A minoria de bloqueio da ala esquerda que impediu a nomeação de Almeida Costa como novo juiz do Tribunal Constitucional (TC) vai ter consequências no futuro próximo. Os juízes da ala direita ficaram incomodados e garantem que não vão viabilizar a substituição de Pedro Machete (cujo mandato já expirou em setembro de 2021 e que seria substituído por Almeida Costa), nem de Lino Rodrigues Ribeiro (mandato que expirará dentro de 20 dias).
Os juízes conselheiros que compõem a ala direita (José Teles Pereira, Benedita Urbano, José Figueiredo Dias, Gonçalo Almeida Ribeiro e Afonso Patrão) querem esperar pelo momento em que João Caupers, o atual presidente do Tribunal Constitucional que foi cooptado pela ala esquerda, deverá expirar o seu mandato: 2023.
Este é um tema sensível para o equilíbrio do regime democrático que até já motivou esta quinta-feira a um apelo do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ao “consenso”. “Se é um problema de diálogo com outros líderes partidários e no quadro parlamentar para se encontrar consenso, encontre-se. Se é dentro do Tribunal Constitucional para se encontrar consenso quanto aos nomes cooptantes que se encontre. Não é uma matéria de vida ou de morte, no sentido em que é o funcionamento das instituições“
O receio de que o PS tente controlar o Tribunal Constitucional
O principal motivo para esta intransigência reside na forma como decorreu o processo falhado de cooptação de Almeida Costa. Causou um grande incómodo no TC (seja no plenário, seja nas estruturas de apoio) a forma como a confidencialidade inerente a todo o processo de cooptação foi quebrada com fugas de informação que são imputadas aos juízes mais interessados em bloquear a eleição de Almeida Costa.
Tudo para quebrar uma norma que existe desde que foi criado o Tribunal Constitucional e o respeito por uma regra fundamental do processo de cooptação de três juízes (que se juntam aos 10 juízes eleitos pelo Parlamento): quando sai um juiz de uma das alas, é a respetiva ala que indica o substituto.
O pano de fundo é simples de explicar: existe um receio na ala direita do TC de que o Partido Socialista, que já tem maioria absoluta no Parlamento, tente prejudicar o equilíbrio ideológico do Constitucional para controlar um tribunal que é essencial no escrutínio do Governo.
Daí que a ala direita queira bloquear as nomeações de dois novos juízes do Constitucional até o mandato do atual presidente, João Caupers, terminar.
O objetivo é promover um consenso alargado que englobe igualmente a presidência do TC. É que, apesar de o PS jurar que a nomeação de João Caupers correspondeu a uma indicação do PSD, na realidade Caupers foi indicado pela ala esquerda.
Como deveria ter acontecido agora, argumenta a ala direita. Caupers foi indicado e aprovado em fevereiro de 2014 para substituir Maria João Antunes — uma conhecida jurista da Faculdade de Direito de Coimbra (uma academia também importante no TC, como a congénere de Lisboa) — que tinha sido igualmente cooptada por indicação da ala esquerda e que exerceu funções entre 2004 e 2013.
Mais tarde, quando foi indicado para substituir Manuel Costa Andrade (indicado pelo PSD) na liderança do Tribunal Constitucional, acabou por ser renegado pela ala esquerda do TC (e do PS) devido a textos seus polémicos recuperados pelo DN sobre a comunidade homossexual.
Tribunal não ficará paralisado
O Constitucional, contudo, não ficará paralisado. É que a lei impõe que, apesar de os mandatos cessarem, os respetivos juízes titulares do cargo só abandonam efetivamente o lugar quando são substituídos. Como Pedro Machete e Lino Rodrigues Ribeiro não deverão ser substituídos, continuarão a exercer o cargo.
Se Pedro Machete, que é vice-presidente do TC, é claramente conotado com a ala direta, já o papel de Lino Rodrigues Ribeiro — que foi igualmente cooptado pelo plenário — é igualmente de uma grande importância.
Na prática, Lino Ribeiro, que é um magistrado de carreira e entra nessa quota, desempenha a função de juiz equidistante. Ou seja, não pertence a nenhuma das duas alas. Daí que o perfil de quem o vá substituir tenha de ser rigorosamente igual.
A proposta para a retirada do nome de Almeida Costa que precedeu os cinco chumbos
Além de toda a publicidade que rodeou o processo de cooptação de Almeida Costa, houve outra questão que causou um grande incómodo no interior do TC. Ao que o Observador apurou, teria sido feito um acordo em que os sete votos necessários para a eleição de Almeida Costa seriam conseguidos com o voto dos cinco da área direita mais os dois votos dos conselheiros José João Abrantes e Joana Fernandes Costa.
Apesar de ambos pertencerem à ala esquerda, os dois tinham assumido o compromisso de assegurarem o cumprimento da norma atrás referida.
Ao que o Observador apurou, o próprio José João Abrantes terá tomado a palavra no debate prévio que antecedeu a votação do nome de Almeida Costa para tecer duras críticas às fugas de informação que acabaram por criar um movimento na opinião pública contra o nome dos proponentes.
Contudo, após a interrupção para o almoço, terá sido o mesmo José João Abrantes (que várias fontes dão como próximo do PS mas que também terá ligações ao PCP) que terá proposto à ala direita a retirada de Almeida Costa e a sua substituição por outro nome mais consensual. Várias fontes da ala direita do TC suspeitam da pressão do PS junto de Abrantes para não viabilizar a proposta em cima da mesa.
15 perguntas e respostas para perceber mais uma polémica no Tribunal Constitucional
Perante esta proposta, a ala direita recusou-a de forma peremptória e insistiu que iria levar a proposta de Almeida Costa até ao fim. A ideia foi a de que cada um assumisse as suas responsabilidades.
E assim foi. O candidato precisava de sete votos favoráveis de um total de dez juízes, mas ficou a um da eleição. O resultado final foi, assim, de seis votos a favor e quatro contra.
E foi confirmado, uma e outra vez: como mandam as regras das eleições do TC, após um primeiro resultado negativo, a votação foi repetida.
No total, houve cinco votações por voto secreto depositado em urna e o resultado foi sempre o mesmo: seis a favor, quatro contra.