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Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022 do Bloco de Esquerda no Capitólio: Catarina Martins, candidato pelo Bloco de Esquerda a primeiro-ministro. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR
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FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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A noite em que o PS absoluto esmagou todas as metas de um Bloco reduzido a mínimos

Sem terceiro lugar, sem maioria (em que possa ganhar relevância), sem "contrato" com o PS. Bloco foi arrastado pelo voto útil para o pior resultado desde 2002. Críticos internos atacam.

A ironia desta hecatombe era difícil de prever: o mesmo Bloco de Esquerda que começou a campanha a eleger a maioria absoluta do PS como a sua grande inimiga acabou derrotado por um PS absoluto que já não acreditava ser possível. Com esse PS absoluto veio uma noite de derrota histórica para o Bloco: a pior votação em vinte anos, com o número mais baixo de votos desde 2002, e um rombo maior do que o que sofreu após a queda de José Sócrates.

Sem fatores de redenção que compensem as perdas, a análise da derrota do Bloco tornou-se fácil de fazer, como o próprio partido reconheceu. Não havia qualquer ambição de crescer, nem as sondagens ofereciam qualquer esperança de aumentar a bancada. As fasquias assumidas (e de forma insistente) em campanha eram outras três – e mesmo assim falharam todas. Primeira: manter o terceiro lugar, ficando à frente do Chega; segunda: assegurar uma maioria de esquerda em que ganhasse relevância; terceira, decorrente dessa segunda: voltar à mesa de negociações com o PS e forçar um “contrato de ferro” com medidas à esquerda, uma espécie de geringonça 2.0.

Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022 do Bloco de Esquerda no Capitólio: Catarina Martins, candidato pelo Bloco de Esquerda a primeiro-ministro. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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Ora, logo com as primeiras projeções mostradas nas televisões do Capitólio, em Lisboa, ficava claro que o primeiro objetivo era impossível: em cenário algum o Bloco surgia à frente do Chega – ficou em quinto lugar em percentagem e sexto em número de deputados, com apenas cinco mandatos – e se isto constituía uma derrota moral e ideológica, também indiciava o resto da hecatombe bloquista, uma vez que era a pista que faltava para perceber as perdas do Bloco nos círculos em que costumava ser o único partido além de PS e PSD a eleger.

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Os gritos de “não passarão!” que foi repetindo nas ações de campanha, a visita ao bairro do Jamaica ao lado da família Coxi, o discurso do fundador e historiador Fernando Rosas a colar André Ventura a Salazar em Almada, “terra de resistência e liberdade”, de pouco ou nada acabaram por servir nas urnas.

Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022 do Bloco de Esquerda no Capitólio: Catarina Martins, candidato pelo Bloco de Esquerda a primeiro-ministro. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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As perdas foram-se confirmando até só restarem cinco eleitos do Bloco, cinco dos 19 que tinha conseguido eleger em 2015 e 2019. Ao mesmo tempo, nas mesmas televisões que simpatizantes e militantes olhavam com apreensão, crescia a maioria do PS até se tornar absoluta. Com ela, e sem uma votação que forçasse o PS a olhar para os partidos à esquerda e a negociar, falhavam os outros dois objetivos: nem a maioria de esquerda era útil, nem o serão as reuniões no “dia seguinte” às eleições para as quais Catarina Martins convidou Costa durante toda a campanha.

Numa noite que teria sido mais longa tivesse o Bloco conseguido lutar com mais afinco pela eleição dos últimos deputados, Catarina subiu ao púlpito pelas dez e meia da noite (no fuso horário das noites eleitorais, bastante cedo) e, aplaudida de forma efusiva  pelos militantes e simpatizantes, admitiu as derrotas todas. Uma: “Cada racista no Parlamento é um deputado racista a mais”. Duas: “O PS terá maioria absoluta, ao que tudo indica”. E três: ler o segundo ponto outra vez, sem mais.

As razões, que o Bloco dissecará numa reunião da Comissão Política marcada para segunda-feira, também foram resumidas a partir do púlpito: o apelo ao voto útil do PS – ou, nas palavras de Catarina, “a chantagem ao país” – tramou a esquerda. E como é que o PS conseguiu ser tão eficaz? A resposta, sugeriu, está nas sondagens, as mesmas por que o PS mas também o Bloco se guiaram na campanha, adaptando o discurso, anunciando que a maioria absoluta era um fantasma que se tinha “esfumado” e “finado” (palavras de Catarina Martins) e acreditando que Rui Rio estaria perto de derrotar António Costa – e essa é uma reflexão que, disparou, “BE e comunicação social terão de fazer”.

Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022 do Bloco de Esquerda no Capitólio: Catarina Martins, candidato pelo Bloco de Esquerda a primeiro-ministro. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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A outra possível causa não foi puxada por Catarina Martins, mas por um jornalista, e tinha a ver com os efeitos do chumbo do Orçamento do Estado. “Sabíamos que tinha riscos eleitorais”, concedeu, “mas não mudamos de convicções como quem muda de camisa. Não passamos a achar, por haver maioria absoluta, que o Orçamento era bom”.

Seria a repetição do filme do pior trauma eleitoral do Bloco, se não fosse ainda pior. Não há quem no Bloco não saiba o que significa o fantasma do PEC IV – o programa do Governo de José Sócrates que o BE ajudou a chumbar, ajudando à queda do Executivo, ao que se seguiria o Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas.

Na altura, fizeram-se as eleições antecipadas de 2011 e a bancada do Bloco mirrou para metade. Desta vez, caiu o Governo de Costa às mãos da esquerda e o grupo parlamentar emagrece ainda mais dramaticamente: serão apenas cinco deputados – dois em Lisboa, Mariana Mortágua e Pedro Filipe Soares; dois no Porto, Catarina Martins, José Soeiro; e uma em Setúbal, Joana Mortágua.

Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022 do Bloco de Esquerda no Capitólio: Catarina Martins, candidato pelo Bloco de Esquerda a primeiro-ministro. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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São todos do núcleo duro do partido, todos com experiência – Pedro Filipe é líder parlamentar e tal como Catarina entrou em 2009, Mariana em 2013, Soeiro já é deputado desde 2005, Joana desde 2015, todos com o treino particular dos tempos de geringonça e todos exceto Soeiro fazem simultaneamente parte dos núcleos mais restritos (Comissão Política e Secretariado) do Bloco.

Mas há áreas que ficam destapadas e que precisarão necessariamente de uma reorganização: sai, por exemplo, Moisés Ferreira, por Aveiro, que se ocupava da pasta da Saúde, e não entra o médico Bruno Maia, que viria reforçar a área. Não entra José Gusmão em Faro, uma das caras mais conhecidas do partido, que sairia do Parlamento Europeu para o nacional. Sai José Manuel Pureza, um deputado experiente que era também vice-presidente da Assembleia da República. E o Bloco ainda deixa de eleger em Leiria, Braga e Santarém.

Com uma derrota em toda a linha, as próximas reuniões para analisar resultados antecipam-se agitadas: Catarina bem recordou que no Bloco a tradição não é de decidir lideranças consoante os resultados eleitorais e que houve uma convenção em maio passado – Francisco Louçã ainda ocupou a liderança um ano e dois meses após o tombo do PEC IV – e o seu lugar não está em causa, mas entre os críticos internos já se sentem as primeiras movimentações. Ao Observador, a cara mais visível da maior tendência crítica (a Convergência), o ex-deputado Pedro Soares, é taxativo: “Uma derrota que culmina um ciclo de derrotas sucessivas obriga a uma mudança de rumo”.

Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022 do Bloco de Esquerda no Capitólio: Catarina Martins, candidato pelo Bloco de Esquerda a primeiro-ministro. Lisboa, 30 de janeiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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O rumo de rutura com o PS até era exatamente o que os críticos vinham pedindo desde que defenderam uma renovação dos acordos da própria geringonça (2015-2019), em termos mais duros, para forçar a mudança das leis laborais —  uma mudança em que o Bloco acabou por embarcar votando contra os Orçamentos de 2021 e 2022 mas sem acreditar, na verdade, que fizessem cair o Governo, uma vez que sempre apostou nas fichas num entendimento PS-PCP. Por isso, depois da votação no OE2021 e com sondagens a manterem-se estáveis, os bloquistas estavam convencidos de que o voto contra não teria grandes efeitos eleitorais — na altura, sem contarem com o efeito que teria uma queda efetiva do Governo.

Mas os opositores poderão agora criticar o discurso de campanha, em que Catarina Martins pediu repetidamente uma nova negociação com o PS de Costa — segundo esta corrente, essa centralidade dada aos acordos com os socialistas coloca os bloquistas numa posição de subordinação pouco recomendável.

Noite eleitoral das eleições legislativas de 2022 do Bloco de Esquerda no Capitólio: Catarina Martins, candidato pelo Bloco de Esquerda a primeiro-ministro. Reações às primeiras previsões Lisboa, 30 de janeiro de 2022. FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

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Essa agitação sentir-se-á a partir de segunda-feira, quando o Bloco se começar a reunir para dissecar a sério os resultados e o maior desaire eleitoral da sua história. Por hoje, à saída do Capitólio, contavam-se dezenas de militantes desgostosos mas não exatamente chocados com a derrota, a beber imperiais e a fumar cigarros por entre os desabafos de uma noite amarga.

[Como se desenhou um mapa cor-de-rosa absoluto. O filme da noite eleitoral:]

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