894kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

"Ainda antes do confinamento, as crianças já estavam confinadas, devido a uma confrangedora falta de tempo e de espaço"

Em "Libertem as crianças", que o Observador pré-publica, Carlos Neto explora o paradoxo que é as crianças terem um tempo disponível inferior ao dos prisioneiros: em média, 2 horas por dia.

O sentido de urgência não é de hoje. “Estamos a criar crianças totós, de uma imaturidade inacreditável”, alertava em 2015 Carlos Neto no Observador, naquela que se tornaria provavelmente uma das entrevistas mais partilhadas de sempre (186531 pessoas leram a declaração e deram seguimento à corrente).

A troca de ideias com um dos maiores especialistas mundiais na área da brincadeira e do jogo surtia assim efeito viral, apesar de o interlocutor não ter até então nenhuma obra dirigida ao grande público —  destacavam-se no trajeto de mais de 50 anos de ensino apenas duas obras de cariz académico lançadas no começo dos anos 80. Cinco anos depois, a ameaça do sedentarismo entre as idades mais jovens continua a pairar — e a obra para todos por fim chegou.

“Libertem as crianças” é o mais recente repto do professor jubilado, que reflete sobre estudos e evidências que convocam a atenção de qualquer educador, como esta: cerca de 70% das crianças portuguesas passam menos tempo ao ar livre do que os 60 a 120 minutos que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos recomenda para os reclusos nas prisões. O confinamento e as restrições impostos pela pandemia só pioraram a situação.

Com prefácio de Gonçalo M. Tavares, a obra tem chancela da editora Contraponto e chega às livrarias no dia 6 de novembro. O Observador publica um dos capítulos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Libertar as crianças significa desenhar uma estratégia de desenvolvimento humano, baseada num modelo ecológico e sistémico, em que predomine a aprendizagem inteligente (curiosidade e felicidade), através de uma experiência mais humanista, naturalista, espontânea, lúdica, prazerosa e participativa no confronto com o risco nas situações quotidianas de vida. A vida é todo um jogo de grande incerteza.

Há estudos que têm vindo a demonstrar que as crianças que não satisfazem as suas necessidades terão dificuldades em percecionar e vivenciar o mundo, e que o brincar de forma plena na infância gera adultos felizes, com sucesso, empreendedores e saudáveis ao longo da vida. Um estudo divulgado pela Unilever, realizado em 2016 em 10 países (EUA, Brasil, Reino Unido, Turquia, Portugal, África do Sul, Vietname, China, Indonésia e Índia), com a participação de 12 170 pais, sobre o valor do brincar livre, veio demonstrar uma situação preocupante nas primeiras idades:

–  A maioria das crianças não sai para brincar ao ar livre. Mais de metade (56%) das crianças passa 1 hora ou menos por dia a brincar ao ar livre, 1 em cada 5 crianças passa 30 minutos ou menos ao ar livre e 1 em cada 10 nunca brinca ao ar livre. Em todos os países estudados, as crianças passam 50% do tempo diário em frente aos ecrãs de dispositivos eletrónicos em detrimento de atividades ao ar livre.

–  Os pais consideram que isso é um problema. Dois terços dos pais admitem que os seus filhos brincam menos ao ar livre do que a sua própria geração. A maioria dos pais (56%) concorda que é preciso reequilibrar essas rotinas das crianças, para fazer com que o brincar em diversos contextos possa trazer mais benefícios para o seu desenvolvimento.

–  A esmagadora maioria dos pais (93%) acredita ainda que a diminuição do tempo para brincar ao ar livre pode afetar a capacidade de aprendizagem escolar dos seus filhos.

Em Portugal, a situação na infância, no que diz respeito a esta questão, não se afasta muito destes resultados médios constatados em termos internacionais. A definição de políticas centradas na família, escolas e atividades extracurriculares, tempo de trabalho dos pais e no planeamento urbano tem vindo criar muitas dificuldades relativamente à disponibilização de tempo e de espaços de qualidade para que as crianças possam brincar de forma livre. Os estudos demonstram que:

–  Cerca de 70% das crianças portuguesas passam menos tempo ao ar livre do que os 60 a 120 minutos que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos recomenda para os reclusos nas prisões.

–  Observa‐se que apenas 10,8% das crianças que frequentam creches e jardins de infância brincam nos espaços exteriores/recreios durante os três meses de inverno.

–  Nas creches, os bebés com menos de 1 ano apenas realizam, em média, duas saídas ao exterior durante os três meses de inverno.

–  O número de horas semanais de aulas previstas na matriz curricular do 1.o ciclo para os alunos do 3.o e 4.o ano ronda as 32,5 horas, incluindo as atividades de enriquecimento curricular (AEC).

–  As crianças portuguesas passam 40 horas semanais nas creches e nos infantários, mais 10 horas do que a média europeia.

–  Nos últimos 20 anos, as crianças perderam em média 8 horas de brincadeira livre por semana.

(Estudo realizado pela marca Skip: «Os Valores das Crianças», 2016; Aida Figueiredo, «Interação Criança‐Espaço Exterior em Jardim de Infância», 2015; Matriz Curricular do 1.o Ciclo, Direção‐Geral da Educação, 2016)

Getty Images/iStockphoto

Neste sentido, foi criada uma campanha internacional para chamar a atenção para a diminuição do brincar livre, intitulada Libertem as Crianças.

Libertem as Crianças, cujo objetivo era comparar o tempo de ócio (tempo livre) fora das celas dos prisioneiros com o tempo que as crianças têm no seu quotidiano para brincar. A divulgação deste vídeo por todo o mundo veio alertar a sociedade e provocar uma reflexão mais aprofundada sobre o paradoxo que é as crianças terem um tempo disponível inferior ao dos prisioneiros – em média, 2 horas por dia. Esta campanha foi também divulgada em Portugal (Jardim da Estrela, 2016), promovida pela Skip Portugal e acompanhada por 10 filmes realizados com a nossa participação (disponíveis no YouTube), com o mesmo propósito: a consciencialização da sociedade para a problemática do respeito pela infância e pelo direito ao brincar livre nos espaços exteriores na Natureza e em diversos contextos de vida (escola, rua, cidade).

Ainda antes do confinamento, as crianças já estavam confinadas, devido a uma confrangedora falta de tempo e de espaço para brincarem em liberdade. Se anteriormente já tínhamos uma situa‐ ção bastante preocupante de sedentarismo e inatividade física, devido a agendas muito preenchidas com atividades organizadas, estruturadas e formatadas, que impediam as crianças de terem espaço e tempo para brincarem livremente, situação essa agravada pelas horas que passam sentadas e em frente a ecrãs e dispositivos digitais, não é de estranhar que o isolamento social obrigatório em casa possa ter agravado a sua saúde física e mental.

Necessitamos de libertar as crianças:

1 – Para poderem brincar mais tempo de forma livre: em casa, na escola, na rua e na cidade;

2 – Para adquirirem maior literacia motora e lúdica: oportunidades de espaço e tempo para brincarem de forma livre e serem ativas, no sentido de combater o sedentarismo infantil;

3 – Para terem mais oportunidades de correr mais riscos: confronto com situações desafiantes de natureza motora, cognitiva, emocional e social em diferentes contextos de ação;

4 – Para deixarem de estar muito tempo sentadas e quietas em casa e na escola: incentivar o jogo de atividade física e diminuir os níveis de inatividade física;

5 – De terem agendas muito estruturadas: aumentar o equilíbrio de tempo entre atividades organizadas e atividades não‐formais (tempo livre);

6 – Da superproteção parental e dos «medos» dos adultos: dar mais liberdade de ação, por oposição a relações parentais demasiada‐ mente protecionistas, e promover a consciencialização dos efeitos negativos dos medos devido a proibições verbais ou não‐verbais relativamente às iniciativas das crianças em situações exploratórias do corpo em movimento (brincar e ser ativo) em situação de risco;

“Estamos a criar crianças totós, de uma imaturidade inacreditável”

7 – Da falta de autonomia e mobilidade: promover maior independência a nível de mobilidade (casa‐escola‐cidade) e fomentar a conquista de maior autonomia (motora, emocional e social) nas deslocações do corpo na vida quotidiana;

8 – Para o brincar livre promovido pelas escolas: há que atingir um equilíbrio entre experiências lúdicas em espaços interiores e exteriores e modelos pedagógicos mais consistentes na promoção de pequenos pesquisadores a aprender para um futuro incerto;

9 – Para terem contacto com a Natureza: é muito importante facultar experiências às crianças e perceber os benefícios educativos da relação com o ambiente, aprendendo a criar uma consciência de sustentabilidade para o futuro;

10 – Por meio de políticas públicas para a cidade e do aumento dos níveis de participação da criança: implementar dinâmicas participativas e ouvir as crianças nas decisões relativas a projetos que envolvam crianças, famílias, escolas e instituições artísticas, recreativas, desportivas e comunitárias.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.