O jogo de nervos continua dentro de momentos. A aliança entre a esquerda parlamentar e o Chega deixou a proposta de redução de IRS do Governo em suspenso sem que ninguém saiba exatamente como tudo vai acabar. Na prática, todas as propostas que foram adiadas ou aprovadas vão ser discutidas na especialidade e a solução final para baixar o IRS ainda este ano poderá ter contornos diferentes dos propostos pela Aliança Democrática — sendo que o Parlamento pode acabar enredado numa discussão jurídico-constitucional sobre a norma-travão.

Ora, o plano acabou por fugir ao controlo do Governo. Ao início do dia, tal como escreveu o Observador, o plano dos sociais-democratas era baixar a proposta de redução do IRS sem a votar, uma forma de ganhar mais tempo e concertar posições com os outros partidos. O PSD julgava ter o conforto do PS e Chega para o fazer, mas começaram a receber sinais contraditórios dos socialistas. Foi aí que perceberam que a tarde ia ser longa: o PS só aceitava não levar a sua proposta a votação se os outros partidos o fizessem também. Não fizeram e os socialistas organizaram uma frente de esquerda para provocar um embaraço ao Governo.

IRS. Proposta do PS aprovada, proposta do Governo, Chega e IL adiadas

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A combinação dos votos do PS — a favor — e do Chega — abstenção — permitiu aprovar na generalidade propostas feitas pelo Bloco de Esquerda e PCP que vão mais longe do que as reduções de taxa defendidas pelo Governo e pelo maior partido da oposição. Se as propostas forem levadas à letra, o impacto financeiro pode ser bem maior do que o Governo estaria disposto a acomodar. E mudar estruturalmente o sentido que Luís Montenegro queria dar à sua redução de imposto — as reduções de taxas que os socialistas concentram nos rendimentos mais baixos e o Governo estende até ao oitavo escalão.

Nas próximas duas semanas, (60 dias no caso do Chega), a comissão de orçamento e finanças do Parlamento vai discutir e votar as propostas do Governo, do Chega e da Iniciativa Liberal — que foram adiadas — e as propostas do PS, Bloco de Esquerda e PCP que foram aprovadas. Todos os cenários estão em cima da mesa: a proposta do Governo pode cair ou, por absurdo, a proposta do PS pode receber luz verde através do cruzamento de votações entre a esquerda e o Chega.

Os dois partidos mais à esquerda querem a atualização das deduções específicas que permitem retirar mais rendimento à fatia que é coletada, mas estas  medidas voltam a precisar do PS (e da abstenção do Chega) para passarem na especialidade. O Observador sabe que os socialistas tencionam aproveitar algumas ideias, mas não viabilizar tudo, de forma a minimizar o seu efeito orçamental.

Até porque, o impacto financeiro das duas propostas iria provavelmente contrariar a lei travão que não permite aos partidos da oposição aprovarem medidas que ponham em causa as metas de despesa e receita do Orçamento do Estado. E a opção da AD em fazer aprovar a descida do IRS através de um diploma próprio, em vez de avançar com um orçamento retificativo, dá um escudo de proteção maior ao Governo para proteger-se do risco orçamental de ser ultrapassado à direita e à esquerda. A Constituição da República só permite que seja o próprio Governo a propor medidas que alterem os valores de despesa e da receita fixados no Orçamento.

No entanto, a lei travão não impede a oposição de se unir na aprovação de medidas que venham a ter impacto financeiro no próximo ano económico. E o ministro das Finanças, Miranda Sarmento até deu um sinal de que o Executivo estaria aberto a uma atualização em 2025  das deduções de despesa que permitem aos contribuintes pagar menos impostos e que não são mexidas há vários anos, tendo parte substancial do seu efeito sido comido pela inflação. A confirmar-se, este cenário irá condicionar ainda mais o primeiro orçamento da AD.

Alívio no IRS maior para salários mais baixos e aumento da dedução específica segue em frente (pelo menos para já)

A abstenção do Chega permitiu que a proposta do PS de alívio no IRS fosse aprovada e será agora tida em conta pelos deputados no processo de discussão na especialidade (só PSD e CDS votaram contra; Chega e IL abstiveram-se e toda a esquerda com o PAN votou favoravelmente). Os socialistas propõem uma redução no mesmo valor global que o Governo — os 348 milhões de euros sinalizados como margem para alívio fiscal — mas diferem na forma, com maior incidência nos rendimentos mais baixos.

O PS vai mais longe no segundo escalão (16,5% face aos 17,5% do Governo); no terceiro (22% face a 22,5%); e no quarto (25% face a 25,5%). A partir daí, a proposta do Executivo é mais benéfica para os respetivos rendimentos (exceto no caso do último escalão, em que não há alteração em nenhuma das propostas). A argumentação do PS é que a sua proposta abrange mais pessoas do que a do Governo e reduz mais o imposto para quem ganha entre 1.000 e 2.500 euros. A proposta será discutida nos próximos dias a par da do Governo, que desceu à comissão sem votação, assim como as do Chega e da IL.

Em frente seguem também duas outras propostas que poderão ter um impacto orçamental significativo se virem a luz do dia, ambas sobre a dedução específica. Tanto PCP como Bloco criticam que o valor não seja atualizado desde 2010 e querem aumentá-lo agora, mas de forma diferente. A alteração permitiria aumentar a fatia de rendimento que não paga imposto.

A proposta do PCP é a mais ambiciosa, ao propor a atualização do valor para 5.204 euros — atualmente, é de 4.104 euros, o que significaria uma redução de 1.100 euros à matéria coletável. Toda a esquerda e o PAN votaram a favor, IL e Chega abstiveram-se e PSD e CDS votaram contra.

Já a proposta do Bloco de Esquerda prevê uma atualização em 582 euros, o que elevaria o tecto da dedução específica para 4.686 euros. Foi aprovada com os votos a favor de toda a esquerda, do PAN e da Iniciativa Liberal. O Chega absteve-se, enquanto PSD e CDS votaram contra.

Os comunistas também propõem ir mais além do que o Governo nas mexidas nos primeiros dois escalões — no primeiro, em vez dos 13% do Executivo, aponta para 12,5%; e no segundo escalão, em vez dos 17,5%, propõe 17% —, assim como a introdução da garantia de que os limites dos escalões são atualizados anualmente, pelo menos, à taxa da inflação.

Os bloquistas também viram seguir em frente uma alteração que, se aprovada na votação final, mexerá com a dedução dos juros. Atualmente, a lei prevê a dedução em sede de IRS das despesas com juros de dívidas contraídas no âmbito de créditos à habitação, mas apenas com contratos celebrados até 31 de dezembro de 2011. A proposta elimina esta limitação temporal e visa “aliviar os rendimentos e quem se vê a braços com pesados e crescentes encargos hipotecários”, explicam os bloquistas.