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Uns minutos depois de terminar o último debate a dois entre o primeiro-ministro e o líder do PSD, o Instituto Nacional de Estatística lança “uma bomba” que vai obrigar a refazer algumas das contas que têm sido apresentadas pelos partidos e Governo para a próxima disputa eleitoral. O défice foi revisto em baixa, com a alteração da base das contas nacionais, mas a principal mudança veio do Produto Interno Bruto (PIB) que deu um salto nos anos de 2017 e 2018. Um brinde para o arranque da campanha eleitoral, que também dá um maior conforto para a próxima execução orçamental.
Afinal, economia portuguesa cresce 2,4% em 2018 e 3,5% em 2017
Minutos depois de o debate da rádio ter terminado, Mário Centeno fazia, a partir do Porto, a sua leitura dos números. Portugal foi o segundo país a crescer mais em 2017, a seguir à Irlanda (no clube de 15 países europeus), está crescer mais do que Espanha e a alteração do peso das fatias que compõem o produto — mais investimento e exportações e menos consumo público e privado — são uma “transformação” da economia portuguesa. Centeno até falou em “revolução”.
Argumentos fortes a favor dos resultados da governação socialista no primeiro dia de campanha. Coincidência? Instituto Nacional de Estatística diz que data da divulgação estava prevista desde 1 de junho. E consequências para a campanha? Para já, o ministro das Finanças aconselhou Rui Rio a rever os seus números [ou os do seu Centeno, Joaquim Miranda Sarmento] para se “adequar” melhor à realidade da economia portuguesa.
Afinal o que fez a economia portuguesa crescer mais?
O acréscimo adicional do produto em 2016 foi residual, menos de 10 milhões de euros, passando de 1,9% para 2%. A maior revisão em alta verificou-se em 2017, em que o crescimento do PIB deu um salto de 0,7 pontos percentuais, passando de 2,8% para 3,5%. São mais 1.334 milhões de euros de riqueza criada do que o inicialmente estimado e o maior contributo veio do investimento, como destaca o INE, que também assinala que este maior crescimento não trava a trajetória de abrandamento da economia que se sentiu em 2018 e que se prevê para este ano.
Segundo os quadros do INE, a formação bruta de capital (investimento) ficou 900 milhões de euros acima, puxando em 0,46 pontos percentuais para cima o produto de 2017. O investimento na construção, mais 514 milhões de euros, foi o principal motor desta aceleração, seguido dos produtos de propriedade industrial, com mais 210 milhões de euros.
O comércio externo também deu uma ajuda, com uma contribuição de 420 milhões de euros, que resultou de uma revisão em alta do valor das exportações, mais de serviços do que bens, superior à do valor das importações. Do lado da procura interna, houve um reequilíbrio entre o consumo das famílias, que cresceu mais 382 milhões de euros do que inicialmente contabilizado, e do Estado, que se reduziu em 364 milhões de euros.
Ainda que menos expressivo, a economia portuguesa também cresceu mais em 2018. O valor ainda provisório aponta para um crescimento de 2,6%, contra os 2,2% inicialmente reportados pelo INE. Foram mais 2.284 milhões de euros de riqueza criada. O investimento continua a ser o grande impulsionador desta revisão em alta, mais 1.627 milhões de euros, dos quais a principal fatia voltou a vir da construção: 1.109 milhões de euros. Outro fator destacado é o consumo das famílias, que globalmente gastaram mais 783 milhões de euros do que o inicialmente contabilizado, mais do que compensando a queda adicional no consumo do Estado. Na revisão da conta para o PIB do ano passado, o comércio internacional teve contributo negativo, com o acréscimo das exportações a ser ultrapassado pelo registo nas importações.
O que mudou na forma de fazer as contas?
Esta nova série de contas nacionais substitui 2011 por 2016 como ano base de referência. Segundo o INE, as mudanças metodológicas introduzidas foram menos importantes do que as de 2011. Mas esta alteração a cada cinco anos também incorpora os resultados de operações de estatística de natureza mais estrutural do sistema estatístico e cuja frequência é mais baixa do que anual. Entre essas operações estão os censos da população e da habitação (dez em dez anos), inquéritos à despesa dos consumidores e ao turismo internacional.
O INE detalha dois tipos de alteração:
Nova informação:
- Inquérito às despesas das famílias
- Inquérito ao turismo internacional que permite conhecer a repartição das despesas entre negócios e lazer e entre bens e serviços.
- Nova série da balança de pagamentos, com informação sobre turismo, serviços de transporte e comércio eletrónico.
- Mais informação de natureza fiscal
Desenvolvimentos metodológicos, alguns bastante especializados:
- Alteração do método para calcular o consumo de capital fixo dos ativos intangíveis (propriedade intelectual como patentes, software, marcas).
- Afetação das vendas de veículos automóveis em despesa de consumo de famílias e investimento, a partir de informação sobre o Imposto Único de Circulação (IUC)
- Reclassificação de unidades institucionais
- Reclassificação de transações, nomeadamente de despesas classificadas como consumo das administrações que foram transferidas para despesas de famílias.
- Registo de rendas imputadas pela utilização sazonal de habitações secundárias detidas por não residentes.
Menos carga fiscal e menos défice
Governo e oposição andaram meses a fio nesta legislatura a discutir a carga fiscal e, de repente, os resultados em que assentavam essas discussões — e que dávamos como certos em maio — são agora alterados pelo INE. O essencial, no entanto, mantém-se: desde pelo menos 1995 — ano em que inicia a série disponibilizada pelo INE — que não se pagava tantos impostos e contribuições para a segurança social em percentagem do que Portugal produz.
A carga fiscal, que mede a receita de impostos e contribuições efetivas em percentagem do PIB, foi revista em baixa nos números do ano passado em cinco décimas, de 35,4% para 34,9% do PIB, e nos valores de 2017 em três décimas, de 34,4% para 34,1%. Os dados de 2015 (34,4%) e 2016 (34,1%) ficaram inalterados.
Independentemente das alterações, governo e partidos da oposição deverão continuar a divergir sobre o que levou ao aumento progressivo desde 2016. Outra alteração importante diz respeito às contas públicas. Uma vez que o défice orçamental é sempre contabilizado em percentagem daquilo que o país produz, se o Produto Interno Bruto aumentar, o défice cai automaticamente. Por outras palavras, quanto mais Portugal exportar, investir e consumir, menor o esforço orçamental — não há forma menos dolorosa de melhorar as contas.
Mário Centeno vê, desta forma, o saldo das contas públicas cair uma décima em 2018 por via do aumento do crescimento (de 2,1% para 2,4%). A revisão do saldo de 2018 não chegou a dois milhões de euros positivos, mas como o PIB cresceu 2,3 mil milhões de euros o défice cai de 0,5% para 0,4%.
A revisão do saldo orçamental foi também marginal em 2017 (apenas 33 milhões de euros), mas aqui o acrescento de PIB, em 1.334 milhões de euros, não foi suficiente para que o défice melhorasse. Tudo igual: nos 3% do PIB. Pelo contrário, em 2016, a revisão às contas públicas gerou uma melhoria de 147 milhões de euros, o que, face a um PIB praticamente inalterado (diferença de 9,6 milhões de euros), deixou o défice com menos uma décima, em 1,9%.
No caso da dívida pública, a melhoria do PIB tem o mesmo efeito do que no défice — se há mais crescimento, as contas melhoram. Só que, neste caso, a revisão das dívidas do Estado foi de dimensão superior. Por isso, a dívida em percentagem do PIB foi revista ao longo de toda a legislatura — em 2015, passou de 128,8% para 131,2%; em 2016, subiu de 129,2% para 131,5%; em 2017, de 124,8% para 126%; e em 2018 de 121,5% para 122,2%.
Em todo o caso, apesar das revisões do INE prejudicarem sempre a dívida ao longo dos últimos quatro anos, ela cai nove pontos percentuais durante a legislatura, de 131,2% para 122,2% (antes caía de 128,8% para 121,5%).
O que Mário Centeno leu nos novos valores: a “revolução” e a “transformação”
Numa conferência marcada já desde domingo, no Porto, o ministro das Finanças começou por registar o óbvio — a revisão em baixa do défice — para saudar a circunstância de termos “pelo quarto ano consecutivo, a garantia de que as metas orçamentais vão ser atingidas. Esta é uma situação nova, mas felizmente recorrente nos últimos anos”.
Mas Centeno sabia que essa alteração não era a mais importante. O que mudou tudo na economia portuguesa para o ministro das Finanças, que ao seu longo discurso inicial falou em “revolução” e “transformação”, foi a revisão em alta do crescimento económico. Uma alteração que não o apanhou de surpresa, porque tem afirmado que o crescimento económico está “subestimado”. “O INE dá um passo muito significativo naquilo que tenho andado a referir ao longo dos últimos anos. Há uma subavaliação da atividade económica medida pela variação do PIB”.
Centeno arrancou, então, com as comparações. A taxa de crescimento de 3,5% para 2017 “foi a segunda mais alta da União Europeia” antes do alargamento — a Europa a 15 — só ultrapassada pela Irlanda. E mais. Se juntamos os crescimentos revistos para 2017 e 2018 — 3,5% e 2,4%, números ainda não finais — estas taxas “significam que Portugal está hoje a crescer mais do que a Espanha. Isto é uma novidade”.
Para o ministro das Finanças, as boas notícias vão nos dois sentidos.
O primeiro. “Recompensam o esforço enorme de recuperação da economia num contexto de redução do endividamento”. Centeno volta a falar no caso excecional de Portugal na Europa como país que mais cresce (o segundo entre os 15) e que reduz a dívida ao mesmo tempo e diz que “os obreiros desta pequena revolução” são os portugueses — as empresas, as famílias que foram responsáveis — mas também a administração pública. E atira mais números, o PIB per capita cresceu 4% e em 2018 e o rendimento das famílias cresceu 4,4% em 2018.
O segundo. Segundo, Mário Centeno, o INE diz que entre 2014 e 2018, a “estrutura da economia portuguesa transformou-se profundamente”. E como? Os consumos público e privado baixaram o seu peso percentual no produto interno (3 pontos percentuais) e o peso das exportações e do investimento subiu nestes cinco anos (6 pontos percentuais).
A conclusão já não é do INE, mas do ministro. “Isto é uma revolução que muitos ainda não se deram conta. (…) Algumas contas que têm sido feitas para Portugal têm que ser refeitas a partir deste momento. Exemplos: a carga fiscal que, segundo Centeno, e considerando apenas as receitas dos impostos (e não da Segurança Social) têm um peso idêntico em 2018 ao que tinham em 2015, último ano do Governo PSD/CDS. A dívida pública que irá baixar para menos de 120% do PIB até ao final do ano, baixando 12 pontos percentuais nestes cinco anos. E questiona ainda a tese da subida do défice externo, que atribiu em dois terços ao investimento das empresas em modernização.
Mário Centeno terminou com um recado claro para o presidente do PSD. “É preciso que o Dr. Rui Rio reveja as números que apresentou esta manhã tentar enquadrar-se um pouco melhor naquilo que é realidade da economia portuguesa”.
Porquê agora?
De cinco em cinco anos, há uma revisão da base das Contas Nacionais Portuguesas, seguindo recomendações internacionais. Esta revisão incorpora nomeadamente “resultados de operações estatísticas de natureza mais estrutural do sistema estatístico”, nomeadamente “censos da população e da habitação, inquéritos às despesas dos consumidores e ao turismo internacional”.
E porquê agora, no primeiro dia de campanha eleitoral? Questionado pelo Observador, o INE sublinha que “tem como referência o Programa de Transmissão de informação ao Eurostat definido no Regulamento UE relativo ao SEC 2010”. O regulamento “determina o envio das contas trimestrais por setor institucional (CTSI) até 85 dias após o trimestre de referência (correspondente ao dia de hoje)” — esta segunda-feira.
O INE lembra que a informação subjacente à notificação do Procedimento por Défice Excessivo integra o processo de compilação do sistema de Contas Nacionais, “cuja consistência global exige a produção simultânea de outros agregados macroeconómicos”. Por essa razão, “o INE desde há longa data divulga simultaneamente todo o conjunto de contas nacionais”: resultados finais anuais; Procedimento por Défice Excessivo e contas das administrações públicas; e contas trimestrais por setores institucionais. Quando? “Por volta dos dias 21-23 de setembro”.
Desta vez, no entanto, acresce a este conjunto de informação a tal nova base de contas nacionais, cujo processo de mudança de base é efetuado de cinco em cinco anos. E o INE sublinha que “a mudança das Contas Nacionais Portuguesas para a Base2016 é pública desde o início deste ano”, sendo, nomeadamente, “parte integrante do Plano de Atividades do INE para 2019, discutido e aprovado pelo Conselho Superior de Estatística em dezembro do ano anterior”. Consta também do calendário mensal de destaques, deste o início de 2019 e do calendário diário desde 1 de junho de 2019.
Mas será que poderiam ter ajustado o calendário em função da campanha eleitoral? O INE não responde, mas é certo que em Espanha a revisão das contas foi anunciada a 16 de setembro — também uma segunda-feira, no dia em que o rei recebeu pela última vez os partidos com vista à formação de governo.
Espanha também reviu as contas. Qual foi o impacto?
Mário Centeno foi específico ao comparar o comportamento da economia portuguesa (à luz dos novos dados macro-económicos divulgados pelo INE) com o da economia espanhola. Mas será que as contas do PIB espanhol ainda vão sofrer alterações metodológicas? Ou já foram modificadas às luz das novas regras?
Na verdade, Madrid já procedeu à revisão das suas contas, feita com base nas recomendações internacionais aplicadas por Portugal (e também por outros 20 Estados-membros da UE). Fê-lo na passada segunda-feira e chegou a conclusões curiosas. Ao contrário de Portugal, usando a nova base contabilística o PIB do país vizinho não sobe nos últimos anos. Pelo contrário: desce. O crescimento da economia de Espanha leva um corte de duas décimas em 2018 (para 2,4%), em 2017 (passa de 3% para 2,9%) e 2016 (outras duas décimas, de 3,2% para 3%). É preciso recuar a 2015 para se verificar um aumento: com as novas regras, nesse ano Espanha cresceu 3,8% e não os 3,6% que estavam inscritos nas contas até agora.
Ainda assim, só para ter uma comparação com Portugal, em termos absolutos o PIB espanhol em 2018 levou um corte de 5 mil milhões de euros, para um total de 1,202 biliões [milhões de milhões] de euros. Tal como em Portugal, esta redução teve efeitos noutros indicadores que dependem do PIB. Foi o caso da dívida pública em 2018, que passou dos 97,2% do PIB para 97,6%. Também o défice público espanhol aumentou uma centésima, para 2,49%.
Em termos agregados, entre 2014 e 2018, a economia espanhola cresceu “apenas” 13,5%, abaixo dos 13,8% calculados até agora.
Uma última palavra para as comparação feita por Mário Centeno. O ministro das Finanças escolheu os anos de 2017 e 2018 para dizer que Portugal cresceu mais do que Espanha. Em termos agregados, nos dois anos a economia do país vizinho subiu 5,3% (2,9% em 2017 e 2,4 no ano passado) e Portugal cresceu 5,9% (3,5% em 2017 e os mesmos 2,4% no ano passado). Mas um simples alargar do intervalo já baralha as contas de Mário Centeno. É que esta alteração metodológica das contas vai rever todos os números para trás.
Se compararmos o intervalo de 2014 a 2018, que Centeno disse representar “uma revolução” na economia portuguesa, as conclusões alteram-se: entre esses anos, Espanha cresceu 13,5% contra os 10,5% acumulados de Portugal no mesmo período.