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(republicação do texto escrito a 28 de janeiro de 2017, na semana em que se cumpriram 13 anos da morte de Fehér)

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Miki foi suplente. Entrou durante a segunda parte, aos 59 minutos, quando a hora era de aperto para o Benfica. Assim havia sido durante quase toda a época até àquela noite de 25 de janeiro de 2004, fez esta semana 13 anos: o avançado era o “pronto-socorro” do treinador espanhol José Antonio Camacho.

Mas aquela não foi uma noite como tantas outras. A noite em Guimarães e no Vitória-Benfica foi chuvosa, de enregelar. O jogo fora difícil para o Benfica (como sempre são os jogos em Guimarães) e o golo da vitória foi arrancado a ferros, mesmo sobre o final. Depois disso, logo depois, aos 93 minutos, Miki Fehér correu pela direita atrás de uma bola que foi despejada desde a defesa e lá para a frente. Um adversário chegou primeiro, Miki esbarraria com ele, a bola saiu e ia fazer-se o lançamento. O benfiquista não permitiu, colocou-se à frente, estendeu os braços no ar e com eles tocou a bola, vendo o cartão amarelo. Depois, recuou. A sorrir. Curvou-se, de mãos pousadas sobre os joelhos, tombou de costas, desamparado e perdeu os sentidos.

Os colegas acorreram a ele, depois os adversários, por fim os médicos e os bombeiros. Chorou-se em Guimarães. E viram-se abraços, gritos e jogadores ajoelhados sobre o relvado, rezando. Fehér saiu em direção ao hospital. O jogo terminaria logo a seguir. Venceu o Benfica, mas o resultado, a vitória ou a derrota, nada importava mais: Fehér morrera aos 24 anos.

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Quem lá esteve recorda agora ao Observador — na primeira pessoa — a noite, o jogo, a morte, os dias que se lhe seguiram, mas sobretudo o homem que os deixou a fazer o que melhor fazia, jogar futebol, da única forma que o sabia fazer, sorrindo.

O momento da queda

Créditos: João A. Miranda/EPA

Créditos: João A. Miranda/EPA

Fernando Aguiar
Fernando Aguiar
Ex-jogador do Benfica
"Nós estávamos a vencer. Fui eu que marquei o golo. Vi-o cair praticamente à minha frente. E percebi logo que se passava algo de grave. Fui a correr para lá mal vi o Sokota a gritar para o banco, a chamar o nosso médico. O Sokota virou o Miki de lado até o médico chegar. Mas o Miki não reagia a nada. Ele esteve a ser assistido durante muitos minutos. E comecei a pensar que, mesmo que se safasse, poderia ficar com mazelas para a vida. Ele saiu na ambulância e nós voltámos a jogar. Mas o que queríamos era sair rapidamente dali e ir para o hospital ter com ele. O jogo já não importava nada. A vitória e o meu golo não importavam nada. Felizmente o árbitro foi sensível aos nossos apelos e terminou o jogo pouco depois. O pior é que nós não sabíamos se ele tinha morrido ou não. Ninguém nos dizia. No balneário toda a gente tinha esperança que o Miki se ia safar. Estávamos a chorar, mas ninguém dizia nada. Não era preciso dizer nada. Depois, quando chegámos ao hospital, é que os médicos nos disseram o que ninguém queria ouvir."
Ricardo Rocha
Ricardo Rocha
Ex-jogador do Benfica
"Quando o Miki caiu, não estava a olhar para ele. Estava na defesa, longe dele, e mais concentrado num jogador do Guimarães que tinha de marcar. Só o vi caído no chão mais tarde e, confesso, pensei logo que estivesse a fingir uma lesão para ‘queimar’ tempo. E até achei bem: estávamos a vencer 1-0, o jogo estava quase a terminar, jogar com o Vitória é sempre difícil, e sempre dava para recuperarmos o fôlego. Só quando vi o Sokota a aproximar-se dele e, depois, a gritar por ajuda, é que percebi que a situação do Miki seria muito mais grave. E, infelizmente, foi."
Romeu
Romeu
Ex-jogador do V. Guimarães
"O Miki caiu longe de mim. Eu estava no outro lado do relvado. E nem o vi a cair. Só quando me aproximei e vi os jogadores do Benfica aflitos é que percebi que seria algo de grave. Ao início até julguei que o Miki tivesse uma lesão ligeira, muscular, porque o jogo estava quase a terminar e chovia muito, o relvado estava ‘pesado’. Cheguei e vi-o inanimado. Fiquei ali, à espera que ele recuperasse, mas ele não recuperava. Tudo aquilo foi assustador para mim. Sentia-me impotente: estava ao pé dele e não podia fazer nada para o salvar. Os próprios médicos não podiam fazer muito mais do que fizeram, porque chovia muito e, segundo me disseram, não se podia usar o desfibrilhador com ele molhado. No entanto, como o hospital é mesmo ao lado do estádio, acreditei que ele sobrevivesse."
Rogério Matias
Rogério Matias
Ex-jogador do V. Guimarães
"Fui o primeiro a ver o Fehér estendido no chão. Antes de ele cair, disputou a bola comigo. Depois, fui fazer o lançamento, o Fehér meteu-se à frente e o árbitro mostrou-lhe o cartão amarelo. Quando voltei a fazer o lançamento, ele afastou-se, recuou uns passos, sorridente, e caiu. A minha primeira reação foi pensar: ‘Mas porque é que ele foi para o chão agora?! Está a queimar tempo!' – na altura o Benfica estava a ganhar 1-0 e o jogo estava a acabar. Mas ao fim de uns segundos, quando o Sokota se aproximou dele e gritou para o banco, percebi que era muito mais grave. Aproximei-me, vi-o inanimado e comecei a saltar, a gritar para o banco também. Vieram logo os médicos, os do Benfica e os do Vitória. Estava a chover muito. Os médicos queriam usar o desfibrilhador, mas tinham medo de o electrocutar. Ninguém pode imaginar o pânico que se vivia no relvado. O que me faz mais confusão até hoje é que eu disputei a bola com ele, senti que estava a bater num muro, porque ele era muito alto e forte, e depois caiu, sozinho, como se tivesse caído com um sopro."
Manuel José
Manuel José
Ex-jogador do V. Guimarães
"Lembro-me de estar sentado no banco. E, como a bola estava do outro lado do relvado, ninguém no banco se apercebeu da queda do Fehér. Só mais tarde é que percebi que ele não caiu como habitualmente se cai quando há, por exemplo, uma lesão muscular. Quando caímos, usamos as mãos para suportar a queda. Ele não, ele caiu desamparado. Mas ao fim de alguns segundos percebi logo que ele não estava bem e que não era somente uma lesão. Fez-se tudo o que era possível para o ajudar. Mas não chegou. Naquele momento o futebol não interessa nada. O resultado e o jogo não interessam nada. Foi um colega de profissão que morreu à nossa frente. Lembro-me de sair do banco e ir a correr para lá. Toda a gente foi a correr até ele. Comecei a perguntar aos jogadores do Benfica se ele se tinha sentido mal durante o dia ou no balneário. Eles diziam-me que não, que estava tudo bem com ele antes do jogo. E quando o jogo acabou – houve consenso por parte do Vitória e do Benfica ao pedir ao árbitro para acabar – fui a correr para o hospital, para saber como é que ele estava. Nós não sabíamos se tinha morrido ou não."
Fernando Eurico
Fernando Eurico
Jornalista da Antena 1
"O meu pai também morreu assim, tal como o Fehér, à minha frente. A morte do jogador foi delicada porque me vez reviver o drama pessoal. Estava na tribuna de imprensa, a narrar o jogo, e percebi logo pelo gestos veementes dos jogadores o que tinha acontecido. O Miki Fehér foi suplente e ainda me recordo de o ver entrar, a sorrir, tranquilo – ele aparentava sempre tranquilidade. Quanto à queda, vi-a pelo canto do olho esquerdo, porque estava a seguir a trajetória da bola, mas apercebi-me que alguém tinha caído. Era o Miki Fehér. Profissionalmente, foi-me difícil gerir o que estava a acontecer, o que estava a ver. A situação era grave. E o jornalista sente dificuldades para a descrever. Quase que me tentava convencer de que a situação não era tão grave quanto realmente foi. O drama maior é o de não saber, à distância, o que realmente se estava a passar. Nem eu, nem o comentador ao meu lado, nem o repórter de pista. Ninguém sabia. Eu olhava para eles, o público para nós, e ninguém sabia. Primeiro, tentei transmitir uma mensagem de esperança. Depois, quando se soube da morte do Fehér, aí tive que dar a notícia como ela é."
Frederico Mendes Oliveira
Frederico Mendes Oliveira
Jornalista da TVI
"Eu tinha-me iniciado na profissão há pouco tempo. Aquilo foi para mim uma espécie de prova de fogo. Infelizmente teve que ser uma prova de fogo. Lembro-me de estar na bancada de imprensa. O jogo estava na parte final e o Benfica estava a vencer por 1-0. Quando vi o Fehér cair, pensei que era ‘teatro’ – algo que é habitual em alturas como aquela. Ao fim de alguns segundos, e ao presenciar o pânico no rosto dos jogadores – quer do Vitória, quer do Benfica –, a gesticular para o banco, desesperados, aí percebi que seria grave. Em Guimarães, os adeptos são fervorosos. E o estádio estava completamente cheio. O que mais me marcou foi o silêncio a que se assistiu depois. Lá de cima, da bancada de imprensa, ouvia-se perfeitamente o que se dizia no relvado: o choro dos jogadores, os médicos a dizerem para fazer isto, aquilo, para se dar um choque. Ouvia-se como se se estivesse a um metro."
Júlio Fernandes
Júlio Fernandes
Bombeiros Voluntários de Guimarães
"Nós estávamos, como sempre, de serviço, entre os dois bancos de suplentes. De repente, olhei e vi os jogadores à volta do Fehér, aos gritos, de mãos na cabeça. Corremos para lá e ele estava estendido no chão, de lado e sem reação. Os médicos estavam a tentar fazer a reanimação logo ali. O que fiz primeiro foi afastar os jogadores que estavam à volta dele. Era preciso espaço para fazer as manobras de reanimação. Naquele momento, como bombeiro, não podia fazer muito mais. O médico estava a tomar conta do caso e não podia fazer mais. Para além dos médicos e dos massagistas dos dois clubes, também vieram para o relvado médicos que estavam nas bancadas. Vinham ajudar."
Ricardo Gonçalves
Ricardo Gonçalves
Adepto do Benfica
"Não estava a olhar para o Fehér. Mas rapidamente, depois de ele cair, vi os jogadores a correr para lá. Os jogadores do Benfica e do Vitória. E, mesmo da bancada, percebi pelo gestos deles que pediam para os médicos entrarem depressa, que se passava algo grave. Mas estava longe de imaginar que seria um problema cardíaco. A primeira coisa que pensei foi que o Fehér – que tinha disputado a bola uns minutos antes –, tinha caído mal e sofrido uma lesão grave. Depois, recordo-me do silêncio no estádio. No estádio todo. Na bancada, ficámos a olhar uns para os outros, sem perceber o que se passava. Os jogadores estavam abraçados, a chorar, de mãos na cabeça. Foi aí que começámos a cantar o nome do Fehér. A ambulância entrou, levou-o, e os adeptos do Vitória cantaram connosco, enquanto aplaudíamos a saída do jogador do estádio."

As horas e os dias seguintes

Créditos: Tibor Ellyes/EPA

Créditos: Tibor Ellyes/EPA

Júlio Fernandes
Júlio Fernandes
Bombeiros Voluntários de Guimarães
"No relvado não foi possível fazer mais nada. Estava a chover muito e levámos o jogador para o hospital o mais depressa possível. Segui com ele na ambulância e os médicos continuavam a tentar a reanimação. Não foi possível salvar o Fehér. Infelizmente não foi. Aquilo abalou-me porque, mais do que um jogador, uma figura pública, morreu um jovem. Ver os jogadores a chorar, sabendo eu que era uma situação crítica, é algo que custa. Mas fiz o meu trabalho. Tive que conter as lágrimas e fazer o meu trabalho. É difícil. Dormir, nos dias a seguir, é difícil. Sobretudo porque tentamos esquecer o que se passou, ligamos a televisão e voltamos a reviver tudo."
Ricardo Rocha
Ricardo Rocha
Ex-jogador do Benfica
"Ele saiu de ambulância para o hospital e aquele final de jogo foi muito complicado. Parecia que nunca mais terminava. Todos os jogadores, até os do Vitória, foram pedir ao árbitro [Olegário Benquerença] para terminar o jogo rapidamente. Quando ele apitou, fomos a correr para o balneário, tomar banho à pressa, e seguimos para o hospital. Não sabíamos se ele tinha morrido ou não. Toda a gente chorava muito, mas ainda havia uma certa esperança. Eu pensei que ele se ia safar, porque houve um momento, ainda no relvado, em que ele reagiu. Infelizmente, não. E soubemos da notícia no hospital. Claro que ficámos preocupados com a morte do Miki. Primeiro, com a família dele. Depois connosco, porque aquilo que lhe aconteceu também nos poderia acontecer. Foi difícil voltar a treinar e a jogar. Antes, ainda tivemos o velório no estádio [da Luz] e o funeral na Hungria – queríamos muito ir homenagear o Miki uma última vez. No final da época, vencemos a Taça de Portugal. O grupo agarrou-se à memória dele, ao que ele representava para nós, e vencemos. Ele esteve sempre presente. Sempre. Eu acredito que ele, onde quer que estivesse, lá no céu, deu um empurrão para essa vitória. Para essa, e para o título nacional do ano a seguir."
Rogério Matias
Rogério Matias
Ex-jogador do V. Guimarães
"Ninguém pode imaginar o que foi para os jogadores ver um colega assim. Estávamos todos em choque. Eu tinha muitos colegas de seleção a jogar no Benfica. Vi-os a chorar e eu próprio não me contive. E fui abraçar-me a alguns. Os adeptos do Vitória começaram a cantar o nome do Fehér no estádio. Foi impressionante. Entretanto, entrou a ambulância, o Fehér saiu do estádio e o Olegário [Benquerença] retomou o jogo. Eu estava sempre a pedir-lhe para apitar, para acabar com o jogo. Quando acabou, corremos para o balneário, para que nos dissessem o que se passava com o Fehér. Ninguém sabia. Só quando chegámos ao hospital é que a notícia nos foi dada. Aquilo foi muito traumatizante. Nos treinos seguintes, ninguém falou sobre o assunto. O silêncio era tanto que até escutavas o som dos mosquitos no ar. Não foi fácil esquecer a morte dele e voltar a jogar. Sobretudo durante aquela primeira semana. Perguntava-me: 'Será que me vai acontecer o mesmo?'"
Manuel José
Manuel José
Ex-jogador do V. Guimarães
"Confesso: tive receio que me acontecesse também. Todos tínhamos esse receio. Se aquilo aconteceu a um rapaz da minha idade, um rapaz que sempre conheci como sendo saudável, também me podia acontecer. O pior é que naquelas semanas a seguir à morte do Fehér começaram a sair muitas notícias de jogadores que também tinham morrido a jogar. Houve colegas que logo nos primeiros treinos depois da morte dele foram novamente fazer exames. A morte do Miki fez-nos repensar tudo."
Fernando Eurico
Fernando Eurico
Jornalista da Antena 1
"Depois da narração do jogo fui em reportagem para a porta do hospital e tive que informar. É algo que nunca tinha vivido como profissional e espero não voltar a viver. Os dias seguintes não foram fáceis de digerir. Passei a noite toda no hospital. E continuei na manhã seguinte. Fiquei lá à porta até fisicamente não aguentar mais. Sentia quase uma obrigação moral de estar ali, de não me desligar de uma situação que vivi de perto."
Frederico Mendes Oliveira
Frederico Mendes Oliveira
Jornalista da TVI
"Ao descer da bancada para aquela zona onde os jogadores passam ao sair dos balneários, vi-os a correr para o autocarro, num choro compulsivo, alguns a dizerem 'Ele morreu, ele morreu', outros incrédulos: 'O que vai ser da nossa vida?!' Não interessava mais nada: se o Benfica tinha vencido – e estávamos em janeiro e era importante para o Benfica vencer –, se tinha sido o Vitória a levar os três pontos. Morreu um futebolista, um ser humano, à nossa frente."
Ricardo Gonçalves
Ricardo Gonçalves
Adepto do Benfica
"Mal o jogo terminou os jogadores saíram a correr do relvado, nós deixámos as bancadas e seguimos para o hospital. O resultado, o jogo e a classificação não importavam nada. Queríamos era sair dali e perceber como estava o jogador. À porta do hospital, e durante muito tempo, ninguém sabia nada. Era uma altura em que ninguém tinha Internet no telemóvel. Mas lá havia alguém que recebia uma chamada de quem estava em casa e nos informava do que tinha acontecido no relvado. Vi os jogadores a entrar, cabisbaixos, a chorar, mas ninguém dizia nada, como se adivinhassem o que ia acontecer a seguir. Aquilo não foi fácil de digerir. Não interessava quem tinha morrido. O Miki não era o melhor jogador do Benfica – era um tipo esforçado, os adeptos reconheciam isso, mas não era o melhor. Ali, o que interessava é que tinha morrido, com a camisola do clube vestida, um jogador, qualquer que seja, melhor ou pior. Daquele dia em diante, até ao final da época, notava-se claramente que os jogadores queriam vencer alguma coisa pelo Fehér. E os adeptos também. Ganhámos a Taça de Portugal. Acho que foi uma bonita homenagem ao jogador. Hoje em dia, sempre que o Benfica regressa a Guimarães, canta-se sempre o nome do Fehér. Ainda neste último jogo cantámos. Ninguém se vai esquecer dele."
Fernando Aguiar
Fernando Aguiar
Ex-jogador do Benfica
"Nunca me vou esquecer daquele dia. Foi chocante para todos nós. As semanas a seguir custaram-nos muito. Mas o grupo uniu-se muito. Mais ainda. Quando o Miki morreu estávamos em janeiro e fizemos um final de época muito bom. Ganhámos a Taça de Portugal por ele. O que aconteceu ao Miki assustou-me. Claro que assustou. Nos treinos, por exemplo, coloquei muitas vezes os dedos no pulso para tentar perceber se estava tudo bem. Nos jogos não o fazia tanto, porque nos jogos nem tempo há para pensar nisso. E recordo-me de um episódio que até me aconteceu fora do treino, pouco depois de o Miki morrer. Estava no carro, a conduzir, senti-me mal, com falta de ar, com palpitações, e tive que encostar à berma e sair. O que lhe aconteceu afetou-me muito psicologicamente."

O sorriso de Miki

Créditos: Manuel Almeida/EPA

Créditos: Manuel Almeida/EPA

Ricardo Rocha
Ricardo Rocha
Ex-jogador do Benfica
"Eu conhecia o Miki desde os tempos em que jogávamos no Braga. Eu, o Tiago e ele fizemos uma época muito boa lá e, depois, reencontrei-o no Benfica. Éramos os três praticamente da mesma idade. E sempre fomos muito amigos. Quando percebi o que lhe aconteceu, não queria acreditar: não perdi só um colega de balneário, um colega de profissão; perdi um amigo. Quando alguém tão próximo de nós morre assim, naquelas condições, é muito complicado de suportar. O Miki era espetacular. Era simplesmente espetacular. Muito simples, divertido, alguém que queria muito triunfar no Benfica. Ele tinha vivido um período complicado quando estava no Porto e queria triunfar."
Romeu
Romeu
Ex-jogador do V. Guimarães
"Eu conhecia bem o Miki. Jogámos os dois no Porto. Na altura ele só arranhava no português, tinha acabado de chegar da Hungria, mas não se isolava por causa disso. Ele convivia connosco. E almoçávamos muitas vezes. Como jogador, era muito trabalhador, com muita garra. Ele era assim porque vinha de um contexto de vida na Hungria que foi difícil. O Miki queria muito triunfar. Tinha aquela oportunidade de jogar no Porto e queria aproveitar. Como homem, era muito humilde. Sempre a sorrir. Eu acredito que se o Miki tivesse que escolher um fim, escolheria aquele: caiu a sorrir, a fazer o que mais gostava de fazer, que era jogar futebol. Mas, claro, ninguém queria que isto lhe acontecesse."
Manuel José
Manuel José
Ex-jogador do V. Guimarães
"Eu conhecia o Fehér dos tempos do Porto. Somos praticamente da mesma idade e jogámos os dois na equipa B. E éramos quase vizinhos, em Gaia. O Miki era exatamente aquilo que vimos quando ele caiu: um homem feliz, sempre a sorrir. Ele tinha o futuro pela frente e foi isso que mais me custou. O Miki deixou saudades. O que aconteceu – sobretudo a um rapaz tão novo – foi inacreditável. Nós não nos podemos esquecer nunca que o futebol é só um jogo. E o que é um jogo comparativamente a uma vida que se perdeu? Nada."
Fernando Eurico
Fernando Eurico
Jornalista da Antena 1
"Eu conheci o Fehér em vários clubes, naquele convívio diário que acontece entre nós, jornalistas, e os jogadores. Há um episódio que vivi com ele e do qual nunca me esquecerei. Foi no verão, durante as férias. É uma altura em que há pouca informação. Liguei-lhe para o telemóvel, ele atendeu e estava de férias na Hungria. Podia ter-me despachado rapidamente – afinal, as férias para os jogadores são quase sagradas. Mas não. Ele foi o Fehér de sempre: tranquilo, de uma simpatia extrema. Aquilo reconfortou-me. E é a imagem que quero guardar dele. À parte de ser um belíssimo avançado, é essa imagem que guardo."
Frederico Mendes Oliveira
Frederico Mendes Oliveira
Jornalista da TVI
"Eu conhecia-o fora do futebol. Quando eu estudava jornalismo no Porto, ele jogava lá e começou a namorar com uma colega minha. Lembro-me de ele ir buscá-la à faculdade. Como ele jogava no Porto, podia ser um tipo distante. Não era. Era muito, muito educado. E tímido."

A união que passou rápido

Créditos: João A. Miranda/EPA

Créditos: João A. Miranda/EPA

Fernando Aguiar
Fernando Aguiar
Ex-jogador do Benfica
"Sim, sentiu-se muita união após a morte do Miki. Nós, jogadores, sentimos. Mas, infelizmente, durou pouco. Se durou umas semanas foi muito. Rapidamente se esqueceu a união. O que interessa no futebol em Portugal é falar mal só por falar. Nem somos nós, jogadores; são pessoas que nunca jogaram na vida e criticam-nos, criticam os treinadores… É o país que temos."
Rogério Matias
Rogério Matias
Ex-jogador do V. Guimarães
"O futebol não é o mais importante e todos temos que perceber isso. Há valores mais importantes. A vida de alguém é mais importante. A morte dele uniu toda a gente: jogadores, treinadores, dirigentes, comentadores. Toda a gente. Uniu-nos. Mas é o que já sabemos: passado um tempo, volta tudo ao que era. Faz parte."
Fernando Eurico
Fernando Eurico
Jornalista da Antena 1
"Foram dias difíceis, mas que vieram provar que depois dos noventa minutos mais nada importa. O drama do Miki Fehér uniu o futebol, os clubes, os dirigentes, os jogadores. As guerrilhas, a discussão, a obsessão pelo poder, pela vitória, nada tinha razão de ser. Bastou uma tragédia e as pessoas baixaram a guarda."