890kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

GettyImages-1458601114
i

A realizadora e os atores de "Vidas Passadas", filme com duas nomeações aos Óscares que se estreia nas salas de cinema portuguesas a de 8 fevereiro

Getty Images for IMDb

A realizadora e os atores de "Vidas Passadas", filme com duas nomeações aos Óscares que se estreia nas salas de cinema portuguesas a de 8 fevereiro

Getty Images for IMDb

A história de “Vidas Passadas” contada por Celine Song: “É um filme sobre a distância, sobre viver do outro lado do mundo”

Uma mulher, duas relações, milhares de quilómetros entre o passado e o futuro. Falámos com a realizadora sul-coreana, que do teatro foi até aos Óscares. O filme estreia-se esta quinta-feira.

Ensinam-nos que é prudente não criar expectativas, não alimentar esperanças e ser comedido nos sonhos. Mas para a dramaturga sul-coreana Celine Song, 36 anos, “todas as esperanças e sonhos se estão a tornar realidade”. A história de amor de dois amigos de infância que se encontram duas décadas mais tarde, obrigando-os a questionar as escolhas que fizeram ao longo da vida, tornou-se um dos filmes-sensação do último ano e elevou Song ao estatuto de cineasta em estado de graça. Vidas Passadas estreia-se esta quinta-feira em Portugal

Foi no Festival de Cinema de Sundance que o filme se fez notar pela primeira vez. O frenesim continuou em Berlim e a obra não mais parou de colher elogios. Conseguiu uns impressionantes 100% na métrica do Rotten Tomatoes (site agregador de críticas cinematográficas). Conquistou a atenção de prémios de associações de críticos. O realizador Christopher Nolan (Oppenheimer) não hesitou em nomeá-lo como um dos seus filmes favoritos recentes, a par de Aftersun (2022). Vidas Passadas é “subtil de uma forma muito bonita”, disse em entrevista à revista Time. No final de janeiro, alcançou o que poucos cineastas imaginam ser possível com uma primeira obra: duas nomeações aos Óscares da Academia (Melhor Filme e Melhor Argumento Original).

Não é de estranhar, por isso, que Celine Song tenha o tempo contado: 15 minutos e nem mais um segundo desde que o seu rosto surge no ecrã do Zoom. Veste uma T-shirt branca e um sorriso rasgado. Fala ao Observador a partir de Nova Iorque, onde nos últimos 10 anos trabalhou como dramaturga. “Há coisas que aprendi no teatro que vêm diretamente comigo para o cinema”, começa por dizer, questionada sobre as diferenças entre escrever para o palco e para o ecrã. “No final do dia, uma história é uma história. O que interessa é a personagem, o diálogo, a história. Isso é o mais importante”.

A realizadora Celine Song (à esquerda) dirige a atriz Greta Lee (à direita) durante as filmagens de "Vidas Passadas"

Jon Pack/Twenty Years Rights/A24 Films

No caso, a história é a de Na Young (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), colegas de escola enamorados até que ela emigra da Coreia para o Canadá com os pais e os dois nunca mais se veem. 12 anos mais tarde, reencontram-se através do Facebook e reatam onde tinham ficado. Primeiro através do Skype  — ele está ainda em Seul e ela entretanto em Nova Iorque —, e só muito mais tarde ao vivo, quando ela já está casada. Pelo meio, há longas videochamadas, fusos horários desfasados, entusiasmo e desejo, mas também dúvidas e inquietações. Os encontros e desencontros de Na Young (a personagem da menina que nos EUA adotará o nome de Nora) e Hae Sung levaram a que muitos vissem em Vidas Passadas ecos da melancolia da trilogia de culto Antes do Amanhecer (1995), de Richard Linklater.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Confrontada, a realizadora nega. Celine Song alimentou-se da sua própria vivência para escrever o guião. A história de Nora replica a sua em muitos aspetos: ambas foram adolescentes emigradas, mulheres a oscilar entre línguas e culturas, ambas são dramaturgas que viveram nos mesmos lugares (Seul e Nova Iorque), ambas conheceram os maridos em residências artísticas. E também Celine esteve num bar, entre o marido (norte-americano) e o namorado de infância, que viajou da Coreia do Sul até à Big Apple só para a ver. Sentada entre eles, alternava entre as traduções de inglês e coreano. “Na verdade, estava a traduzir duas partes de mim mesma”, repetiu em diversas entrevistas. “Naquele momento estava a encapsular o meu passado, presente e futuro ao mesmo tempo”. Tempo esse que, crê a cineasta, é o grande malfeitor de uma história sem personagens tipificadas, que não as reduz as pessoas a boas ou más. “Não há vilões humanos na história. Há apenas 24 anos e o Oceano Pacífico. Brinco que isso é que é o vilão da história”, conta ao Observador.

Não é a primeira vez que Celine Song se usa como matéria-prima. Já o havia feito na peça Endings, em 2020, na qual questões de identidade estavam presentes. Mas quais os limites para trabalhar sobre algo tão pessoal e autobiográfico? Como dosear onde acaba a realidade e começa a ficção? “O sentimento pessoal, a parte autobiográfica da história é o centro e o núcleo do que é o filme. Mas depois tem de se transformar num objeto, que é o guião, arranjar atores e gente para o fazer. Tem de se transformar num objeto ainda maior, que é o filme. Não estava de todo a tentar recriar a minha história. Não estou a pedir à Greta Lee, a nossa atriz, para recriar algo. É mais: quem é a Nora? Vamos encontrar a Nora juntos. O processo foi mesmo esse.”

Greta Lee, John Magaro e Teo Yoo são os três intérpretes deste filme romântico em que que muitos denotam influências da trilogia "Antes do Anoitecer" (2004), do norte-americano Richard Linklater

Courtesy of Twenty Years Rights/A24 Films

Encontrar a Nora foi, também, um processo. Não foi evidente que a pessoa certa fosse a atriz que antes de 2023 era conhecida sobretudo por papéis secundários em séries televisivas. Ainda que longe do estrelato, Lee não passava despercebida como a galerista mimada de Girls (HBO), a jovem executiva em The Morning Show (Apple TV+) ou a emblemática anfitriã da festa interminável de Russian Doll (Netflix). Mas para o filme da A24, estúdio que tem trazido dos melhores exemplos de cinema independente do lado de lá do Atlântico, procurava-se um casal mais jovem. Foi preciso um ano para que o telefone da atriz de 40 anos tocasse a pedir-lhe que conversasse com Celine no próprio dia. Só depois se juntaram os atores Teo Yoo e John Magaro.

“Como é, realmente, uma relação à distância?”

“É difícil falar de um romance moderno, de uma história de amor moderna sem alguma relação com a tecnologia. Seria falso porque grande parte da nossa vida romântica está a acontecer online”, comenta Celine, interpelada sobre um dos temas que atravessa o filme: a forma como a tecnologia é capaz de nos aproximar, mas também separar. “Lembro-me como foi fantástico quando surgiu o Skype. Hoje estamos sempre a fazer Zoom, como agora (nesta entrevista). Mas houve uma altura em que parecia que era o Star Trek, era uma espécie de milagre podermos falar um com o outro cara a cara. Queria captar a forma como a tecnologia evolui ao longo da vida. Se a ligação fosse tão boa como é agora, talvez o Hae Sung e a Nora pudessem ter ficado juntos.”

Talvez a frustração, as más ligações, a rede não tivessem sido um obstáculo, como na película (que o é, já que foi filmada integralmente em 35 mm). Mas Celine precisava de o mostrar para retratar “como é, realmente, uma relação à distância”. “Quando o Hae Sung e a Nora se veem pela primeira vez no Skype, é de um entusiasmo incrível, porque é de tal forma um milagre que sejam capazes de se ver um ao outro. À medida que a relação cresce começam a perceber que se estão a apaixonar e querem começar a dizer “amo-te”, querem tocar-se, estar juntos, e quando esse desejo cresce, o desejo humano de tocar no outro cresce também. A tecnologia permanece. O que ao princípio parecia incrível, o que parecia um milagre acaba com tristeza. Passa a ser frustrante. De repente, estão furiosos. Conhecemos esse sentimento: “Estou zangada com esta pessoa ou tenho só muitas saudades e quero estar com ela? Estou irritada com esta pessoa ou é só o Skype?” (risos) A dramaturga e cineasta não tem dúvidas que este é “um filme sobre a distância, sobre viver do outro lado do mundo”. Por isso mesmo, “senti que era importante que fosse tratado dessa forma”.

Em termos práticos, exigiu que fossem construídos dois sets: um no quarto de Hae Sung e outro no quarto de Nora. “Ligámo-los com um cabo para que pudessem ter uma transmissão em direto e pudessem representar um com o outro. Nada de green screen”, revela. “Queríamos que a ligação fosse terrível, porque era assim que devia ser, porque era assim que o Skype era há muito tempo. Pusemos uma pequena máquina que destruísse a ligação, de modo a que a ligação fosse pior. Era como se tivéssemos algo que tornava a ligação intencionalmente má. Há um desfasamento. E depois também atrasámos o áudio. Foi tudo intencionalmente. Assim os atores podiam interagir um com o outro através de uma má tecnologia, e foi assim que conseguimos estes desempenhos”.

“Há coisas que aprendi no teatro que me acompanham na realização. No final do dia, uma história é uma história”, diz Celine Song, que antes desta incursão no cinema trabalhou 10 anos como dramaturga

Metodologia quase tão invulgar como a que propôs aos protagonistas: que não se tocassem. Os três atores foram mantidos separados durante todo o processo de casting e ensaios, até à hora de filmar, a pedido da realizadora. Um processo curioso para quem vem do teatro, onde o virtuosismo tende a vir do ensaio, da repetição. “Se estiveres a representar Hamlet todos os dias, tens de morrer como se fosse sempre a primeira vez”, compara Song. “Os grandes atores de teatro sabem como fazer isso. Conseguem manter a atuação viva. Conseguem fazer com que pareça que é a primeira vez que está a acontecer”

O que fez em Vidas Passadas “foi um pouco contrário a tudo o que sei sobre teatro”. “Sei que é difícil manter o espetáculo vivo quando o fazemos centenas de vezes. Pensei: não vamos fazer cem vezes. Vamos fazê-lo uma vez. E assim vai estar vivo.”

A energia eletrizante, a timidez, o entusiasmo que exude a tela no momento em que Hae Sung e Nora se reencontram é a primeira vez que os atores se tocam, garante. “Sabia que seria muito mais fácil se conseguíssemos que os atores do filme não tivessem de se preocupar em recriar a cena vezes sem conta. Assim, podemos aprofundar a atuação com os takes subsequentes, em vez de tentar garantir que a atuação em si está viva. Claro que vai estar viva, é a primeira vez.”

Depois de participações secundárias em séries como "Boneca Russa" (Netflix) ou "The Morning Show" (Apple TV+), a atriz Greta Lee ganha, pela primeira vez, espaço para brilhar no ecrã como protagonista

Courtesy of Twenty Years Rights/

Como peixe dentro de água, é como descrevem os atores quando se referem a Celine Song no processo da feitura do filme. A realizadora anui que está no seu elemento. Pese embora o histórico no teatro, os filmes acompanharam-na sempre. “Vejo todo o tipo de filmes. Sou uma omnívora no que toca a gosto cinematográfico, posso gostar de todo o tipo de coisas”, solta. “Para este filme estava mais interessada em descobrir por mim mesma qual seria o meu cinema, o meu filme. Não estava propriamente a pensar em fazer um filme parecido com um ou outro. Mas mais em “quais são os momentos de alguns dos meus filmes favoritos?”.

Elenca My Dinner With Andre (1981), de Louis Malle. “É uma referência para a cena da conversa no bar no final, por exemplo”. Referencia o realizador tailandês Edward Yang e o cineasta japonês Hirokazu Koreeda (Shoplifters, Broker, Monster). “Ele tem este filme chamado Like Father, Like Son (2013). O fim desse filme foi uma referência para algo que nós referenciamos no final do nosso filme”, desvenda.

Song cita "My Dinner With Andre" (1981), filme de culto de Louis Malle, escrito e interpretado por Wallace Shaw e André Gregory (à direita), como referência para a cena do bar de "Vidas Passadas"

Twenty Years Rights/A24 Films

Com os Óscares à porta, as expectativas são inevitáveis. Song sublinha: “Tinha esperanças e sonhos para ele [o filme]. Esperamos que todas estas coisas aconteçam. Mas, claro, estamos apenas a tentar fazer o melhor filme possível. Temos de esperar que o filme que fizemos se relacione com o público. Não podemos ter expectativas porque não sabemos o que vai ser”, acautela, rematando: “Tenho aprendido que todas as minhas esperanças e sonhos estão a tornar-se realidade [risos]”.

A trabalhar no próximo projeto, não restam dúvidas que o cinema é a sua “casa”. E que o teatro é, também ele, uma vida passada.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.