Um aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete obriga a fazer uma terceira travessia no Tejo? A resposta é não, numa primeira fase do projeto. Mas o relatório preliminar da comissão técnica independente (CTI) conta com o avanço desta infraestrutura porque ela está prevista nos planos de ordenamento para a área de Lisboa, no plano ferroviário nacional e faz parte do projeto da rede de alta velocidade entregue na Comissão Europeia. E, para a presidente da CTI ,”é necessária, independentemente da alta velocidade e do aeroporto, porque é um projeto âncora na área metropolitana de Lisboa, que corresponde à circular ferroviária que está prevista há muitos anos”, defendeu em entrevista ao Observador.
Rosário Partidário afirma que o aeroporto tem que ter ferrovia. “Uma coisa é apanhar um comboio e estar em 20 minutos na estação do Oriente, outra coisa é vir apanhar a Ponte Vasco da Gama, mais os trânsitos da Ponte Vasco de Gama.” Mas afasta a necessidade de essa travessia ter um tabuleiro rodoviário, porque o que se pretende é uma transferir tráfego do carro para o comboio.
A comissão técnica não estudou a terceira travessia, mas a recomendação que aponta no sentido do Campo de Tiro de Alcochete pode ser o passo decisivo para avançar com uma nova ponte sobre o Tejo. Isto porque a terceira travessia sobre o Tejo (TTT) é uma das opções avaliadas para fechar o traçado da linha de alta velocidade entre Porto e Lisboa e é aquela que melhor permite servir o novo aeroporto no local recomendado.
Em jogo está a decisão sobre o traçado final da linha de alta velocidade entre Porto e Lisboa na parte mais complicada do percurso, a entrada na capital. O projeto que está a ser desenvolvido — e cujo primeiro concurso deverá ser lançado em breve (assim ambiciona António Costa) prevê que, numa primeira fase, a linha chegue a Lisboa através da quadruplicação da linha do Norte entre Castanheira do Ribatejo e Alverca. A necessidade deste investimento justifica-se, considera a Infraestruturas de Portugal, mesmo sem a alta velocidade, só para servir o tráfego já existente (que deverá crescer) uma vez que este é o troço mais congestionado da Linha do Norte. Com esta intervenção, a ligação em alta velocidade entre Porto e Lisboa já consegue realizar o percurso num tempo considerado competitivo de 1h19 minutos.
O novo troço até à capital só está previsto para depois de 2030 e num cenário de mais procura. Mas o aeroporto, grande gerador de tráfego, também pode reforçar essa ambição.
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Para chegar à capital sem ser pela linha do Norte é necessário construir uma nova infraestrutura entre o Carregado e Lisboa para a qual foram avaliadas duas possibilidades. Um traçado a oeste do linha do Norte que, devido à orografia e à densidade de ocupação urbana, terá de ser feita em grande parte com recurso a túneis e viadutos, o que eleva muito o seu custo. E uma alternativa que dá a volta pela margem esquerda e entra em Lisboa através da terceira travessia do Tejo, um percurso mais longo mas que pode ser construído à superfície e cujo custo acaba por ser equivalente. É esta opção que permitirá não só servir um futuro aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete com ligações ferroviárias de alta capacidade, mas também reduzir o tempo de ligação em meia hora nos trajetos Lisboa/Madrid e para o Algarve.
O impacto da terceira travessia nos acessos só é considerado no cenário de expansão do aeroporto no horizonte de 2050. E, frisou Rosário Partidário em entrevista ao Observador, só na componente ferroviária. Quando questionada sobre a dependência rodoviária de apenas uma ponte, a Vasco da Gama, a coordenadora da CTI afirmou que isso não seria definitivo, assinalando que fazer um aeroporto é um processo lento. O que é fundamental para os técnicos, é que o tempo de percurso entre Lisboa e o novo aeroporto seja no máximo 30 minutos e que exista uma ligação ferroviária.
“Para nós, a terceira travessia é uma travessia da margem sul para a margem norte do Tejo e o fundamental é a ferrovia. O resto da discussão já nos ultrapassa. Mas o fundamental é a ferrovia para permitir justamente o acesso, nomeadamente, até da alta velocidade.”
Que travessia e quem a paga
Em 2010 chegou a existir um concurso lançado para uma terceira ponte no eixo Chelas/Barreiro que era o último troço da ligação entre Lisboa e Madrid em alta velocidade. Esta travessia era rodo-ferroviária, iria também servir o novo aeroporto, já então previsto para o Campo de Tiro de Alcochete, e seria explorada através de uma parceria público-privada (PPP). Com a crise financeira do Estado (que levou ao resgate), este concurso foi suspenso, antes da adjudicação, num dos PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento, que, no caso, representou um plano de corte de despesa de José Sócrates). A TTT custava então 1.800 milhões de euros, financiados por fundos europeus mas também com dinheiros públicos. A fatura estava divida por três: 600 milhões para o projeto de alta velocidade (então em bitola europeia), 600 milhões para a linha convencional e o mesmo valor para o tabuleiro rodoviário.
Nos compromissos assumidos com Bruxelas estava indicado o prazo de 2030 para a execução desta ligação, um horizonte que já não será possível de cumprir. Admite-se que a ponte demore oito a nove anos a ser executada, entre projetos, concursos e construção, mas dependeria do modelo adotado para a por em marcha. Desse modelo dependerá também o financiamento, sendo que, tal como deixou claro a coordenadora da CTI, o custo não entra para a conta do aeroporto que ronda os 8.000 milhões de euros. Rosário Partidário ainda admite que seja retomada a discussão sobre o corredor mais adequado, considerando as alterações que se verificaram na área metropolitana de Lisboa.
A terceira travessia era um bom candidato ao fundo público que Fernando Medina queria criar com o excedente das contas públicas, isto se o próximo executivo concretizar a intenção do ministro das Finanças.
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Mas há outra possibilidade que está a ser avaliada no quadro de uma ponte que incluísse a rodovia e que fica aberta com o fim do contrato de concessão da Lusoponte em 2030. Neste cenário, as receitas das portagens nas pontes já existentes seriam canalizadas para o financiamento da nova travessia — replicando em parte o modelo financeiro em que os utilizadores da Ponte 25 de Abril pagaram a Ponte Vasco da Gama. Este conceito poderia ser explorado diretamente pelo Estado, via Infraestruturas de Portugal, ou colocado a concurso público para privados em modalidade de PPP.
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Sem contar para já com a terceira travessia, o relatório das acessibilidades da comissão técnica independente tem duas propostas para a ligação ferroviária ao Campo de Tiro de Alcochete.
A primeira passa por um ramal a construir de raiz e exclusivo para o acesso ao aeroporto que entraria na linha do Alentejo numa zona onde se prevê que exista um troço comum com a linha de alta velocidade entre o Pinhal Novo e o Poceirão. Esta proposta é compatível com as duas redes — já que a alta velocidade planeada terá a bitola ibérica, como a rede convencional — e pressupõe um traçado de 17 quilómetros que poderá ser um projeto para um patamar de velocidade que sirva os dois propósitos. Nesta proposta a chegada a Lisboa seria feita pela linha de cintura que passa na Ponte 25 de Abril.
O relatório admite ainda prolongar o ramal de ligação ao aeroporto de forma a criar um enlace com as linhas de alta velocidade na zona do Carregado num trajeto que contorne a reserva natural do estuário do Tejo. Esta solução permitiria criar um “anel de acessibilidade ferroviária em torno de Lisboa e do novo aeroporto. “A nova linha a construir de raiz poderá ser utilizada para acesso direto ao aeroporto a comboios procedentes do norte do país, bem como comboios procedentes de Lisboa em direção a norte, permitindo prestar serviços de alta velocidade e convencionais. Em causa estaria uma extensão de 38 quilómetros.
Os acessos rodoviários, em particular em autoestrada, estão assegurados no contrato de concessão da Brisa. “Não sai do dinheiro dos contribuintes, como algumas pessoas gostam de usar a expressão”, referiu ainda Rosário Partidário.
Nas contas dos técnicos, os acessos locais implicam investimentos de 193,9 milhões de euros. O documento prevê a construção de uma nova estrada a ligar a A12 e a A13 com implantação de um nó de acesso ao aeroporto. Esta nova infraestrutura com uma extensão total de 21 quilómetros ligaria diretamente à A12, a estrada que segue para a Ponte Vasco da Gama, através de um nó de acesso ao aeroporto. Com esta solução, a distância entre o Campo de Tiro de Alcochete e a cidade ficaria em 36,6 quilómetros (tendo como referência o nó de Sacavém).
A ponte Vasco da Gama seria assim o grande eixo rodoviário de acesso à nova infraestrutura, pelo menos numa primeira fase em que não existisse a TTT e durante a qual a Portela ainda estivesse a operar. Apesar de defender um novo aeroporto com grande capacidade para substituir o atual Humberto Delgado, o relatório conhecido esta semana prevê que o atual aeroporto de Lisboa se mantenha operacional pelo menos mais oito a dez anos, enquanto Alcochete não tiver capacidade para assegurar mais tráfego da capital — o que só acontecerá com duas pistas.
Rosário Partidário recordou a ideia que chegou a ser estudada quando o Campo de Tiro de Alcochete foi aprovado pela primeira vez de dedicar uma faixa no tabuleiro da Vasco da Gama para um shuttle de transporte rodoviário coletivo.