líder do grupo Wagner.

Putin já não confia nos seus mercenários?

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Na última, Yevgeny Prigozhin mostrou disponibilidade para treinar o genro de Sergei Shoigu “durante seis semanas”. “Vou ajudá-lo a melhorar e a enviá-lo para as operações de combate”, sugeriu o mercenário nas redes sociais. Um blogger, considerado um aliado do grupo Wagner, foi mais longe e associou a polémica ao ministro da Defesa russo. “Shoigu não tem condições para continuar no cargo. Se tivesse um pingo de decência, teria resignado.”

Este episódio mostra a tensão entre o Ministério da Defesa e o grupo Wagner, sendo igualmente “revelador” de que “o ambiente interno na Rússia não é saudável”, comenta, em declarações ao Observador, o major-general na reserva Isidro de Morais Pereira. Da parte de Yevgeny Prigozhin, os alvos dos ataques são claros: Sergei Shoigu e os generais russos, como Valery Gerasimov, o comandante Supremo das Forças Armadas de Moscovo.

President Putin meets with top officials of Russian Defense Ministry and military industry

Shoigu e Gerasimov são os principais alvos de Yevgeny Prigozhin

YURI KOCHETKOV/EPA

A emergência do grupo Wagner e de Prigozhin

Numa guerra lenta e com particular foco na região em redor de Bakhmut durante os meses de inverno, o líder do grupo Wagner aproveitou para ter um papel mais ativo na linha da frente, substituindo muitas vezes o papel das forças lideradas pelo Ministério da Defesa. A milícia paramilitar “começou a ter um protagonismo demasiado evidente” no teatro de operações, diz Isidro de Morais Pereira. E o facto de as suas tropas serem primordiais para o sucesso da Rússia agradava a Yevgeny Prigozhin.

“A habilidade da milícia Wagner em avançar na Ucrânia e em ganhar batalhas contra as Forças Armadas ucranianas era e é importante para o estatuto de Prigozhin na Rússia”, sustenta, em declarações ao Observador, a especialista em entidades não estatais russas no Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais, Karen Philippa Larsen.

Com um líder que gosta de ter os holofotes virados para si (Prigozhin chegou mesmo a estar na linha da frente e a ser entrevistado pelos canais russos) — aliado a uma certa inércia das tropas russas durante o inverno –, o grupo Wagner “começou a ofuscar de alguma forma a atuação das forças regulares do Ministério da Defesa russo”, indica Isidro de Morais Pereira, que dá conta de que o mercenário também se rodeava “de um conjunto de bloggers militares” que faziam propaganda aos sucessos que conseguia obter na Ucrânia.

"A habilidade da milícia Wagner em avançar na Ucrânia e em ganhar batalhas contra as Forças Armadas ucranianas era e é importante para o estatuto de Prigozhin na Rússia"
Karen Philippa Larsen, especialista em entidades não estatais russas no Instituto Dinamarquês de Estudos Internacionais

A “posição privilegiada” de Prigozhin

Soledar foi o maior sucesso do grupo Wagner nos últimos meses. A cidade de 10 mil habitantes, que conta com uma importante mina de sal, foi a maior vitória recente não só deste grupo, como também da Rússia na guerra da Ucrânia. Puxando dos galões, Yevgeny Prigozhin saudou, nas redes sociais, o facto de as unidades da milícia paramilitar terem assumido “o controlo de todo o território”, frisando que, no decorrer da ofensiva, não tinha havido qualquer participação das forças controladas pelo Ministério da Defesa russo.

No entanto, o ministério chefiado por Sergei Shoigu divulgou logo depois um comunicado em que congratulava as “ações absolutamente heróicas e altruístas” das forças russas — sem nunca mencionar o papel da milícia privada. Yevgeny Prigozhin não gostou e disparou contra o Ministério da Defesa nas redes sociais, alegando que Shoigu tentava “constantemente roubar a vitória dos mercenários Wagner” com a finalidade de “menosprezar os méritos do grupo”.

A man with a bicycle can be seen crossing the transportation

A conquista de Soledar foi alvo de discórdia entre o Grupo Wagner e o Ministério da Defesa

SOPA Images/LightRocket via Gett

O Ministério da Defesa russo acabou por dar o braço a torcer e deu os créditos ao grupo Wagner. A operação de Soledar foi “realizada com sucesso pelas ações corajosas e altruístas das unidades de assalto voluntárias da companhia militar privada Wagner”. Mas o líder da milícia paramilitar não ficou satisfeito, lamentando haver “ameaças” dentro da Rússia e estar em marcha uma “luta entre ramos, burocracia, corrupção e dirigentes políticos que se querem manter no lugar”, numa alusão à pasta de Sergei Shoigu.

As críticas ao Ministério da Defesa russo multiplicaram-se ao longo do último mês. “Chegou uma altura em que o próprio Prigozhin, face a alguns sucessos, foi dizendo que era ele que conseguia os sucessos no campo de batalha, que o Ministério da Defesa e os seus generais eram profundamente incompetentes e que a Rússia ainda não tinha conseguido alcançar os objetivos a que se propunha na Ucrânia por culpa do Ministério da Defesa”, descreve Isidro de Morais Pereira.

Na ótica de Karen Philippa Larsen, o líder do grupo Wagner desfrutava mesmo de uma “posição privilegiada” durante o outono e o inverno, em que era “das muito poucas pessoas na Rússia” que “podia criticar a liderança militar” do país pelo desempenho militar na Ucrânia. Este “benefício” fez com que Yevgeny Prigozhin ganhasse espaço mediático, convertendo-se, segundo a especialista dinamarquesa, numa “figura política forte em alguns círculos sociais na Rússia”, especialmente entre os mais radicais.

“É a nossa ameaça mais séria.” Grupo Wagner oficializa confronto com Ministério da Defesa russo

Esse privilégio do mercenário não durou muito, ainda assim — e começou a incomodar o Kremlin, principalmente o Presidente russo, Vladimir Putin. No final de janeiro, um relatório do think tank norte-americano Instituto para a Guerra dava conta de que o Chefe de Estado decidiu “diminuir a dependência de Prigozhin e das suas forças irregulares” no conflito na Ucrânia, desejando centralizar o esforço de guerra sob a alçada do Ministério da Defesa russo.

O mesmo documento referia que a “esperança” do grupo Wagner em ter um papel “mais proeminente nos assuntos militares” não passou de “ilusão”. As últimas movimentações de Yevgeny Prigozhin indiciam que o mercenário já entendeu a mudança de atitude do Kremlin. “Ele sente que está a perder a sua posição privilegiada, que o beneficiou a si e à milícia. E claro que ele não a quer perder”, afirma Karen Philippa Larsen.

epa10390349 Russian President Vladimir Putin meets with head of the Karachay-Cherkess Republic Rashid Temrezov in Moscow, Russia, 05 January 2023.  EPA/MIKHAEL KLIMENTYEV/SPUTNIK/KREMLIN / POOL MANDATORY CREDIT

Putin quis retirar protagonismo ao líder do grupo Wagner

MIKHAEL KLIMENTYEV/SPUTNIK/KREMLIN / POOL/EPA

A mudança de atitude de Putin e do Ministério da Defesa

A especialista dinamarquesa acredita que os atuais esforços do Ministério da Defesa russo passam por “nivelar o equilíbrio de poder”, uma vez que o ministério perceciona que Yevgeny Prigozhin se tornou uma “figura política muito forte”, querendo evitar a criação de um poder paralelo na área militar.

Para Isidro de Morais Pereira, é um facto que “Prigozhin deixou de ser apoiado da forma como vinha a ser apoiado”, tendo ficado com “menos protagonismo” no teatro de operações. Numa demonstração de autoridade, o Ministro da Defesa começou a cortar no apoio concedido ao grupo Wagner. E os mercenários, lembra o major-general português na reserva, não detêm “aviões nem têm toda a parafernália de armas de apoio”, equipamento que é gerenciado pelo governo da Rússia.

Recentemente, o líder dos Wagner queixou-se da falta de munições. “O Chefe do Estado-Maior [Valery Gerasimov] e o ministro da Defesa dão ordens para que não se deem munições ao grupo paramilitar Wagner, mas também para não o ajudar com o transporte aéreo”, reclamou, atirando a seguir que persiste em Moscovo “uma oposição frontal que nada mais é do que uma tentativa de destruir os Wagner”. “Pode ser comparada a uma traição à pátria, pois a milícia Wagner luta por Bakhmut e sofre centenas de baixas todos os dias”.

"Existe uma oposição frontal que nada mais é do que uma tentativa de destruir os Wagner. Pode ser comparada a uma traição à pátria, pois a milícia Wagner luta por Bakhmut e sofre centenas de baixas todos os dias"
Yevgeny Prigozhin, líder do grupo Wagner

Numa ação mediática, o líder do grupo Wagner divulgou uma fotografia com soldados mortos, apontando o dedo a Sergei Shoigu. “Quem é culpado pela morte deles? Os culpados são aqueles que deviam ter resolvido a questão de nos serem dadas munições suficientes”, lamentou, asseverando depois que, por muito difíceis que sejam as circunstâncias, os mercenários não vão deixar Bakhmut. “Nós vamos simplesmente lutar até todos morrerem. E quando morrermos, provavelmente Shoigu e Gerasimov terão de pegar nas metralhadoras.”

Contrariamente ao que aconteceu em Soledar cerca de um mês antes, o Ministério da Defesa não cedeu à argumentação da milícia Wagner, assinalando, em comunicado, que “todas as declarações feitas de cabeça quente sobre falta de munições não correspondem à verdade”. O tom da nota mostrava de igual forma uma certa animosidade direcionada aos mercenários, designando-os simplesmente como “voluntários”. “O comando do grupo conjunto de tropa [na Ucrânia] dá atenção especial, constante e prioritária ao fornecimento de tudo o que é necessário aos voluntários e soldados das unidades de assalto.”

“Quem é culpado pela morte deles?” Líder da Wagner divulga foto com cadáveres de soldados russos

“Todas as solicitações de fornecimento para as unidades de assalto serão respondidas o mais rápido possível”, concluía o Ministério da Defesa da Rússia num comunicado a 22 de fevereiro. No dia a seguir, Yevgeny Prigozhin comunicava, nas suas redes sociais, que teria sido dado o início “ao envio de munições” para a sua tropa privada, mas não detalhou quais nem quantas seriam.

Para Karen Philippa Larsen, este episódio evidencia as movimentações do Kremlin para “afastar” Yevgeny Prigozhin. E a especialista dinamarquesa dá outros exemplos que mostram que há um esforço para o mercenário perder protagonismo no conflito da Ucrânia, tais como as restrições atualmente em vigor “para recrutar em prisões”, ou o rumor de que “os meios de comunicação sociais foram informados para não fazerem referência ao que o líder do grupo Wagner diz, incluindo as críticas contra o Ministério da Defesa”.

Outro dos fatores que Karen Philippa Larsen aponta para a perda de interesse do Kremlin em apoiar as atividades do grupo Wagner deve-se à possibilidade de os mercenários “já não serem mais úteis” para Vladimir Putin. As Forças Armadas russas “já tiveram tempo para preparar a sua estrutura” e “adotá-la à situação atual”. Ou seja, a nova vaga de soldados que foi treinada no inverno já está na linha da frente, empenhada numa nova ofensiva que visa recuperar os territórios perdidos. Por conseguinte, o governo russo considera que as tropas da milícia já não são precisas.

Award ceremony for military merits in Donetsk

Contraofensiva russa já terá começado

Anadolu Agency via Getty Images

“Prigozhin foi sempre uma força útil ao próprio Vladimir Putin. Mas apenas até um determinado ponto, em que Putin teve de escolher entre os voluntários e os seus generais”, constata Isidro de Morais Pereira. “Se não estivesse ao lado dos generais, o próprio Putin seria deposto. Quem tem o poder, em último caso, são as próprias Forças Armadas”, aclara.

E agora? “Este folhetim não acabou”

Perante a perda de confiança do Ministério da Defesa, Isidro de Morais Pereira considera que o líder do grupo Wagner não vai ficar de braços cruzados. Muito pelo contrário. “Esta peripécia e este folhetim ainda não acabou”, vaticina.

A especialista dinamarquesa concorda, salientando que o líder paramilitar “não quer perder” os privilégios que ganhou nos últimos meses, assim como o estatuto de braço armado da Federação Russa. O que fará no futuro ainda é uma incógnita, mas é de esperar que Yevgeny Prigozhin continue a criticar o Ministério da Defesa, esperando que as operações militares das forças leais a Sergei Shoigu sejam um fracasso.

O que, para já, parece estar mais longe de se concretizar são as alegadas aspirações de Yevgeny Prigozhin, que desejaria ocupar um cargo no Ministério da Defesa — e estarão ainda mais longe os sonhos de chegar à presidência russa. Um relatório do Instituto para a Guerra de 22 de janeiro indica que, apesar de o líder paramilitar ter imaginado que os seus esforços na guerra continuariam a contribuir para aumentar o seu capital militar e político, o Presidente russo terá querido “colocá-lo no seu lugar” — e evitar a emergência de um novo rival no futuro.

epa10445452 Logos of the PMC Wagner Center pictured at the building, headquarters of the Wagner Group in St. Petersburg, Russia, 03 February 2023. According to a Ukrainian government publication from 03 February 2023, Ukraine's prosecutor general summoned Evgeny Prigozhin as a suspect in criminal proceedings. Prigozhin according to a US Treasury sanctions announcement leads the Russian private military company PMC Wagner that was sanctioned by the US Treasury on 26 January 2023.  EPA/ANATOLY MALTSEV

Putin quis colocar líder do grupo Wagner "no seu lugar"

ANATOLY MALTSEV/EPA

O poder do líder Wagner possui “limitações reais”, conclui o think tank norte-americano, acrescentando que a sua atuação continua dependente da proximidade com o Presidente russo. Na relação entre os dois, é Vladimir Putin quem continua a ter a faca e o queijo na mão — e Yevgeny Prigozhin continua a ser um subordinado.

Porém, mesmo que o governo russo consiga controlar e silenciar as críticas do grupo Wagner, as “fricções internas” no Kremlin devem acentuar-se num futuro próximo, defende Isidro de Morais Pereira. Até, porque a situação na Ucrânia e a falta de sucessos militares poderá levar a que a liderança de Vladimir Putin “seja colocada em causa”, assim como o papel do “ministro da Defesa e do seus generais”.

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