Há hora, dia, protagonistas e até assunto, mas não há confirmação. João Galamba garantiu na comissão de inquérito à gestão da TAP que, na fatídica noite de 26 de Abril, ligou a António Mendonça Mendes e foi o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro que lhe sugeriu que ligasse para o SIS. Problema: nem o próprio, nem António Costa confirmam a tese do ministro das Infraestruturas. O tabu tem adensado as suspeitas e, no espaço de uma semana, a pergunta foi feita de forma direta a Costa e Mendonça Mendes 28 vezes por jornalistas e adversários políticos. Nunca foi respondida.

Mendonça Mendes, no encerramento de dois congressos (um a 20 de maio, do PAN, e outro a 28 de maio, do BE), e António Costa, no debate de política geral (a 24 de maio) usaram todos os recursos que podiam para não responder. Do “já foi tudo esclarecido” ao “apresente uma moção de censura para me derrubar”. Do “não vou andar neste rodriguinho” ao “há tempo para tudo“.

É uma espécie de versão política de mil maneiras de fazer bacalhau, mas que, na verdade, são vinte e oito maneiras de não responder a uma pergunta de sim ou não.

A primeira pergunta direta sobre o tema foi feita a Mendonça Mendes, no dia 20 de maio, no encerramento do Congresso do PAN, numa primeira sequência de cinco perguntas sobre o assunto, sem qualquer resposta. A primeira resposta tinha duas premissas: o Governo já disse o que tinha a dizer; e o Executivo está concentrado em reestruturar e vender a TAP.

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Pergunta 1:

Jornalista: Um colega de Governo disse que lhe ligou e que teria sido António Mendonça Mendes a recomendar-lhe que reportasse ao SIS o roubo de um computador. Isto corresponde à verdade? Qual é o procedimento nestes casos?

Mendonça Mendes: Queria relembrar que a comissão de inquérito à TAP está a decorrer. Tudo aquilo que o Governo tinha a dizer de relevante sobre essa matéria, já disse. O importante é que cada um faça o que tem a fazer. A comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP apurará os factos relativamente à gestão da TAP. No que respeita à gestão da TAP, ao Governo cabe fundamentalmente concentrar-se na reestruturação da TAP e cabe também conduzir o processo de privatização que se iniciou. É nisso que o Governo está concentrado. A TAP é uma empresa estratégica do ponto de vista económico e social para o País e nós queremos garantir que com o sucesso do plano de reestruturação e com o processo de privatização podemos continuar a garantir essa função importante da TAP para o País.

À segunda insistência, Mendonça Mendes, ainda no Congresso do PAN, mantinha-se firme e dizia que o Governo já disse tudo o que tinha a dizer sobre o assunto. Utilizava ainda como argumento o facto de não ser boa prática o Executivo comentar assuntos relacionados com uma comissão parlamentar de inquérito que ainda está em curso.

Pergunta 2:

Jornalista: Qual é o processo habitual e porque é que fez essa recomendação?

Mendonça Mendes: Nós estamos aqui no Congresso do PAN e queria voltar a sublinhar que, sobre essa matéria, aquilo que tinha de ser dito,  já foi dito. O Governo está concentrado naquilo que é o trabalho do dia a dia para resolver os problemas dos cidadãos, para projetar o futuro e é nisso que estamos concentrados. No que respeita àquilo que são os poderes próprios do Parlamento, no que diz respeito à gestão da TAP, nós respeitamos a comissão parlamentar de inquérito que está em curso. Não iremos comentar o desenrolar dos trabalhos na comissão parlamentar de inquérito e no que diz respeito à gestão da TAP aquilo que cabe ao Governo é concentrar-se naquilo que é essencial. E o que é essencial é garantir que o plano de reestruturação possa fazer com que a nossa empresa, a nossa TAP, continue a ser um ativo estratégico com uma importância fundamental do ponto de vista económico e social para o País.

Na terceira vez que responde sobre o assunto, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro — que estava em representação do Governo no Congresso do PAN — reutiliza o argumento de a comissão parlamentar de inquérito estar em curso e lembra que vão sair conclusões desse inquérito parlamentar (que terão de ter sempre a concordância do grupo parlamentar do PS).

Pergunta 3:

Jornalista: Foi na Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP que se falou neste caso e que se trouxe ao conhecimento da opinião pública que o SIS teria agido de forma ou não indevida. O que lhe perguntamos, uma vez que pertence ao gabinete do primeiro-ministro, e conhecendo estes procedimentos, é se este é o procedimento habitual?

Mendonça Mendes: Agradeço a sua questão, mas quero dizer-lhe exatamente o mesmo: o Governo respeita os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito. O Governo não se dedicará a comentar o dia-a-dia daquilo que se passa na comissão parlamentar de inquérito, que apurará os factos, que debaterá esses mesmos factos, que chegará a conclusões. Ao Governo, aquilo que lhe cabe no que diz respeito à gestão da TAP, é exatamente assegurar a eficácia do seu plano reestruturação e conduzir o processo de privatização, que lhe garanta a manutenção de uma empresa que é estratégica, do ponto de vista económico e social, para o País.

À quarta pergunta, há uma ligeira alteração: Mendonça Mendes é questionado sobre se está disponível a ir ao Parlamento prestar esclarecimentos. Mais uma vez não dá uma resposta clara. Já depois desta pergunta, durante a semana que se seguiria, a Iniciativa Liberal acabaria por impor a ida do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro à Comissão de Assuntos Constitucionais de forma potestativa. Mendonça Mendes não terá alternativa: ou vai ou vai.

Pergunta 4:

Jornalista:Está disponível a ir à Comissão de Inquérito responder a estas perguntas?

Mendonça Mendes: Neste momento, estou aqui a responder aos senhores e às senhoras jornalistas no âmbito do Congresso do PAN. O Congresso do PAN foi um Congresso importante para o partido, ouvimos a intervenção final. Gostaria de sublinhar que neste momento o País vive um momento de crescimento económico, que tem permitido a redistribuição da riqueza. Ainda esta semana os funcionários públicos tiveram um aumento intercalar dos seus salários, seja pelo salário, seja também pelo subsídio de refeição. Os pensionistas terão um aumento extraordinário em julho. Isso deve-se precisamente aos bons resultados económicos que temos tido.

Antes de António Mendonça Mendes conseguir sair de Matosinhos ainda seria questionado mais uma vez sobre o assunto. A pergunta lembrava que os outros ministros já tinham confirmado os contactos descritos por Galamba e que só ele próprio continuava a fugir à questão. O resultado foi o mesmo: uma não-resposta.

Pergunta 5:

Jornalista: Já houve alguns colegas do Governo que confirmaram contactos com João Galamba naquela noite. Já houve, por exemplo, o MAI que confirmou que estava disponível para ir à Comissão de Inquérito. Pergunto se está disponível caso seja chamado e o que é que disse a João Galamba nessa noite?

Mendonça Mendes: Quero repetir que nos devemos concentrar naquilo que é essencial. E concentrar naquilo que é essencial é na vida dos portugueses. O Governo está a trabalhar todos os dias em prol do futuro e do presente do País e respeita o funcionamento de todas as instituições.

Passam quatro dias e, apesar de António Mendonça Mendes estar sentado ao lado do primeiro-ministro, foi António Costa o alvo de todas as questões. No debate de política geral, a 24 de maio, o primeiro-ministro foi questionado 11 vezes sobre o assunto por três bancadas parlamentares da oposição (PSD, Chega e IL). Chegou a ser invocado um artigo do regimento para ser o próprio secretário de Estado a responder — sem sucesso.

António Costa utilizou todos os recursos de que dispunha para fugir à questão de uma forma de que não há memória que tenha feito num debate na Assembleia da República na qualidade de primeiro-ministro. Na primeira resposta sobre o assunto, a sexta dirigida ao seu gabinete, o primeiro-ministro teve uma reação despropositada e chegou a sugerir ao líder parlamentar do PSD que apresentasse uma moção de censura ao Governo. A partir daí, nas nove respostas seguintes, o desconforto foi sempre evidente.

Pergunta 6 (a primeira a Costa)

Joaquim Miranda Sarmento: Porque é que o seu secretário de Estado Adjunto mandou o ministro das Infraestruturas informar o SIS e acionar o SIS? Acha correto? E acha que o gabinete do primeiro-ministro deve-se envolver numa matéria quando a PSP e a PJ já tinham sido chamadas?

António Costa: Senhor deputado, vamos ao que é crucial. Primeiro, havendo o desaparecimento de informação classificada isso deve ser reportado às autoridades imediatamente? Sim. Se essa documentação se referir a um âmbito material que no atual quadro de avaliação das ameaças é considerado muito relevante, as autoridades devem agir imediatamente, de forma a procurar recuperar a documentação extraviada e prevenir o seu uso indevido? Sim. Isto é o essencial e repetirei as vezes que for necessário e se o senhor deputado não tiver de acordo apresenta uma moção de censura para me derrubar e demitir o primeiro-ministro.

O líder do Chega foi dos mais insistentes na tentativa que António Costa respondesse à questão. Na primeira vez, como André Ventura fez duas perguntas numa, o primeiro-ministro utilizou a estratégia mais óbvia para não responder: respondeu apenas a uma delas.

Pergunta 7:

André Ventura: Não tem nada a acrescentar, mas vai ter de acrescentar porque está aqui para responder. Duas questões: o seu secretário de Estado Adjunto, que está aí ao seu lado, foi ele que disse ao ministro João Galamba para ligar ao SIS? Segunda questão: o senhor primeiro-ministro deu hoje uma notícia nova, de que informou o senhor Presidente da República do SIS. Diga-nos o que disse ao senhor Presidente e quando ele foi informado.

António Costa: Agradeço-lhe a pergunta porque, se eu disse de alguma forma que tinha informado o Presidente da República sobre a intervenção do SIS, aproveito a sua pergunta para corrigir imediatamente. Eu nunca informei o senhor Presidente da República sobre a intervenção do SIS.

André Ventura decide então fazer queixa a Augusto Santos Silva de que António Costa não respondeu, de forma propositada, a uma das questões. O protesto não tem consequências e o presidente da AR diz que resta ao líder do Chega fazer a questão. Ventura recusa-se a perder mais tempo da grelha e diz apenas numa espécie de aparte parlamentar: “Insisto [na pergunta]”.

Pergunta 8: 

André Ventura: Uma interpelação à mesa, senhor Presidente. Apenas para recordar que tinha feito duas perguntas e não uma. Para que o senhor primeiro-ministro possa responder à primeira questão sobre o seu secretário de Estado Adjunto, António Mendonça Mendes.

António Costa: Eu insisto também. Eu não vou andar aqui neste rodriguinho de quem falou com quem, a que horas falou com quem. E vou ao que é essencial. Primeiro, desaparecidos documentos classificados, o que deve fazer qualquer pessoa responsável? Comunicar de imediato às autoridades. Foi o que foi feito e muito bem feito. O que é que as autoridades devem fazer? Devem, em função do alerta que recebem, do quadro de ameaças que têm estabelecido, agir de acordo com as suas competências legais. Que, no meu entender, foi o que o SIS fez.

António Costa continua sem responder e traz um novo argumento para a mesa: ao dizer se foi António Mendonça Mendes a indicar a Galamba que contactasse o SIS, estaria a revelar uma conversa privada entre ministros. Ventura vai insistindo, sem se importar agora que o tempo do grupo parlamentar se gaste maioritariamente em torno desta pergunta.

Pergunta 9:

André Ventura: Senhor primeiro-ministro, desculpe lá insistir: teve ou não conhecimento que o seu secretário de Estado adjunto disse ao ministro João Galamba para articular com o SIS?

António Costa: Ó senhor deputado, há aqui um mínimo de regras. E o mínimo de regras é o seguinte: nunca me vai ouvir responder sobre qualquer tipo de conversa que eu tenha tido consigo. Nem nunca ouvirá. Como nunca me ouvirá falar sobre o que eu falei com o ministro A, o ministro B, o secretário de Estado A ou o secretário de Estado B. Está a perceber senhor deputado? O senhor deputado tem o direito a responder, mas eu tenho o direito a dizer-lhe o seguinte: eu não revelo publicamente as conversas que mantenho com os membros do Governo, a não ser nos termos em que legalmente possa ser obrigado a fazer. Segundo lugar: quanto a esta história toda vamos aos factos, que é o mais relevante. Perante o desaparecimento de documentos classificados, a chefe de gabinete fez bem ou mal em participar às autoridades? Só acho possível uma resposta: fez bem. Perante o alerta que as autoridades receberam e perante o quadro de ameaças que conhecem, entenderam que deviam agir. O meu entendimento é que sim, o seu entendimento é que não. O meu é que se deve limitar o menor risco de extravio de documentação que está classificada, o senhor deputado acha que a documentação, estando classificada, não tem problema nenhum e pode ser de livre acesso. É uma divergência fundamental que temos senhor deputado.

André Ventura não resiste a perder a formalidade do trato, repete a pergunta, mas diz a Costa que se “deixe de tretas das conversas”, o que leva o primeiro-ministro a ter outra fuga para a frente. Como o líder do Chega se referiu naqueles termos às respostas de António Costa, este limitou-se a dizer que nada tinha a acrescentar.

Pergunta 10:

André Ventura: Senhor primeiro-ministro, desculpe lá, eu vou insistir pela enésima vez: sabia ou não sabia que o seu secretário de Estado Adjunto informou o ministro João Galamba para recorrer ao SIS? É uma pergunta de sim ou não, deixe-se lá de tretas das conversas.

António Costa: Senhor deputado, deixo-me mesmo de tretas das conversas por isso não tenho mesmo nada a acrescentar.

André Ventura começa a perder a paciência e faz novamente queixa à Mesa da AR das não-respostas do primeiro-ministro. O líder do Chega pressiona mesmo Augusto Santos Silva a forçar o primeiro-ministro a responder, sob pena de não estarem a ser cumpridas as funções do Parlamento como órgão de soberania que escrutina o Governo e tem direito a fazer perguntas (e a receber as respetivas respostas) do primeiro-ministro. A queixa volta a não ter provimento e Costa opta por nem ligar o microfone.

Pergunta 11:

André Ventura: Senhor presidente, tenho as maiores dúvidas que o primeiro-ministro possa responder assim nesta casa. Tenho as maiores dúvidas que o primeiro-ministro possa dizer nesta casa que não vai responder a perguntas dos deputados e acho que lhe cabe a si, enquanto presidente, fazer valer a lei e obrigar o primeiro-ministro a responder. É que foi uma pergunta direta e política. Senhor primeiro-ministro, perante um órgão do qual é politicamente dependente, responda a esta questão.

António Costa: [não respondeu]

Ventura prossegue com a garantia de que António Costa está obrigado a responder. Para não criar mais um incidente, António Costa volta a responder com uma não-resposta à mesma pergunta.

Pergunta 12:

André Ventura: Nos termos do regimento tem de responder porque isto é a Assembleia da República não é o Palácio de São Bento nem o Jardim de São Bento.

António Costa: Eu reafirmo aquilo que disse: é meu entendimento que a chefe de gabinete do ministro das Infraestruturas agiu corretamente, é meu entendimento que o SIS agiu corretamente.

O Chega muda finalmente de assunto, mas António Costa continuaria a ser perseguido. O grupo parlamentar seguinte, a Iniciativa Liberal, insistia na mesma questão, começando com uma questão genérica sobre o conhecimento de todos os ministros e secretários de Estado para logo afunilar em Mendonça Mendes.

Pergunta 13:

Rui Rocha: Ao longo das últimas semanas, relativamente aos acontecimentos de 26 de abril no ministério das Infraestruturas, nós tivemos um conjunto de versões desencontradas, dos próprios ministros. A mesma pessoa contou versões diferentes. Hoje temos aqui uns 16/17 membros do Governo. Destes 16 ou 17 membros quantos terão sido informados naquela noite, nas horas seguintes? Não sei se quer dizer para levantarem a mão aqueles que tomaram conhecimento, como quer fazer isso, mas esclareça os portugueses. Quantos ministros e secretários de Estado foram informados naquela noite e naquela madrugada da intervenção do SIS?

António Costa: Nós temos de facto interesses diferentes na vida. Eu tenho estado mais preocupado com outros assuntos. Estou certo que a sua preocupação se traduzirá num inquérito apurado a essa matéria e que um dia saberemos.

Rui Rocha tenta desmontar a tese de Costa de que este é um assunto do foro privado, já que vários outros ministros foram lestos a confirmar (ou retificar, no caso da ministra da Justiça) a versão de João Galamba. Algo que, por alguma razão, António Mendonça Mendes e o próprio primeiro-ministro continuavam a não fazer.

Pergunta 14:

Rui Rocha: Aproveitando que tem aí ao seu lado o secretário de Estado António Mendonça Mendes, ia perguntar-lhe quando é que o secretário de Estado lhe comunicou que teve uma conversa com o ministro João Galamba? E se sugeriu ao ministro das Infraestruturas que contactasse o SIS. A ministra da Justiça e a da Presidência disseram que sim. Todos os contactados já disseram o que tinham a dizer. Há uma pessoa que foi citada que é o secretário de Estado Mendonça Mendes [que não confirma] e aquilo que parece face ao nervosismo da bancada do PS é que a história não foi contada com rigor.

António Costa: Nesta discussão toda, há três coisas fundamentalmente que são relevantes: primeiro, quando desaparece um documento relevante, devem ou não devem as autoridades ser contactadas de imediato? Sim. Devem as autoridades agir? Sim. Terceiro lugar, alguém deu instruções, orientações, ordens para o SIS atuar? Não. Estas são as únicas três coisas relevantes, senhor deputado. Tudo o resto são só pormenores para animar uma novela.

As intervenções dão a volta e, na segunda ronda, André Ventura não demora a voltar ao tema. Comete o mesmo erro da primeira ronda: faz duas perguntas numa. Costa prossegue a mesma tática: só responde à que lhe interessa.

Pergunta 15: 

André Ventura: O Governo vem com números, mas são só tretas. O endividamento da economia aumentou para 335% do PIB (…) Disse ou não disse ao secretário de Estado António Mendonça Mendes sobre a intervenção do SIS no caso do ministro João Galamba? É uma pergunta de sim ou não.

António Costa:Há uma parte relevante da sua pergunta que vou responder: dívida pública. A trajetória de redução da dívida pública portuguesa, percorreu a muito bom ritmo até 2020, quando veio a pandemia. Como não gosta das previsões do Governo, mas é um europeísta de coração, confia nas previsões da Comissão Europeia? Ah não confia? Isso é difícil. É um problema das pessoas que fazem política como o senhor, que desconsideram os factos, porque o que importa é a perceção dos factos.

Já não é Augusto Santos Silva que está a gerir os trabalhos, mas sim o vice-presidente Adão Silva, do PSD. André Ventura pede à Mesa para utilizar uma figura regimental que lhe confere o direito de questionar diretamente o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro. Adão Silva deixa claro que essa é uma decisão do primeiro-ministro. Que, obviamente, decide não passar a palavra a Mendonça Mendes.

Pergunta 16:

André Ventura: Uma interpelação à mesa: quero perguntar-lhe se é possível, uma vez que o senhor primeiro-ministro insiste em não responder, se é possível nos termos do artigo 225, nº6, do Regimento questionar diretamente o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro e se o senhor primeiro-ministro acede a esse pedido, já que o regimento permite que o faça, já que não quer responder a esta questão.

Adão Silva [a presidir à Mesa]: É o primeiro-ministro que decide como organiza as suas respostas.

António Costa: [não cedeu a palavra]

António Costa sobrevivia assim a onze perguntas diretas só sobre o assunto (sobre a atuação do SIS seriam ainda mais) sem nunca responder à questão. O mais perto que teve de antecipar uma resposta futura foi quando disse a Rui Rocha: “Um dia saberemos”.

Quatro dias depois, a 28 de maio, o gabinete de António Costa voltaria a ser confrontado com uma série de perguntas. O alvo seria novamente o secretário de Estado Adjunto, novamente no encerramento de um Congresso e novamente questionado por jornalistas. No pavilhão do Casal Vistoso, no final da Convenção do Bloco de Esquerda, em Lisboa, Mendonça Mendes teve de se desdobrar em dezenas de respostas mais ou menos atabalhoadas sem responder nunca à pergunta. Disse, de forma educada e paciente, que compreendia as questões dos jornalistas e que percebia o trabalho deles, mas nunca respondeu. A sequência é longa porque foram quase cinco minutos a responder com não-respostas.

Pergunta 17:

Jornalista: Ainda não temos resposta nem da parte do senhor secretário de Estado nem do senhor primeiro-ministro: foi o senhor que deu indicação a João Galamba para chamar o SIS? Para que houvesse uma intervenção do SIS na noite de 26 de Abril?

Mendonça Mendes: Hoje no encerramento da Convenção Nacional do Bloco de Esquerda a coordenadora nacional disse uma frase com a qual eu não podia concordar mais: temos que nos concentrar no essencial. As respostas que os portugueses exigem são as respostas aos seus problemas do dia a dia. Acho muito importante quando, perante o aumento do custo de vida, tomámos muitas decisões, por exemplo ao nível da energia. Hoje, Portugal e o Mecanismo Ibérico como um dos mais importantes para diminuir a fatura da energia e isso foi um sucesso.

Pergunta 18:

Jornalista: Mas não acha que o Governo devia esclarecer os portugueses em relação à intervenção?

Mendonça Mendes: Continuando, o essencial da governação são as respostas que o país precisa.

Pergunta 19:

Jornalista: Até quando é que o Governo vai ficar sem responder a esta pergunta?

Mendonça Mendes: ...o Governo intervém com o IVA Zero. Ainda esta semana soubemos que esse cabaz desceu mais de 7%. Os aumentos que esta semana os funcionários públicos receberam. Acho que isso é muito relevante.

Há vigésima questão sobre o assunto surgiu a única esperança de algum dia existir uma resposta, uma vez que António Mendonça Mendes — que aqui já sabia que ia ser chamado pela Iniciativa Liberal ao Parlamento — disse que “há tempo para tudo”. A sugestão é de que talvez venha a desligar, no futuro, o modo de não-resposta.

Pergunta 20:

Jornalista: Não seria mais fácil responder qual foi a sua intervenção naquela noite do que não responder a uma pergunta direta, causando ainda mais dúvidas?

Mendonça Mendes: Percebo a sua questão e respeito a questão que está a colocar. Há tempo para tudo. O que é importante é que o Governo possa concentrar…

Pergunta 21:

Jornalista: Não acha que, quanto mais tempo passar, será pior?

Mendonça Mendes: As respostas que são importantes para o País são como é que resolvemos os problemas das pessoas. Como é que perante a necessidade de aumentar e proteger o rendimento. E esta semana os funcionários públicos receberam um aumento.

Pergunta 22:

Jornalista: João Galamba diz que tinha sido o secretário de Estado a contactar o SIS. Temos feito esta questão várias vezes. Porque é que o Governo não esclarece? Falou ou não falou com João Galamba nessa noite?

Mendonça Mendes: Percebo a questão que está a colocar e percebo mesmo o trabalho dos jornalistas. Da parte do Governo temos vindo a dizer sempre o mesmo: não vamos comentar aquilo que é a atividade da comissão de inquérito, aquilo que a cada dia se diz na comissão de inquérito. O que é importante responder é às necessidades das pessoas.

Pergunta 23:

Jornalista: Lamenta que o tenham envolvido nesta questão? Qual é o seu tempo?

Mendonça Mendes: Peço desculpa porque, como fizeram todos as questões ao mesmo tempo…

Pergunta 24:

Jornalista: Quando é que vai responder?

Mendonça Mendes: Neste momento estou no encerramento da Convenção do Bloco de Esquerda e penso que o momento é de responder àquilo que são as necessidades do País. Ouvimos aqui a intervenção da nova coordenadora do Bloco de Esquerda, a sua impaciência relativamente a resultados…

Pergunta 25:

Jornalista: Mas não acha que o País deve ser esclarecido quanto à polémica do SIS?

Mendonça Mendes: Eu acho que é muito importante que todos possamos contribuir para a tranquilidade daquilo que é o debate democrático. E o Governo contribuirá para isso mesmo. Não vale a pena estarmos sempre as mesmas perguntas e a dar as mesmas respostas.

Pergunta 26:

Jornalista: O País não merece essa resposta?

Mendonça Mendes: O que há a responder sobre esta matéria já foi respondido e eu não tenho mais nada de relevante para acrescentar.

Pergunta 27:

Jornalista: Não teme ser mal interpretado ao não responder?

Mendonça Mendes: O que temo é que não possamos responder àquilo que são as necessidades dos portugueses e o Governo deve estar focado, deve estar concentrado em resolver os problemas de acesso à saúde, de acesso à educação, de aumento do custo de vida e é nisso que temos de dar respostas. E é nisso que todo o Governo…

Pergunta 28:

Jornalista: Queríamos uma resposta de sim ou não para esclarecer os portugueses.

Mendonça Mendes: Muito obrigado pelas questões.

Após o massacre do Casal Vistoso, em que Mendonça Mendes resistiu a responder às perguntas mesmo sob a saudável tortura da repetição jornalística, o gabinete do primeiro-ministro cumpria a proeza de ter não respondido de 28 maneiras diferentes.

O tabu, ou a novela, como lhe chama António Costa, vai continuar sempre que algum destes dois protagonistas tiver um microfone à frente. A única solução para o assunto pode estar na audição do secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, António Mendonça Mendes, na Comissão de Assuntos Constitucionais, que o potestativo da IL tornou obrigatório. A principal pergunta dessa audição é óbvia: deu indicações a João Galamba para contactar o SIS? A resposta tem uma importância vital: dirá se o ministro disse ou não a verdade numa comissão de inquérito.