Miguel Albuquerque já assegurou as condições para formar governo de maioria através de um acordo com o PAN, confirmou o Observador junto de fonte do governo regional. A decisão vai ser anunciada nos próximos dias, previsivelmente esta terça-feira, como garantiu uma fonte do PSD/Madeira, sendo que os liberais perdem cada vez mais espaço para fazerem parte da solução governativa. Quanto a timings, um dirigente social-democrata é claro: “Quinta-feira, quando formos ao representante da República, já vai estar tudo formalizado”.
Os sociais-democratas ainda vão ter reuniões com PAN e IL, e não é impossível que os liberais voltem a entrar no jogo. Mas seria um volte-face: o mais provável mesmo é que o partido liderado por Rui Rocha fique fora do acordo de governação. “Não precisamos deles. E não confiamos no [Nuno] Morna”, diz um dirigente do PSD-M ao Observador. Ainda assim, e formalismos à parte, a confiança na Quinta Vigia é total: Albuquerque já tinha selado mesmo um acordo com o PAN quando subiu ao palco do Instituto do Vinho no domingo à noite.
Faltam, no entanto, essas formalidades. O PAN está a afinar a sua lista de exigências e a reunir as estruturas. Houve mesmo, sabe o Observador, uma reunião do PAN-Madeira esta segunda-feira, onde o acordo não foi travado. Um eventual acordo com o PAN teria sempre alguns irritantes — um partido ambientalista nunca poderia aceitar o projeto de teleférico do Curral das Freiras ou a Estrada das Ginjas, em São Vicente. No entanto, o PSD contorna essa questão com uma exigência: o PAN só terá uma palavra a dizer em obras futuras, e não sobre que já estão contratualizadas, cujo cancelamento poderia custar aos cofres regionais dezenas milhões de euros.
Numa altura em que o PSD tenta recuperar eleitorado defensor do mundo rural e das tradições que possa ter perdido para o Chega (Luís Montenegro até se reuniu há dias com a Pró-Toiro), a opção pelo PAN — ainda que numa região — pode parecer em contraciclo e menos natural do que a IL. No entanto, fontes sociais-democratas lembram o bom exemplo dos Açores: no orçamento para 2023 foi o deputado do PAN que votou a favor do documento apresentado por José Manuel Bolieiro, ajudando a garantir a estabilidade governativa do PSD/Açores. “O PAN dá-nos mais confiança“, dizem também no PSD-Madeira.
Sobre o que dar em troca ao PAN, pode estar em cima da mesa uma secretaria regional (a do Ambiente) ou, em alternativa, a liderança de institutos ou direções regionais nas áreas de interesse do partido liderado por Inês Sousa Real. Tudo isso ainda está a ser acertado.
Uma IL quase de fora enredada num dilema
A Iniciativa Liberal disponibilizou-se para negociar com o PSD/Madeira, com Rui Rocha a dizer que não seria pela IL que a Madeira ficaria sem uma “solução de estabilidade governativa para os próximos tempos”. Mas tinha um problema de base: os liberais sempre disseram que não aceitariam integrar um governo, antes “negociar orçamento a orçamento” — que foi precisamente o que disseram ao Observador os líderes nacionais Rui Rocha e Nuno Morna.
Por respeito pela IL e pelo jogo democrático, o PSD/Madeira vai marcar reunião com os liberais ainda esta semana, mas a vontade de os integrarem numa solução é pouca. “Instabilidade”, “perigo“, “pouca confiança” em Nuno Morna, são algumas das palavras que os dirigentes do PSD/Madeira usam em conversas com o Observador para justificar o porquê de preferirem o PAN à IL.
Para a IL nacional este também foi sempre um dilema: demonstrar que são um partido “maduro“, que consegue ser um partido de governação; ou continuar a denunciar, na oposição, um pós-jardinismo em que o Governo Regional tem muita influência na economia. Entre os dirigentes da IL existe quem defenda que mudar a posição quanto a integrar o Governo poderia dar um sinal de que os liberais são um partido “responsável“. Outros, em contrapartida, defendem que não há razão para voltar com a palavra atrás, respeitando a velha máxima da IL que “não se move por cargos“.
O Observador tentou contactar o líder da IL-Madeira, Nuno Morna, mas não foi possível antes da publicação deste artigo. Entre os liberais circula ainda a ideia de que haverá uma tentativa de veto do CDS. No entanto, fonte do PSD/Madeira é bastante clara quanto ao papel dos centristas nas negociações. “Com o devido respeito, tendo em conta a força de cada um, o CDS só tem é de aceitar o que o PSD definir”, diz fonte social-democrata.
Na entrevista ao Observador na última quarta-feira, Miguel Albuquerque mostrava o desconforto com uma solução que incluísse a IL: “Tenho muitas dificuldades num quadro desses porque não posso fazer Governo neste momento, a negociar orçamento a orçamento, proposta a proposta. É um inferno. Depois, não conseguimos concretizar aquilo que propomos aos eleitores. Portanto, é um pouco difícil.”
Quem são os protagonistas da futura coligação
A aposta do PSD no PAN está relacionada com o perfil da deputada eleita, Mónica Freitas, que Miguel Albuquerque acredita ser de confiança. A assistente social de 27 anos teve a sua estreia na política e logo com uma eleição para o parlamento regional. O número dois Marco Gonçalves, que esteve afastado da campanha devido a uma queda que o chegou a deixar inconsciente, é outro nome “ministeriável” (neste caso, “secretariável“), caso o PAN venha a ocupar cargos no próprio governo regional. Marco Gonçalves é advogado e um dos nomes de referência do partido animalista na região da Madeira.
O CDS tem um líder caçador que já atacou a “rapaziada do PAN” há uns anos por não lhe quererem dar a liberdade de “perdiz de escabeche quando possa”, como eles têm direito “a só comer alface de manhã à noite”. Mas nem Nuno Melo se atreve a excluir o PAN. O líder democrata-cristão veio sublinhar que a escolha por IL ou PAN “depende de Miguel Albuquerque e da coligação do PSD e do CDS” e recusou comentar a preferência sobre qualquer um dos partidos, remetendo a decisão “para o pensamento sempre insondável dos dirigentes do PSD e CDS Madeira”.
Nuno Melo, ainda assim, deixou uma uma pista que dá margem de latitude para que o CDS consiga engolir um sapo — o PAN — que a nível nacional está, em muitos aspetos, nos antípodas daquilo que o partido defende. Disse Melo que a solução terá em conta as realidades da região da Madeira, “os relacionamentos entre as pessoas” e “a disponibilidade para o projeto”.
Já quanto a Nuno Morna acontece o inverso. O passado no CDS e a transferência para a IL deixaram marcas entre os centristas e o PSD também tem algumas desconfianças relativamente ao deputado eleito pela IL. Alberto João Jardim, em entrevista ao Observador na sexta-feira, definiu Morna como alguém que foi “um aguerrido militante de extrema-esquerda”, que depois “andou no PS”. “No PSD ele não entrou, que não deixei. Falaram-me uma vez e disse: ‘Nem pensar’”, acrescentou Jardim.
Muitos dirigentes com quem o Observador falou partilham desta desconfiança relativamente a Nuno Morna. O próprio CDS, que tem na IL um projeto que o esvaziou de apoiantes (o próprio Morna é exemplo disso), ficaria mais confortável se não tivesse, neste caso, de coabitar com a Iniciativa Liberal. O mais certo é que os liberais fiquem mesmo fora do barco.