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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A TAP, a Covid-19 e a crise da aviação

Que feitos vai ter a pandemia na aviação? As ajudas dos Estados vão distorcer a concorrência? E a TAP consegue sobreviver neste ambiente hostil? Ensaio de Abel Mateus.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

O setor dos transportes aéreos de passageiros é atualmente um dos mais afetados pela crise pandémica. E, devido às regras de confinamento e posteriormente aos receios de viajar, bem como a uma possível longa recuperação do turismo internacional, a sua recuperação deverá levar entre 4 e 5 anos: uma das mais longas previstas a nível setorial. Os governos dos diferentes países já avançaram com ajudas de Estado, nomeadamente com empréstimos ou garantias públicas de crédito no maior montante a nível setorial, estimando-se que ultrapasse os €100 mil milhões. Porém, segundo estimativas da International Air Transport Association (IATA), esta ajuda de liquidez não chega para cobrir nem metade das perdas estimadas para este ano, a nível mundial.

As ajudas de Estado vieram, contudo, levantar novos problemas, ao alterar significativamente as condições concorrenciais entre empresas, sobretudo no mercado europeu. De facto, enquanto as regras de distribuição desta ajuda foram transparentes nos EUA, na UE levantam muitas dúvidas sobre a distorção possível nos mercados. Outra consequência importante da crise é o que se irá passar com as companhias aéreas de bandeira de média dimensão (como a Alitalia e LOT, entre outras), que já antes da crise pandémica tinham problemas sérios de sustentabilidade. Neste grupo inclui-se a TAP que, embora tenha um potencial bastante melhor do que muitas destas empresas, também estava num processo inicial de reestruturação — o que exigirá um esforço negocial importante junto da Comissão Europeia para obter autorização para as ajudas de Estado.

Uma crise sem precedentes e as disparidades nas ajudas públicas

A IATA estima que, em 2020 e a nível global, o setor tenha perdas superiores a €252 mil milhões. O tráfego medido pela autoridade de segurança dos EUA expõe que, a 1 de abril de 2020, havia apenas 136 mil passageiros diários nos aeroportos, contra 2,2 milhões na mesma data em 2019 — uma queda de 94%.

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Segundo a Eurocontrol, na Europa registava-se o mesmo colapso do tráfego. Na semana de 25 de maio, o número de voos tinha caído 85% (em comparação homóloga), com as companhias de carga e as regionais nórdicas a amortecer a queda. Desde 1 de março de 2020, houve um défice de 1,8 milhões de voos, em relação ao ano anterior. Portugal e Espanha estão entre os países com maiores quebras (92% e 94% respetivamente), sendo a Noruega o país com a menor redução (63%).

Vários comentadores afirmam que, em maio, a maioria das companhias aéreas estariam falidas, caso os Estados não viessem em seu socorro. As companhias aéreas já passaram por crises graves, como depois do 11 de Setembro ou da erupção do vulcão islandês em 2010, mas foram pequenos episódios quando comparados com a crise atual. Segundo o Business Insider, a Lufthansa estará a perder 1 milhão de euros à hora, por causa da pandemia, que implicou lockdowns por todo o mundo e proibições de voos internacionais.

Perante esta hecatombe, os Governos dos diferentes países têm avançado com pacotes de ajuda, em geral através de garantias de crédito. Segundo a nossa estimativa, baseada no reporte destas ajudas pelos diferentes países, o total de ajudas estatais já soma 38 mil milhões de euros na Europa, aos quais se juntam para cima de 40 mil milhões no resto do mundo (que mesmo assim ainda só cobrem cerca de 30% das perdas estimadas pela IATA).

O gráfico 1 mostra as ajudas às companhias aéreas em valor total e o gráfico 2 mostra o valor dessa ajuda estatal em euros por passageiro. Os três grupos americanos receberam, em garantias do Estado, uma ajuda financeira de cerca de 5 mil milhões de euros (cada um), o que corresponde a aproximadamente 15 euros por passageiro. Por conseguinte, a distribuição das ajudas de Estado nos EUA foi feita de forma transparente e não distorce a concorrência. Quanto aos grupos europeus, verifica-se uma grande disparidade. Os grupos Lufthansa e Air France/ KLM recebem cerca do dobro das americanas, em relação aos passageiros transportados. O grupo British Airways/ Iberia (IAG) surge com um montante bastante inferior, o que poderá corresponder apenas a um valor ainda parcial da ajuda pública.

A nível europeu notam-se ainda maiores disparidades nas ajudas estatais. Exceto o caso da Alitalia, que se encontra em falência (e em princípio será nacionalizada pelo Estado italiano), as maiores ajudas (em termos de valor total e por passageiro) são para os grandes grupos Lufthansa e Air France/ KLM. O grupo IAG recebeu apenas cerca de 16% do valor por passageiro dos outros dois gigantes da aviação. Os dois outros maiores “carriers” europeus, a Ryanair, a primeira europeia em termos de passageiros transportados, e a easyJet, a quinta, tiveram até agora ajudas de, respetivamente, 4 e 7 euros por passageiro — sendo que a Ryanair recorreu ao layoff para metade do pessoal. Caso a TAP venha a negociar uma ajuda de cerca de mil milhões de euros, aproximar-se-ia, em termos de euros por passageiro, do grupo Lufthansa.

A primeira conclusão importante é que, ao contrário dos EUA, onde houve um pacote global para o setor e o critério de distribuição das ajudas estatais é transparente, baseando-se no número de passageiros transportados, na UE, o montante das ajudas depende das negociações entre as companhias e os governos onde têm sede (e depois da aprovação da Comissão Europeia), donde resultam valores muito díspares, distorcendo as condições de concorrência. Estes valores de ajuda estatal levantam um importante problema de level playing field em termos de concorrência entre as empresas, que iremos analisar.

A concorrência e o Esquema Temporário das ajudas de Estado

Como é que se processa a concorrência no setor dos transportes aéreos de passageiros? Primeiro, os mercados são definidos em termos de rotas com origem e destino, com slots associados, e com uma dada escala horária. Sem a empresa ter acesso a esses slots, não pode operar nesse mercado — pelo que os slots em hubs de grande tráfego são muito valiosos. Segundo, para a empresa ser viável tem de combinar um vasto conjunto de rotas, em termos de hub-and-spoke, que lhe permite usufruir de economias de rede. Terceiro, para ser eficiente, não só tem de dispor dos fatores citados que lhe permitem obter uma determinada procura, como gerir a sua oferta em termos de pessoal, leasing ou aquisição de aeronaves eficientes em termos de capacidade e combustível.

Como funciona a regulação? Existem dois importantes tipos de regulação: (i) a da segurança das aeronaves e rotas, e (ii) a da promoção da concorrência, para que não haja monopolização dos slots. Também pode haver necessidade de subsidiar determinadas rotas por razões sociais, como entre nós é o caso das rotas de ligação às ilhas. De resto, nas últimas duas décadas, tem-se verificado na UE uma intensa concorrência, sobretudo devido à entrada das companhias low-cost, que passaram a explorar sobretudo as rotas secundárias e de destinos de férias — às quais se tem devido uma forte expansão do turismo, em benefício de muitas cidades, tais como Lisboa e Porto, ou estâncias de férias como o Algarve.

A análise das ajudas de Estado não é fácil e exige uma avaliação económica e jurídica complexa. Repare-se: o economista tem de provar que a ajuda é dirigida à solução da falha de mercado em causa, que é o melhor instrumento para resolver o problema e que é proporcional em termos de montante e duração mínimos.

Explicada a concorrência e a regulação, mergulhemos na situação atual. Para além de permitir mitigar os efeitos da pandemia, a Ryanair tem protestado contra o que chama de doping das ajudas de Estado às companhias de bandeira (state aid doping for flag carriers), distorcendo as condições de concorrência. A questão que levanta tem pertinência. Com as ajudas dos Estados e, nalguns casos, nacionalizações, as companhias de bandeira terão capacidade para oferecer preços abaixo do custo, através de descontos significativos. Ou seja, com ajudas de Estado de mais de €30 mil milhões para as companhias aéreas “nacionais” dos Estados-membros da UE, para além dos apoios de layoff, as companhias como a Lufthansa, Alitalia e Air France/ KLM, o level playing field na UE será distorcido. Por isso, a Ryanair afirma que irá questionar estes bailouts junto do Tribunal de Justiça Europeu, a fim de proteger a concorrência nos mercados do transporte aéreo. Durante o primeiro trimestre, a Ryanair estima perder €100 milhões, previsão que se acentua no segundo trimestre.

Enquadre-se a questão. Estas ajudas de Estado têm sido autorizadas pela Comissão Europeia ao abrigo das condições excecionais introduzidas pelo Esquema Temporário de Ajudas de Estado, introduzido a 19 de março de 2020, como uma das políticas para mitigar os efeitos da pandemia. Mas porque é que a Comissão Europeia deve controlar as ajudas de Estado? É que estas podem distorcer a concorrência ou o comércio entre Estados, dentro do Mercado Único da UE (ver referências aqui e aqui).

Para haver uma ajuda de Estado, tem de haver transferência de recursos do Estado ou da economia para uma empresa, devido a uma intervenção do governo, seletiva, que atribui uma vantagem económica e que tem efeitos sobre a concorrência e/ ou no comércio intracomunitário. Suponha o leitor que existem apenas duas companhias aéreas, A e B, que cobrem a totalidade do espaço comunitário, e que o Estado onde está a sede da empresa A decide atribuir-lhe um subsídio que lhe permite reduzir os preços dos bilhetes das passagens de avião em 30%, em relação ao preço praticado pela empresa B. É evidente que os passageiros passarão a preferir a empresa A, em detrimento da B. No curto prazo, a oferta pela empresa A será limitada pela capacidade disponível, mas esta pode fazer leasing de aeronaves no mercado nacional e, rapidamente, expandir a sua quota de mercado, de forma que a empresa B seja eliminada do mercado. E, nesse momento, passaremos a ter um monopólio. A empresa A poderá então subir os preços para além do que se verificava antes do subsídio, em detrimento dos consumidores.

Este exemplo demonstra o porquê de as ajudas de Estado só poderem ser dadas com condições e restrições bem definidas. Em circunstâncias excecionais, respondendo a uma falha de mercado, como, por exemplo, para recuperar empresas em dificuldades, cuja eliminação do mercado pode ter consequências graves para a economia, e só se passado o período de ajuda a empresa estiver em condições de operar segundo as regras de mercado. Além disso, a ajuda deve ser a mínima necessária para a recuperação. Por isso, a análise das ajudas de Estado não é fácil e exige uma avaliação económica e jurídica complexa. Repare-se: o economista tem de provar que a ajuda é dirigida à solução da falha de mercado em causa, que é o melhor instrumento para resolver o problema e que é proporcional em termos de montante e duração mínimos. Como é compreensível, só as instâncias comunitárias podem decidir ou julgar os casos de ajudas de Estado — caso contrário, os Estados nacionais estariam a decidir em causa própria.

Ora, o Esquema Temporário recentemente introduzido (e em vigor até dezembro de 2020) abriu um conjunto de exceções às regras de apoios de Estado, nomeadamente a atribuição de empréstimos a empresas subsidiadas. Além disso, e a fim de prover de liquidez as empresas afetadas pela pandemia, a Comissão considera como compatíveis com as regras das ajudas de Estado, na base do artigo 107(3)(b) do TCUE, as garantias públicas a empréstimos a empresas afetadas, em que os prémios cobrados variam, para grandes empresas, entre 50 e 200 pontos base, de acordo com o prazo da garantia.

Os casos da ajuda à Air France e à Lufthansa e as enormes diferenças na rentabilidade das companhias aéreas

A Comissão Europeia aprovou, a 4 de maio, um pacote de ajudas do Estado francês à Air France, de €7 mil milhões. O pacote compreende uma garantia pública a um empréstimo de €4 mil milhões, a contrair junto de bancos, e um empréstimo subordinado do Estado acionista de €3 mil milhões. A Comissão justifica a decisão com base no art. 107(3)(b) do TCUE, que permite ajuda “para remediar uma perturbação séria na economia de um Estado-membro” — isto devido à pandemia, e satisfazendo as condições do Esquema Temporário, em termos de prémio da garantia prestada antes de 31 de dezembro de 2020 e com duração máxima de 6 anos. Uma condição importante é a de que a companhia não estava em dificuldades antes de 31 de dezembro de 2019.

Para que uma empresa de transportes aéreos seja rentável, no longo prazo, é necessário que tenha um elevado load factor, que mede a taxa de ocupação média dos aviões, e que os custos de pessoal e de combustível por passageiro transportado sejam baixos. Além disso, deve ter um lucro operacional anual que lhe permita fazer a renovação periódica da frota para acompanhar os avanços tecnológicos e reduzir os custos energéticos e de manutenção.

Na análise da ajuda de Estado, e de uma forma muito ligeira, a Comissão conclui que, caso não fosse atribuída esta ajuda, a Air France iria provavelmente à falência. E que essa falência causaria uma perturbação grave à economia francesa, sendo a ajuda proporcional para eliminar esse risco. Em contrapartida, a Air France submeteu-se, em termos de condicionalidade, a reduzir as emissões de carbono, no médio prazo. A Lufthansa está também a negociar um pacote de financiamento de cerca de €9 mil milhões em que a Comissão Europeia exige, como contrapartida da ajuda de Estado, a venda a terceiros, de um conjunto de slots nos aeroportos de Frankfurt e Munique, para aumentar a concorrência nestes aeroportos.

Podemos distinguir três tipos de companhias aéreas europeias. Primeiro, há os grandes grupos europeus, que são três (Lufthansa, Air France/ KLM, e British Airways/ Iberia) e que operam em quase todo o espaço europeu, com fortes redes intercontinentais. Estas empresas têm custos operacionais elevados, não só por causa das linhas de longo curso, mas também devido aos legacy costs decorrentes do período em que não houve contestação de mercado. Segundo, há as companhias low-cost, com custos operacionais muito mais baixos e que exploram sobretudo os mercados de cidades secundárias e destinos de férias. O gráfico 3 mostra a diferença substancial destes custos não só entre as low-cost, mas sobretudo com a Lufthansa. Terceiro, há as companhias médias de bandeira, como a TAP, Alitalia, LOT, Air Lingus, Finnair e muitas outras, que têm também importantes legacy costs, sobretudo ligadas ao país da bandeira, e que nalguns casos exploram rotas ligadas à diáspora ou a relações coloniais. Estão “entaladas” entre os dois tipos anteriores, e têm tido muitas dificuldades de sobrevivência. Já há um conjunto de falências, como os casos da Sabena e Swissair, e muitas delas estão com sérias dificuldades de sobrevivência.

O quadro 1 mostra as principais variáveis dos balanços e resultados das cinco maiores companhias aéreas europeias, por passageiros totais transportados, das duas maiores americanas e da TAP, baseadas nos relatórios das empresas para 2019. Em termos de receitas, os grandes grupos têm uma dimensão quase quatro vezes superior às grandes low-cost, mas em termos de rentabilidade as low-cost têm melhores resultados (embora o grupo IAG tenha um bom resultado). As companhias europeias têm melhores margens de EBIT do que as americanas, à exceção da Air France/ KLM. As low-cost estão bem capitalizadas, assim como a Lufthansa. As americanas têm baixos níveis, tendo a Delta Airlines estado em situação de falência entre 2005 e 2007 e a American Airlines em 2011. A situação patrimonial desta última também era preocupante já antes da crise. Medidas por receitas, ativos ou emprego, as companhias americanas são bastante maiores que os grupos europeus: só a Lufthansa entra nesta liga.

Para que uma empresa de transportes aéreos seja rentável, no longo prazo, é necessário que tenha um elevado load factor, que mede a taxa de ocupação média dos aviões, e que os custos de pessoal e de combustível por passageiro transportado sejam baixos. Além disso, deve ter um lucro operacional anual que lhe permita fazer a renovação periódica da frota para acompanhar os avanços tecnológicos e reduzir os custos energéticos e de manutenção.

O quadro 2 mostra alguns destes indicadores importantes. Os load factors das low-cost são claramente superiores aos das grandes companhias. Os load factors das grandes empresas americanas são superiores às europeias, exceto no caso da Air France/ KLM, mas neste caso também contam as low-cost do grupo. Os custos com pessoal, combustível e de handling, catering e fees de aeroportos são claramente inferiores para as low-cost. Os custos com pessoal das grandes europeias são também superiores às americanas, exceto a IAG, onde pesa o menor custo da Iberia.

Também é de notar que as companhias americanas apresentam maior rentabilidade na bolsa do que as europeias. Mas a crise pandémica provocou uma forte queda nas ações das companhias aéreas: cerca de 60% nas grandes companhias americanas, entre 44% (Lufthansa) e 63% (IAG) nas europeias, sendo o menor o da low-cost Ryanair (23%).

TAP: um longo caminho de recuperação

Os quadros 1 e 2 acima mostram alguns indicadores atuais para a TAP. Primeiro, a TAP é uma empresa de média dimensão a nível europeu. Segundo, a TAP tem um load factor baixo e continua a ter uma rentabilidade operacional baixa. Terceiro, a TAP tem custos de pessoal e de combustível por passageiro elevados. A companhia teve uma reestruturação financeira em 1999, tendo as ajudas de Estado sido aprovadas pela Comissão Europeia. Um dos fatores tomados em consideração foram os serviços prestados às ilhas, tendo sido introduzido um subsídio para a companhia assegurar a sua exploração. A 24 junho de 2015, celebra-se o acordo para a venda de 61% da TAP, entre o Governo e a Gateway, composta pelo grupo Azul e Barraqueiro, que é concluído a 30 de junho de 2017, ficando o Estado (Parpública) com 50%, Gateway com 45% e trabalhadores com 5%. O Plano Estratégico incluía a capitalização com entrada de €220 milhões pela Gateway, a subscrição de €120 milhões de obrigações pela Azul e €30 milhões pela Parpública. Incluía ainda a reestruturação da dívida alargando o prazo de vencimento, a renovação da frota e a redefinição da rede de rotas com vista a aumentar a rentabilidade.

O longo caminho para a recuperação da TAP encontra-se plasmado no gráfico 4, que mostra a evolução da capacidade disponível em termos de passageiros/ km (RKO) e a sua utilização, sendo o rácio representado pelo load factor. O load factor de 69 registado em 2001 é revelador de uma situação bastante fraca em termos de rentabilidade da companhia, e é só depois de 2010 que este aumenta de forma sustentada e para valores mais consentâneos com o setor a nível mundial. De qualquer forma, como o quadro 2 mostrou, o load factor atual ainda é fraco e está abaixo da média do setor (82,6 em 2019).

O gráfico 5 mostra a evolução do balanço e da conta de ganhos e perdas da empresa. Os saldos operacionais foram insuficientes para reduzir a situação líquida negativa da empresa que, em 2018, antes da restruturação pós-privatização, atingia o valor de €618 milhões negativos.
Nos últimos três anos, tem havido uma clara melhoria da rentabilidade da empresa, não só devido ao aumento do load factor, como a uma redução dos custos. O número de trabalhadores reduziu-se de 11 para 9 mil, e os custos em salários por passageiro de €50 para €39,7, embora os custos do combustível por passageiro não tenham caído significativamente. A renovação da frota, fundamental para assegurar esta redução, ainda está no seu início.

O caso da TAP e das pequenas companhias de bandeira dos Estados-membros continuam a colocar um problema sério aos governos dos países da União Europeia. Estão “entaladas” entre as grandes companhias, que têm a vantagem de ter uma vasta rede de hub-and-spoke já firmada nos mercados, e as low-cost, que não têm legacy costs e já dominam os mercados secundários. A sua sobrevivência continua em causa.

Em termos de rede, e desde finais dos anos 1990, a TAP conseguiu expandir-se fortemente para o Brasil, depois da falência da Varig. Continua a afirmar-se como um hub para a Europa, mantendo as rotas com as antigas colónias de África. A nova estratégia acentua também a expansão para a América do Norte. Todo este esforço de consolidação e renovação foi suspenso, e está agora seriamente afetado pela pandemia, o que exige um trabalho sério de recuperação com ajudas de Estado.

Conclusão: o futuro das viagens e do turismo internacional

Uma grande parte dos especialistas do setor prevê não só uma forte quebra da procura de viagens por turismo ou negócios a nível internacional, como uma recuperação que pode levar até 2025, quando se comparam com os níveis pré-crise.

O setor de transporte aéreo de passageiros deverá registar algumas alterações significativas, mesmo depois das políticas de mitigação. Várias das grandes companhias aéreas já anunciaram cortes permanentes de pessoal e cancelamento de encomendas de novos aviões. Várias pequenas empresas dificilmente sobreviverão à pandemia e a esta queda de procura, que se pode prolongar por cerca de quatro anos. Resta saber como é que as empresas de média dimensão europeia de bandeira irão sobreviver e readaptar-se à crise.

O caso da TAP e das pequenas companhias de bandeira dos Estados-membros continuam a colocar um problema sério aos governos dos países da União Europeia. Estão “entaladas” entre as grandes companhias, que têm a vantagem de ter uma vasta rede de hub-and-spoke já firmada nos mercados, e as low-cost, que não têm legacy costs e já dominam os mercados secundários. A sua sobrevivência continua em causa, e é duvidoso que as grandes companhias europeias estejam interessadas na sua aquisição, pois já atuam na maioria das suas rotas.

Terá a Ryanair razão ao ameaçar colocar nos Tribunais Europeus a Comissão por distorcer o level playing field e poder vir a prejudicar as low-cost? Poderia argumentar-se que os mercados das grandes companhias e das low-cost estão em segmentos diferentes, e que apenas para certos tipos de procura, como turismo, é que elas concorrem. O problema é que já há grandes companhias com subsidiárias de low-cost, como o grupo Air France/ KLM e a Transvia, que já tem uma contribuição importante para os resultados do grupo.

O caso do setor de transporte aéreo de passageiros é revelador de que as atuais políticas de ajudas de Estado na UE estão a pôr em causa o Mercado Único, devido às enormes distorções que estão a introduzir na concorrência entre empresas, e às quais a Comissão Europeia não está até agora a saber responder. A Alemanha é atualmente acusada de estar a “abusar” deste instrumento. Mas, por exemplo, a França também acabou de atribuir uma elevada ajuda de Estado à Renault. Esta é uma questão que exige uma atuação rápida e ponderada da Comissão Europeia, e de uma apreciação do Conselho Europeu.

Abel Mateus é professor universitário de Economia. Doutorado pela Universidade de Pennsylvania, EUA. Foi economista sénior do Banco Mundial e administrador do Banco de Portugal. Presidiu à Autoridade da Concorrência.

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