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Veio sozinho à comissão de inquérito à TAP e não teve reuniões preparatórias com deputados, nos temas mais quentes, o ministro das Infraestruturas apoiou-se sempre no testemunho exaustivo dado horas antes pela sua chefe de gabinete, Eugénia Correia, a quem não poupou elogios: uma extraordinária jurista e cujo relato feito aos deputados classificou de “magistral”. Em sete horas de audição, João Galamba avançou alguns detalhes, recusou dar respostas sobre factos que não testemunhou e contrariou a versão dada por Frederico Pinheiro da exoneração feita por telefone. Estava “muito tranquilo”, foi o ex-adjunto que o ameaçou. Mas deixou no ar um enorme ponto de interrogação: Porque foi chamado o SIS e quem efetivamente foi responsável por essa decisão.

Galamba descola da sua versão, para isolar chefe de gabinete no contacto com secretas

João Galamba apareceu no inquérito parlamentar colado à versão dos acontecimentos sobre o alerta às secretas para a recuperação do computador “furtado com violência”, logo “roubado”, mesmo que essa versão fosse — como o Observador já tinha escrito ontem — contraditória com a que ele mesmo tinha dado na conferência de imprensa do dia 29 de abril, a primeira em que falou sobre o que se passara três dias antes nas instalações do seu Ministério. O Governo passou a ter uma versão que só agora conseguiu alinhar, depois de o ministro ter dado voltas ao seu próprio texto inicial.

No dia anterior, naquela mesma sala, a ministra da Justiça tinha sido o primeiro membro do Governo a vir descolar do episódio SIS, depois de ter sido envolvida nele por João Galamba na tal conferência de imprensa. Nesse dia, o ministro das Infraestruturas tinha dito que tinha ligado ao secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, por não ter conseguido que o chefe do Governo o atendesse, e que esse o aconselhou a ligar à ministra da Justiça. Disse que falou com Catarina Sarmento e Castro e depois dos contactos concluiu: “Disseram-me que o meu gabinete devia comunicar estes factos àquelas duas autoridades [SIS e PJ]”.

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Isto foi dia 29 de abril, porque agora, 19 dias depois, o ministro já conta outra história, acertando o passo com Eugénia Correia que, nesta nova versão do Governo, acaba com uma barreira higiénica à sua volta: é a única responsável pelo envolvimento do SIS e único contacto das secretas no Governo.

Galamba ligou aos ministros da Justiça e Administração Interna para falar com PJ e PSP, mas sem qualquer ligação às secretas

Sobre a ministra da Justiça, Galamba diz agora que “não se lembra” se falaram sobre o SIS, apenas sabe que falaram sobre a PJ. Além disso, introduz um novo telefonema à lista de chamadas que fez no dia fatídico — e que até foi a primeira: para o ministro da Administração Interna, para falar com o diretor nacional da PSP. Nunca tinha falado neste contacto e justifica essa omissão na primeira conferência de imprensa com o “calor dos acontecimentos”. Os acontecimentos que refere tinham sido do domínio público apenas na sexta-feira, mas já tinham ocorrido na quarta-feira, três dias antes da conferência de imprensa que Galamba admite agora que podia ter corrido melhor. Também revela ter falado com o primeiro-ministro ao final da noite.

Também altera a versão sobre o contacto com o gabinete do primeiro-ministro e revela que no final da noite de 26 de abril falou mesmo com António Costa. Reafirma que falou com o secretário de Estado Adjunto — e acena afirmativamente quando o deputado da IL o questiona se era António Mendonça Mendes –, dizendo agora não que este lhe disse para falar com a ministra da Justiça, mas que devia falar com as secretas sobre o computador que tinha sido levado: “O secretário de Estado do primeiro-ministro disse que, nas questões de dados, as entidades relevantes, eram o SIS e o PJ. Liguei à ministra da Justiça e falei da PJ”. Na audição afirmou que este telefonema aconteceu às 21h52 desse dia 26, mas mais adiante, na mesma audição disse que estava em casa quando o fez.

Ora, nada disto batia certo: o ministro tinha dito também que regressara ao Ministério às 21h30. Afinal, às 21h52, estava em casa ou no Ministério? Acabou a garantir que estava em casa — “tenho a certeza que ainda estava em casa. Não estava ao pé da minha chefe de gabinete e não transmiti à minha chefe de gabinete antes dela ligar ao SIRP”. Prometeu que ia confirmar melhor estas horas erradas e, por fim, repetiu mais uma vez a “única certeza” que trazia: “Sei que não estava na sala quando a minha chefe de gabinete ligou ao SIS, nem eu lhe disse para ela ligar ao SIS e ela ligou. Isso foi muito tempo depois de ligar ao SIS”. Por equívoco — reconhecido — falou em SIS, mas Eugénia Correia ligou sim ao Sistema de Informações da República, SIRP, do qual depende o SIS, que lhe ligou de seguida, nesse dia 26, quando não estava ao lado do ministro.

Durante a audição, Galamba fez esta separação de águas de forma insistente. Chegou mesmo a dizer, numa resposta à IL que o questionava sobre o hiato de tempo entre saber que devia contactar as secretas e falar com a sua chefe de gabinete com essa informação: “O que interessa é que eu não falei com o SIS”. A versão da articulação com Eugénia Correia — também referida na conferência de imprensa de 29 de abril — também ficou para trás. Galamba sublinha que quando falou com a chefe de gabinete sobre as indicações que recebera, esse contacto já tinha sido feito.

Quanto à legalidade do contacto, o ministro repete a formulação da chefe de gabinete, quando Eugénia Correia diz ter recebido orientações do SIRP “para reportar qualquer facto estranho ou suspeito porque era chefe de um gabinete que tutelava infraestruturas críticas”. A chefe de gabinete termina, assim, isolada nesse contacto e na responsabilidade pelo mesmo. Já não houve resposta quanto à questão de o reporte ter sido feito quando afinal consideravam existir um roubo, ou seja, um crime que impediria uma diligência de recuperação do equipamento feita pelo SIS.

Nas versões que deu, o ministro foi remetendo para as “testemunhas” que confirmam o que contou — e que Frederico Pinheiro não terá. Testemunhas, que são pessoas do Ministério e do seu gabinete (uma já teria saído). E até admitiu uma perícia às mensagens do seu telemóvel que trocou com o ex-adjunto, mas ainda subsistem várias dúvidas e testemunhos contraditórios  — são as palavras do ministro e da sua chefe de gabinete contra as do ex-adjunto.

As 11 contradições na comissão de inquérito à TAP que sobram para Galamba

Foi também nesta audição que soube mais um telefonema de Galamba nessa noite. “Ao final da noite, talvez uma ou duas da manhã”, para lhe contar “só o que se passou” — mas “aí já foi mesmo informação”, revelou Galamba que ainda acrescentou: “No final contei o que tinha acontecido, contei que tinha sido… tinham ligado ao SIS. O senhor primeiro ministro só tomou conhecimento das coisas. Tudo aconteceu antes disso”. Antes tinha só dito que foi transmitido a António Costa o contacto à PJ.

Galamba diz ter contado a Costa o que tinha acontecido no Ministério das Infraestruturas e que tinham ligado ao SIS

As notas da reunião preparatória

A avaliar pelas respostas de Eugénia Correia e de João Galamba, Frederico Pinheiro recusou ter notas da reunião preparatória realizada com a ex-presidente executiva da TAP antes da primeira ida ao Parlamento para justificar o caso Alexandra Reis. Paulo Rios de Oliveira do PSD bem perguntou que razões teria para o fazer. João Galamba remete para a mensagem que o próprio enviou de madrugada de Singapura (e que é pública): Então só ao fim deste tempo dizes que tens mensagens. E classifica a mensagem de Frederico Pinheiro que refere o conhecimento prévio do ministro e do seu gabinete das ditas notas de “fabricada” e “pior que falsa, é inteligível”. Defendeu também que foi o conhecimento de que existiam e o empenho em as entregar que levou o Ministério a pedir prorrogação do prazo para entregar respostas pedidas pela CPI.

Versões contraditórias? Há uma história e há factos com muitas testemunhos (algumas não trabalham no meu gabinete, mas maioria sim) Mas “temos testemunhas de tudo”. Ao contrário do ex-adjunto, que, assinalou, não tem testemunhas de nada.

Reuniões preparatórias “são normais”

As reuniões preparatórias para audições parlamentares são normais. João Galamba disse mesmo que seria o único ministro a ir a uma comissão de inquérito sem preparação prévia com o grupo parlamentar e até deu um exemplo: a preparação das audições do então ministro e secretário de Estado das Finanças, Teixeira dos Santos e Costa Pina, na comissão de inquérito à nacionalização do Banco Português de Negócios (2009).

Galamba: “Não considero impróprio que as reuniões [preparatórias] tenham ocorrido”

Exoneração de Frederico Pinheiro por telefone e quem ameaçou quem

João Galamba detalhou o comportamento “incompatível” que levou à exoneração do ex-adjunto. Frederico Pinheiro “desobedeceu a instruções (da chefe de gabinete), mentiu a colegas, mentiu-me a mim, não atendeu telefonemas”. Para além do comportamento nos três dias que antecederam a exoneração, João Galamba refere outro: deslocava-se a horas impróprias ao gabinete e tirava cópias, muitas cópias e impressões. Não sabe muito bem do quê”.

Perante este quadro, e assim que chegou de Singapura, o ministro confirma que o exonerou-o por telefone, mas desmente a ameaça de agressões (duas bofetadas) e vira a história ao contrário. “Nego categoricamente…. Afirmo que fui ameaçado por Frederico Pinheiro e não foi pouco. E se havia alguém muito, muito mas mesmo muito exaltado naquele telefonema não era eu”. O ministro admite a exaltação nas horas antes, em que descreve o desespero por não conseguir cumprir a entrega de elementos à CPI, mas garante que quem ameaçou foi Frederico Pinheiro e diz ter testemunhas de como estava tranquilo. E lembra o que o ex-adjunto foi fazer a seguir ou ir ao Ministério “agredir pessoas”.

João Galamba justifica ainda a exoneração com efeitos imediatos sem publicação com a lei dos gabinetes. São cargos de confiança política, podem ser nomeados a qualquer momento. Se eu não exonerasse, estaria a falhar nas minhas obrigações.

Frederico Pinheiro acusou ministro de o ter ameaçado. Galamba contrapõe

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Divergência sobre demissão da CEO? Discordância na estratégia, mas sintonia na decisão

O ministro das Infraestruturas desvaloriza as dúvidas manifestadas pela sua chefe de gabinete, a tal jurista extraordinária (que trouxe consigo da secretaria de Estado da Energia) sobre um dos fundamentos invocados na deliberação que demite a presidente executiva da TAP e o chairman.

Assume que foi uma decisão tomada a dois (por ele e por Fernando Medina) sem ouvir previamente juristas porque o relatório da Inspeção-Geral de Finanças era suficiente Diz claramente que houve violação de regras e leis e isso é fundamento para demitir. Admite discordâncias na estratégia concreta, mas garantiu que não há nenhuma divergência sobre o fundamento principal. Havia “sintonia total”. Questionado sobre as consequência jurídicas e financeiras de eventuais fragilidades da decisão do Estado — uma vez que é certo que Christine Ourmières-Widener irá contestar — afirmou que todas “as decisões dos membros do Governo envolvem sempre algum risco.

E para quem já se esqueceu de Alexandra Reis, João Galamba deu uma pequena novidade. A TAP já fez as contas para saber quanto vai pedir à ex-administradora que devolva da indemnização de meio milhão de euros paga ilegalmente pela TAP, descontando o efeito dos impostos retidos.

Galamba garante que TAP já sabe quanto é que Alexandra Reis tem de devolver

A reunião “tensa” em que se discutiu (ou não) as notas

Segundo repetiu o ex-adjunto logo após a audição de Christine Ourmières-Widener na comissão de inquérito (o momento Carlos Pe-rei-ra em que a ex-CEO revela ter reunido com o grupo parlamentar do PS antes de ir pela primeira vez ao Parlamento, houve uma reunião “tensa” no Ministério das Infraestruturas. Essa reunião, realizada a 5 de abril, debateu o pedido de informação da CPI sobre a reunião preparatória com a ex-presidente da TAP.

Frederico Pinheiro referiu que João Galamba estava presente quando a chefe de gabinete lhe indicou que as notas informais e gralhas que o ex-adjunto tirou não seriam utilizáveis. E que não se opôs à sugestão de omitir as notas. Eugénia Correia desmentiu a presença de Galamba. O ministro começou por indicar que à mesma hora teve uma reunião com o grupo Salvador Caetano no gabinete ao lado, mas admitiu que foi duas vezes espreitar como estavam as coisas a correr na reunião.

Afinal o que estava no “raio do computador”

A pergunta já tinha sido feita à chefe de gabinete e foi repetida a João Galamba. Como explica tanta preocupação com o computador do ex-adjunto? O ministro devolve a estranheza: “A primeira coisa que faz quando é exonerado é ir a correr buscar o computador. O que raio terá aquele computador? As coisas pessoais não serão, porque seriam entregues evidentemente. Será por outra coisa”, indica sem especificar.

O ministro elogia ainda, outra vez, a chefe de gabinete por ter recorrido ao gabinete de segurança nacional para classificar os documentos, em vez de fazer aquilo que fazem as entidades todas — pela sua experiência de deputado em comissões de inquérito — que é serem elas próprias a classificar os documentos remetidos a comissões de inquérito.

O ministro das Infraestruturas diz que ao contrário do seu ex-adjunto, não tem gravado no seu computador, nem no telemóvel, o plano de reestruturação da TAP, um dos documentos do computador de Frederico Pinheiro classificado com confidencial.  E as fotocópias e impressões tiradas à meio da noite pelo ex-adjunto? João Galamba indicou não ter saber do que tratavam, mas não estariam relacionadas com informação pedida pela comissão de inquérito.

Salário do novo CEO proposto sem ouvir comissão de vencimentos

Logo no arranque, o ministro confirma a demissão do presidente da comissão de vencimentos da TAP na madrugada de quinta-feira e a razão: desacordo com o salário prometido (por Galamba) ao novo CEO. Quando convidou Luis Rodrigues na manhã do dia em que anunciou (com Fernando Medina) a demissão de Christine Ourmières-Widener e Manuel Beja, Galamba teve de lhe oferecer um vencimento. Neste caso, diz, o mesmo que era pago à CEO francesa — cerca de meio milhão de euros por ano após o corte de 30% aplicado aos gestores —  mas sem direito a qualquer bónus.

João Galamba admite que não consultou a comissão de vencimentos, mas lembra que este órgão liderado pelo mesmo Tiago Aires Mateus já tinha aprovado o mesmo valor para a ex-CEO. O ministro recusa ter feito qualquer pressão ou mesmo contacto do Ministério das Infraestruturas. Segundo o PSD, a comissão presidida por Aires Mateus queria pagar a Luís Rodrigues 420 mil euros.

Novo CEO da TAP vai receber o mesmo salário de gestora demitida mas sem bónus. Presidente da comissão de vencimentos saiu por estar contra

Privatização. Podem perguntar tudo, mas não respondeu a nada

“A quem é que posso fazer perguntas sobre a TAP?”, se Frederico Pinheiro, que acompanhava o dossier, já não está no ministério, questionou o deputado da IL, Bernardo Blanco. Galamba, que até então se escudava no facto de ter tomado posse apenas no início de janeiro para não conhecer bem alguns temas, não hesitou: “pode fazer-me a mim”. Apesar de não dominar a TAP pré 4 de janeiro de 2023 (Galamba não tem o plano de reestruturação no computador nem o leu na íntegra), garantiu uma coisa: fará parte de todos os passos do processo de privatização. O governo já iniciou processo para escolher entidades que vão avaliar e o próximo passo será a aprovação do decreto-lei que dará o pontapé de saída à venda da companhia, e que será “suficientemente aberto para permitir várias opções”. Entre as preocupações na venda está “a manutenção do hub, que a companhia continue a servir as comunidades emigrantes e a sua relação com o tecido económico português”. Deu como exemplo a fusão da KLM com a Air France onde foram “salvaguardadas um conjunto de matérias, como o hub de Amesterdão”. “Há formas — e ainda não chegámos a essa fase”, acrescenta ainda.

Ainda sobre a privatização, Bruno Dias, do PCP, citou o plano de reestruturação da TAP, que tem partes classificadas. “Está claro no plano de reestruturação que a companhia foi sobrecapitalizada para poder ser vendida por mil milhões”, e que se “prepara para repetir o esquema de a TAP ser comprada com o próprio dinheiro”. Porque o crescimento do capital próprio entre 2022 e 2025  será  “muito substancial”, de muitos milhões de euros. O valor não pode ser dito por ser classificado. Galamba desvalorizou. “Admitindo que houve sobrecapitalização, a TAP será vendida por um valor mais alto. Vale mais e o valor que pagarão por ela será mais elevado”.

(Artigo atualizado com declarações de Galamba sobre contacto com António Costa)