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O epicentro foi em Quichinau, capital da Moldávia, mas as ondas de choque sentiram-se nos Estados Unidos e restantes países da NATO. “A questão não é se a Federação Russa lançará uma nova ofensiva em direção ao território moldavo, mas quando isso acontecerá: no início do ano, em janeiro, fevereiro, ou mais tarde, em março, abril.” As palavras do diretor das secretas moldavas, a 19 de dezembro, tiveram o impacto de um tremor de terra, ao ponto de os Serviços de Segurança e Inteligência (SIS) sentirem necessidade de refrear o tom e de esclarecer, em comunicado, o que queria realmente dizer Alexandru Musteata. O cenário está em cima da mesa, mas “depende dos desdobramentos da guerra na Ucrânia”.
O diretor do SIS, além de marcar uma data no calendário para a possível invasão russa, detalhou como poderia acontecer: através da criação de um corredor terrestre a ligar o sul da vizinha Ucrânia (zona de Odessa) à Transnístria — uma zona separatista pró-russa, cuja independência não é reconhecida pela comunidade internacional. Em termos de território, é uma fatia finíssima da Moldávia, encostada à Ucrânia. “Podemos discutir o que se seguirá e quais as intenções [russas] em relação a Quichinau. Mas há um risco real e elevado”, argumentou Musteata.
Janeiro e os primeiros dias de fevereiro passaram-se sem que a Moldávia fosse atacada pela Rússia, apesar de os mísseis destinados a Kiev fazerem razias no seu território. As réplicas das declarações de Musteata, que causaram ondas de choque ainda maiores que as palavras do diretor das secretas, começaram a sentir-se, com epicentro em Moscovo, Kiev e, de novo, na capital moldava.
Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros russo, falou da Moldávia como “a próxima Ucrânia”, o Presidente ucraniano disse ter intercetado planos do Kremlin para destruir a Moldávia, e a Presidente moldava falou à sua nação. Maia Sandu disse haver provas de que Moscovo quer levar a cabo um golpe de Estado em Quichinau.
União Europeia e Moldávia deploram declarações de Lavrov, “desacreditado intelectualmente”
Tal como fez em relação à Ucrânia antes da invasão, a Rússia negou qualquer intenção bélica sobre a antiga república soviética, que se tornou independente em 1991, depois da queda da URSS. À retórica dos Estados Unidos — que dizem estar “preocupados” com a situação — responde com a narrativa tradicional: o Ocidente quer afastar a Moldávia das suas origens soviéticas, criando um sentimento russofóbico entre a população.
Com o pingue-pongue dos últimos dias sobre a ameaça que paira sobre Quichinau, será possível que a Rússia leve a guerra até à Moldávia? Os especialistas ouvidos pelo Observador defendem que militarmente é difícil, embora não impossível. Porém, esta não será a melhor altura para fazê-lo, já que a guerra no sul da Ucrânia não corre bem ao exército russo. Sobre o que pode o Kremlin fazer nos bastidores, o entendimento é outro e tudo indica que a Rússia irá desestabilizar o mais possível a sociedade moldava.
O embaixador da Moldávia em Portugal, Alexei Cracan, diz ao Observador que o seu país segue com tristeza as evoluções trágicas na Ucrânia, cujas consequências atingiram diretamente a Moldávia. “De momento, não há riscos iminentes de ataques ao nosso país. Ao mesmo tempo, a situação pode ser caracterizada como imprevisível.” Assim, mesmo sem ser parte do conflito, “a segurança da República da Moldávia é afetada”, defende o embaixador.
“Houve vários casos de violação do espaço aéreo por mísseis russos lançados contra a Ucrânia: três mísseis em outubro de 2022, um míssil em fevereiro de 2023. Os fragmentos já caíram por três vezes no nosso território. Assim, as nossas autoridades estão em alerta máximo e continuam a calcular e a examinar todos os cenários”, esclarece Alexei Cracan.
Se a Rússia tivesse ocupado o sul da Ucrânia, a Moldávia “estava tomada”
Voltemos às secretas da Moldávia e ao esclarecimento de 19 de dezembro. “O diretor do SIS mencionou que o objetivo da Federação Russa de criar um corredor terrestre para a região da Transnístria ainda é válido hoje, e uma nova ofensiva da Federação Russa nessa direção pode ocorrer em 2023.” A segunda parte do esclarecimento do SIS é a mais importante: “Além disso, depende dos desdobramentos da guerra na Ucrânia.”
A guerra na Ucrânia. É neste ponto que os especialistas ouvidos pelo Observador convergem, apontado a resistência de Kiev à invasão russa como uma verdadeira barreira protetora da Moldávia, que apoia a 100% o governo de Volodymyr Zelensky na questão do conflito armado. Entre os dois países, há uma porção de território que não cabe nem na definição de enclave nem de exclave, até por falta de reconhecimento internacional. É a Transnístria, legalmente parte da Moldávia, mas onde a população pró-russa e distante dos valores ocidentais proclamou a independência em 1992. Sem reconhecimento internacional, mas também sem tiros a cruzarem o ar, é considerado um conflito congelado.
Naquela língua de terra há tropas russas estacionadas — entre 1.500 a 2.000 militares equipados com armamento dos tempos soviéticos. Apesar disso, para a Rússia alcançar a Transnístria só teria dois caminhos: através do céu, com aeronaves, ou através do sul, via Odessa, já que a Moldávia está rodeada pela Ucrânia, de um lado, e pela Roménia, do outro.
“Do ponto de vista militar, diria que está excluída uma intervenção da Federação Russa na Moldávia de momento”, diz ao Observador o major-general Arnaut Moreira. A ofensiva militar sobre o eixo Mykolaiv — Odessa não resultou, lembra o militar português. “Se tivesse resultado, já havia forças russas na Moldávia e o assunto estava resolvido. Ou seja, se o sul tivesse corrido melhor aos russos, era muito provável que as forças já estivessem na Moldávia”, acrescenta Arnaut Moreira.
Nesse cenário, o major-general acredita que seria de esperar que tivesse havido na Transnístria aquilo que houve no Donbass: uma revolta e um apelo à intervenção das forças russas. “Elas já estariam lá e o problema estaria resolvido para a Rússia. E estaria criado um enorme problema para a Europa Ocidental, que, em tempo, não foi capaz de segurar a Moldávia.”
Avançar sobre Quichinau, que, segundo a NATO, tem um exército de seis mil militares, traria outros problemas ao regime de Vladimir Putin. “Se a Rússia avançasse sobre a Moldávia criaria uma segunda frente e estaria a dar todos os créditos àqueles que dizem que não há nenhuma justificação para a invasão da Ucrânia, a não ser a conquista do território e domínio imperial deste espaço”, argumenta Luís Tomé, diretor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Autónoma. A Moldávia, acrescenta, seria um segundo exemplo da vontade russa de conquistar territórios.
Há ainda outra questão, frisa Arnaut Moreira. Entrar na Transnístria poderia fazê-la cair, diz o major-general que entrou na reserva com 38 anos de carreira militar. “Se do ponto de vista militar houvesse uma tentativa de tomar o poder da Moldávia a partir da Transnístria, isto podia ser o fim da Transnístria. Há poucas forças e não há ligação umbilical territorial a Odessa e Mykolaiv. Julgo que Putin não arriscaria uma manobra clássica de tomada do poder pelas forças militares.”
Na opinião do militar português, o Presidente russo tem “toda a vantagem em criar uma instabilidade económica e social tão grande que consiga puxar para o seu lado um conjunto de pessoas” da sociedade que possa garantir a instalação de um poder mais favorável à Rússia e menos ocidental.
É o Ocidente, não a Rússia, que quer que a Moldávia seja “a próxima Ucrânia”
As palavras do chefe das secretas ainda não tinham sido esquecidas e Maia Sandu, Presidente da Moldávia, fazia novas declarações, durante uma entrevista ao Politico, que deixaram Moscovo à beira de um ataque de nervos.
À pergunta direta — existe a possibilidade da Moldávia aderir à NATO? — Maia Sandu respondeu sem usar o nome da Aliança Atlântica. “Há uma discussão séria sobre a capacidade de nos defendermos, se podemos fazer isso sozinhos ou se devemos fazer parte de uma aliança maior”, disse a 20 de janeiro. “Se, em algum momento, chegarmos à conclusão como nação de que precisamos mudar a neutralidade, isso deve acontecer através de um processo democrático.” A Moldávia é um país neutro, mas coopera com a aliança.
Mesmo que Sandu tenha omitido as quatro letras, Moscovo leu NATO onde a Presidente usou a expressão “aliança maior”. Na imprensa internacional, fontes ligadas ao Kremlin falaram, sob anonimato, do desconforto sentido com a entrevista e a aproximação ao Ocidente. A 3 de fevereiro, é Lavrov quem verbaliza em público o que se diz nos corredores políticos moscovitas.
O Ocidente, e não a Federação Russa, “está de olho” na Moldávia, já que é um país que “pode seguir o caminho da Ucrânia”, tornando-se no próximo Estado “anti-Rússia”. As declarações do chefe da diplomacia russa foram feitas ao Russia Today, altura em que apontou o dedo a Maia Sandu por estar “ansiosa” para se juntar aos países do Tratado do Atlântico Norte.
“Agora estão a avaliar a Moldávia para esse papel [de ser a próxima Ucrânia], principalmente porque conseguiram colocar uma Presidente no comando do país, que está ansiosa para fazer parte da NATO”, disse Lavrov, referindo-se aos países do Ocidente. Maia Sandu, acrescentou o ministro dos Negócios Estrangeiros ruaso, “tem cidadania romena, está pronta para se unir à Roménia e, em geral, está pronta para quase tudo”.
A Roménia, que faz fronteira com a Moldávia, é membro da NATO. É recorrente, em ambos os países, falar-se da unificação da Roménia e da Moldávia, não havendo uma posição unânime sobre esta questão.
Sobre a questão da segurança e da aproximação ao Ocidente, Alexei Cracan refere que qualquer Estado do mundo, incluindo os neutros, está a melhorar as suas capacidades de defesa. “A República da Moldávia não é exceção, e a liderança do país está a prestar atenção constante a este aspeto, por exemplo, aumentando o orçamento destinado a defesa.” O novo Governo, liderado por Dorin Recean, “assegurará a continuação do processo de integração europeia, a recuperação económica e haverá uma maior atenção” à segurança do país.
A guerra híbrida. A primeira aposta é na instabilidade social e política
Se a invasão militar está fora de questão, pelo menos no momento atual, o que pode a Rússia fazer? Não tendo havido progressão russa no sul da Ucrânia, a leitura do major general Arnaut Moreira é de que Moscovo terá de aguardar por nova oportunidade. No entanto, há outros caminhos. “Em vez de uma operação militar clássica — como foi a invasão do Donbass, ou a anexação da Crimeia —, pode, através de aspetos de guerra híbrida, criar uma enorme instabilidade na Moldávia.”
O embaixador moldavo Alexei Cracan insiste que as autoridades estão a acompanhar e a gerir a situação, “especialmente agora, quando a Rússia tem interesse em influenciar a situação na República da Moldávia através de vários métodos de influenciar a situação sócio-política, utilizando todo um arsenal de instrumentos de desinformação”, explica. Cracan diz que o seu país tem enfrentado, por exemplo, ataques cibernéticos. “Uma modalidade eficaz de perturbação e neutralização destes planos é a antecipação. À luz das informações feitas em público, são tomadas medidas preventivas para excluir riscos de dentro e de fora”, diz ao Observador.
O contexto histórico do país, e a existência da Transnístria, são importantes para perceber por que motivo a Rússia poderia escolher a via da desestabilização.
“A Moldávia não está bem enquadrada do ponto de vista internacional”, diz Arnaut Moreira. As instituições não conseguiram encontrar um enquadramento estratégico para este país e isso, defende, é uma enorme fragilidade. “A Moldávia não está enquadrada em nenhuma das arquiteturas do ponto de vista institucional, nem na da segurança, porque não pertence à NATO, nem na de desenvolvimento económico e social, que é a União Europeia.”
Atualmente, e tal como a Ucrânia, tem estatuto de candidata a Estado membro da UE.
O major-general refere que a Moldávia, por ser o produto da dissolução da União Soviética, levou a que o seu destino fosse contestado internamente. “Houve cidadãos que aderiram de forma entusiasta à independência, houve um conjunto relativamente significativo que achou que a sua segurança estava dependente da permanência de forças da União Soviética que estavam militarmente presentes no território”, esclarece. A Transnístria, argumenta Arnaut Moreira, é o resultado de uma população pouco entusiasta com a nova independência, com o Ocidente, e que se revê nos valores de Moscovo.
Luís Tomé traça um retrato semelhante. “Há aqui alguns paralelismos que é interessante fazer. A Moldávia — como a Ucrânia e outros países do espaço soviético — foi dando resultados ora favoráveis a candidatos pró-russos, ora a candidatos pró-ocidentais.” Em Kiev, recorda, até à revolução Maidan (2014), havia um Presidente eleito democraticamente pró-russo e um parlamento com um partido dominante pró-russo, o Partido das Regiões. “Com a revolução Maidan, isso alterou-se e os russos consideraram que houve um golpe de Estado patrocinado pelo Ocidente” — as chamadas revoluções coloridas.
Em Quichinau, a situação não é muito diferente e a atual Presidente — “pró-Ocidente, pró-NATO, e formada em Harvard”— perdeu as eleições anteriores para um candidato pró-russo, Igor Dodon, que depois derrotou em 2020, e que é hoje o líder da oposição.
“Desde 2020, a política da Moldávia é dominada por uma Presidente e um partido claramente pró-ocidentais, favoráveis à integração na União Europeia, até à adesão na NATO, com um distanciamento da Rússia. Mas isto num contexto em que uma parte da política, e do eleitorado, é pró-russa e parte do território está sob domínio russo”, recorda o especialista em assuntos internacionais.
A possibilidade de a realidade política se alterar drasticamente não pode, assim, ser descartada. E é nessa aposta que o Kremlin põe todas as suas fichas.
Oleg Ignatov, polítogo russo e analista de assuntos internacionais, tem dúvidas de que Moscovo tenha capacidade de desestabilizar a cena política moldava. “Não acredito que a Rússia tenha oportunidades, ou capacidades, para desestabilizar a situação neste preciso momento, porque o Governo moldavo tem uma maioria forte e é pró-europeu”, diz ao Observador.
Por outro lado, defende que a oposição ao governo não está unida: “Há algumas forças pró-russas e há políticos pró-russos, mas não estão unidos. Não consigo ver bases para manifestações em massa, manifestações pró-russas ou algo desse tipo. No país ainda há algumas pessoas pró-Rússia, mas a maioria da população não apoia Moscovo.”
Apesar de não ver condições para que uma jogada desse tipo funcione, Oleg Ignatov não recusa a ideia de que isso faça parte dos planos do Kremlin: “Não podemos excluir que a Rússia continue a fazer aqui o trabalho de desestabilização”, como já fez no passado.
Moscovo quer uma revolução Maidan, “mas ao contrário”
Quando Maia Sandu falou com os seus concidadãos, já Natalia Gavrilita se tinha demitido do cargo de primeira-ministra da Moldávia, a 10 de fevereiro. A guerra na Ucrânia, as consequências para a Moldávia e a possibilidade de o país estar na mira do Kremlin ajudaram a tomar a decisão. Era preciso um foco maior na defesa, que passava por fazer mudanças no Executivo.
Em conferência de imprensa, Gavrilita — entretanto substituída no cargo por Dorin Recean — lembrou que foi eleita, em agosto de 2021, com uma agenda anticorrupção, pró-desenvolvimento e pró-UE. Ninguém esperava a sucessão de crises que o país enfrentou. Um deles foi o corte russo de fornecimento de energia (de que Quichinau dependia a 100%), um dos fatores que levou a uma inflação de quase 30%.
A Moldávia, “como o Estado mais próximo da linha da frente, está a sofrer muito com o impacto desta guerra em todas as áreas: política, económica, energética, social, humanitária e de segurança”, refere o embaixador Cracan. “Todos os cidadãos, de uma forma ou de outra, sentiram as consequências.”
A segurança e a economia são agora o novo foco do Governo que desde 16 de fevereiro é liderado por Recean: “Passámos por uma onda de ameaças este outono, mas temos de compreender que a próxima onda, mais intensa, está apenas a começar. As nossas instituições estão preparadas e vão ser consolidadas”, disse ele na sua cerimónia de investidura.
O analista russo Oleg Ignatov, do think tank The Crisis Group, relembra essas situações. “O ano passado, houve manifestações pró-russas aqui na Moldávia e aconteceram por causa dos preços altos de energia e de gás, da elevada inflação. A situação económica é muito difícil. Em termos percentuais, olhando para os rendimentos dos moldavos, o valor pago pela energia é muito elevado. Estes protestos foram financiados pela Rússia e isso é um facto”, diz ao Observador, falando a partir da Moldávia, onde se encontra temporariamente.
Em seguida, os Estados Unidos impuseram sanções a alguns políticos locais e alguns atores russos que ajudaram e participaram nestes protestos, recorda o analista. “O facto é que a Rússia esteve envolvida nestes protestos do ano passado e pagou dinheiro por estes protestos. Isto também é um facto”, afirma Oleg Ignatov.
Voltando ao discurso político do novo primeiro-ministro, este alinha com o de Sandu. No discurso à nação sobre a ameaça vinda de Moscovo, a Presidente confirmou o que Zelensky já tinha dito num encontro com líderes europeus. “O plano da Rússia de realizar ações subversivas no território do nosso Estado não é novo”, disse, lembrando as tentativas do outono anterior. “Não atingiram o seu objetivo graças às prontas intervenções das nossas instituições de segurança e ordem pública. Entre outubro e dezembro, a polícia e o Serviço de Informações e Segurança intervieram em vários casos de elementos de crime organizado e impediram as tentativas de violência.”
No outono, o foco foi a crise energética, que iria causar grande descontentamento entre a população e levar a protestos violentos, argumentou. Agora, continuou a Presidente, o plano envolve ações com agentes provocadores, com formação militar, vestidos à paisana, que realizarão ações violentas, atacarão alguns prédios do Estado e farão reféns. “Através de ações violentas, mascaradas sob protestos da chamada oposição, a mudança de poder em Quichinau seria forçada.”
Além de forças internas, esclareceu Maia Sandu, seriam usados estrangeiros nessas ações — cidadãos da Federação Russa, Bielorrússia, Sérvia e Montenegro — com o objetivo de derrubar a ordem constitucional, “mudar o poder legítimo de Quichinau para um ilegítimo, o que colocaria o nosso país à disposição da Rússia, a fim de interromper o processo de integração europeia, mas também para que a Moldávia possa ser usada pela Rússia na sua guerra contra a Ucrânia”.
É esta mesma linha de pensamento que seguem Luís Tomé e o major general Arnaut Moreira durante as conversas com o Observador.
“Parece, de facto, que essa é a estratégia da Rússia: provocar uma revolução colorida no sentido pró-russo, criando problemas à atual Presidente e ao Governo pró-ocidental da Moldávia, levando-os a cair e substituindo-os por um governo e Presidente pró-russo”, diz o professor catedrático Luís Tomé. “Aliás, é sintomático que a senhora Maia Sandu, além de nomear este novo primeiro-ministro, também tenha pedido ao parlamento para aprovar um aumento de medidas legislativas, e até de financiamento, para questões de segurança.”
O que a Rússia está a tentar fazer, “é um processo similar, mas ao contrário do que aconteceu na revolução Maidan na Ucrânia”. Na opinião de Luís Tomé, se começar a haver manifestações violentas no país, ou repressão das manifestações pró-russas, a Rússia vai certamente começar a usar a narrativa de que russos e separatistas da Transnístria são objeto de uma repressão anti-democrática, pró-ocidental. “E dirão que, mais uma vez na Moldávia, a NATO e os Estados Unidos, a União Europeia, estão a manobrar contra os interesses dos russos e de outros que não se revêem nas lógicas digamos imperialistas ocidentais.”
Se houver violência, o professor acredita que a Rússia terá o pretexto que quer para levar a cabo uma ação militar na Transnístria. “Sabemos que desde o início a Rússia o ponderou, mas as coisas não lhe correram como calculou. O objetivo mínimo quando avançou para a Ucrânia — sempre achei isso — era a reconstrução da Nova Rússia.” De um lado, defende Luís Tomé, “tinham de ter fantoches em Kiev e na parte leste da Ucrânia”, que inclui toda a zona de Kharkiv, Donbass, Zaporíjia, Kherson e Odessa e que permitia uma ligação geográfica até à Transnístria e à Moldávia. “Se calhar, ainda faz parte dos planos russos. Os militares russos na Transnístria tanto servem para alimentar o caos e a mudança de regime, como para uma intervenção militar na Moldova, ou para abrir um novo flanco a partir da Transnístria sobre a Ucrânia”, conclui.
Aconteça o que acontecer, o embaixador Alexei Cracan não vê o afastamento do Ocidente como um cenário provável. “Em qualquer situação, incluindo nestes tempos difíceis, o processo de aproximação e de integração na UE é um processo contínuo e inconfundível. A cooperação tornou-se ainda mais estreita, com contactos a todos os níveis em curso”, afirmou, relembrando que, apesar do seu estatuto de país neutro, a Moldávia também coopera com a NATO.
“Estamos a tentar por todos os meios remover qualquer perigo do exterior ou do interior. O resultado final é que a paz é a principal prioridade e continuaremos a promover a necessidade de combinar os esforços internacionais para devolver a Europa à normalidade”, argumenta o embaixador.”Mas agora temos de manter a máxima vigilância para assegurar o futuro que desejamos”, conclui Alexei Cracan.