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Quem cortou as pensões, PS ou PSD/CDS? É um tema que tem estado em cima da mesa nos debates para as legislativas e nos comícios dos vários partidos. Luís Montenegro foi já confrontado várias vezes com o tema. Na altura da troika, era líder parlamentar do PSD. E foi por causa desse papel que Paulo Raimundo, secretário geral do PCP, atirou, no debate com o líder da AD: “Não nos podemos esquecer dos tempos dos cortes de pensões, dos cortes de salários, dos cortes nos subsídios de natal, do maior aumento de impostos do tempo da troika. E Luís Montenegro tem uma responsabilidade acrescida”. Paulo Raimundo ainda insistiu: “Luís Montenegro, a AD, o PSD, o CDS, mas também aqueles que hoje são os rostos do Chega e da Iniciativa Liberal, foram os recordistas dos cortes de pensões naqueles dias sombrios da troika”.
O tema continuou. Com Luís Montenegro a assumir a responsabilidade de “poder ter contribuído na Assembleia da República para que um governo devolvesse ao país a autonomia para poder financiar-se e dar resposta a um problema que era só este: não havia dinheiro para pagar salários nem pensões em 2011 e havia a perspetiva de os pensionistas ficarem sem nada, não era cortar, era ficar sem nada. O corte que houve, e que salvaguardou as pensões mais baixas, foi inscrito no memorando de entendimento negociado pelo PS”. Negociado pelo PS mas concretizado pelo PSD/CDS, recordou Raimundo. Luís Montenegro ainda viria a puxar dos galões, dizendo que “o PSD está associado à maior valorização das pensões, com 14.º mês”.
Só que o assunto não ia ficar por aqui. E também se tornou tema entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro mesmo fora dos debates. Os dois só se vão defrontar na próxima segunda-feira, 19 de fevereiro.
Na apresentação do programa da AD, Luís Montenegro atirou: “Eu sei que não se tem recordado mas para aqueles que poderão, eventualmente, estar a pensar que vão passar impunes e imunes às suas decisões, quero recordar de forma muito direta: nos últimos anos, o único partido e único governo que cortou pensões em Portugal foi o do Partido Socialista, que retirou [sic] dois mil milhões, mil milhões de euros, do sistema de pensões. Mil milhões de euros que saíram do sistema de pensões, por vontade do governo quando havia folga no orçamento e depois repuseram no ano a seguir para ver se o assunto ficava esquecido. E é preciso dizer aos pensionistas que aqueles que muitas vezes atiram a pedra têm o maior telhado de vidro naquilo que concerne a atualização das pensões”. Luís Montenegro corrigiu o valor, mas manteve a ideia de que o governo socialista tinha feito um corte de pensões.
Pedro Nuno Santos, aproveitando o debate com Inês Sousa Real, respondeu: “Ontem assistimos à maior mentira desta campanha eleitoral. O líder do PSD, o líder da AD, disse que o governo do partido socialista tinha feito um corte nas pensões de dois mil milhões, depois corrigiu para mil milhões. O Governo do PS não fez nenhum corte de pensões. Percebo que o líder do PSD se queira reconciliar com os pensionistas, mas primeiro terá de se reconciliar com a verdade. Uma acusação que é falsa”.
E voltou ao tema na apresentação do programa do PS, indo mais longe, dizendo que o líder do PSD “teve a coragem de dizer que este governo do PS tinha cortado mil milhões. Mentiu na totalidade, aliás começou com dois mil, corrigiu para mil. Não foi nem dois, nem mil nem um. Os governos do PS nos últimos oito anos não cortaram um cêntimo nas pensões. (…) É que connosco as pensões aumentaram sempre. A lei da atualização das pensões deixou de estar congelada e continuará a funcionar livremente no futuro. Mas fomos mais longe e fizemos seis aumentos extraordinários das pensões”.
Acrescentou ainda que o PSD tentou, mesmo, na altura em que governou, provocar cortes permanentes nas pensões. “E esses cortes só não foram permanentes porque o Tribunal Constitucional chumbou a primeira tentativa e eles não estavam satisfeitos com o chumbo do TC, mas como era importante garantir que fossem permanentes, foram uma segunda vez tentar que fossem permanentes e por uma segunda vez o TC chumbou”.
Vamos então por partes. O que aconteceu, ao longo destes anos, às pensões?
O primeiro corte antes da troika
De facto, a vinda da troika levou ao corte de pensões, mas a tesoura foi usada antes do trio composto pela Comissão Europeia, BCE e FMI chegar a Portugal. O corte foi iniciado pelo governo socialista mesmo antes de chamar a troika e de assinar o memorando de entendimento para a assistência financeira.
O governo de José Sócrates, em 2010, e no âmbito do Orçamento do Estado para 2011 introduziu (artigo 162.º) a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) para reformas, pensões, subvenções e outras prestações pecuniárias de idêntica natureza mensais acima de 5.000 euros. A contribuição extraordinária era de 10% a incidir sobre o montante que excede aquele valor.
No Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) IV, que José Sócrates apresentou no Parlamento em março de 2011, e cujo chumbo levou à queda do Governo, previa-se a suspensão “nos próximos dois anos” da “aplicação da regra automática de indexação das pensões, o que não deixará de permitir um aumento, ainda que moderado, das pensões mais baixas”.
Acrescentava-se que, “adicionalmente, ainda para garantir uma redução na despesa com pensões, será alargado o âmbito de aplicação da Contribuição Extraordinária de Solidariedade, criada em 2010, aplicando-a de forma similar à utilizada na redução das remunerações da administração pública em 2011, ou seja, a pensões acima de 1.500 euros. Esta medida permitirá uma redução da despesa de 0,25% do PIB”. Ou seja, no PEC IV o Governo apontava para uma poupança de cerca de 800 milhões de euros em 2012. Mas este plano chumbou. E Sócrates acabou por fazer só um primeiro corte, ao criar a CES. Mas estaria também na assinatura do memorando de entendimento com a troika. Teixeira dos Santos, que era o ministro das Finanças, admitiu que o país, quando chamou a troika, tinha o dinheiro contado — a partir de maio (de 2011) o país ficaria sem dinheiro, disse à Reuters, citado pela RTP.
O que dizia o memorando com a troika?
O memorando acordado com a troika para a assistência financeira a Portugal acabou assinado ainda pelo governo de Sócrates, após negociações que ainda tiveram, no início, envolvimento de outros partidos (PCP e Bloco recusaram). O PSD acabou por sair da mesa de negociações, mas comprometeu-se com a implementação do memorando.
Já com o memorando assinado, em maio de 2011, o país foi a votos em junho e a aliança entre PSD e CDS ganhou. Pedro Passos Coelho assumiu a chefia do Governo para implementar as medidas impostas pela troika. E o que dizia o memorando em relação às pensões?
Dois pontos continham o que era necessário fazer:
- 1.11. Reduzir as pensões acima de 1.500 euros, de acordo com as taxas progressivas aplicadas às remunerações do sector público a partir de janeiro de 2011, com o objetivo de obter poupanças de, pelo menos, 445 milhões de euros.
- 1.12. Suspender a aplicação das regras de indexação de pensões e congelar as mesmas, exceto para as pensões mais reduzidas, em 2012.
- 1.29. Manter a suspensão em 2013 das regras de indexação das pensões, exceto no que se refere às pensões mais reduzidas.
Fact Check. Memorando da troika consagrava corte de pensões entre 3% e 10%?
O que fez o Governo de Passos Coelho?
O Governo de Passos Coelho assumiu funções a 21 de junho de 2011, tendo feito dois orçamentos retificativos para esse mesmo ano. Mas foi em outubro que apresentou as medidas. E que incluíram o não pagamento dos subsídios de férias e de natal aos pensionistas (tal como aconteceu com a função pública) com reformas acima de mil euros durante a vigência do programa de ajustamento. As pensões abaixo deste valor e acima do salário mínimo (485 euros) sofreram a eliminação de um dos subsídios. Na declaração ao país a anunciar as medidas, Passos Coelho declarava que, no entanto, “não prescindimos do nosso compromisso de descongelar as pensões mínimas e atualizá-las” — tinham sido congeladas por Sócrates em 2011. No entanto, o Tribunal Constitucional não permitiu que o corte fosse por todo o período de ajustamento e só autorizou o corte em 2012.
Mas houve mais. A contribuição extraordinária de solidariedade passa a ser de 25% no montante acima dos cinco mil euros e de 50% acima dos 7.500 euros. E esta contribuição que implicava corte nas pensões não se ficará por aqui nos tempos de Passos Coelho. Em 2013, a contribuição extraordinária passa a abranger pensões acima de 1.350 euros.
- 3,5% sobre a totalidade das pensões de valor mensal entre 1350 e 1800 euros;
- 3,5% sobre o valor de 1.800 e 16% sobre o remanescente das pensões de valor mensal entre 1.800,01 e 3.750 euros, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5% e 10%;
- 10 % sobre a totalidade das pensões de valor mensal superior a 3.750 euros;
- mantém os 25% para os valores acima de 5.000 e de 50% acima de 7.500 euros.
O Governo, para 2013, volta a tentar cortar os subsídios de férias (e implementa o pagamento do subsídio de natal em duodécimos) aos pensionistas — ainda que tenha reformulado a proposta — mas o Tribunal Constitucional volta a chumbar os cortes.
Em 2014 volta a haver novo corte, indo mais abaixo nos valores de pensões. A CES passa a ser de 3,5% sobre a totalidade das pensões de valor mensal entre 1.000 e 1.800 euros, com uma cláusula de salvaguarda: nos casos em que a aplicação da CES “resulte uma prestação mensal total ilíquida inferior a 1.000 euros, o valor da CES devida é apenas o necessário para assegurar a perceção do referido valor”.
O Governo esforçava-se para fazer passar a mensagem de que “a medida isenta mais de 2,7 milhões de pensionistas, só se aplicando a partir de um valor mínimo. A proporcionalidade e a adequação estão assim respeitadas, conseguindo o Governo desta forma uma solução provisória e excecional para a difícil questão da sustentabilidade financeira. A CES aplica-se agora a 401.858 pensões, o que corresponde a 12,5% do total dos pensionistas. O mesmo quer dizer que o Governo isenta da CES 87,5% dos pensionistas”, dizia em 2014.
Em 2015, com Portugal já fora do programa de ajustamento e em ano de eleições, o Governo de Passos Coelho começa a baixar a contribuição extraordinária de solidariedade, que volta a abranger os valores mais elevados. A contribuição corta 15% dos valores de pensões acima de 4.600 euros e 40% nos que excedam 7.100 euros.
Durante o período de ajustamento houve ainda, a começar em 2012, a suspensão de reformas antecipadas com exceção feita aos desempregados de longa duração. O descongelamento aconteceu em 2015, mas de forma parcial para os trabalhadores com idade igual ou superior a 60 anos e 40 ou mais anos de descontos. O Governo anunciou, então, um regime transitório em 2015, antecipando, desde logo, que em 2016 se retomaria a legislação.
E assim, em todos estes anos do Governo de Passos Coelho, além da aplicação da CES, não houve atualização das pensões pela legislação que determina aumentos em função da inflação e do crescimento económico. No entanto, as pensões mínimas aumentaram sempre durante a troika pelo governo da coligação. Ainda assim, parece não haver dúvidas que foi durante este período de governo PSD/CDS que houve o maior corte nas pensões.
A CES só seria totalmente eliminada em 2017, com um corte a metade em 2016, já o primeiro-ministro era António Costa.
E o que não foi feito?
Não é novo o ataque ao PSD/CDS por alegadamente ter tentado o corte permanente das pensões. Em 2012, o Governo põe em cima da mesa a chamada Lei da Convergência das pensões da Caixa Geral de Aposentações com a Segurança Social, com o recálculo das reformas em pagamento pela CGA (funcionários públicos). E isso determinaria um corte de 10% nas pensões acima de 600 euros. Esta medida estava contabilizada em cerca de 400 milhões de poupança em 2014. Mas o Tribunal Constitucional chumbou por unanimidade este corte. Mas a mesma lei avançou na medida que estabeleceu uma nova fórmula de cálculo para as pensões dos funcionários públicos.
Houve ainda outro não do Constitucional que se enquadra nas tentativas de PSD/CDS tentarem um corte alegadamente permanente nas pensões. Foi o caso da chamada Contribuição de Sustentabilidade que tinha por base a CES e seria aplicada às pensões acima de 1.350 euros. Implicava um custo de 440 milhões de euros. Passos Coelho anunciou-a em 2013 e Paulo Portas, que era seu parceiro da coligação, mostrou pública discordância sobre a que ficou conhecida como a TSU dos pensionistas. Portas até protagonizaria uma demissão dita irrevogável mas que afinal não foi. Portas manteve-se no governo. Esta contribuição de sustentabilidade acabou chumbada pelo Tribunal Constitucional. Mais uma. O Constitucional considerou-a uma medida de caráter permanente, lembrando o Tribunal que as pessoas que se reformam estão, desde 2008, sujeitas ao fator de sustentabilidade (que aliás foi também mudado no tempo da troika passando a ser calculado com base na esperança de vida aos 65 anos em 2000, esperança de vida que passou também a ser considerada para a evolução da idade de reforma).
Estas foram as medidas não implementadas e que foram anunciadas. No Programa de Estabilidade e Crescimento de Maria Luís Albuquerque, de 2015, inscreveu-se o objetivo de obter um impacto positivo de 600 milhões de euros no sistema de pensões, “independentemente da combinação entre medidas de redução de despesa ou de acréscimo de receita que venha a ser definitiva”. Não são referidas medidas específicas, nomeadamente de corte de pensões, para a obtenção desse impacto, mas a oposição nunca mais deixou de se referir a esta inscrição como a intenção de cortar as reformas.
O que aconteceu nos governos de António Costa?
Os governos de António Costa, além de terem posto fim à CES, aumentaram todos os anos as pensões. Desde 2017 a 2022 (inclusive) houve aumentos extraordinários das pensões. Em 2023 tal foi interrompido, assim como a fórmula de cálculo das pensões (de forma temporária). E é aqui que Luís Montenegro quer chegar. Quando anunciou medidas para ajudar a mitigiar a inflação, em setembro de 2022, o Governo de António Costa anunciou que em janeiro de 2023 os pensionistas só iriam receber metade do valor da atualização das pensões que corresponderia a esse ano, compensando-se com um bónus logo nesse mês de outubro da outra metade. Significava, no argumento do Governo, que receberiam a totalidade da atualização, em duas fases, uma delas até de forma antecipada. Só que na prática tal significava que para futuro só iria ficar para o cálculo das pensões metade do valor, ou seja, mil milhões seriam “apagados” das pensões futuras.
O que significava que não aplicava verdadeiramente a lei da atualização das pensões, o que só tinha acontecido cinco vezes para travar aumentos: em 2011, 2012, 2013 e 2015; e em três ocasiões — 2010, 2014 e 2021 — para evitar uma descida.
O Governo de Costa acabou por emendar a mão e anunciou, já em 2023, que iria pagar em julho metade da pensão de 2023 e que em 2024 a atualização das pensões passaria a incorporar a fórmula da lei na sua totalidade. E assim o Governo socialista de Costa não ficou associado a uma não aplicação da fórmula de atualização. Ou seja, Montenegro recordou este caso, mas certo é que Costa não cortou mil milhões nas pensões no final do processo.
Agora está a avançar um estudo sobre a sustentabilidade da segurança social. O que virá depois não se sabe. O que ficou para trás continua a ser arma de arremesso. E lá bem atrás ainda ficou a atribuição aos pensionistas do 14.º mês. Cavaco Silva, então primeiro-ministro, anunciava em maio de 1990 este pagamento dizendo que “pela primeira vez na nossa história a economia está em condições de aguentar um acréscimo substancial de despesa, fazendo justiça aos pensionistas”.