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“Eu trabalho, não sou chulo do Estado, não sou senhor deputado, não ganho cinco mil euros para chular os portugueses. Eu quero ir para lá [Assembleia da República] e dizer exatamente isto: ‘vão mas é trabalhar!'”. A acusação, esta semana, veio de Gonçalo da Câmara Pereira, cabeça de lista por Lisboa do Partido Popular Monárquico, e é uma variação daquilo que é frequente ouvir-se em campanha ou nas redes sociais. Mas, afinal, quanto ganham os políticos? E em comparação com os funcionários públicos? E quanto ganham os principais gestores? Tudo pesado, o que pensam os políticos sobre isso?
Todos os salários de detentores de cargos políticos são calculados em função do salário bruto do Presidente da República — 6.688 euros brutos (a que acresce 25% de despesas de representação). O Presidente da Assembleia da República recebe 80% do salário do chefe de Estado, o primeiro-ministro 75%, o vice-primeiro-ministro 70%, um ministro 65%, um deputado em regime de exclusividade 50%, o presidente da Câmara de Lisboa e Porto também 50%.
Atualmente, um ministro recebe, por mês, 4.334,79 euros de vencimento bruto. Ou seja, sem contar com subsídio de alimentação, despesas de representação (que correspondem a 40% do respetivo vencimento base) e outro tipo de ajudas (como deslocações ao estrangeiro, por exemplo), que, naturalmente, acrescem a este valor. O mesmo se aplica ao primeiro-ministro: este ano, Pedro Passos Coelho recebe um salário mensal de 5.001,68 euros brutos, menos 12% do que recebia em 2010, antes dos cortes.
No caso dos deputados, alguém que esteja em São Bento em regime de exclusividade recebe 3.341,96 euros brutos de salário base. No caso dos deputados que não estão ao abrigo desse regime o valor é ligeiramente superior – 3.360.48 euros – mas, ao contrário dos deputados em regime de exclusividade, não têm direito às despesas de representação (341,46 euros). A estes valores acrescem ainda outros abonos (despesas de representação, deslocações em trabalho, por viverem longe, entre outros) e ainda subsídio de alimentação. O mesmo acontece com os presidentes do grupo parlamentar que, apesar de terem um salário inferior ao de um deputado, recebem mais 681,4 euros em despesas de representação.
Mas atenção que estes são todos valores brutos, ou seja, antes de impostos e descontos para a Segurança Social, pelo que não correspondem ao montante que efetivamente estes titulares levam para casa ao final do mês. Para que tenha uma noção, considerando apenas o vencimento base bruto de um ministro casado com um filho dependente, que está atualmente nos 4.334,79 euros, de acordo com a calculadora do Jornal de Negócios, o salário líquido, sem duodécimos, do ministro passa para os 2.380 euros mensais.
Em 2010, o governo de José Sócrates viu-se obrigado a aplicar medidas de austeridade para tentar colocar um travão na derrapagem das contas públicas. E a classe política, assim como a toda a função pública, não ficou à margem deste processo. Em junho desse ano, o primeiro corte salarial, de 5%, abrangeu a Presidência da República (Casa Civil e Casa Militar), os gabinetes do Governo central e regional, deputados, gestores públicos e equiparados, assim como gabinetes de presidentes de câmara e vereadores e governos civis. Em outubro, novo corte: 10% para todos funcionários públicos com salário bruto superior a 4.200 euros.
“É evidente que os políticos não são bem pagos”
A maioria dos políticos ouvidos pelo Observador defende que a classe deveria ser melhor remunerada. No entanto, poucos definem como prioritário a revisão dessa folha salarial. E há também quem, mesmo reconhecendo que os políticos, regra geral, recebem mal, diga que há muitas portas que se abrem e que são muito mais profícuas do que qualquer salário que se possa receber.
Ao Observador, um ex-ministro socialista, que preferiu manter o anonimato, admitiu que é difícil defender publicamente a revisão da folha salarial dos detentores de cargos políticos quando “os portugueses atravessam tantas dificuldades” – para quem “ganha 600 euros ou até está desempregado” esse discurso poderia até parecer “uma afronta”.
Mas há quem não tenha rodeios em falar sobre o tema. António Pires de Lima, ministro da Economia, critica o “compromisso tácito entre os partidos para não se tocar no assunto”. Uma “espécie de compromisso populista” para não se rever uma situação que é injusta, sobretudo tendo em conta a “disparidade grande entre o que se paga em níveis de responsabilidade no setor privado e os cargos políticos e alta administração pública”.
Quando assumiu a pasta da Economia, em julho de 2013, o ex-diretor executivo da Unicer foi ganhar 10 vezes menos para o Governo, como chegou a noticiar o Jornal de Negócios na altura. Em 2012, o ano imediatamente anterior a entrar para o Governo, declarou ter ganho 826 mil euros. Hoje, depois de ter já garantido que não voltará à vida política, como explica que tenha trocado o setor privado por um cargo no Executivo de Passos Coelho? “É um misto do sentido de dever moral com o sentido de realização, porque aquilo que se faz tem um impacto muito grande na sociedade. É a noção de serviço. De se achar que se é necessário”. Não foi pelo salário, porque “é evidente que os políticos não são bem pagos“, sublinha ao Observador.
Isto significa que os salários dos detentores de cargos políticos devem ser revistos? “Não“, realça Pires de Lima. “Este não é o momento oportuno. Era impossível rever os salários num período de assistência financeira. E agora ainda não é o tempo. Foi o tempo há 10/15 anos, mas não se aproveitou. Agora, devemos esperar por uma altura em que a vida e os indicadores sociais sejam mais compatíveis com um aumento salarial“.
Esta questão não é de agora. Almeida Santos, fundador do PS, defendeu, em 2008, o “aumento de salário para os deputados para melhorar a imagem dos mesmos e credibilizar a classe política portuguesa“. Marinho e Pinto, ex-bastonário da Ordem dos Advogados e atual líder do PDR, disse o mesmo em 2014. “Em Portugal [os deputados] ganham pouco, é quase cinco vezes menos que um deputado europeu. Não é digno“. O que têm em comum os dois? Incendiaram a opinião pública e deixaram a classe política desconfortável. O salário dos políticos é um tema quase tabu – sobretudo depois dos sacrifícios a que os portugueses estiveram obrigados nos últimos quatro anos.
Estamos a perder “cérebros” para o setor privado?
É uma crítica apontada pela quase generalidade dos políticos ouvidos pelo Observador: a remuneração associada ao exercício de funções políticas não parece compensar o grau de escrutínio e de exigência inerentes ao desempenho destas funções. Sobretudo, com o setor privado ali tão perto e tão atrativo.
“Não há ninguém que vá para a política se tiver a oportunidade de ir para o setor privado“, começa por dizer Hugo Velosa, histórico deputado social-democrata que recentemente anunciou que ia deixar a Assembleia da República. “Estou convencido de que vai haver uma fuga de cérebros para o setor privado. E o perigo é haver cada vez menos qualidade na política“, reforça.
Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças, afina pelo mesmo diapasão. “As pessoas só acham bem os ordenados dos jogadores e treinadores de futebol“, quando se fala de políticos o caso muda de figura. O facto de os cargos políticos serem, na opinião de Catroga, “mal remunerados”, reduz de forma significativa “o campo de recrutamento” para a classe política. “Um jovem de 30/40 anos, com ambição, competência e capacidade para ingressar no setor privado não escolhe a política“.
O economista que em 2010 coordenou em nome do PSD o acordo com o governo de José Sócrates para a viabilização do Orçamento do Estado de 2011 fez o percurso inverso: começou no setor privado, foi ministro de Cavaco Silva e regressou ao privado. Pelo meio, recusou vários convites para cargos ministeriais. “Tive várias oportunidades [para ingressar na vida política] desde o 1º Governo Constitucional. Mas o meu objetivo não era fazer carreira política. Não me era atrativa“.
Em 1985, no primeiro mandato de Cavaco Silva como primeiro-ministro, ainda hesitou, recorda ao Observador. Mas acabou por declinar o convite. Estava “a caminho dos 50 anos, tinha filhas em idade escolar” e, como tal, “não podia fazer esse sacrifício financeiro“.
Oito anos depois, em 1993, depois de a “vida profissional no setor privado ter corrido bem” e depois de alcançados “muitos dos objetivos pessoais e financeiros”, a decisão foi diferente. Aceitou tornar-se ministro das Finanças e foi receber “menos 15% do que ganhava no privado“. Eduardo Catroga explica que sentiu a necessidade “de vestir a camisola nacional” e de ajudar o país a recuperar economicamente e a reunir condições para cumprir os critérios do Tratado de Maastricht.
Hoje, o economista que é presidente do Conselho Geral e de Supervisão da EDP (que ganha cerca de 35 mil euros por mês) descarta um regresso aos corredores de São Bento. Deixou-o em 1995, já “farto da intensidade de trabalho” e das “críticas” de que todos os dias era alvo para, no fim, “ganhar 2 mil euros por mês“. Para se ser político é “preciso paciência e poder de encaixe” que, reconhece, agora não tem. As condições financeiras não ajudam e “mais tarde ou mais cedo vão acabar por afetar a qualidade média da classe política“.
Fernando Ruas, ex-presidente da Câmara Municipal de Viseu e atual eurodeputado, também alerta para esta situação. Sem “um salário condigo” para a classe política “a possibilidade de se ter um leque maior” de pessoas com competência para exercer cargos “de grande responsabilidade” torna-se menor.
“Claro que é simpático e popular [dizer que os políticos ganham muito]” – “até há gente que acha que os políticos devem pagar para serem políticos” – mas isso está longe de ser verdade, defende o social-democrata.
João Cravinho, ex-ministro do Equipamento de António Guterres, tem uma visão diferente de Eduardo Catroga e de Fernando Ruas, ainda que reconheça que as assimetrias existem. Os detentores de cargos políticos “ganham cinco ou seis vezes mais” do que o “salário médio nacional”, mas, “se olharmos para o setor privado e compararmos funções que exigem o mesmo grau de competência e de preparação” os políticos “não ganham um décimo” do que ganham esses profissionais.
Mas isso não significa que os salários dos políticos devam ser revistos, sublinha Cravinho. Até porque “os lugares políticos não são preenchidos segundo o modelo de economia de mercado. As regras são outras”.
Mesmo admitindo que o “desafio de atrair pessoas de grande competência e de grande sentido cívico” para a política é “complexo”, o socialista recusa-se a falar em “sacrifícios”. “Quando há políticos que falam de sacrifícios deveria cair-lhes um raio em cima. Não faz sentido falar em sacrifícios“.
O mesmo diz Carlos Encarnação, ex-presidente da Câmara Municipal de Coimbra e antigo Governador Civil. “Os políticos têm de ter carreira para além da política. A política não era, nunca foi, nem deve ser” uma forma de enriquecer, sublinha.
Em declarações ao Observador, o social-democrata lembra, a propósito, uma conversa que teve “com um jovenzinho” que tinha sido eleito pela primeira vez deputado e que celebrava o facto de ir receber qualquer coisa como 2 mil euros – “o problema dele é que nunca tinha qualquer emprego na vida“, insurge-se.
Apesar de reconhecer que a classe política “não é bem remunerada se tivermos em consideração cargos comparáveis” na administração pública e privada, Carlos Encarnação defende que os salários dos políticos “não devem ser revistos“. O que deve ser acautelado, isso sim, é um mecanismo compensatório que permita aos políticos que deixaram a sua carreira para assumir um determinado cargo terem algum fôlego financeiro quando regressam à vida normal. Uma “contra-prestação” sob forma de “indemnização compensatória ou pensão vitalícia” que garanta que os ex-políticos não regressem ao mundo real “sem paraquedas”.
E é disso mesmo que se queixa Ricardo Gonçalves, ex-deputado socialista e atualmente professor efetivo de Filosofia. Nunca ganhou dinheiro com a política, “até gastou do próprio bolso” e a carreira no ensino ficou prejudicada sem qualquer compensação pelos anos que esteve na Assembleia. Todos os seus colegas tinham progredido na carreira e o bracarense tinha perdido a corrida. Por isso, hoje diz: “Prefiro ganhar 1.500 euros em Braga como professor do que 3.000 em Lisboa como deputado“, numa cidade onde os custos de vida são bem superiores.
O socialista não esconde algum desencanto pela política. “Neste momento, ser político não é prestigiante nem ao nível financeiro, nem ao nível social. O pessoal foge da política e não está para se chatear com esta porra. As elites abandonaram a política. Vai valendo a Portugal que ainda existiam políticos que aguentem isto”.
Sim, mas a política não serve também de trampolim para voos maiores?
Se é verdade que os salários da classe política não são tão atrativos quando comparados, por exemplo, com outros valores oferecidos por empresas do setor privado, não será também verdade que os políticos usam muitas vezes os cargos que ocupam para criarem uma rede de relações que, no futuro, pode vir a ser muito mais profícua do que qualquer cargo ministerial? “Branco é, galinha o põe“, responde o socialista João Cravinho.
Ao Observador, o ex-ministro do Equipamento de António Guerres recordou uma história contada pelo professor Francisco Leite Pinto, ministro da Educação entre 1955 e 1961. A certa altura, Leite Pinto contou-lhe uma conversa que tinha tido com um amigo, seis meses depois de ter assumido funções no Governo. Esse colega ligara na altura para lhe dar os parabéns pela nomeação e desculpara-se por ter demorado tanto tempo a fazê-lo. Ao que Leite Pinto respondeu de imediato: “‘Oh meu caro, julgava-o mais inteligente. O importante não é ser ministro, é ser ex-ministro”. No fim do mandato, fecham-se muitas janelas, mas escancaram-se outras portas.
Para Cravinho, quem deixa de exercer funções a esse nível acaba por ficar “com uma lista telefónica que vale não sei quanto“. E, por isso, há quem procure na experiência política uma forma de ter algo “para acrescentar ao currículo“, para satisfazer uma “ambição” ou algo que lhe permita sair “valorizado no mercado de trabalho ou no mercado de lobbying”.
Também Eduardo Catroga recorda a piada que circulava nos corredores do poder no tempo da “velha senhora”: “O importante não é ser ministro, é ser ex-ministro”. Para o economista, “hoje não será tanto assim”, embora reconheça que há “um valor incorpóreo” e “meramente potencial” na “rede de relações” criada durante o exercício de funções que “pode ou não concretizar-se”. “Comigo nunca aconteceu”, garante.
E, neste ponto, todos os políticos e ex-políticos parecem concordar: existe, de facto, a possibilidade de a política servir de desbloqueador para voos maiores. Um “trampolim” valioso, como lhe chamou Carlos Encarnação. Mas a maioria prefere dizer que essa é a exceção, não a regra. E é isso mesmo que começa por dizer o ex-presidente da Câmara de Coimbra: “Claro que há pessoas que se aproveitam” da ascendência que ganham na política para lucrarem noutros palcos. Ainda assim, “há muita gente honesta na política” e são esses os exemplos que devem ser lembrados, sublinha.
É isso que diz também o ex-deputado comunista Octávio Teixeira. “Em termos comparativos, os deputados portugueses não recebem nem nada do que se pareça com o que recebem os deputados na maioria dos países da União Europeia” e se é verdade que esse tal “trampolim” pode servir para “meia dúzia de anteriores membros de governo e a alguns deputados” mas “é uma estupidez [generalizar-se]“.
Uma opinião partilhada por Fernando Ruas. “Claro que [essa realidade] existe. Não vale a pena tapar o sol com a peneira. Mas essa não é a regra”.
Mas o que significam estes números num país com salário médio de 911,5 euros por mês?
Todos os políticos ouvidos pelo Observador reconhecem que a classe é mal remunerada se tivermos como comparação os salários praticados na Europa, no setor privado em Portugal e, até, entre altos gestores públicos. Os políticos ganham pouco, é um facto, garantem. Mas e os portugueses?
Essa questão foi levantada por Octávio Teixeira e João Cravinho e os números parecem dar-lhes razão: de acordo com os dados disponíveis no Pordata relativos a 2013, o salário médio em Portugal era de 911,5 euros mensais. Mais: de acordo com os dados da Eurostat, o salário mínimo praticado em Portugal em janeiro de 2015 foi de 589 euros.
A título de exemplo, um professor de 48 anos, com 22 anos de serviço recebe 1.864 euros brutos por mês. Um agente da PSP em início de carreira depois de concluído o curso de profissional de polícia vai ganhar 789,54 euros. Se chegar a intendente, inicia a carreira com um ordenado base (bruto) de 2.540,27 euros.
Na área da Defesa, de acordo com dados da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), alguém que inicie a carreira militar como soldado terá uma remuneração base de 683,13 euros. Se conseguir chegar até tenente-coronel poderá vir a ganhar 2,540.27
Na saúde, e de acordo com o que a revista Sábado noticiou em novembro de 2014, um diretor de serviço do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHNL) pode receber um salário ilíquido de 18.740 euros. Também na Saúde, uma assistente hospitalar não graduada que tenha um horário de 42 horas semanais, tem um salário de 4.097,5 euros. Já um magistrado do Ministério Público, com 43 anos e 17 de serviço, recebe 4.097,57 euros.
Passos ganha muito? O gestor mais bem pago do país recebe muito mais
Em 2012, o Executivo liderado por Pedro Passos Coelho criou a Tabela Remuneratória dos Gestores Públicos, onde definia os respetivos tetos salariais para estes profissionais. Assim, os gestores de empresas de Classe A, teriam direito ao mesmo vencimento do primeiro-ministro. No entanto, para “empresas cuja principal função seja a produção de bens e serviços mercantis, incluindo serviços financeiros, e relativamente à qual se encontrem em regime de concorrência no mercado”, esses gestores poderiam optar pelo “valor correspondente à remuneração média dos últimos três anos do lugar de origem”.
Assim o fez José de Matos, presidente da Caixa Geral de Depósitos (CDG): em 2014, recebeu 16.578,28 euros mensais (a 14 meses), quase três vezes mais do que Pedro Passos Coelho tinha recebido no mesmo ano.
O mesmo aconteceu com o novo presidente do conselho de administração da RTP, Gonçalo Reis, e Nuno Artur Silva, que também optaram pela remuneração média dos últimos três anos do lugar de origem – têm uma remuneração mensal de 10.000 euros e 7.390,29 euros, respetivamente, sem despesas de representação.
Ainda no setor público, em 2013, os presidentes dos conselhos directivos das entidades reguladoras recebiam entre 14 e 15 mil euros ilíquidos por mês. É o caso de Vítor Santos, por exemplo. O presidente do conselho de administração da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos recebeu 14.282,01 euros por mês.
Já o governador do Banco de Portugal, recebe 15.572,67 euros mensais e até já teve uma remuneração bem mais simpática: em 2009, antes dos cortes aplicados à função pública, Carlos Costa recebia mais de 17 mil euros.
No final de 2013, o Diário de Notícias dava conta que existiam 50 gestores públicos a receberem mais do que Aníbal Cavaco Silva. Mais: 33 desses gestores ganhavam mais de dez mil euros mensais, mais do dobro do vencimento de Pedro Passos Coelho. O DN até dava o exemplo de Fernando Pinto: de acordo com o relatório anual da TAP, entretanto privatizada, o ex-presidente da companhia aérea recebia um salário anual ilíquido de 420 mil euros (30 mil euros/mês), seis vezes mais do que o primeiro-ministro e 120 mil euros acima do que recebia o Presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama (300 mil euros anuais).
Se as discrepâncias existem mesmo dentro do setor público, no setor privado as diferenças para os salários praticados pela classe política são abissais. Basta olhar para os gestores das principais empresas portuguesas cotadas em bolsa. A liderar a lista está Pedro Queiroz Pereira, presidente da Semapa: em 2014, conseguiu 2,4 milhões de euros com os honorários recebidos nas várias sociedades do grupo.
Mas há mais. Fernando de Oliveira (Galp) chegou aos 1,7 milhões num ano; José Honório (Portucel) conseguiu 1,48 milhões em honorários; Paulo Azevedo (Sonae) recebeu 1,2 milhões e António Mexia (EDP) 1,15 milhões de euros. Fernando Ulrich (BPI) fecha a lista dos milhões/ano, com um salário de 1,12 milhões. A título de exemplo, Pedro Passos Coelho teria de trabalhar mais de 35 anos para receber o mesmo que Pedro Queiroz Pereira recebeu em 2014 na Semapa.
Luís Sítima, diretor executivo do Hay Group Portugal, uma consultora de gestão, reconhece que as diferenças entre a remuneração dos diretores executivos das principais empresas e os detentores de cargos políticos, como o primeiro-ministro por exemplo, existem em Portugal e no resto do mundo, mas lembra que os “respetivos ‘mercados’ têm dinâmicas muito diferentes“.
Os dados da consultora não deixam grande espaço para dúvidas: o presidente executivo de uma pequena empresa pode ganhar um salário base de 183.843 euros anuais. Se olharmos para um presidente executivo de uma grande empresa, ele pode vir a ganhar 600.000 euros anuais, mais 1 milhão em bónus e comissões.
“A justificação de base é muito simples”, começa por explicar Luís Sítima: “Tem a ver com a remuneração que os acionistas estão disponíveis para pagar a quem lidera as suas organizações. No setor público, esses ‘acionistas’ somos nós, os cidadãos em geral, que financiamos o Estado através dos nossos impostos. A valorização financeira é por isso muito superior no setor privado”. Ainda assim, é preciso lembrar que no “setor público outros valores se levantam, como o sentido de missão, a noção de serviço público e a oportunidade de fazer a diferença para a sociedade em geral“.
Mesmo insistindo que o fator remuneração não é, nem deve ser, o primeiro critério para quem abraça uma carreira política, o diretor-executivo da consultora não deixa de colocar a questão: “[É] sempre discutível se, com valores consideravelmente mais baixos em funções governamentais, teremos ou não capacidade de atrair os melhores para o desempenho dessas funções”. Por outro lado, “também é discutível se a motivação financeira deva ser um fator chave nessa atração. A prática corrente a nível global tende a responder negativamente a esta questão“.
Mas, neste caso, quais são as motivações para se aceitar um cargo político? Luís Sítima tem uma visão mais otimista do que alguns políticos ouvidos pelo Observador. “A motivação hoje, como sempre foi, está associada ao contributo para a criação de valor para a sociedade, ao impacto que pode criar para os outros, à prossecução de uma missão e de um ideal que pode fazer a diferença, no país e no Mundo. Todas estas são motivações intrínsecas que extravasam em muito a remuneração financeira“.
Quanto se ganha na Liga dos Campeões da Política?
Como lembrava o ex-deputado comunista Octávio Teixeira, o salário dos políticos portugueses é inferior à média salarial da classe política na Europa. E tem razão: os políticos portugueses são dos mais mal pagos da União Europeia. Era esta a conclusão a que chegava o Diário de Notícias em 2014, depois de comparar o salário de deputados de 19 países do espaço comunitários. Nessa lista, apenas três países pagavam menos aos deputados do que os portugueses: Chipre, Espanha e Polónia.
A liderar a tabela, estava a Itália, com um vencimento bruto anual para deputados de 139.282,00 euros. Seguia-se a Holanda (107.006,00 euros) e a fechar o pódio a Áustria (99.080,00 euros).
Mas as diferenças não se ficam por aqui, basta olhar para a folha salarial dos principais líderes europeus: François Hollande, Presidente Francês, ganha 14.910 euros por mês; David Cameron, primeiro-ministro britânico, ligeiramente mais – 15,833.00 euros; e Angela Merkel leva o ouro com 24.167 euros, quase cinco vezes mais do que Pedro Passos Coelho.
Em Bruxelas, no Parlamento Europeu, também se joga na Liga dos Campeões dos Salários. A remuneração dos eurodeputados fez capa de jornais depois de Marinho e Pinto, então eurodeputado eleito pelo MPT, ter descrito como “vergonhoso” o facto da remuneração de um eurodeputado poder “chegar aos 17 mil euros por mês”.
Perante estes números, a generalidade dos políticos ouvidos pelo Observador, admite que é difícil falar em aumento salarial para a classe política. Mesmo que todos reconheçam que a classe é mal paga e que uma parte defenda que é preciso rever esses valores, sob pena de os cargos políticos se tornarem pouco atrativos, essa é uma questão que não se coloca nesta altura. Assim resume o histórico deputado social-democrata Pedro Lynce. “Os salários [dos políticos] deviam sofrer uma ligeira melhoria. Mas nesta altura as pessoas têm dificuldades em aceitar uma resposta dessas. É verdade que os cortes nos afetaram fortemente, mas numa altura em que os portugueses atravessam tantas dificuldades, não era justo [rever a tabela salarial]. Não seria eu a aprovar uma medida dessas“.
Ilustração e arte: Milton Cappelletti