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A Torre da Lagariça está à venda. Será que inspirou mesmo Eça de Queiroz?

Para “A Ilustre Casa de Ramires”, Eça ter-se-á inspirado numa antiga propriedade de Resende, agora colocada à venda. Mas há quem acredite que não é bem assim e que a "ilustre casa" é afinal outra.

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Na vila de Resende, perto de Lamego, existe uma torre medieval. Construída provavelmente na primeira metade do século XII, a Torre da Lagariça, como é conhecida, terá tido como função original a defesa da linha do Douro durante o período da Reconquista. Com o estabelecimento das fronteiras portuguesas mais a norte, acabou por perder o interesse militar (até aí teria funcionado como torre de atalaia), vindo a ser adquirida pelos Pintos, senhores da Torre Chã e do Paço de Covelas, no século XVI. A história dos Pintos, que descendem de Paio Soares Pinto, está intimamente ligada com a fundação de Portugal. A filha do fundador da linhagem, Dona Maior Pais Pinto, foi casada com Egas de Mendes de Gundar, que combateu na Batalha de Ourique às ordens de Afonso Henriques. Dos Pintos da Torre Chã, a Torre da Lagariça passou, em 1610, para outra família, a Cochofel, através do casamento de D. Briolanja Pinto com Gonçalo Martins Cochofel. Joaquim Correia Duarte, no primeiro volume de Resende e a sua História, explicou que a origem dos Cochofel também está na época medieval — Gonçalo era trineto de Martin Gil Cochofel, alcaide-mor de Penagracia que terá vivido na década de 1280. Martin Gil é o primeiro Cochofel que se conhece.

Foi na posse dos Cochofel, aos quais a torre ainda pertence, que começou a ser adaptada à habitação, em inícios do século XVII, sem que, contudo, se alterasse a sua forma e estrutura originais. A casa de linhas austeras que existe hoje é mais ou menos a mesma que, diz a história, Eça de Queiroz terá encontrado quando visitou Resende em finais do século XIX. E terá ficado tão impressionado com o que viu que decidiu usá-la como modelo para A Ilustre Casa de Ramires. Pelo menos é isso que tem vindo a ser defendido ao longo dos tempos por investigadores e historiadores, nomeadamente por Edmée Fonseca, autora do estudo “L’Ilustre Maison de Ramires et son cadre”, publicado nos anos 70.

Depois de quatro séculos nas mãos dos Cochofel, a “ilustre casa” foi posta à venda. A família, que nunca tencionou desfazer-se da propriedade, teve de a colocar no mercado imobiliário porque não tem verbas suficientes para a mandar arranjar. Imóvel de interesse público desde 1977, a Casa da Torre da Lagariça só pode ser intervencionada depois de o projeto ser aprovado pela Direção Regional de Cultura do Norte (a quem cabe emitir um parecer indicativo porque Resende está na sua área de influência) e pela Direção-Geral do Património Cultural (a quem cabe emitir um parecer vinculativo e tomar a decisão final), e têm sempre de ser mantidas as suas características originais. Isso “faz com que os proprietários tenham dificuldade em fazer as manutenções por causa do custo”, explicou António Trindade, o agente imobiliário responsável por publicitar que “a ilustre casa de Ramires” está à venda por 990 mil euros. Se fosse uma “manutenção normal”, tudo seria diferente.

A lenda do rei mouro de Ramires

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Há uma outra história, relacionada com um rei mouro que tinha o seu paço na antiga freguesia vizinha de Ramires, que está associada à Casa da Torre da Lagariça. De acordo com Joaquim Correia Duarte, que relata a história no primeiro volume de Resende e a sua História, o capitão-mor da torre tinha por diversas vezes tentado afastar, “sem êxito”, “o rei muçulmano da sua posição tão próxima e tão desagradável”. Até que um dia se juntou “às suas tropas um valoroso punhado de guerreiros comandados por um cavaleiro espanhol”.

Então, “descendo pelas encostas dos Alagos”, as forças do capitão-mor “atravessaram o Cabrum no lugar do Nelho, suberam pelo Lameirão e Vale Escuro, e puseram definitivamente em fuga o indesejável rei, que abandonou as suas tropas” e seguiu rumo ao Porto. Segundo o historiador, há quem coloque a hipótese de o cavaleiro espanhol ter sido “o próprio rei Ramiro II de Leão”.

Miguel Cochofel, um dos herdeiros, admitiu isso mesmo: “Infelizmente os tempos não são favoráveis. Estivemos em negação alguns anos, mas chegámos à conclusão de que está na hora de nos separarmos disto”, disse à Antena 1, descrevendo a decisão de vender a quinta onde passou todas as férias desde que tinha sete anos como “dolorosa”. O Observador tentou contactar o filho da atual proprietária, mas Miguel Cochofel não se mostrou disponível para falar por considerar que não tem mais nada a acrescentar ao que tem vindo a dizer.

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Segundo António Trindade, a família ainda tentou rentabilizar o terreno, mas nenhuma das iniciativas levadas a cabo pelos herdeiros deu frutos. A quinta, situada na freguesia de São Cipriano, está desabitada há dez anos, desde que a matriarca da família, Ana da Glória Marques, teve de a abandonar por causa da idade já avançada (tem atualmente 82 anos). Sem ter quem olhasse por ela, a casa da Torre da Lagariça começou a deteriorar-se e hoje encontra-se em avançado estado de degradação, como mostram as fotografias disponíveis no site da Remax. O problemas estruturais eram já lamentados em 1994 por Joaquim Correia Duarte, que escreveu no primeiro volume da sua extensa história de Resende que a “jóia do património de Resende” estava em “adiantada degradação”. “Mas a esposa e os filhos de Gonçalo Cochofel [já falecido], atuais proprietários, vão, dentro de breve tempo, proceder a obras de restauro, cuidadosamente preparadas”, adiantava então o pároco.

O autarca Manuel Garcez Trindade lamenta que a Câmara Municipal de Resende não possa ajudar, mas “o município não dispõe neste momento de condições para assumir responsabilidades na requalificação da casa”. “Isto ultrapassa as possibilidades do município, por muito boa vontade que nós tenhamos em querer ajudar a resolver a situação. Temos outras prioridades muito mais prementes, do ponto de vista da proteção dos munícipes, das infraestruturas básicas, de apoio social, que remete estas questões para um investimento da parte privada”, explicou o presidente da Câmara de Resende. Garcez Trindade, que admitiu ter falado sobre este assunto com a família há cerca de quatro anos, disponibilizando-se para avançar com uma proposta “que estivesse ao alcance da família”, mas nunca chegou a receber uma resposta, lembrou que “o imóvel” é precisamente imóvel e que não vai sair dali. “Se vier um privado que compre e remodele, ótimo para todos — para Resende e para o privado.”

A Torre da Lagariça data do século XII, mas a casa é mais recente. Foi construída depois de passar para as mãos dos Cochofel, em 1610

O comprador certo ainda não apareceu, mas António Trindade acredita que é apenas uma questão de tempo. “Isto é uma peça única e um monumento que tem [ligação] a Eça de Queiroz. Aquilo que estamos a [tentar] fazer é com que o maior número de pessoas saiba [que a propriedade está à venda] porque estamos convencidos que vamos encontrar, num prazo muito curto de tempo, a pessoa capaz de dar uma nova vida” à casa da Torre da Lagariça. Porque é essencialmente isso que os herdeiros pretendem — que o edifício recupere o antigo esplendor que parece ter conquistado o autor de Os Maias.

A informação disponibilizada no site da imobiliária explica que o escritor visitou a casa e que foi nela que se inspirou para escrever o seu último romance publicado em vida. Miguel Cochofel confessou à Antena 1 que a família sente muito orgulho no papel que a Torre da Lagariça e a propriedade onde está inserida tiveram na obra do escritor português: “Sentimos que temos uma parte deste legado que o Eça nos deixou”, disse. Quando esteve em Resende, Eça terá passeado pelos terrenos que a circundam, onde há campos de cultivo e árvores de fruto, que também estão incluídos no lote. Diz-se que foi na Eira Velha, o ponto mais alto da quinta, que o autor de O Crime do Padre Amaro se terá sentado e escrito parte de A Ilustre Casa de Ramires enquanto apreciava a paisagem, “os nichos da Via Sacra, o Tanque das Murtas, os jardins de inspiração romântica, a mata com bancos de pedra, e uma réplica da torre que serviu de pombal”. Mas e se não foi bem assim?

Apesar da convicção de muitos investigadores que estudaram a região, e também de quem quer agora vender a quinta, há quem acredite que Resende não desempenhou, na obra do autor, o papel que insistem em lhe atribuir. E mais: que a Torre da Lagariça não é a Torre de Ramires e que a inspiração de Eça foi outra. É essa a opinião de António Apolinário Lourenço que, no ano passado, publicou um artigo na Revista de Estudios Portugueses y de la Lusofonía da Universidade da Extremadura onde afirmou que “as dissemelhanças entre a ficção e o possível modelo são evidentes” e que, “na realidade, o mapa do espaço em que decorre a ação de A Ilustre Casa de Ramires não pode ser justaposto ao mapa de Portugal”. Por outras palavras, Lourenço acredita que os locais referidos por Eça não existem — são inventados — e que não podem ser identificados com localidades reais. Podem nunca ter existido noutro sítio além da cabeça do célebre escritor.

A torre que ficava a norte mas que aparece sempre a sul

António Apolinário Lourenço, professor de literatura na Universidade de Coimbra e coordenador da área de Estudos Espanhóis da mesma instituição, escreveu “Lugares fictícios e protocolos realistas: Los Pazos de Ulloa, La Madre Naturaleza e A Ilustre Casa de Ramires” em 2017, quando submeteu o artigo à consideração dos responsáveis pela Revista de Estudios Portugueses y de la Lusofonía, editada pela Universidade da Extremadura, em Espanha. O estudo foi publicado em 2018, mas não foi nesse ano que o professor de Coimbra se questionou sobre se a Torre da Lagariça seria de facto a torre de Eça de Queiroz. A dúvida surgiu quando Lourenço leu pela primeira vez A Ilustre Casa de Ramires e decidiu procurar imagens do edifício localizado em Resende, no distrito de Viseu. Para o investigador, tornou-se desde logo óbvio que a Torre da Lagariça não podia ser a Torre dos Ramires. “Não é uma habitação tosca, de paredes grossas, como Eça a descreve”, disse ao Observador.

As ideias que expôs em “Lugares fictícios e protocolos realistas”, onde também abordou duas obras da espanhola Emilia Pardo Bazán, foram originalmente apresentadas em 2015, num congresso que se realizou em Cárcere. Depois é que surgiu o artigo, que António Apolinário Lourenço, motivado pelas notícias da venda da Casa da Torre da Lagariça, fez questão de reler ainda recentemente. Em entrevista ao Observador, o investigador garantiu que o que escreveu para a Revista de Estudios Portugueses y de la Lusofonía continua tão válido agora como em 2017. Para o professor de literatura “é evidente que a Torre da Lagariça não é a Torre de Ramires”. Nem há como ser.

“Os lugares concretos que são ali descritos são fictícios. Não vale a pena, digo eu, [procurar] no mapa de Portugal localidades que possam ser uma transposição para a ficção.”
António Apolinário Lourenço, professor na Universidade de Coimbra

As razões são várias, a começar pelo “enquadramento”. “A Torre de Ramires fica numa aldeia histórica”, a Torre da Lagariça não. Na obra de Eça de Queiroz, o solar dos Ramires fica perto de uma aldeia chamada Santa Ireneia. Matos, a localidade mais próxima da Torre da Lagariça, não tem qualquer relevância histórica, social ou demográfica, e nem chega a ser considerada uma aldeia. Lourenço, que esteve no local, pôde constatar isso mesmo: “É uma terra sem história, com meia dúzia de casas. É apenas um pequeno lugar. No romance, os Ramires medievais têm na aldeia gente para compor os seus exércitos. Essa é uma dimensão que não existe de modo nenhum, nem poderia ter existido”, afirmou o professor. As casas de Matos não são medievais, são “relativamente recentes”. “É um tipo de povoação que não é histórica — é recente –, e fica afastada da torre, da quinta.”

Na opinião do investigador, a descrição que é feita por Eça também não corresponde à torre que existe em Resende. No livro — que conta a história de Gonçalo Mendes Ramires, um bacharel de Direito que descende de uma casa muito antiga, anterior à fundação de Portugal, que decide escrever uma novela histórica em que relata os feitos heroicos dos seus antepassados medievais –, é descrita como tendo o aspeto de uma fortaleza medieval, com ameias e tudo, “robusta sobrevivência do paço acastelado” do “solar dos Mendes Ramires desde os meados do século X”. Mas esse não era o aspeto que a Torre da Lagariça tinha no século XIX, quando se diz que Eça a terá visitado, garantiu António Apolinário Lourenço. O professor da Universidade de Coimbra não exclui a possibilidade de a fortaleza ter tido, em tempos passados, ameias, uma das diferenças mais evidentes entre a suposta inspiração de Eça de Queiroz e o que está descrito no romance. Mas a torre foi “tão transformada” desde a Idade Média que “já não estava assim no tempo” do escritor, afirmou Lourenço.

Por outro lado, “o solar da Lagariça está visivelmente separado — ainda que não distante — da aldeia mais próxima”. Em A Ilustre Casa de Ramires, “não parece existir descontinuidade entre a torre dos Ramires e o casario de Santa Ireneia”, escreveu o professor no seu ensaio. A casa que ainda pertence aos Cochofel fica isolada, numa elevação de onde é possível ver, mais abaixo, as poucas casas que constituem o lugar de Matos. Não há mais nada em redor a não ser a bonita paisagem de Resende.

A Casa da Torre da Lagariça fica na freguesia de São Cipriano, em Resende. A povoação mais próxima é Matos

E depois há a questão geográfica. A localização do município de Resende, delimitado a norte pelo rio Douro e a sul por Castro Daire, não corresponde à da Vila Clara do romance. Todas as referências indicam que a Casa da Torre de Ramires ficava a norte do Douro e não a sul, como a da Lagariça. “E bem a norte”, frisou António Apolinário Lourenço, para quem a questão é clara como a água. No entanto, os espaços de A Ilustre Casa de Ramires têm sido desde sempre identificados como existindo a sul do rio que vai desaguar junto ao Porto.

Foi isto que Edmée Fonseca defendeu em “L’Illustre Maison de Ramires et son cadre”, um artigo publicado em 1978 no Bulletin des Études Brésiliennes et Portugaises. Provavelmente o mais completo estudo alguma vez divulgado sobre o tema, “L’Illustre Maison de Ramires et son cadre” tem servido desde então para sustentar a ideia de que a “ilustre casa” foi inspirada na Casa da Torre da Lagariça. É ele que Joaquim Correia Duarte — que teve acesso ao mesmo através da “senhora da casa”, Ana da Glória Marques, que lho cedeu — cita na sua extensa história de Resende, quando afirma que a “casa passa por ser a Ilustre Casa de Ramires do romance” de Eça: “Edmée Fonseca, na senda de outros investigadores muito anteriores, escreveu sobre esta questão um interessante trabalho que gentilmente me foi cedido pela atual senhora da casa, através do qual procurou mostrar geograficamente a coincidência dos lugares da região envolvente da Torre da Lagariça, com os locais nomeados e descritos pelo grande escritor, no citado romance”. É também este estudo que preenche a entrada “A Ilustre Casa de Ramires e o seu cenário” do Dicionário de Eça de Queiroz, organizado por A. Campos Matos, que teve a primeira edição em 1988.

Na versão adaptada de “L’Illustre Maison de Ramires et son cadre” publicada no Dicionário, Edmée Fonseca sustenta os locais referidos pelo autor de Os Maias no romance que começou por divulgar na Revista Moderna ficam todos na região de Resende, ainda que surjam na obra com outros nomes. “Os nomes do mapa acabam o puzzle e dispõem o cenário do romance, tão nítido como o d’A Cidade e as Serras. As transposições não são mais do que artifício do romancista a partir de lugares reais, mal disfarçados”, escreveu a investigadora. Assim, para Fonseca, Santa Ireneia é São Cipriano e Vila Clara é Resende. Já a descrição de Oliveira, “o terceiro cenário evocado no início do romance”, parece coincidir com a de Lamego. “Oliveira, cidade de certa importância, possui uma sé, um bispo, a residência do bispo, com a respetiva biblioteca, um asilo, um quartel, um liceu, e um… governador civil. A única ‘cidade’ conforme à descrição é Lamego”, argumentou a autora.

A “Torre da Lagariça, ou Casa da Torre”, também terá “inspirado o artista”: “Se as ameias nascem da imaginação do artistas, se as frestas são mais discretas, na realidade, todos os outros pormenores: ‘antiquíssima, quadrada e negra’, a hera que a cobria parcialmente, e a ‘miradoura’ que domina a ribanceira abrupta do [rio] Cabrum, são bem reais. Os limoeiros do quintal existiram e o atual proprietário, D. Álvaro Pinto Cochofel, o ‘Fidalgo da Casa da Torre’ como o chamam os habitantes da região, conservou sentimentalmente um deles.”

Com nada disto concorda António Apolinário Lourenço, que explicou ao Observador que, apesar de o narrador de A Ilustre Casa de Ramires nunca ser muito claro quanto à localização da narrativa, “fala muitas vezes de Lourenço Ramires” — antepassado de Gonçalo que, na novela histórica que escreve, morre violentamente às mãos dos inimigos da família — “como sendo a flor dos cavaleiros de Riba-Cávado”. O rio Cávado tem a sua nascente na Serra do Larouco, que fica em Montalegre, e desagua em Esposende. “O seu percurso é feito pelo Minho”, referiu Lourenço, esclarecendo que, de acordo com a sua interpretação, a ação do  romance se passa “muito mais a norte” do que é geralmente apresentada, em território minhoto. E a “maior prova” de que Eça de Queiroz “localizava no seu mapa mental os espaços do seu romance a norte do Douro” é talvez “a carta que o romancista escreveu ao aguarelista Enrique Casanova”.

O escritor queria que Casanova ilustrasse as páginas do romance que foram publicadas na Revista Moderna, criada em 1897, em Paris, e dirigida pelo brasileiro Martinho Botelho. Foi com esse intuito que lhe enviou algumas informações, embora vagas, sobre o espaço em que a ação se passava: “É uma anedota passada na província, entre Minho e Douro”, num “velho palacete, já empobrecido, e meio desmobilado”, escreveu Eça numa missiva datada de 8 de outubro de 1897. O trabalho acabou, contudo, por ser atribuído a Henri Patrice Dillon, “um dos mais importantes ilustradores parisienses da Belle Époque”, explicou Lourenço no seu ensaio. Foram os seus desenhos que acompanharam os 20 números da Revista Moderna em que o romance foi editado parcialmente. A publicação, que fechou portas em abril de 1899, obrigou os leitores a esperarem mais um ano pelo final de A Ilustre Casa de Ramires. O romance foi disponibilizado na totalidade em 1900, numa edição da Lello & Irmão que saiu já depois da morte de Eça, que não conseguiu acabar de rever todas as provas. As últimas 137 páginas tiveram de ser vistas por Júlio Brandão, referiu Cristina Sobral na introdução de A Ilustre Casa de Ramires. Manuscrito autógrafo.

O romance "A Ilustre Casa de Ramires" começou a ser publicado na Revista Moderna, de Paris. As ilustrações, que mostram a torre com ameias dos Ramires, foram feitas por Dillon

Lourenço também está em completo desacordo com a hipótese de Oliveira se tratar de Lamego. Além de um bispo, uma biblioteca e todas as outras coisas referidas por Edmée Fonseca, a cidade de Eça tinha ainda uma estação de comboio. Mas Lamego não tinha nem tem uma linha de caminho-de-ferro, da mesma forma que nunca esteve um Governo Civil porque “não era capital de distrito”. “Além disso, é uma das [cidades] que é expressamente nomeada no romance, porque Ramires tinha uma quinta nos arredores”, lembrou o professor da Universidade de Coimbra. Para António Apolinário Lourenço, a única cidade que pode corresponder à descrição do autor é Braga porque tinha de facto bispado, Governador Civil e comboio. “Mas é evidente que os nomes das ruas e dos largos, assim como os edifícios civis e religiosos que povoam a Oliveira queirosiana, não têm uma sustentação real comparável, por exemplo, às referências feitas a Coimbra e à sua topografia”, localidade que Eça conhecia bem porque passou lá os seus tempos de estudante.

É uma hipótese, deixada em aberta como tantas “outras interpretações e possibilidades”. “Ele fala de várias cidades reais mas não fala, por exemplo, na Guarda, em Viseu ou em Braga.” Se Eça tinha de facto uma cidade específica em mente, só ele saberá.

A igreja e mosteiro de Santa Maria de Cárquere que se transformou em Craquede

Além da Torre da Lagariça, existe um outro edifício que é há muito apontado como fonte de inspiração. Não muito longe de São Cipriano, existe um antigo mosteiro que terá dado origem ao fictício Mosteiro de Craquede, referido no romance. Como muitos monumentos da região, o mosteiro e igreja de Cárquere têm uma história que remonta às origens de Portugal. Diz a lenda que, quando nasceu, D. Afonso Henriques tinha uma deficiência nas pernas, tão grave que todos achavam que nunca seria capaz de se curar. Egas Moniz, que segundo algumas fontes o terá criado na zona de Resende, foi aconselhado em sonho por Nossa Senhora a cavar num determinado lugar porque lá encontraria uma imagem Sua e os vestígios de uma antiga igreja, que deveria reconstruir. Quando a obra estivesse acabada, Moniz deveria colocar Afonso, então com cinco anos, no altar para que ficasse imediatamente curado.

A igreja, de estilo românico, serviu de panteão aos Resende — os mesmos Resende de que era descendente a mulher de Eça de Queiroz — até finais do século XV, quando a família se começou a dispersar. É aí que ainda hoje, no interior de uma pequena capela, se encontram sepultados, em “ quatro arcas tumulares de pedra”, segundo a descrição de Augusto Dias, autor de Santa Maria de Cárquere.

António Apolinário Lourenço não excluiu a hipótese de Eça se ter de facto inspirado em Cárquere, que se encontrava em ruínas no século XIX, para criar Craquede. “Existe uma relação fonética muito grande”, afirmou o professor de literatura. Embora a descrição que o autor fez do mosteiro não corresponda totalmente à da igreja românica: “Desde logo, os túmulos, que são quatro, estão recolhidos numa capela. O Eça fala no claustro, que teria sete túmulos encostados às paredes. Se ele o conheceu, não o descreveu como viu. Creio que, neste caso, através dessa aproximação fonética, quis homenagear os Resende, que tinham ali o seu panteão medieval.” Esta hipótese foi também defendida por Edmée Fonseca, que escreveu que “é difícil não adivinhar o nome de Cárquere sob o de Craquede”.

Eça esteve em Resende? Talvez não

A verdade é que não existem provas de que Eça tenha algum dia estado em Resende. “Fala-se muito do Eça de Queiroz como sendo uma pessoa que conheceu Resende, que esteve em Resende. Não vejo nenhuma prova de que tenha estado no concelho”, disse Lourenço, que acredita que  o escritor nunca esteve na região e que “essa convicção” apenas existe porque “casou com a irmã do Conde de Resende”.

Eça era amigo de infância de dois filhos do Conde de Resende, D. António Benedito de Castro, Luís e Manuel, que tinha conhecido no Colégio da Lapa, que frequentou. Foi com Luís de Castro Pamplona que viajou até ao Oriente e assistiu à inauguração do Canal do Suez, em 1869. D. António Benedito morreu cedo, e foi Luís que herdou o título de conde. Mas também este acabou por morrer novo, sucedendo-lhe o irmão, Manuel. “Os biógrafos costumam dizer que Manuel influenciou a irmã a aceitar a corte de Eça”, lembrou o professor da Universidade de Coimbra, apontando que existem cartas do escritor ao amigo com “esse propósito”. Seja como for, Eça de Queiroz casou com Emília de Castro Pamplona e terá sido na sequência desse casamento que, segundo algumas fontes, terá estado em Resende. Mas, como recordou Lourenço, os condes tinham outras propriedades no norte de Portugal.

“Tinham dois solares, um na cidade do Porto, que já não existe e que ficava na [atual] Praça da República, onde hoje está um quartel. No tempo de Eça ficava nos arredores, mas hoje fica no centro. E havia outro, em Canelas, no concelho de Vila Nova de Gaia [onde hoje fica a Casa Municipal da Cultura]. Foi aí que Eça conviveu com os condes e que conheceu aquela que viria a ser a sua esposa, Emília de Castro Pamplona.” Foi, aliás, no oratório particular da quinta de Santo Ovídio no Porto que os dois deram o nó, a 10 de fevereiro de 1886, quando Eça tinha 41 anos e Emília 29. “Os condes de Resende não tinham nenhuma casa em Resende onde pudessem receber o Eça de Queiroz. Tinham nas proximidades.”

Uma dessas propriedades ficava em Santa Cruz do Douro, em Baião, no distrito do Porto. Era aí que “a família tinha um antigo solar que estava em ruínas e que Eça recebeu quando morreu a Condessa de Resende, mãe da mulher”. Sabe-se que o escritor visitou a quinta em 1892 acompanhado pela cunhada, Benedita. Essa viagem ficou documentada numa carta que enviou a Emília de Castro, na qual, ao descrever o espaço, deu a entender que nem ele nem Benedita conheciam o solar. Dada a proximidade com Resende (as duas localidades ficam apenas a 15 quilómetros de distância), seria natural que, conhecendo uma, Eça de Queiroz conhecesse a outra. Só que “é completamente claro que eles não conheciam aquele território”, afirmou Lourenço ao Observador.

A Torre da Lagariça foi construída no século XII, e acredita-se que terá funcionado como torre de atalaia

Não se sabe quantas vezes o escritor esteve na quinta de Santa Cruz do Douro, onde hoje está sediada a Fundação Eça de Queiroz. “Há quem diga que esteve duas vezes, outros três”, apontou o professor da Universidade de Coimbra. “A casa foi reconstruída por uma das filhas, que se fixou lá. Quando foi herdada estava em bastante mau estado, e Eça dá conta disso na sua carta.” O que se sabe com certeza é que foi nessa casa que Eça se inspirou para escrever A Cidade e as Serras, e disso António Apolinário Lourenço não tem quaisquer dúvidas. “Há essa comprovação de que esteve lá, que recebeu aquilo como herança. De Resende não há prova de que tenha lá estado.”

É, aliás, bastante questionável o conhecimento que Eça de Queiroz, um escritor que passou grande parte da sua vida adulta fora de Portugal por causa do trabalho como cônsul, tinha do interior do país. E ele próprio tinha noção disso: “Ele escreveu em 1884 uma carta relativamente famosa ao seu amigo Oliveira Martins em que disse que era um escritor francês, que somos todos franceses. Da gente portuguesa, disse que conhecia apenas a alta burguesia de Lisboa, que era também francesa e que haveria de pensar em francês se algum dia viesse a pensar. Ele tinha consciência de que não conhecia Portugal porque, durante anos e anos, passou apenas o seu mês de férias no país.” Quando vinha, geralmente fixava-se em Lisboa, a cidade queiroziana por excelência, onde frequentava os meios burgueses.

“Do interior conhecia muito pouco”, admitiu Lourenço, que acredita que não foi apenas por isso que o autor decidiu construir a ação de A Ilustre Casa de Ramires e outros romances mais tardios em locais fictícios. “Também tinha outras responsabilidades. Quando escreveu O Crime do Padre Amaro [que se passa em Leiria] não tinha responsabilidades de família nem amizades com figuras importantes, [naquela altura] tinha de ter as suas cautelas. Por outro lado, não conhecia profundamente aquele território e, mesmo se conhecesse, acho que preferia dar aquele tratamento ficcional, sabendo de uma maneira geral como era a configuração do terreno. Ele fala nas montanhas, no rio.”

Ainda assim, se tivesse de apontar uma provável fonte de inspiração para a Torre de Ramires, Lourenço escolheria uma outra torre, também relacionada com a família que cuidou da da Lagariça durante vários séculos — a Torre da Chã, que ficava no concelho de Cinfães, “também numa terra minúscula, de acesso difícil, que fica ao pé do rio Bestança” e que terá herdado o nome da fortaleza. A tradição atribui a fundação da torre a Geraldo Geraldes, o Sem Pavor, uma personagem lendária do tempo da Reconquista, que aí teria um “castelo solarengo construído” no “reino de D. Afonso Henriques”, segundo escreveu o general João de Almeida no Roteiro dos Monumentos Militares Portugueses. Terá sido depois disso que, à semelhança do que aconteceu com a Torre da Lagariça, a Torre da Chã terá sido comprada pela família Pinto. O paço acastelado onde ficava o monumento, demolido em 1939 pelo seu então proprietário, surge referido na obra de Camilo Castelo Branco, que lhe chamou “o famosíssimo castelo da Chã” em Maria da Fonte.

"É uma espécie de verdade consensualmente aceite sem muita fundamentação e que, geralmente, não se questiona. Nem sequer se questiona porque é que se fala daquele espaço quando Eça situa a ação do seu romance vários quilómetros a norte."
António Apolinário Lourenço, professor na Universidade de Coimbra

A origem medieval não é, contudo, a única característica que joga a favor da Torre da Chã. Localizada a norte do rio Douro, a fortaleza esta ficava a uma curta distância a pé da sede de freguesia, Ferreiro de Tendais, que até meados do XIX foi sede de concelho. Em A Ilustre Casa de Ramires, a propriedade da família fica muito perto da sede do município, em Vila-Clara. Além disso, a descrição que surge no Portugal Antigo e Moderno de Pinho Real, livro publicado em vida de Eça de Queiroz, parece corresponder à do romance: “É toda de cantaria, com ameias; está coberta de telhado e é habitada”. E talvez mais importante ainda: a fortaleza aparece em vários textos da Panorama, uma das obras consultadas por Gonçalo Mendes Ramires para escrever a sua novela histórica e que Lourenço acha possível que também tenha servido de inspiração a Eça de Queiroz.

A casa dos Ramires é o solar dos Pindelas?

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De acordo com António Apolinário Lourenço, há quem avance com a hipótese de a inspiração ter sido, não a Casa da Torre da Lagariça, mas o solar dos Pindela. Eça de Queiroz era amigo de Bernardo Pinheiro Correia de Melo, filho do 1.º visconde de Pindela. Os viscondes de Pindela tinham uma quinta na freguesia de São Tiago da Cruz, em Famalicão, que Eça frequentou.

O professor da Universidade de Coimbra coloca a hipótese de o escritor ter recorrido as memórias dos períodos passados em Famalicão “para a reconstituição do modo de vida rural” que ficcionou em A Ilustre Casa de Ramires, mas não vê razões para a propriedade ter servido de modelo ao romance. “O solar dos Pindela, e principalmente a torre que lá existe e que tem um aspeto medieval, foi construído no final do século XIX. Não tem essa origem medieval e nem a família, apesar de nobre, tinha a importância histórica dos Pintos ou dos Resendes, famílias que existiam antes da fundação de Portugal.

“É discutível, porém, que Eça tenha visitado a região duriense antes da visita a Santa Cruz do Douro com Benedita, não sendo impossível que a inspiração inicial para a torre e a igreja tenha provindo de alguma das obras históricas ilustradas que consultou”, escreveu o professor da Universidade de Coimbra em “Lugares fictícios e protocolos realistas”. Num dos números da Panorama, publicado a 11 de novembro de 1843, foi reproduzida uma gravura da Torre da Chã que Eça pode muito bem ter visto. Mas a que convenceu derradeiramente Lourenço foi um desenho do paço dos Pintos feito no ano da sua demolição por um descendente, o engenheiro José de Sousa Pinto, quando “já estava muito arruinado”. A imagem “é o principal testemunho daquilo que seria exatamente aquele edifício, porque suspeito que a gravura que saiu na revista Panorama pode não ter sido feita à vista mas encomendada com essas características”, disse o investigador. “Curiosamente, aquele esboço é muito parecido com a imagem que aparece nas edições da Revista Moderna, onde o romance começou a ser publicado. Havia uma gravura que representava o castelo [dos Ramires] e há muita semelhança com o desenho e planta que o engenheiro Sousa Pinto fez antes da torre ser derrubada.”

Tudo isto não deixa, contudo, de ser uma hipótese. Para Lourenço, o mais provável é que Eça de Queiroz tenha “construído os seus espaços não a partir de um modelo único, mas a partir de vários modelos. “A Torre da Chã foi a que influenciou mais a Torre de Ramires, mas não quer dizer que tenha sido o modelo exclusivo. Foi um dos modelos”, afirmou ao Observador. Existem muitas outras torres ligadas a antigas famílias nobres que podem ser “modelos muito mais convincentes” para o romance. É também provável que os Ramires não tenham sido criados a partir de uma família específica. “Falo mais dos Pintos justamente porque existe essa quase lenda de que a família representada no romance seriam os Pintos da Torre da Lagariça, mas há outros críticos que falam dos próprios Resende.” O professor acredita que, tal como aconteceu com a casa, “Eça terá misturado histórias de várias famílias”.

Quanto à Torre da Lagariça, o professor de literatura da Universidade de Coimbra admite que não percebe como a história se misturou com a de Eça de Queiroz. “Aqueles que partiram do princípio que o Eça estava a elogiar, a homenagear, a família dos Resendes, à qual estava associado por matrimónio e por amizade, andaram à procura no concelho de Resende de uma torre que pudesse corresponder. Só assim é que posso compreender que se tenha chegado à Torre da Lagariça — é o único solar que poderia ter alguma coisa que o Eça descreveu.” Contudo, tendo em conta que “as diferenças são tão substanciais” e que “a ação não decorre ali, mas no Minho”, que Lourenço não vê “motivo nenhum para se procurar especificamente só naquele concelho”.

Tudo isto é mais do que suficiente para António Apolinário Lourenço concluir que os espaços descritos por Eça em A Ilustre Casa de Ramires não são reais, mas ficcionais. “Os lugares concretos que são ali descritos são fictícios. Não vale a pena, digo eu, [procurar] no mapa de Portugal localidades que possam ser uma transposição para a ficção.”

Uma fonte por descobrir

A falta de dados concretos conduz inevitavelmente à questão de onde é que surgiu a ideia de que a Torre da Lagariça é a Torre de Ramirez. António Apolinário Lourenço não conseguiu encontrar a fonte original, como se a história se tivesse transformado numa espécie de lenda.“Nunca encontrei aquela que poderia ter sido a fonte primitiva que gerou a ideia de que a Torre da Lagariça seria a Torre de Ramires”, admitiu o professor, frisando que a associação entre os dois edifícios parecer ser “uma espécie de verdade consensualmente aceite sem muita fundamentação e que, geralmente, não se questiona”. “Nem sequer se questiona porque é que se fala daquele espaço quando Eça situa a ação do seu romance vários quilómetros a norte. Nem isso se questiona”, afirmou Lourenço, acrescentando que existe “um conjunto de elementos que desaconselhariam, no mínimo, a identificação daquele espaço” com o do autor de Os Maias.

“Há na literatura outros exemplos de nomes fictícios que são usados para designar uma cidade real mas, mesmo assim, quem estuda literatura tem de ter alguma cautela porque não é tudo igual. A Lisboa de Eça de Queiroz não é a Lisboa real. Eça pode falar de uma igreja que existe, de uma rua, mas quando fala no Ramalhete já é uma criação ficcional. As personagens são de ficção, ainda que possam ter sido inspiradas em gente real. A paris de Balzac não é a Paris que existia na realidade. Neste caso tudo se agrava porque, realmente, o autor não indica nomes para as localidades que sejam nomes que existem na realidade. Existem Oliveiras, mas nenhuma tem governador civil, bispo, caminho de ferro… Não há nenhuma Oliveira que se possa ajustar. Cidades com essas características só Lisboa, Porto, Coimbra e Braga. Nem sequer Viseu”, distrito a que pertence Resende. Só existia um governador civil nas capitais de distrito, e isso por si só “já circunscreve”.

Numa altura em que a família que cuidou da Torre da Lagariça durante vários séculos decidiu colocá-la à venda, o professor de literatura da Universidade de Coimbra espera que o espaço seja reabilitado e possa ser visitado. Com ou sem referências a Eça de Queiroz. É um lugar com uma longa história, que começou quando Portugal ainda não era bem Portugal (Pinho Real diz que o monumento foi construído durante a regência de D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques), e foi sobretudo com base nisso que, em 1977, a torre foi classificada como imóvel de interesse público. António Apolinário Lourenço gostaria apenas que, quem passasse pelo antigo solar dos Pintos da Torre Chã, soubesse “que nem toda a gente pensa que aquela casa é a casa que inspirou Eça a escrever A Ilustre Casa de Ramires”.

Fotografias: Equipa ATrindade

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