Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.
Os desafios trazidos ao jornalismo pela era digital foram já amplamente discutidos, e podem-se resumir em três pontos. Primeiro, a facilidade com que a informação se propaga pela internet de forma livre, especialmente pelas redes sociais, fez com que os meios de comunicação social tradicionais tenham uma grande dificuldade em cobrar pelos conteúdos que disponibilizam. Consequentemente, não somente ficam restringidas as fontes de receita diretas à publicidade, como se cria a ilusão no consumidor de que não existe necessidade de pagar por conteúdos jornalísticos.
Segundo ponto, a própria produção de informação acabou descentralizada, com milhões de pessoas a gerar informação ao mesmo tempo nas redes sociais. Enquanto que até há uns anos um indivíduo que presenciasse um acontecimento relevante telefonava de imediato a um órgão de comunicação social, hoje prefere registá-lo e divulgá-lo por meios próprios aos seus amigos ou seguidores nas redes sociais. Políticos, desportistas e artistas preferem também hoje divulgar informação relevante através das suas contas nas redes sociais do que comunicá-las diretamente aos órgãos de comunicação social. E, assim, cada vez mais os consumidores preferem seguir diretamente a fonte das notícias em vez de utilizar o filtro dos órgãos de comunicação social.
Terceiro ponto, a descentralização na divulgação de informação dificultou a verificação da sua veracidade. Simultaneamente, a necessidade de andar à mesma velocidade que os canais de transmissão alternativos diminuiu o cuidado na verificação de fontes, culminando na deterioração da qualidade da informação divulgada. Sendo comum associar-se a proliferação de notícias falsas às redes sociais, mesmo os órgãos de comunicação social tradicionais por vezes deixam-se cair na armadilha das notícias falsas, apenas devido à tentação de andar à mesma velocidade que as redes sociais.
Ora, esta mistura explosiva da perda do exclusivo na produção de informação, da crescente incapacidade de se fazer cobrar por essa informação e da perda de qualidade da informação tem tido um impacto tremendo na comunicação social. Desde logo, na forma como os jornais e as redações se organizam, na própria oferta jornalística e na reestruturação dos seus custos. Essa transformação tem sido dolorosa e lenta para os órgãos de comunicação social em todo o mundo, incluindo Portugal, confrontados com a instabilidade financeira e com a sua própria descredibilização, num processo que se autoalimenta.
Isto leva-nos a refletir sobre o futuro: haverá forma de a imprensa conseguir ser novamente sustentável? A pergunta, sobre a qual se debruça este ensaio, ultrapassa as margens de uma análise estritamente económica: sem uma imprensa livre, a qualidade da democracia deteriora-se.
A situação da imprensa em Portugal: no limiar da sobrevivência
Um pouco por todo o mundo, vários órgãos de comunicação social fecharam ou reduziram bastante o número de trabalhadores para sobreviverem aos novos tempos. Em 2017, as empresas responsáveis por publicações de referência como o New York Times, Vice, HuffPost, The New Yorker, Vogue, Vanity Fair e a revista Time, entre outros, reduziram o número de funcionários. O órgão online Mashable despediu praticamente todos os funcionários que se dedicavam à produção de notícias, preferindo focar-se em vídeos e entretenimento. Outros, como o The Washington Post, apenas sobreviveram graças à injeção de capital (e talento) de um grande acionista (no caso em questão, Jeff Bezos). Este é o retrato dos grandes jornais internacionais.
Em Portugal, a situação não é muito diferente. A Global Media é o maior grupo de comunicação social português maioritariamente focado na imprensa escrita, detendo, entre outros, o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias, O Jogo e a TSF. Teve prejuízos em 8 dos últimos 10 anos, tendo acumulado mais de 20 milhões de euros em prejuízos apenas entre 2014 e 2016. A circulação impressa paga caiu para menos de metade nos últimos 10 anos na generalidade dos jornais do grupo, tendo a queda sido particularmente acentuada no Diário de Notícias, que se tornou recentemente num semanário, mantendo a atividade diária em edições online. O auditor das contas do grupo, a PriceWaterhouseCoopers, avisou no final de 2016 que a continuidade de operações estava posta em causa dados os resultados financeiros. Apenas as injeções de capital da até então desconhecida sociedade macaense KNJ Global mantiveram o grupo à tona. Desconhecem-se as motivações da sociedade em causa para o investimento mas, olhando para os recentes resultados do grupo e para o volume insustentável de prejuízos, só por ingenuidade se poderá assumir que as motivações se prendem com a obtenção de retorno financeiro.
Já o jornal Público acumula, nos últimos 3 anos, mais de 12 milhões de euros em prejuízos, valor que ultrapassa 20 milhões de euros se se olhar aos últimos 5 anos. Tal como a empresa que auditava as contas da empresa até 2015 – a Deloitte – fez notar ao longo de 7 anos, o Público apenas sobrevive graças às permanentes injeções de capital do acionista de referência (a Sonae), sem as quais já teria cessado de operar há vários anos.
As dificuldades financeiras dos grupos de comunicação que se centram na imprensa escrita parecem ser generalizados. Em 2015, o jornal diário i, que vinha acumulando perdas acabou fundido com o semanário Sol na Newsplex, resultando no despedimento de cerca de metade da redação dos dois jornais. De acordo com o maior acionista, Mário Ramires, o grupo Newsplex está hoje no “limiar da sustentabilidade”, mas, apesar do caminho percorrido, estes ainda são jornais com uma reduzida presença no mercado nacional.
Entre os grupos de comunicação social que se focam na imprensa escrita em papel, apenas a Cofina se mantém numa situação financeira relativamente saudável. Esta saúde financeira é obtida, em boa parte, graças às vendas do Correio da Manhã, um jornal que revolucionou a forma de fazer notícias em Portugal e que é hoje o mais vendido do país, alimentando ainda um canal televisivo de notícias. Com um jornalismo agressivo, muitas vezes na zona cinzenta da ética jornalística, e com tendência a misturar informação e entretenimento, o Correio da Manhã consegue ter uma tiragem maior, por exemplo, do que todos os jornais do grupo Global Media juntos.
Finalmente, existem dois grandes grupos de comunicação social que juntam imprensa escrita, rádio e televisão: a Impresa e a Media Capital. Olhando para os resultados de ambos os grupos, este parece ser um modelo que funciona, embora seja difícil de entender o contributo da imprensa escrita para esses resultados (no caso da Media Capital, a imprensa escrita restringe-se a alguns sites de notícias). Por outro lado, os resultados positivos destes grupos dependem, em boa medida, do facto de terem no seu portefólio um canal em sinal aberto, um privilégio que apenas é garantido a esses dois grupos e ao Estado. Não sendo a informação o foco dos canais televisivos, é difícil concluir algo sobre a viabilidade da produção de informação a partir dos resultados destas empresas. Ainda assim, parece claro que existem sinergias de distribuição entre informação e entretenimento suficientemente grandes para estes grupos manterem grandes redações e alguma imprensa escrita.
Dito isto, há aspetos importantes que relativizam os bons resultados destes grupos e que anunciam mudanças futuras. No grupo Impresa, resiste-se a uma dívida acumulada que deverá rondar os 180 milhões de euros – o que muito limita a sua sustentabilidade e viabilidade futura. Ainda recentemente, o grupo liderado por Francisco Balsemão viu-se forçado a vender todas as suas publicações, com exceção do semanário Expresso, o que inclui as revistas Visão, Exame, Courrier Internacional, Caras, entre muitas outras. O grupo comprador, Trust in News, liderado pelo jornalista Luís Delgado, adquiriu estas publicações por 10 milhões de euros. Acresce a esta situação o facto de a Media Capital acabar de sair de um processo de venda que não foi bem-sucedido, tudo indicando que o acionista Prisa continua à procura de comprador.
Chegados aqui, o que nos diz este retrato da imprensa em Portugal? Três pontos fundamentais. Primeiro, as empresas cujo foco de negócio é maioritariamente a imprensa escrita apenas sobrevivem graças a injeções de capital de acionistas, cuja boa-vontade pode não ser sustentável no tempo ou pode até ter motivos que interfiram com a independência dos seus jornalistas.
Segundo, a sustentabilidade parece ser particularmente difícil de alcançar em projetos jornalísticos que chegam a este momento de transição profundamente endividados, com folhas salariais pesadas e com quadros menos preparados para os desafios presentes. Terceiro, os órgãos de imprensa que apresentam resultados operacionais mais saudáveis ou estão incluídos num grupo cujo objetivo é vender entretenimento; ou misturam entretenimento e jornalismo, sem que sejam bem definidas as fronteiras entre um e outro.
Projetos concebidos de raiz para se adaptarem ao desafio da imprensa digital (casos do Observador e do ECO) poderão tornar-se na exceção a esta situação, mas ainda é demasiado cedo para concluir isso. No caso do Observador tem sido difícil atingir um saldo positivo em termos operacionais, o que é expectável nos primeiros anos de existência. Apesar de não ter a estrutura pesada de jornais mais antigos, também acumulou perdas nos primeiros quatro anos de existência. Por forma a cobrir o investimento inicial e as perdas dos primeiros quatro anos, os acionistas já injetaram cerca de 5,2 milhões de euros no jornal. A expectativa do Conselho de Administração é que o jornal atinja o break-even no próximo ano, o que seria um bom indicador de sucesso do modelo. O facto de quase todos os novos projetos jornalísticos se focarem exclusivamente no digital é uma boa indicação de que o sector acredita que esse é o modelo do futuro.
A queda das receitas de publicidade
Uma das razões que precipitou as dificuldades financeiras nos órgãos de comunicação social foi a queda no mercado de publicidade, nomeadamente no volume total das receitas e na sua alteração de distribuição interna por plataforma. Uma queda acentuada, como os grandes números mostram: em 2008, as receitas de publicidade rondavam os 780 milhões de euros e, em 2017, estão reduzidas a 509 milhões de euros – uma diminuição de 35%.
Se se olhar para a evolução das receitas de publicidade (valores líquidos) referentes à imprensa, torna-se fácil perceber o estrangulamento financeiro dos jornais. Após quedas sucessivas desde 2008, com o início da crise económica, o valor da publicidade na imprensa era de 84 milhões de euros em 2011 e pouco mais de um terço, 34 milhões de euros, em 2017 (gráfico 3). Estes valores são particularmente preocupantes se se tiver em conta que, nesse intervalo de tempo, o mercado publicitário caiu e recuperou ligeiramente, havendo setores em franco crescimento. Ou seja, a queda das receitas na imprensa tradicional é estrutural: foi acelerada pela crise, mas não melhorou com a recuperação da economia portuguesa (na verdade, agravou-se).
Olhando aos outros segmentos, duas notas justificam-se. A primeira é sobre a estabilização das receitas da televisão aberta: após diminuição até 2012, parece ter estabilizado um pouco abaixo dos 200 milhões de euros líquidos anuais. Ou seja, o seu peso corresponde a cerca de 40% do total. Algo que, eventualmente, poderá reduzir face às novas formas de ver televisão – seja através das boxes de televisão que têm navegação (avançar ou retroceder) e, portanto, permitem ao utilizador passar à frente da publicidade; seja através dos serviços online de streaming e de televisão, tais como o Netflix.
A segunda nota é sobre o digital, o único segmento em franco crescimento. As receitas de publicidade no digital estão cada vez mais elevadas, tendo duplicado em cinco anos (67 milhões em 2012, 134 milhões em 2017) e estando cada vez mais próximas das da televisão, afirmando-se como o segundo segmento mais gerador de receitas. A leitura destes dados impõe, contudo, uma menção: uma fatia muito gorda destas receitas é capturada pelos gigantes internacionais (tais como Google e Facebook), não sendo por isso passível de associar estas receitas aos jornais digitais (gráfico 4). Seja como for, os números evidenciam que o digital é, neste momento, o único segmento em crescimento expressivo e acelerado.
Que alternativas existem?
O debate acerca dos desafios da comunicação social não começou ontem, pelo que existe já alguma reflexão acumulada e propostas lançadas. Uma das alternativas que tem sido proposta é o financiamento público aos órgãos de comunicação social. É uma solução que, teoricamente, faz sentido. A informação e a investigação jornalística enquadram-se bem naquilo que os economistas chamam de bem público: a informação é um bem não rival (ou seja, o consumo de informação por um indivíduo não diminui a quantidade de informação disponível para outros) e não exclusivo (praticamente impossível excluir alguém de conhecer uma informação, especialmente, como referido antes, na era da internet e redes sociais). Sendo um bem público, poderia fazer sentido o financiamento público dos órgãos de comunicação social.
Mas, apesar de fazer sentido na teoria, o risco é por demais evidente: com o financiamento público eventualmente chegaria o controlo público da comunicação social. Se um dos objetivos da comunicação social é precisamente ser um contrapeso ao poder político, estar na sua dependência direta provavelmente arruinaria qualquer pressuposto de independência. Um governo menos escrupuloso poderia cortar o financiamento a um órgão de comunicação social menos alinhado e, vice-versa, um órgão de comunicação social menos escrupuloso poderia esconder informação relevante sobre a ação de membros do governo a troco de mais benefícios públicos. Ou, simplesmente, um órgão de comunicação social poderia não publicar determinada notícia com receio de retaliações, mesmo que esses receios fossem infundados.
Esta perigosa dependência até já existe em grande parte. Mesmo não recebendo subsídios diretos, os grandes grupos de comunicação social estão, em parte, dependentes do poder político. Como foi escrito acima, há dois grandes grupos de comunicação social, Media Capital e Impresa, que têm como principal fonte de receitas os seus canais de televisão, que beneficiam de um subsídio indireto do Estado sob a forma de acesso exclusivo à televisão digital terrestre. Este acesso exclusivo vale dezenas de milhões de euros. É graças à vantagem competitiva trazida por esse acesso exclusivo que esses canais podem manter grandes audiências e alimentar todo o grupo. Outra forma de subsidiação pública é através de contratos de publicidade com entidades públicas ou empresas privadas próximas dos centros de decisão políticos. De uma forma ou de outra, os decisores políticos mantêm assim os dois grupos de comunicação social na sua dependência. Ou seja, o financiamento público já existe de forma encapotada, mas tem como único efeito a restrição da concorrência e não o oposto. Dificilmente aumentar esse financiamento traria mais independência e qualidade na informação.
Se a alternativa do financiamento público parece ser má, uma segunda alternativa seria aceitar que a imprensa escrita terá sempre que depender de financiamento de acionistas com variados interesses (que podem ir do puro altruísmo à vontade de controlar a informação) – restando regular para que esse financiamento e motivações sejam transparentes para os leitores. Em boa parte, isto pode ocorrer por autorregulação. Por exemplo, recentemente, num artigo no Público, João Miguel Tavares levantou questões e suspeitas sobre o interesse do grupo macaense KNJ em investir na Global Media. Já o Correio da Manhã, do grupo Cofina, revelou escutas sobre esse mesmo grupo, ligando-o a José Sócrates e à sua rede de influências. Os consumidores que tenham tido acesso a estas notícias certamente saberão interpretar aquilo que é escrito nos órgãos da Global Media à luz daquilo que leram. Também recentemente, a propósito do caso de poluição ligado à Celtejo, vários órgãos de comunicação social chamaram a atenção para o facto de a Celtejo e o Correio da Manhã partilharem um grande acionista, o que, tal como no caso anterior, fará com que os leitores tenham um cuidado especial ao ler as notícias sobre a Celtejo que saiam no Correio da Manhã. O Observador também se expos a esse escrutínio tornando pública a lista de acionistas desde a sua fundação. Ou seja, se os grupos de comunicação social forem independentes uns dos outros, o próprio processo de concorrência levará à autorregulação e à descoberta dos interesses dos financiadores – desde que os acionistas sejam conhecidos. Havendo diversidade suficiente, os leitores poderão sempre filtrar aquilo que leem. O ideal seria que esses interesses fossem declarados à partida, mas num país onde até é raro os órgãos de comunicação social identificarem a sua tendência ideológica (apesar de, em muitos casos, ser bastante evidente), dificilmente se esperaria que isso acontecesse.
Uma terceira alternativa é alinhar por um modelo que aparenta ser rentável: produzir e distribuir informação dentro de pacotes de entretenimento. A realidade portuguesa parece confirmar que a produção de informação é financeiramente sustentável quando beneficia, direta ou indiretamente, de sinergias na distribuição com o entretenimento. Isso já acontece hoje, em parte, com a televisão, em que os pacotes de canais incluem tanto entretenimento como canais exclusivamente dedicados a informação. Mesmo a imprensa escrita (online e em papel) tende a incluir grandes secções de entretenimento, alavancando os mesmos meios de distribuição para vender um e outro. O Correio da Manhã utiliza essas sinergias de tal forma que por vezes se torna difícil perceber onde está a fronteira entre o entretenimento e a informação. Mas é também graças a essa estratégia que preserva a sua independência económica e editorial, algo de que poucos órgãos de comunicação social de relevo se podem orgulhar.
No entanto, colocar a viabilidade do jornalismo nas sinergias com o entretenimento traz dois riscos importantes. O primeiro é que o jornalismo deixe de se levar (e, consequentemente, ser levado) a sério. Por outro lado, o próprio mercado do entretenimento está em vias de sofrer a sua própria disrupção digital, com as gerações mais novas a consumirem cada vez menos televisão tradicional, preferindo serviços de programas a pedido onde as sinergias com a informação não são tão evidentes. De acordo com a Nielsen, nos EUA, o grupo etário entre os 18 e os 24 anos consome hoje metade do tempo de televisão que consumia em 2011.
Finalmente, uma quarta alternativa é a coexistência no mesmo órgão de conteúdos disponíveis gratuitamente e conteúdos pagos. Essa tem sido a estratégia seguida por muitos órgãos de comunicação social em Portugal e um pouco por todo o Mundo. Normalmente o que acontece é que a informação mais básica é disponibilizada de forma gratuita, mas artigos cuja replicação é mais difícil (como informação exclusiva, artigos de opinião, investigações, ensaios) têm que ser pagos. Claro que mesmo os artigos protegidos pela necessidade de pagamento podem ser, e são, facilmente replicados online por cópia direta ou captura de ecrã.
Nestes casos, a aposta dos órgãos de comunicação social é na existência de um grupo suficientemente grande de utilizadores interessados em informação mais detalhada e disponíveis para pagar pela conveniência de ter acesso aos artigos pagos imediatamente. Mas estes serão sempre uma pequena percentagem dos utilizadores (a tabela 2 apresenta dados para Portugal). Segundo o Reuters Institute Digital News Report 2017, em Portugal apenas 9% dos utilizadores de notícias online tinham pago pelo acesso a notícias durante o ano e apenas 4% tinham subscrições (gráfico 5). Dito de outro modo, o mercado das subscrições é demasiado pequeno para sustentar significativamente a atividade de um jornal.
Ou seja, os órgãos de comunicação social podem apelar ao bom coração dos leitores e à necessidade de manter uma imprensa livre, mas no final do dia serão três os fatores que determinarão o sucesso dos esquemas de pagamento por conteúdos premium. O primeiro é a qualidade e exclusividade dos conteúdos premium. Se esses conteúdos não oferecerem um benefício grande em relação aos conteúdos disponibilizados gratuitamente na mesma ou em diferentes plataformas, dificilmente haverá muitos utilizadores disponíveis a pagar por eles. O segundo fator de sucesso é o nível de desenvolvimento do país. Como se pode ver no gráfico 6, embora a relação não seja linear, existe uma correlação positiva entre o número de utilizadores dispostos a pagar para aceder a conteúdo e o desenvolvimento económico do país (medido pelo PIB per capita).
O terceiro fator, muito importante, é a escala. Perante a realidade de apenas uma pequena percentagem dos utilizadores de informação online estar disposta a pagar, ter uma base grande de utilizadores é fundamental para o sucesso do modelo. Neste aspeto, os órgãos de comunicação social portugueses partem em desvantagem em relação a órgãos de comunicação social de países de língua inglesa, como os EUA e o Reino Unido. Por um lado, o português é menos falado no Mundo do que o inglês. Por outro lado, mesmo dentro dos países que falam português, a realidade noticiosa portuguesa importa pouco (ao contrário da americana, por exemplo, que tem impacto mundial). Isto faz com que, por exemplo, um grande mercado de língua portuguesa (o Brasil) esteja praticamente fechado aos órgãos de comunicação social portugueses. Num país de 10 milhões de habitantes, pouco relevante no contexto internacional, a escala será sempre um problema para fazer o sistema de pagamento por conteúdos noticiosos funcionar.
O que já se fez (e funcionou)
Todos estes desafios são relativamente recentes, pelo que ainda escasseiam os exemplos de órgãos de comunicação social que conseguiram dar completamente a volta à situação. Como em tantas outras indústrias, a inovação tem aparecido em boa parte nos EUA. O primeiro exemplo de uma transformação com algum sucesso é o Washington Post, depois de ter sido adquirido pelo milionário Jeff Bezos, também dono da Amazon. Fazendo questão em manter a independência do jornal, o empresário envolveu-se na gestão corrente das atividades, mudando a forma de comunicar e vender os conteúdos. Habituado a vender conteúdos online, e a fazê-lo com preços atrativos de forma a criar uma base alargada de clientes, Bezos trouxe a mesma forma de pensar para o Washington Post. Em vez de contar com uma pequena base de leitores a pagar uma quantia elevada, optou por alargar a base de clientes, baixando o preço. Desta forma evita que leitores mais sensíveis ao preço se virem para alternativas gratuitas, mantendo-os fiéis ao jornal e aumentando ainda as receitas de publicidade. O Washington Post passou também a ser distribuído gratuitamente entre os subscritores do pacote de entretenimento Amazon Prime. Mas o preço não é o único fator a ter em conta. Reconhecendo que a era digital tem desafios muito específicos, o Washington Post triplicou o número de engenheiros e analistas de dados nas redações tendo em vista a adaptação dos conteúdos às preferências reveladas pelos leitores e garantir uma melhor experiência online.
O acesso a conteúdos informativos online altera o paradigma da imprensa. Por um lado, os órgãos de comunicação social podem aceder e acumular dados sobre os leitores que não podiam fazer na versão em papel, o que lhes permite, como no caso do Washington Post, customizar a oferta às preferências dos leitores. Por outro lado, a experiência de leitura também se torna num fator diferenciador (que não era quando a informação era distribuída em papel). O Financial Times, outro caso de sucesso na passagem para o digital, recolheu durante meses informação sobre as interações dos leitores consoante o tempo de carregamento das páginas. Sem surpresas, analisando os dados, concluíram que quanto mais rápido o carregamento das páginas, mais provável era o leitor manter-se na página e ler outros artigos. Fizeram então um grande investimento em reduzir o tempo de carregamento das páginas do website do jornal. Neste momento, o Financial Times orgulha-se de ter o site mais rápido da indústria, tendo conseguido mais de meio milhão de subscritores.
A boa notícia é que parece haver um caminho para o sucesso na era digital: melhorar a experiência do utilizador utilizando as potencialidades da internet para o conhecer melhor, e um esquema de preços e pacotes de produtos que alargue a base de leitores pagantes. A má notícia para os órgãos de comunicação social é que o sucesso na era digital também depende em muito da escala, algo que será difícil obter para um órgão de comunicação em língua portuguesa.
Que conclusão? Um problema certo, várias soluções incertas
O valor económico da imprensa vai muito para além daquilo que o consumidor está disposto a pagar. Parte desse valor económico resulta das externalidades positivas para a sociedade como um todo e para a saúde de uma democracia. Mas, ao contrário de outros bens com as mesmas características, a imprensa perderia essas externalidades se fosse financiada pelo Estado. Percebe-se rapidamente porquê: a imprensa também tem valor económico para quem procura controlar aquilo que é publicado. Empresas, partidos políticos e grupos de pressão têm um grande interesse em controlar aquilo que é publicado na imprensa. A forma mais simples de o fazerem é ter na sua dependência (direta ou indireta) um conjunto de órgãos de comunicação social, permitindo controlar aquilo é ou não divulgado. Isso sempre aconteceu no passado por via das receitas de publicidade, mas à medida que as receitas diretas vão diminuindo, essa dependência agrava-se. À medida que as fontes de financiamento passam de quem tem interesse em consumir informação para quem tem interesse em controlá-la, a quantidade, qualidade e diversidade da informação tenderá inevitavelmente a diminuir. A existência de concorrência interessada aliviará em parte o problema de conflitos de interesses, mas dificilmente será suficiente para garantir uma comunicação plural como aquela que é essencial existir em democracia.
Perante este cenário, parece evidente que a única forma de termos imprensa livre é garantir que esta continua a depender dos consumidores e não de outras fontes de financiamento. Os órgãos de comunicação social podem tentar convencer os consumidores a pagar com o argumento de contribuírem para uma imprensa livre, mas dificilmente esse argumento chegará. A criação de novos modelos de relação com os consumidores, novas plataformas de distribuição, e sinergias cuidadosas entre informação e entretenimento serão essenciais para a manutenção de uma imprensa livre. A criação de escala na produção de conteúdos, seja pela fusão de órgãos de comunicação social, seja por parcerias, também parece inevitável, principalmente em países como Portugal, isto é, países com fraca projeção internacional.
O problema é certo, as soluções são incertas. A única certeza é que ficar parado é morrer e que, por isso, todos os órgãos de comunicação social e, em particular, os jornais, estão a ponderar formas de se manterem viáveis. Esta fase de transição para novos modelos de financiamento poderá ser marcada pela diminuição (esperemos que temporária) da qualidade e diversidade de informação disponível. Quanto mais rapidamente os órgãos de comunicação social conseguirem convencer os consumidores a voltar a pagar pelo seu trabalho, menos longa e dolorosa será a fase de transição. Como fazê-lo? Não há resposta certa. E com um processo de cura dos jornais que se espera lento, no curto prazo o importante é mesmo manter os pacientes vivos por qualquer meio disponível.