“Independentemente de tudo que possa acontecer, fiz parte de uma legislatura que fez História”. “Sei que se fez história, mas foi uma história má”. “Se me for embora, tenho muita pena, independentemente das dificuldades que tivéssemos no futuro”. Vivem em cidades diferentes, tem formações distintas, mas uma coisa em comum: sentaram-se pela primeira vez no Parlamento em outubro e mal tiveram tempo para aquecer o lugar. Quase um quinto das bancadas parlamentares do PSD e do CDS mudam com a queda do Governo e com o regresso de ministros e secretários de Estado ao Parlamento – 19 ao todo. Do PS, saem 21 deputados para o novo Governo.
Miguel Peixoto, deputado do PSD e que entrou pela primeira vez na Assembleia da República este mandato, está a viver um “duelo de emoções”. Este deputado de 30 anos era 13º da lista de Braga e não foi eleito, mas a subida de três eleitos – Jorge Moreira da Silva, Fernando Negrão e Emídio Guerreiro – ao Governo, fez com que fizesse as malas e viesse para Lisboa. Por um lado, há a alegria de estar a participar num momento histórico para o país e a realização de uma vontade de exercer mandato como deputado, por outro, a infelicidade de estar a presenciar “um momento triste”. “Foi uma falta de sentido de Estado, eu nem queria acreditar. Derrubar um Governo eleito legitimamente apenas por uma questão de carreirismo”, lamentou o deputado.
Também o deputado social-democrata António Rodrigues, 5º na lista de Viana do Castelo e que veio para o Parlamento depois de Luís Campos Ferreira assumir novamente funções como secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, sente alguma ambiguidade sobre o início do seu mandato. “Sei que se fez história, mas foi uma história má”, considera o investigador científico.
Quem volta à Assembleia?
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Há 19 membros do Governo que foram eleitos a 4 de outubro como deputados. Passos Coelho, Paulo Portas, Maria Luís Albuquerque, Aguiar-Branco, Fernando Negrão, Jorge Moreira da Silva, Assunção Cristas, Pedro Mota Soares, Margarida Mano, Teresa Morais, Carlos Costa Neves, Manuel Rodrigues, Luís Campos Ferreira, Emídio Guerreiro, Virgílio Macedo, João Almeida, Pedro do Ó Ramos, Pedro Lomba e José Cesário são os governantes que têm assento na Assembleia.
Tanto Miguel Peixoto como António Rodrigues são “efetivos temporários”, ou seja, exercem mandatos na vez de deputados que foram chamados ao Governo e, por isso, deixaram o seu lugar vago no Parlamento. Com a queda recente do segundo executivo de Passos Coelho e a presumível tomada de posse de um novo Governo, os antigos ministros e secretários de Estado da coligação podem decidir voltar à Assembleia e retomar o seu lugar, fazendo com que quem os substitui tenha uma curta experiência como deputado da Nação. Entre CDS e PSD há 19 deputados nesta situação, cerca de um quinto de todos os eleitos (107).
Temporário? Talvez nem tanto assim
No entanto, os deputados nesta situação com quem o Observador falou acreditavam que o seu mandato pode não ser assim tão curto. “Independentemente de tudo que possa acontecer, fiz parte de uma legislatura que fez História. E não é verdade que não haja alternativa para além da indigitação de António Costa. Está nas mãos do Presidente e não considero que esta minoria de esquerda tenha demonstrado cumprir as exigências do Presidente que são essenciais para a estabilidade do país”, considerou a deputada centrista Lília Águas, 12ª na lista de Aveiro e que veio para o Parlamento depois de João Almeida renovar o cargo como secretário de Estado da Administração Interna.
A possibilidade de um Governo de gestão também era ponderada por Filipe Anacoreta Correia, deputado do CDS em substituição de Paulo Portas – eleito nas listas de Lisboa. “A decisão está nas mãos do Presidente”, garantiu o deputado, que embora tenha assumido relevo no CDS nos últimos anos, chega agora pela primeira vez ao Parlamento. O centrista considera que a situação a “prazo” na Assembleia não facilita o trabalho parlamentar, já que era importante avançar “com diplomas ou comissões”, mas sem Governo e sem saber quem regressa à Assembleia, os trabalhos não avançam da mesma forma.
Celeste Cardoso, deputada eleita por Braga que também subiu nas listas, considera que a “ação política dos deputados está limitada apenas pela sua consciência, pelo programa político que defende e pelas leis que regem o país”. Portanto poder estar pouco tempo na Assembleia não a assusta. Não sei, e muito sinceramente nem estou preocupada. “Sempre encarei precário o exercício de deputada que a qualquer momento pode cessar. Ademais, a minha intervenção cívica e política não se restringe ao Parlamento”, garante Celeste Cardoso, que antes de vir para Lisboa trabalhava como coordenadora técnica num centro de saúde e professora num escola profissional.
No seu último discurso na Assembleia como primeiro-ministro, Passos Coelho prometeu um combate cerrado no Parlamento a um possível Governo liderado por Costa e isso faz antecipar o regresso de muitos ministros e secretários de Estado para fortalecer a oposição. “Cá estaremos a lutar por Portugal como de resto estamos habituados a fazer. […] Sempre disse que não abandonava o meu país, e não abandono. Se não me deixam lutar por ele no governo, como quiseram os eleitores, lutarei no Parlamento”, disse o líder do PSD na terça-feira.
“Se me for embora, tenho muita pena, independentemente das dificuldades que tivéssemos no futuro para fazer oposição”, afirmou Lília Águas, assegurando que prefere “trabalhar a lavar as mãos” sobre o futuro do país.
Um trabalho que pode não vir a ser
Até agora, os deputados que chegaram ao Parlamento por substituição, não tiveram dificuldades em ambientar-se ao novo desafio. “Quando cá cheguei encontrei uma grande disponibilidade e profissionalismo do Parlamento. Tive também a sorte de ter encontrado da parte dos deputados do distrito de Braga um acompanhamento muito próximo”, explicou Celeste Cardoso que no futuro gostava de trabalhar questões relacionadas com Poder Local, Saúde e Ética e que ficou com lugar na Comissão de Ambiente, Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação e é suplente na comissão de Saúde e Cultura.
Também Lília Águas, que tem como principal atividade profissional a advocacia e é vereadora na Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, gostaria de desenvolver trabalho parlamentar no Poder Local. No entanto, foram-lhe atribuídos lugares na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e estará como suplente na Comissão de Defesa e na Comissão de Trabalho.
Também Miguel Peixoto e António Rodrigues tinham preferências, mas para além da organização interna do PSD, pertencem à JSD que dentro da banca parlamentar laranja tem agenda própria, nomeadamente no que diz respeito aos temas ligados aos jovens. “Eu gostava de intervir na Economia, já que é a minha formação académica, e em áreas ligadas à Agricultura já que são temas ligados ao distrito. Tenho também uma segunda responsabilidade de trabalhar par a juventude no âmbito da JSD”, esclareceu o deputado, licenciado em Gestão. Já António Rodrigues, também ligado à JSD, gostaria de estar ligado à Saúde ou Educação e Ciência, devido à proximidade entre os seus temas e a sua ocupação profissional – encontra-se a tirar o doutoramento em Ciências Farmacêuticas.
Com a sua possível saída do Parlamento a curto prazo, o grupo da JSD – que tem ao todo sete deputados na bancada do PSD – ficará reduzido. “Perder pessoas faz com que o trabalho não evolua à mesma velocidade, mas há deputados de valor que farão um excelente trabalho em prol da juventude”, considerou Miguel Peixoto.
Já o mandato de Filipe Anacoreta Correia significa que a tendência Alternativa e Responsabilidade – a corrente crítica da direção de Paulo Portas – tem um deputado no grupo parlamentar, algo que serve para “quebrar um tabu” dentro do partido. Caso tenha de sair do Parlamento, o centrista considera que isso é “algo natural” e que o partido neste momento está unido para fazer frente a um possível Governo à esquerda.