O Observador antecipa a publicação de um capítulo do livro “A Implosão da PT”. A obra, da autoria das jornalistas Alda Martins e Alexandra Machado, propõe-se contar “como políticos e empresários se serviram da PT ao longo de 20 anos”. O capítulo que se segue intitula-se “Fábula do Pavão” e é sobre Zeinal Bava. O nome do “supergestor” foi sinónimo da excelência da Portugal Telecom, enquanto administrador financeiro e presidente executivo. Até ter sofrido uma inexplicável falta de memória quando foi chamado a justificar os investimentos da PT no Grupo Espírito Santo. O livro é da editora Lua de Papel e estará à venda a 20 de outubro.
A fábula do Pavão
Perry, o Pavão, colorido, inteligente, criativo, prático e sensível, foi convidado para a Terra dos Pinguins, aves monocromáticas e sem pretensões a voarem. O Pavão, apesar de ser muito popular na sua terra, decidiu arriscar. Quando chegou à Terra dos Pinguins, estes ficaram intrigados, mas ao mesmo tempo impressionados.
Zeinal Bava gosta da fábula Um Pavão numa Terra de Pinguins, uma popular obra de BJ Gallagher Hateley e de Warren H. Schmidt, que faz parte dos manuais de gestão. Não só gosta, como a recomenda. E, quem sabe, talvez ele próprio se tenha sentido a certa altura como Perry, o Pavão, sobretudo quando entrou na PT, uma cinzenta terra de pinguins. Encontrou uma estrutura monocromática, com os pinguins todos iguais, que olharam para Bava intrigados, mas sem esconderem a admiração.
Na fábula, Perry foi recebendo mensagens para que não abrisse as penas demasiadas vezes e se mantivesse discreto. O Pavão assim decidiu fazer até que os pinguins o aceitassem completamente. O conto prossegue: “Estava confiante de que quando apresentasse bons resultados, os pinguins o aprovariam em todo o seu esplendor, podendo, aí, relaxar e ser ele próprio.” Os resultados apareceram, mas na vida real do “Pavão Bava” até os pinguins juniores o aconselharam a mudar um pouco o estilo para ser mais parecido com os seus pares.
Bava nunca falou da dificuldade em entrar na PT, quando em 1999 o fez pela porta da PT Multimédia. Falava fluentemente inglês, tratava o mercado de capitais por tu. Ou seja, ele correspondia a tudo o que a PT, monopolista e a acusar os primeiros anos de privatização, precisava. Entrou para financeiro da Multimédia, empresa liderada, na altura, por Eduardo Martins.
Ainda estava na Merrill Lynch quando começou a desenhar o futuro da PTM: a sua criação, a parceria estratégica com a Microsoft e a entrada em bolsa. Foi já como administrador financeiro que fez o roadshow de colocação da empresa no mercado de capitais e que começaram os negócios com o Brasil nesta subsidiária. A compra do Zip.net foi dos maiores.
Foi também sob proposta sua que se atribuiu, pela primeira vez em todo o grupo, stock options (opção para comprar acções da empresa a determinado preço) a alguns quadros da PTM. Os títulos da empresa chegaram a transaccionar a 146 euros, pico atingido em Março de 2000 e dias depois de ter sido dada uma recomendação de compra e um preço- -alvo de 140 euros por parte de um banco de investimento. Nada mais, nada menos, que o Warburg Dillon Read, onde Zeinal Bava trabalhara.
Nesse mesmo mês estoirou a bolha, as acções tecnológicas, em todo o mundo, caíram a pique, e em pouco tempo a PT Multimédia passou de uma capitalização bolsista de 11,6 mil milhões de euros para pouco mais de sete mil milhões. Zeinal Bava tinha assegurado o maior bolo das tais stock options. Teve desde o início a opção de exercer a compra de acções ao preço a que tinham sido colocadas no mercado, ou seja, 27 euros.
Em Junho de 2000, Bava tinha a opção de comprar, em três anos, mais 500 mil títulos! Só em stock options e se exercesse a totalidade do pacote, teria 13,5 milhões de euros em acções (500 mil a multiplicar por 27 euros), um verdadeiro euromilhões. Eduardo Martins, que era o presidente da empresa, só teve direito a 225 mil acções, o que, a 27 euros, daria um total de seis milhões de euros. Não se sabe, no entanto, quanto é que estes gestores ganharam ao abrigo destas opções. Mas certo é que o programa teve de ser renegociado por Murteira Nabo, dada a exorbitância e o impacto que tinha nas contas da empresa.
Desconhece-se o valor que Bava ganhou, ao longo dos anos, com acções das empresas que geriu. A sua conta bancária é pois uma incógnita, mas há quem acredite ser elevada, o que lhe permite ter uma valiosa colecção de arte onde se incluem vários quadros de José Malhoa. Nenhum dos administradores da PT se podia, aliás, queixar de ganhar mal. A empresa só a partir de 2011 é que começou a individualizar a informação referente aos salários dos administradores, e a partir daí tornou-se público que eram pagos prémios principescos e salários apetecíveis.
Os administradores receberam prémios por ganharem a OPA, mas também conseguiram aumentar as suas contas bancárias com a venda da Vivo. Por essa transacção foram pagos prémios de 2,55 milhões de euros em três anos. A Zeinal Bava coube a simpática quantia de um milhão de euros e a Henrique Granadeiro, que na altura já não tinha funções executivas, foi dado um pecúlio de 800 mil euros. Fora os salários anuais. Para efeitos de comparação, veja-se o que ganhou o administrador financeiro em prémio pela venda da Vivo: 237 mil euros.
Mais curioso é verificar que nesse mesmo ano, em 2011, Nuno Vasconcellos, da Ongoing, recebeu uns simpáticos 132 mil euros e Rafael Mora 85 mil euros. A PT foi, pois, ao longo dos anos uma fonte de rendimento apetecível até para os seus administradores.
Mas voltemos ao ano 2000. Se a entrada de Zeinal Bava se fez pela porta da Multimédia, depressa chegou à holding, onde nesse ano assumiu funções ligadas ao mercado de capitais, mas o financeiro continuou a ser Mata Costa, um dos históricos da casa e o homem dos números que fez o roadshow da privatização da PT com Luís Todo Bom. Murteira Nabo queria rejuvenescer a sua equipa e assim entraram os consultores Zeinal Bava e Paulo Fernandes, vindo da McKinsey.
Ao longo dos seus mandatos, Murteira Nabo foi-se rodeando de consultores, com os da McKinsey sempre na linha da frente, apesar de nesta altura a operadora ter mais de 20 mil trabalhadores. O recurso da PT a serviços externos estendeu-se a projectos como a reorganização dos recursos humanos ou a reformulação tarifária.
Em 1998 Murteira Nabo gastou 250 mil contos (1,25 milhões de euros) para criar uma nova imagem corporativa. Depois da junção de empresas, feita por Todo Bom, era preciso dar identidade ao grupo PT. A contratação da Wolff Olins resultou numa imagem alaranjada. Cor proibida nos tempos do guterrismo! Acabou por ficar cor de tijolo para não desagradar as hostes socialistas. Seria Zeinal Bava a acabar com esta imagem quando entregou à MyBrand o redesenho do logótipo. Ficaria, em 2009, azul, sem qualquer conotação política. Uma imagem que já foi apagada. A empresa operacional responde pela marca Meo. E a PT SGPS é agora Pharol.
Não foi só a marca que se apagou. Muita da história da PT também. A idade fez uma parte. Uma nova geração de gestores fez a outra. No mandato de Miguel Horta e Costa, como presidente a partir de 2002, Zeinal Bava assumiu as funções de CFO e deu-se o afastamento dos históricos do topo da PT: Mata Costa, Norberto Fernandes, Eduardo Martins e Eduardo Correia de Matos. Francisco Padinha já estava no Brasil, a liderar a Vivo. Em 2004 foi a vez de Graça Bau, que esteve onze anos à frente da TV Cabo, deixar essas funções.
Em contrapartida, Zeinal Bava foi acumulando cargos. Além de administrador financeiro da PT SGPS chegou, em 2003, à presidência da PT Multimédia. Mais tarde conquistou a presidência da TMN, o que resultou na saída de outro histórico – Iriarte Esteves. E quando em 2007 as águas da Multimédia foram separadas, Zeinal Bava assumiu a liderança da concorrente directa, a PT Comunicações, que, aos poucos, juntou com a TMN (depois passaram à marca única Meo). Uma junção que deu origem à PT Portugal, onde ficou até 2014, já consumada a integração desta última na Oi.
Bava passou por todas as áreas de negócio. Foi dos poucos a conseguir o feito. O caminho até à liderança trilhava-se. Aquele que havia gerado, à chegada, desconfiança.
O estrangeiro
Zeinal Bava entrou na PT quase como um estrangeiro. Uma sensação que conhecia há muitos anos. Nascido em Moçambique, na cidade de Maputo, quando ainda era Lourenço Marques, foi cedo estudar para Londres, onde se formou em engenharia e deu os primeiros passos na alta finança. Londres, a cidade para onde voltaria após a saída sem glória da Oi para ajudar o filho mais velho na caminhada universitária. Em 1999, porém, o desejo do gestor era regressar a Portugal com a mulher, Fátima, e os três filhos. E voltou para um emprego estável, de liderança, naquela que era uma das maiores empresas portuguesas. Entrou na PT pela porta grande e sob admiração.
O “Pavão” era uma ave colorida e criativa. A capacidade de trabalho era invejável e os mercados de capitais eram o seu meio natural. Era um génio das finanças. O “engenheiro financeiro”, diriam mais tarde. A Portugal Telecom precisava, nessa altura, de um homem que falasse a mesma língua dos investidores, nomeadamente dos grandes fundos internacionais que estavam em força no capital da empresa, concluída que estava, em 2000, a quinta e última fase de privatização. O Estado ficou no capital apenas por via da golden share e das acções detidas pela Caixa Geral de Depósitos.
Se os investidores aplaudiram um administrador financeiro de nova geração e fluente na língua de Shakespeare, na PT olharam-no com desconfiança, em particular os “velhos” quadros. E nem todos lhe sobreviveram. Perry entrou na Terra dos Pinguins na mesma altura que da Terra do Ensinamento chegaram outras aves consideradas exóticas, como a Águia, o Falcão, o Cisne ou o Tordo. E nenhuma era como os outros pinguins.
Também Zeinal Bava se foi rodeando de fiéis, um grupo que esteve sempre do seu lado. Algumas fidelidades eram anteriores à PT e, quase sempre, ligadas ao trabalho. Afinal, Bava não tinha grandes amizades em Portugal, uma vez que vivera a maior parte do tempo no estrangeiro. Manuel Rosa da Silva foi um dos que o acompanhou quase sempre. Pela mão de Bava, entrou na PT Multimédia depois de terem trabalhado juntos na Merrill Lynch como consultores para a PT. Uma ligação profissional só cortada em 2015.
As cumplicidades eram muitas e o reconhecimento também. Falavam um com o outro em inglês, a língua em que Zeinal Bava reconhece estar mais à vontade. Também por isso não conseguiu, nunca, libertar-se dos estrangeirismos nas suas intervenções, o que se tornou uma imagem de marca. Mas, aperfeiçoou o português durante os anos na presidência da PT e, com esforço, já fazia apresentações sem recurso excessivo a termos britânicos. Quando rumou ao Brasil depressa trocou o “telemóvel” pelo “celular”.
Manuel Rosa da Silva não foi o único que Bava puxou para a sua equipa dentro da PT. Abílio Martins foi o ponta-de-lança junto dos media e ajudou, e muito, na criação da imagem do gestor que chegou, no Brasil, a ser catalogado de “Messi das telecomunicações”. Por cá, falava-se do “Factor Z”.
Abílio Martins, tendo entrado na PT pela mão de João Líbano Monteiro, que tinha um contrato de assessoria com a operadora desde os tempos de Murteira Nabo, só deixou a empresa portuguesa para ir, em 2013, com Zeinal Bava, para a Oi, de onde também saiu quando o gestor não sobreviveu à telenovela brasileira. Não voltaria a entrar no Fórum Picoas. Mas voltou à superfície, mais tarde, em 2015, ao ajudar a candidatura vencedora à TAP de David Neeleman, detentor da companhia de aviação Azul, em associação com o empresário português Humberto Pedrosa, do grupo Barraqueiro.
Outro dos aliados de “Z” foi Diogo Leónidas, o advogado que conhecia desde a primeira fase de privatização da PT, e que também começou a perder influência dentro da empresa com a queda do pedestal da administração Bava.
A saída de Zeinal Bava da PT, e mais tarde da Oi, resultou, em 2015, no afastamento dos seus aliados. Como Nuno Prego, que tinha sido o escolhido para a direcção de relações com investidores, e que mais tarde foi seu chefe de gabinete. Aquela que foi a nova geração de gestores em 1999/2000 perdeu terreno. Com a expulsão do “Pavão” do paraíso, uma a uma foram saindo as outras “aves exóticas”.
Bava foi retirado do mapa mas continuou a merecer respeito no mundo das telecomunicações. E, mesmo em segredo, é ainda convidado para palestras não remuneradas, nomeadamente em operadores asiáticos. As amizades com os grandes mantiveram-se. Carlos Slim, o todo-poderoso líder das comunicações mexicanas, ou Allen Lew, presidente da Singtel, operadora de Singapura, são ligações que perduraram. Ao longo dos anos houve sempre quem antecipasse a ascensão deste gestor ao topo, que chegou jovem à PT. Mas nunca se antecipou a queda.
Candidatos ao fundo
Miguel Horta e Costa era ainda administrador do Banco ESSI quando conheceu o promissor financeiro. Ajudou-o na entrada da Warburg Securities no consórcio à privatização da PT, depois de o ter conhecido quando trabalhava com Abdool Vakil, o banqueiro nascido também em Moçambique que criou o Efisa, vendido ao BPN em 2002.
A família de Zeinal Bava foi das muitas que deixou a Índia em meados do século passado para se fixar em Moçambique. Os pais de Bava, no entanto, tinham outros planos. Deixarem a ex-colónia, virem para Lisboa e entrarem no negócio do mobiliário. Contudo, Bava nunca pôs a hipótese de entrar no ramo que o seu pai escolheu quando chegou a Portugal nos anos 1970. Bava, filho, tinha outros sonhos.
Pediu para estudar na escola inglesa St Julian’s, em Carcavelos, o que lhe deu bases para aos 14 anos voar rumo a Londres para o internato do Concord College. Daí seguiu para a universidade londrina University College. À City regressou vezes sem conta ao longo da carreira, primeiro como consultor, depois como gestor.
A saída de Horta e Costa da presidência da PT, em 2006, podia ter sido a oportunidade para ascender a esse cargo. Horta e Costa acreditava que Bava era a pessoa mais bem preparada para CEO, porém, José Sócrates nessa altura preferia outro estilo de liderança. Henrique Granadeiro servia os dois propósitos. Agradava ao primeiro-ministro – que já tinha ido algumas vezes almoçar à sua quinta do Alentejo – e era amigo da família Espírito Santo.
No final de 2005, Ricardo Salgado, que procurava uma maior aproximação a José Sócrates, acertou com Carlos Santos Ferreira, presidente da CGD, o nome do sucessor de Horta e Costa para levar à assembleia-geral de Abril de 2006. Em tempos, Miguel Horta e Costa acreditara que o seu percurso natural dentro da empresa seria assumir a função de chairman – afinal, “o Cardeal vai a Papa” –, mas com o novo Governo ficou claro que não haveria condições.
Também não era esse o desejo de alguns accionistas. Por isso, era preciso procurar outra solução: Granadeiro ficaria chairman e era escolhido outro presidente executivo. Surgiu, então, o contacto com Rodrigo Costa, que estava no estrangeiro a trabalhar para a Microsoft, mas com vontade de voltar a Portugal. Chegou à administração no final de 2005 mas já com a possibilidade da presidência em cima da mesa.
No entanto, para Rodrigo Costa ser presidente, que papel teria Zeinal Bava? Ricardo Salgado já estava a pensar mais longe, e, mesmo sem saber ainda que iria ser lançada uma OPA sobre a PT, admitia que a prazo a PT Multimédia sairia do universo da PT. Teria presidentes para as duas. Só que até lá tinha de resolver o problema da assembleia de 2006. Zeinal Bava não ia gostar de ser ultrapassado na liderança da empresa.
A solução surgiu: Granadeiro assumiu os cargos de CEO e chairman e Zeinal Bava de vice-presidente, número dois da lista. Zeinal Bava, que cumulativamente presidia à PT Multimédia, era o principal concorrente de Rodrigo Costa e tentava, como administrador financeiro da holding, limitar a margem de actuação do rival. Finda a OPA, e sob compromisso de separar a dona da rede de cabo, não havia hipótese de os dois partilharem o mesmo espaço. Rodrigo Costa acabou por ser convidado para presidir à PT Multimédia, o que aconteceu em 2007. Bava ganhou a presidência da holding.
Costa não foi o primeiro a ver gorada a possibilidade de chegar à presidência da PT. Carlos Vasconcellos Cruz, o outro putativo candidato ao cargo, acabou por cavar a sua própria sepultura, quando em entrevista ao jornal Público deixou cair que ser presidente da PT “não está fora de questão”. Teve de explicar as declarações ao conselho de administração, então presidido por Ernâni Lopes, que sabia que já não haveria futuro de liderança para o administrador. Vasconcellos Cruz percebeu então a frase que lhe havia sido dita na PT: “Não há cartas marcadas.” Não havia mesmo. Nenhum gestor podia ter, à partida, o selo de futuro presidente. Afinal, não era só o mérito que contava. O crivo do “dono disto tudo” e do Governo tinha de ser dado.
Carlos Vasconcellos Cruz deixou, pouco tempo depois, a PT Comunicações para ser colocado na PT Investimentos Internacionais. Acreditava-se ser um lugar de mais low profile, embora fosse importante pôr as participações internacionais na agenda mediática. Criou a PT Ásia e a PT África e levou a representação da Vivo para essa subholding. Contudo, na lista para a administração de 2006 já não constou o seu nome, tal como já não estava o de Horta e Costa. Em 2010, Vasconcellos Cruz foi contratado para a accionista Ongoing, onde só ficou nove meses.
Quanto a Zeinal Bava, o patrão do BES continuava reticente, e já várias vezes demonstrara ter dúvidas sobre o famoso “Pavão”. Desde logo quando teve de dar o aval à sua ascensão a administrador financeiro, no primeiro mandato de Horta e Costa; mais tarde quando pôs em causa as suas capacidades para CEO. Zeinal Bava soube, no entanto, conquistá-lo, mas foi um longo namoro.
Bava em ombros
A OPA deu o protagonismo que faltava a Zeinal Bava. Abriu-lhe a porta para o futuro. Mas não foi imediato. Henrique Granadeiro e Ricardo Salgado tinham outro trunfo na manga para presidir à comissão executiva da PT: António Carrapatoso. O então presidente da Vodafone Portugal tinha, no entanto, exigências para aceitar o cargo: escolha dos membros da comissão executiva e uma participação de 2% no capital da PT. Sócrates e o seu ministro Mário Lino não gostaram da ideia de perder poder dentro da operadora. O plano foi abortado antes de ver a luz do dia.
Ricardo Salgado acatou a vontade do primeiro-ministro e Granadeiro não teve outro remédio senão convidar Zeinal Bava para CEO. Foi assim que na assembleia-geral de accionistas de 2008, o “guru” dos mercados financeiros foi escolhido para presidir à PT. Rodrigo Costa já estava na PT Multimédia desde o spin-off em Novembro de 2007.
Os dois não se podiam ver. Tinham estilos radicalmente diferentes. E já tinham chocado de frente em 1998 quando Bava, ainda quadro da Merrill Lynch, negociou com a Microsoft, onde trabalhava Costa, a entrada na TV Cabo e depois, já na PTM, descorou a relação com a empresa norte americana que nem foi convidada para a administração.
Quando se separaram em definitivo, em 2007, Costa deixou para Bava o Meo, que tinha lançado meses antes no Convento do Beato. Considerou-o “o lançamento da década na PT Comunicações”.
Zeinal Bava retirou-lhe os louros deste lançamento quando assumiu a presidência. E logo na primeira intervenção como CEO. O Pavilhão Atlântico abriu-se, em Abril de 2008, para Bava dizer que era “um momento histórico. Chegou a Portugal o Meo: a televisão do futuro”.
Foi assim que se anunciou a estratégia de massificação do produto que, no entanto, já tinha quase um ano. “Com os Gato Fedorento como protagonistas, esta é a primeira campanha do quarteto de humoristas para um produto PT – que não o serviço fixo telefónico – onde assumem o papel de comandantes da televisão do futuro”, dizia ainda um comunicado desse dia.
Os Gato Fedorento tinham sido levados para a PT também pela equipa de Rodrigo Costa, que os contratara em Agosto de 2006, por um ano, para a campanha de telefone fixo “Agora é outra conversa”. A ligação foi sendo renovada e Bava estendeu-a a outros serviços além do fixo. Ricardo Araújo Pereira, que em 2015 foi o único Gato sobrevivente na ligação com a PT, chegou mesmo a dizer (em 2011) que o contrato era irrecusável. “Estão a pagar a universidade das minhas filhas e elas ainda estão na primária.” A ligação com a PT começou em 2006, mas foi a partir de 2008 que se aprofundou.
Responsabilidade nova, atitude nova
O dia 28 de Março de 2008 ficou marcado como o dia em que os accionistas ratificaram o nome de Zeinal Bava para a presidência executiva da PT, selo consolidado no ano seguinte com a eleição para um mandato completo de três anos. Foi depois votado para continuar em 2012 por mais três anos. Afinal o “Pavão”, ao contrário do que acontecia no conto, chegou mesmo ao topo da Terra dos Pinguins.
E quando finalmente chegou à presidência executiva da PT, começou a mudar a atitude. Apesar de manter a política de contenção de custos e de remuneração accionista, tentou deixar de lado a imagem de um financeiro puro. E ao mesmo tempo quis mostrar que também apostava no investimento, na inovação e que tinha preocupações ao nível dos recursos humanos, um estilo que já cultivara nas subsidiárias.
Falava com os quadros e conhecia-os. Os jantares de Natal eram sempre vividos como se de um encontro de amigos se tratasse. Muita música, boa disposição e à-vontade. Bava deixava-se fotografar junto dos seus trabalhadores. E era com eles que se reunia antes de anunciar à comunicação social qualquer projecto estruturante. As mega reuniões eram ao bom estilo da Apple: cenários faraónicos e uma plateia cheia e, quase sempre, no Pavilhão Atlântico, que mais tarde viria a ter o naming do Meo – tudo à grande!
Zeinal Bava, o CEO, passou a falar da estratégia e não apenas de números. Uma das suas preocupações era motivar os colaboradores e, na maior parte dos casos, conseguia. Várias vezes em breves SMS. Eram muitas as mensagens que em particular os mais chegados recebiam, mesmo a horas tardias. Uma gestão por SMS, diziam alguns.
O novo líder ouvia as pessoas que mais valorizava, mas colhia para si o protagonismo. Fugia ao confronto com os mais poderosos. Trabalhava horas a fio, mas levar os filhos à escola – na altura, ao colégio católico Salesianos – era sagrado. E fazer surf com eles, sempre que podia, também. Nas férias da Páscoa, o Brasil era passagem obrigatória da família. O mesmo Brasil que Henrique Granadeiro escolhia para passar férias… com Ricardo Salgado. Nunca se cruzaram.
No trabalho, Bava aproveitava muitas vezes a hora do almoço. Marcava reuniões para essa hora, pedindo sushi para acompanhar a discussão. Era considerado um líder sempre atento e conhecedor dos pormenores. Ele próprio reconheceu que tinha um estilo de gestão “orientado para o detalhe”. E também por isso foi difícil acreditar que Zeinal Bava não soubesse do nível de exposição da PT ao Grupo Espírito Santo, que chegou a ser de 90% da liquidez disponível.
Ao longo dos anos deixou de passar despercebido. Já não conseguia usar o disfarce de cliente-mistério nas lojas ou de comercial da PT, quanto ia de porta-em-porta vender produtos da empresa. Fez muitas vezes esse papel antes de ser reconhecido na rua. Quando passou para a ribalta, a veia de comercial passou a ser usada em conferências. Sempre que podia, Zeinal Bava tentava captar clientes para a PT. Um vendedor nato.
A notoriedade em Portugal chegou ao ponto de ter paparazzi a fotografá-lo de férias no Algarve, pois fazia questão de, em Agosto, ir uns dias para a Quinta do Lago. Aparecia cada vez com maior desenvoltura em acontecimentos mediáticos e políticos. Já abraçava o poder e era visto ao lado dele. Visto e fotografado.
Em pleno Verão de 2012, Zeinal Bava foi apanhado a almoçar com Joaquim Oliveira e Miguel Relvas, ainda o ministro-adjunto com a tutela da comunicação social não tinha saído do Governo. Foi também construindo a relação com Ricardo Salgado, que, de início, desconfiava do gestor. Os pequenos-almoços na Avenida da Liberdade, o então quartel-general do Banco Espírito Santo, ajudavam a cimentar a aliança, uma cumplicidade que, no entanto, nunca foi assumida.
Zeinal Bava diria mais tarde que as conversas que tinha com Ricardo Salgado inseriam-se no âmbito da parceria entre as duas empresas. Eram, disse na comissão de inquérito à gestão do BES/GES em 2015, “genéricas”. Mas não houve decisão estratégica tomada pela PT em que Ricardo Salgado não tivesse intervindo.
Apesar da aliança, Zeinal Bava não frequentava os mesmos meios sociais que Ricardo Salgado. Já Henrique Granadeiro, tinha a porta de casa de Salgado aberta. Bava e Granadeiro lutaram em vários campos. Num deles pela simpatia do todo-poderoso presidente do BES.
Apoio do Governo
A vida em Portugal parecia correr de feição. O financeiro tinha conseguido conquistar trabalhadores, accionistas e Governo. Bava deu a cara por projectos acarinhados por José Sócrates. Mais do que acarinhados foram projectos impulsionados pelo primeiro-ministro, como o da expansão da banda larga, o das redes de nova geração e o programa e-escolas. Em todos eles a PT surgiu como um dos principais impulsionadores. E sempre ao lado do Governo.
Os negócios da PT foram elogiados até pelo primeiro-ministro que se seguiu. A ligação da PT ao Governo de José Sócrates dava sinais de que se perpetuaria com o Executivo de Passos Coelho que, já sem a golden share, foi visitar, em Outubro de 2011, o local onde a PT iria instalar o centro de dados no qual prometia investir 90 milhões de euros e criar 1400 postos de trabalho.
Nesse dia, e com menos cabelos brancos, Passos Coelho elogiou o investimento, mas também a própria empresa: “A PT já não é uma empresa pública e tem conseguido ao longo de muitos anos manter um perfil extremamente avançado que orgulha Portugal. Temos muito orgulho na forma como a PT tem vindo a ser gerida e como tem vindo a ajudar Portugal a desenvolver-se.” Palavras que passados três anos teve de engolir.
O centro de dados foi dos últimos projectos nacionais de Zeinal Bava. Anunciado em 2011, foi inaugurado em Setembro de 2013 sem a presença de Passos Coelho ou qualquer outro ministro. António Pires de Lima, que dois meses antes assumira a pasta da Economia, não gostou desta exclusão de uma cerimónia onde estiveram centenas de pessoas convidadas pela PT, em particular analistas, investidores e, claro, jornalistas.
O “cubo” da Covilhã foi inaugurado para ser um dos maiores da Europa. Mas, tal como a PT, viu lograda a sua ambição. Bava cortou a fita do centro da Covilhã enquanto presidente da PT Portugal. Nessa altura, já passava a maior parte do seu tempo no Rio de Janeiro. Veio ao evento, mas com o pensamento quase que exclusivamente no que iria anunciar passados poucos dias: a fusão entre a PT e a Oi. Uma possibilidade que os jornais anteciparam e que ganhou força quando o gestor foi, em Junho, para o Brasil, mas mantendo um pé em Portugal.
Às perguntas sobre possíveis fusões os gestores da PT fugiam. Zeinal Bava parecia já falar como presidente da futura empresa, apesar de se refugiar em factos: era presidente da PT Portugal e da Oi. Henrique Granadeiro, mais enigmático, falava em namoros que podiam dar em casamento ou em rompimento. Mas sobre fusões, “quando acontecem, não se dizem nem à mulher”. A mulher de Henrique Granadeiro podia não saber mas a operação ensaiava-se nos bastidores. Até a ida de Zeinal Bava para o Brasil já era um primeiro passo nesse sentido.
Passaporte para o Brasil
A 4 de Junho de 2013 a administração foi chamada de forma inesperada à sede da PT. Zeinal Bava tinha sido convidado para assumir a presidência da Oi e, sendo “a sua investidura do interesse da
PT”, havia que nomear novo presidente executivo. Henrique Granadeiro assumiu a condução dos trabalhos e aproveitou para tecer elogios àquele que havia sido seu colega em várias lutas, mas que nunca foi seu confidente nem fiel companheiro.
“A PT desliga-se hoje de um grande e histórico CEO”, assumindo que ficaria “devedor” pelo “muito que o convívio o enriqueceu pessoal e profissionalmente.” Para Granadeiro não se tratava de um
“adeus” mas tão-só de um “até já”. Aos elogios seguiram-se palavras de apreço e admiração dos restantes membros da administração, incluindo Ongoing, BES e Caixa. Elogios às suas “capacidades invulgares de trabalho, liderança e comunicação, que permitiram transformar a PT numa empresa moderna, eficiente e inovadora”, segundo a acta dessa reunião.
Já com a renúncia de Zeinal Bava consumada, foi a vez de Joaquim Goes, do BES, propor que Granadeiro voltasse a assumir a presidência executiva da PT, proposta subscrita pela Ongoing (Rafel Mora e Nuno Vasconcellos) e aprovada por unanimidade.
Com o passaporte na mão e a mala cheia de boas intenções, Zeinal Bava chegou ao Brasil. Tal como Perry, o Pavão, acabou à procura de lugar na Terra das Oportunidades, onde pudesse ser ele próprio e reconhecido pelos resultados. Na bagagem levou os elogios dos administradores da PT, alguns dos quais ajudaram, mais tarde, no arremesso das pedras. Levou, também, um longo rol de negócios com o “país-irmão” e toda a história da Portugal Telecom.
De forma directa ou indirecta, Bava ajudou a comprar a Telesp Celular, uma posição na Telesp Fixa, a Ceterp (Ribeirão Preto), as redes do Unibanco e Bradesco, o Zip.net, 50% da Investnews (da Gazeta Mercantil), 31,5% do Banco1Net, 33% da Idealyze (do grupo Abril), a Global Telecom, a TCO, a Telemig e a Tele Norte, estas três últimas já como Vivo. Um conjunto de operações realizadas entre 1998 e 2007 e que resultaram no desembolso de cerca de seis mil milhões de euros, sem levar em linha de conta os negócios posteriores com algumas dessas empresas – por exemplo, o Zip.net foi integrado no UOL – e sem os reforços de capital na Telesp.
O seu sucesso como gestor foi tal que o próprio presidente Cavaco Silva o condecorou com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Empresarial a 10 de Junho de 2014, Dia de Portugal. Embora já vivendo no Rio de Janeiro, Bava interpretou a distinção como “o reconhecimento do trabalho que todos temos feito para apoiar a economia e vamos continuar a fazer mais e melhor porque essa é uma responsabilidade que nós temos como uma das empresas maiores do nosso país e líder no nosso sector”. Passado menos de um mês, mais precisamente 16 dias, a Grã-Cruz começou a perder lustro, quando foi descoberta a aplicação de quase 900 milhões de euros no Grupo Espírito Santo.
O conto de Perry termina aqui. O de Bava teve outro capítulo. A Terra das Oportunidades, tal como em tempos se tinha aberto, fechou-se. Sem que Bava tivesse recuperado a Oi e libertado a empresa
das garras dos accionistas, que mesmo assim conseguiram graças a ele uma quantia significativa junto do mercado de capitais para injectarem na empresa. Saiu em Outubro de 2014 depois do golpe fatal do incumprimento da Rioforte.
Carimbou de novo o passaporte mas à saída do Brasil. Regressou a Portugal sem euforias e sem emprego, mas com mais de cinco milhões de euros de uma indemnização que, à altura, deu muito que falar – sobretudo nas redes sociais, a nova praça pública da classe média. Poucos dias depois, porém, ainda lhe foi atribuído o grau de doutor honoris causa pela Universidade da Beira Interior, onde elogiou os trabalhadores da PT e os seus accionistas.
Foi a última aparição pública do gestor antes da audição na comissão de inquérito à gestão BES/GES. Uma audição onde lhe foram atirados à cara os vários prémios conquistados: melhor CEO das telecomunicações na Europa em 2013, 2011 e 2010 pela Institutional Investor Magazine; melhor CEO em Portugal pela Institutional Investor, em 2012 e 2013; melhor CEO em Portugal pela Extel entre 2010 e 2014; e melhor CEO na área de relações com investidores em 2009, 2011 e 2013, numa iniciativa da Deloitte.
Os prémios também caíram mal ao ministro Pires de Lima, que nunca perdoou a Zeinal Bava não ter tido agenda para o receber na Oi quando esteve no Brasil. Foi da boca do ministro da Economia que vieram as críticas mais ferozes por parte do Governo à queda da PT, tendo-se inclusive referido aos gestores da empresa como “especialistas na compra de prémios internacionais”.
Os prémios que voltaram à baila na comissão parlamentar de inquérito à gestão BES/GES, pela voz da deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, e depois de Bava ter dito apenas: “era onde estava investido” quando questionado porque estava tanto dinheiro no GES: “É um bocadinho amadorismo para quem ganhou tantos prémios de melhor CEO do ano, da Europa e arredores, não é?”, atirou Mariana Mortágua. “Sabe que esse tema dos prémios é um bocado sensível”, limitou-se a dizer Bava, cuja audiência no Parlamento foi das mais criticadas por insistir na ideia de que não se lembrava de muitas coisas e que, noutras, já não estava na PT.
“Não guardo memória” foi a frase mais referida pelo gestor. Acabou por admitir que para a PT não havia distinção entre GES e BES, era tudo o mesmo. Foi um Bava irreconhecível o que se viu na comissão de inquérito. Sem os assessores ao seu lado – com quem, no entanto, se aconselhou antes da audição –, mostrou-se hesitante e pouco seguro. E embora soubesse que não esteve bem e que saiu prejudicado com o desempenho, nunca soube, no entanto, porque terá sido o primeiro da PT a prestar depoimento.
Depois desta prestação, Bava não mais apareceu em público. Mas há quem acredite que não será por muito tempo. Não é este o desfecho que quer para a sua carreira. E como já disse: “A cada experiência nós evoluímos. E a forma como interpretamos cada experiência depende de nós e só de nós.”
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