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© Fábio Pinto

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A guerra dos Antónios vista por um bastião laranja

Alvaiázere só conhece maiorias absolutas do PSD. Simpatizantes do PS não são muitos, militantes apenas 15. Mas há quem tenha favoritos nas primárias de domingo e até quem as defenda - e inveje.

O letreiro parece grande demais para o tamanho da vila. (Ou será colorido demais para um dia cinzento?) Parece, pelo menos, desproporcional em relação ao velho edifício de porta grande e pesada onde está inserido. Não havendo campainha, batemos à porta. Nada, fechado. Os estores corridos até baixo não deixam entrar uma fenda de luz. Pelo aspeto, dir-se-ia que não entra ali ninguém há algum tempo. Mas… o letreiro. A placa com as três letras pretas e a seta laranja a apontar para cima, que se avista desde o fundo da rua, parece querer pelo menos dizer que ali há gente, que ali há gente que conversa, e que conversa sobre política – e sobre quem será o próximo adversário de Pedro Passos Coelho.

“Desculpe, a sede do PSD aqui ao lado está fechada?” “Está, está”. A avaliar pela resposta pronta, devem ser poucas as vezes em que está aberta. “É melhor ir à Câmara”. Ao que parece, “eles estão por lá”. “Procurem pelo Manuel Lourenço, que é quem está mais à frente disso, ou mesmo pelo presidente”. Ainda agora de lá tínhamos vindo e tínhamo-nos debatido para falar com o presidente Paulo Morgado, há horas em reunião. Mas, muito bem. “Obrigada”. Volta para trás.

A seguir a Boticas, em Vila Real, Alvaiázere é o concelho que mais votou no PSD nas últimas legislativas: 63,4% de um total de mais de 7 mil eleitores

Paulo Tito Morgado é presidente da Câmara de Alvaiázere desde 2005. Nas autárquicas do ano passado, foi reeleito para o seu terceiro mandato com 58% dos votos, reafirmando assim o domínio do PSD no concelho que se vestiu de laranja em 1985 e nunca mais mudou de cor. Nas últimas legislativas, em 2011, de um total de 7.255 cidadãos eleitores inscritos em Alvaiázere (e 4.320 votantes), 63,4% deixou a cruz no PSD de Pedro Passos Coelho. A seguir a Boticas, em Vila Real, que teve uma percentagem superior a 66%, este foi um dos concelhos que registou uma votação mais expressiva no PSD nas últimas eleições.

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A câmara de Alvaiázere é PSD desde 1985

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Na falta do Presidente, procuramos por Manuel Lourenço, presidente da JSD de Alvaiázere e adjunto do autarca. “Não está, voltem mais tarde”. Bom, se houve uma coisa que aprendemos com esta visita a Alvaiázere foi que, de facto, voltávamos sempre. A verdade é que todos os caminhos vão dar à Câmara, quer sejam os caminhos da estrada, quer sejam os das conversas – esses mais longos e sinuosos do que os primeiros.

“Toda a gente tem pelo menos uma pessoa da família que trabalha na câmara”, explica Nelson Paulino da Silva, presidente da concelhia do CDS e candidato pelos centristas nas autárquicas passadas, como se nos tivesse lido os pensamentos. Candidato quase por teimosia, porque é (quase) certo e sabido que o PSD vence sempre por larga margem. “O concelho é mínimo e toda a gente se conhece”, conta, numa tentativa de explicar o porquê de haver pouca oposição ao poder local instituído e de as pessoas, mesmo não estando diretamente ligadas à autarquia, não estarem habituadas a falar muito de duelos.

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“É mais fácil ganhar um CDS aqui do que um PS”

Num café das redondezas, o dono, que não quis ser identificado, para não prejudicar o negócio, conhece a história toda do concelho – desde os tempos do presidente Filipe Antunes dos Santos, o primeiro presidente eleito no pós-25 de abril (curiosamente, eleito pelo PS) – e não tem dúvidas sobre o destino político da vila. “É mais fácil ganhar um CDS aqui do que um PS”, diz.

O PS de Alvaiázere tem apenas 15 militantes inscritos. Inscritos nas primárias são 71, entre militantes e simpatizantes. 

O CDS é o único partido, além do PSD, que tem sede em Alvaiázere. Fomos à procura do local, que “é já ali em cima”, mas… fechado. Nelson Silva, o presidente da concelhia, é enfermeiro de profissão e estava de serviço. Sem problema. Não foi preciso muito para, com a ajuda dos locais, chegarmos à fala. Hoje, o CDS tem representatividade em todas as freguesias do município, e um vereador eleito para a câmara. Militantes não serão mais do que 60, mas, em todo o caso, militância é coisa que ali não é muito comum. Foi em 2005 que os centristas começaram a ter maior expressividade no concelho, altura em que o antigo e acarinhado presidente da câmara, Álvaro Pinto Simões (PSD), decidiu arrumar as botas e Nelson Silva quis avançar e candidatar-se à autarquia. Não ganharia, mas começava alguma oposição.

Em Alvaiázere, “é o CDS que tira votos ao PSD, e não o PS”, confirma Nelson. Curiosamente, a altura em que o CDS começou a ganhar terreno coincidiu com a altura em que o PS deixou de ter sede no concelho e foi ficando a meio gás. Nas últimas autárquicas, a votação ficou ‘ela por ela’, ambos na casa dos 16 a 18%, mas Nelson garante que “nós [CDS] é que viemos intrometer-nos”.

Verdade ou não, facto é que a representação do PS no concelho é realmente escassa. Não há sede do partido e, num universo de cerca de três mil eleitores, votam cerca de 800 a 1.000 pessoas, diz-nos o advogado Fernando Simões, que foi líder da concelhia do PS em Alvaiázere durante mais de dez anos e vereador do PS na câmara durante outra dezena. Militantes socialistas de papel passado há apenas 15: oito estão do lado de Seguro, cinco do lado de Costa, e os outros dois, que não foram votar nas eleições distritais do início do mês, “não sei”. Então e inscritos nas primárias? Ora bem, “cerca de 60 ou 70″… “68, 69, 70, 71”. Fernando Simões tinha o caderno eleitoral ali ao lado: 71 inscritos, entre militantes (15) e simpatizantes (56).

Fernando Simões foi o único vereador socialista na câmara e é apoiante de António Costa

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Na terra, toda a gente conhece Fernando Simões. A história deste respeitado advogado do concelho é, aliás, caricata. Ironicamente, foi-nos apresentado por uma funcionária administrativa do tribunal que, desde o início do mês, se desloca diariamente de Leiria para Alvaiázere, e que, por isso, ainda não conhece bem as gentes e as relações da terra. Quando nos recebeu, o advogado olhou-nos com desconfiança e pediu-nos identificação. Em 2012, Simões chocou a população do concelho quando, segundo conta o Correio da Manhã, foi detido em Lisboa por cumplicidade na extorsão e tentativa de rapto de um cliente. Disso não sabíamos na altura da conversa, nem tão pouco que tinha sido o único vereador socialista na câmara durante três mandatos. Apenas que era natural das redondezas e que se tinha fixado em Alvaiázere há mais de 40 anos para dar aulas.

Mas como é que, afinal, mergulhado nas encostas da serra de Alvaiázere, o povo daquela vila profundamente social-democrata vê as primárias socialistas? 

“As pessoas não falam muito, não tenho visto nem ouvido grande coisa”, garante Nelson Silva, que arrisca uma explicação – “a direita está muito enraizada” e, lá está, “o concelho é pequeno”. Tentemos antes assim: prefere António José Seguro ou António Costa como adversário da direita? “Nenhum”, por princípio. Mas, lá acrescenta, a “má postura de António Costa” merece críticas. “António José Seguro está há três anos a fazer uma luta de oposição…”, deixa escapar em jeito de condenação pelo avanço do autarca de Lisboa. De qualquer forma, o centrista está certo de que os eleitores socialistas são “muito fidelizados”, por isso, pouca diferença fará se for um ou outro na hora do confronto com Passos Coelho.

Ao todo, no distrito de Leiria há 3.470 simpatizantes inscritos. Em Alvaiázere são apenas 71. (infografia de Andreia Reisinho Costa)

Uma história laranja mas sem “partidarismo profundo”

Depois de tantas portas fechadas, chegamos agora à junta de freguesia em busca do presidente. “Não está”. Outra vez a mesma sorte. Vítor Joaquim, o presidente da junta de Alvaiázere, estaria afinal na Santa Casa da Misericórdia, onde trabalha. Lá fomos – e lá estava, de facto. Mas de pé atrás e tão desconfiado como se falar da política local e nacional fosse assunto tabu. E passou a bola: Pinto Simões é a pessoa certa. Realmente, quem melhor conhece a terra e as suas gentes do que aquele que foi eleito presidente da câmara durante mais de 20 anos e que, segundo se diz por aí, conhece a vila “casa a casa”?

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Álvaro Pinto Simões chegou à Câmara de Alvaiázere em 1985, onde esteve como presidente eleito pelo PSD durante cinco mandatos. Foi este autarca, licenciado em Direito em Lisboa, que consagrou a tradição laranja no concelho, tendo mesmo chegado a ser, por duas vezes, o presidente de câmara com maior votação a nível nacional. A campanha era feita “porta a porta”, confessa, o que lhe terá valido votações para o PSD na ordem dos 70 e 80%. Mas “nunca liguei a partidos”, diz. “O trabalho que fiz foi por amor à camisola, e foi o mais isento possível”, continua, acrescentando que talvez tenha sido precisamente esse o “segredo”: “não entrar num partidarismo profundo”.

Reza a ‘lenda’ (não será exatamente lenda, mas pelo menos a sabedoria popular) que Pinto Simões era socialista, desde os tempos em que trabalhou no Ministério dos Transportes, em Lisboa. Mas isso são águas passadas, e talvez apenas conversa de café. Mas a mesma ‘lenda’ diz também que o anterior presidente da câmara de Alvaiázere, Filipe Antunes dos Santos, que se candidatou inicialmente pelo PS, era afinal centrista de gema – mas na altura (em finais da década de 70) “as pessoas envergonhavam-se de não dizer que eram socialistas”, conta um comerciante que não quis ser identificado. Antunes dos Santos, que na década de 80, cumpriu o “sonho de todos” de construir uma estrada para a serra de Alvaiázere, foi eleito em 1978 pelo PS e reeleito em 1982 pela Aliança Democrática (PSD/CDS). Só na corrida para o terceiro mandato, em 1985, perdeu para o PSD de Pinto Simões. Dessa vez, o derrotado concorria pelo CDS, mas foi o PSD que levou a melhor – e assim é até hoje.

Entre a indiferença e uma espécie de inveja

Álvaro Pinto Simões é, como repetidamente nos disseram, de fala e trato fácil. Mas quando se fala nas eleições primárias do PS é mais contido. Talvez por achar que ‘entre marido e mulher não se mete a colher’. “Não quero falar sobre isso mas não tenho preferência por nenhum candidato”, diz prontamente o ex-autarca, que continua como presidente da Assembleia Municipal para “continuar a conversar com os munícipes”, de quem “gosta muito”.

António José Seguro ou António Costa? "É-me completamente indiferente"
Pinto Simões, ex-presidente da câmara de Alvaiázere

Para o homem que enraizou o PSD na terra, Seguro ou Costa, “é completamente indiferente”. E em situação de confronto com Passos Coelho, qual seria afinal o mais…”o mais acessível”? – é o próprio quem completa a frase. “Não sei e prefiro não me pronunciar sobre isso”, diz, atirando o assunto das primárias para “uma questão interna”. A confiança é de que o PSD ganhará nas legislativas, mas, avisa: “Terá de trabalhar muito para isso”. De qualquer forma, “ainda falta muito tempo até lá…”. Não acredita em legislativas antecipadas.

Por esta altura já estamos de volta à câmara, cujo interior do edifício, novo em folha, não deixa de contrastar com a vila à volta e com as obras incompletas nas traseiras. Manuel Lourenço, o presidente da JSD, já está de volta e recebe-nos com alguma surpresa mas com simpatia. É adjunto do presidente da câmara e conhece bem o concelho.

Manuel Lourenço é presidente da JSD de Alvaiázere e adepto do modelo das primárias

© Fábio Pinto

A primeira coisa que percebemos é que Manuel Lourenço é adepto das primárias. “Só lamento que não tenha sido o meu partido a fazê-las”, diz. Para o líder da JSD local, estas eleições são um passo importante para aumentar a participação e “melhorar a ligação das pessoas com os partidos” – mas desde que seja feita “por princípio e não à força”. Prefere não escolher entre uns e outros, mas acredita que a forma escolhida pelo PS para sair da crise interna em que mergulhou “foi uma manobra partidária de quem estava no poder para se manter na liderança”.

Um povo que sabe o que quer

Entretanto, a viagem continua, e a palavra de ordem é conhecer a vila. A chuva que andava desde manhã a fazer ameaças, estava surpreendentemente a dar tréguas. Menos mal. Mas nem por isso as ruas estavam movimentadas. Nos cafés, sim, trocam-se cumprimentos, histórias e desejos de melhoras.

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Se perguntarmos “Costa ou Seguro?”, a resposta volta a ser “nenhum” – e risos. Quando a pergunta se inclina para qual o melhor candidato socialista para o futuro confronto com Passos Coelho, surge surpreendentemente um nome. “Rui Rio. Se me perguntar de quem eu gosto mais, eu digo Rui Rio”, responde prontamente o dono do café. “Porque sim, gosto”. Mas, para já, as eleições que este domingo vão eleger o candidato do PS a primeiro-ministro parecem coisa suficientemente longínqua, lá de Lisboa.

Diz-se que os alvaiazerenses são um “povo ordeiro e trabalhador mas que sabe o que quer”. E isso vale para tudo. O comerciante, bem-disposto e prestável, apresenta-se como prova disso. Não é militante do PSD “de papel passado”, porque isso, diz, quase ninguém da vila é, mas esteve 20 anos na junta de freguesia e, do topo dos seus 70 anos, nunca variou muito o seu sentido de voto. “Teria de endurecer muito para o meu voto ir para o PS”, atira entre gargalhadas na direção dos clientes e amigos que volta e meia escutavam a conversa.

À despedida, passamos pela Misericórdia, onde trabalha uma boa fatia da população do concelho; depois pela zona nova, onde ainda em agosto foi inaugurada uma creche. E em menos de nada estamos novamente na rua principal – a da Câmara, claro. Que acaba por ser também a da escola secundária e da escola primária, a do centro de saúde e da casa municipal da cultura. Por esta altura já conhecíamos todos os cantos à casa, mas quanto mais a hora avançava menos gente se via na rua. Ao fundo, a serra de Alvaiázere. A tal que na década de 80 ganhou a estrada com que todos tinham sonhado.

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Nas paragens de autocarro ou nos muros mais desgastados, restos de cartazes de meses e eventos passados. Como o famoso festival gastronómico do chícharo e a FAFIPA (Feira Agrícola, Florestal, Industrial, Pecuária e Artesanato), as festas da cidade que, em junho, mobilizam a vila e os concelhos dos arredores; ou a 9ª corrida de carrinhos de rolamentos, do mês de maio que já lá vai. Mas de eleições, nem vê-los. Nem laranja, nem azuis e amarelo, nem rosa, nem azuis e vermelho. Ainda no início do mês houve eleições para as federações do PS, mas para um universo eleitor de 15 militantes não há cartaz que se justifique. E para pouco mais de 56 simpatizantes socialistas? Provavelmente, também não.

O atual presidente da câmara, Paulo Morgado, que é também da direção dos bombeiros, do clube desportivo, da filarmónica e da associação de caçadores, já está no seu terceiro e último mandato à frente daquele que é um dos concelhos mais cor de laranja do país. Quem se segue, ainda é cedo para saber. De outro partido que não o PSD? “Duvido”, ouve-se entre risos num dos cafés da terra. “Nunca se pode ter confiança no PS, estão sempre do lado de onde a castanha cai, ou mais para a esquerda ou mais para a direita”. “Teria de ser um filho da terra muito dinamizador…”, admite o comerciante de fala fácil. É que em Alvaiázere, como talvez no resto, “o importante é ser um candidato carismático”.

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