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A 8 de abril, a Lua vai deslizar entre a Terra e o Sol e transformar o dia em noite, mergulhando na escuridão grande parte da América do Norte. Poderá ser sentida uma descida na temperatura do ar (uma queda de até 5,5ºC) e uma acalmia ou mudança no vento. Os pássaros poderão deixar de chilrear, substituídos por um coro de grilos, enquanto animais como corujas e morcegos vão acordar para um novo dia. É o efeito que pode gerar o eclipse solar total que vai atravessar seis estados mexicanos, 15 estados norte-americanos e seis províncias canadianas.
O fenómeno é aguardado com expectativa entre a comunidade científica, mas também por muitos observadores curiosos. Nos Estados Unidos, que viu um eclipse solar total pela última vez há sete anos, os ânimos são particularmente elevados e os preparativos, quer a nível estadual, quer nacional, começaram com grande antecedência. Por esta altura, já se multiplicam recomendações para que residentes e visitantes nos estados diretamente no caminho do eclipse se abasteçam de alimentos, água e combustível. A nível estadual, as autoridades foram rápidas a alertar que na sequência deste evento se esperam estradas congestionadas e atrasos em voos.
Em Portugal, porém, como no resto do mundo, o fenómeno passará despercebido. “O nosso país está mesmo no limite. Não será percetível nenhuma variação para um observador comum no seu dia a dia. Só com instrumentos próprios se poderá observar uma pequena alteração e só no topo norte do país”, explica Ricardo Gafeiro, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço e do Observatório Geofísico e Astronómico da Universidade de Coimbra.
Devido à dimensão geográfica do nosso país “é preciso uma sorte dos diabos para passar cá um eclipse”, acrescenta o astrónomo José Augusto Matos. Vai ser preciso esperar por 2026 por um eclipse igual que vai ser visível numa parte do nosso país. Até lá será possível acompanhar em direto a já habitual transmissão da agência espacial norte-americana e podem esperar-se algumas surpresas, já que este eclipse acontece num período de intensa atividade solar. “Em 1919, a teoria de Albert Einstein foi provada quando cientistas mediram como as estrelas mudam quando o Sol é bloqueado pela Lua. Um século depois, um eclipse solar total ainda traz grandes oportunidades para a ciência”, sublinhou o presidente da NASA, Bil Nelson, numa conferência de imprensa esta semana.
Um jogo de sombras entre a Lua, a Terra e o Sol
Um eclipse solar acontece sempre que a Lua fica entre a Terra e o Sol. É o que vai acontecer dentro de dias, fazendo com que a nossa estrela de 4,5 mil milhões de anos pareça ter o mesmo tamanho que a Lua. Isso só é possível porque, embora o Sol seja cerca de 400 vezes maior do que a Lua, também se encontra cerca de 400 vezes mais afastado. É graças a esta coincidência cósmica que milhões de pessoas na América do Norte vão poder ver o eclipse no dia 8 de abril.
Durante um eclipse solar, a sombra que a Lua projeta tem duas partes: a umbra e a penumbra. A primeira, onde a luz do Sol é completamente bloqueada, é a zona onde um observador deve estar para conseguir ver um eclipse total. Já na penumbra, a luz do Sol é apenas parcialmente bloqueada, pelo que os observadores só conseguem ver um eclipse parcial. Os locais fora da sombra da Lua não conseguem ver nenhum eclipse. Será o caso de Portugal no eclipse de abril.
Tipicamente existem dois eclipses solares por ano, explica Ricardo Gafeiro. “O que o pode tornar mais especial é a zona do globo onde é possível observá-lo”, refere. É que como 70% da superfície da Terra está coberta por água, há uma maior probabilidade de um eclipse solar poder ser visto no meio do oceano, longe das cidades, do que em terra firme.
O percurso completo do eclipse solar total
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Segundo a NASA, o eclipse vai começar no Pacífico Sul e chegar à costa do México por volta das 11h07 do horário do Pacífico (19h07 em Portugal). Segue depois para os EUA — o Texas será o primeiro estado norte-americano a testemunhá-lo.
Passa depois por Oklahoma, Arkansas, Missouri, um pequeno pedaço de Tennessee, Illinois, Kentucky, Indiana, Ohio, um pequeno pedaço de Michigan, Pensilvânia, Nova Iorque, Vermont, New Hampshire e Maine.
Chega de seguida ao Canadá, começando em Ontário, passado por Quebeque, New Brunswick, Ilha do Príncipe Eduardo e Cabo Breton. Sai da da América do Norte continental na costa atlântica de Terra Nova, Canadá, às 17h16 locais (19h16 em Portugal).
Um eclipse solar total desenrola-se em várias fases. Tudo começa com uma fase de eclipse parcial, em que a Lua começa a passar entre a Terra e o Sol, bloqueando-o parcialmente. Na maior parte dos locais, esta fase prolonga-se durante 70 a 80 minutos e faz com que o Sol tenha uma forma crescente. Pouco a pouco, os últimos raios de sol vão espreitando pelo contorno da Lua com um brilho intenso que, num primeiro momento, se assemelha a um colar de contas reluzentes (fase de “Baily’s Beads”, em português “contas de Baily”). Estas vão desaparecendo até que só resta um foco de luz brilhante ao longo da borda da sombra da Lua, que se assemelha ao brilho de um diamante num anel, expressão que dá nome a esta fase (fase Diamond Ring, em inglês).
Na etapa seguinte, a Lua tapa completamente a superfície do Sol. É o que se denomina totalidade e é, segundo a NASA, o único momento em que o fenómeno pode ser visto a olho nu em segurança. Na verdade, um eclipse solar total é o único tipo de eclipse solar em que as proteções usadas podem ser momentaneamente retiradas. Ainda nesta fase, será possível ver a cromosfera, uma região da atmosfera solar que aparece como um fino círculo rosa em torno da Lua, e a coroa, a camada mais externa da atmosfera do Sol.
Quando, à medida que a Lua continua a mover-se, se começa a ver um brilho intenso do lado oposto ao que se viu durante a fase do anel de diamante é sinal de que se deve deixar de olhar diretamente para o eclipse e voltar a usar proteções. É a atmosfera interior do Sol que começa a aparecer por trás da Lua. No final do fenómeno, repetem-se alguns dos passos intermédios — anel de diamante, contas de Baily — e o Sol volta então a ser visível.
Numa área mais populosa, mais longo e numa época de intensa atividade solar. O que torna este eclipse especial?
A última vez que um eclipse solar total atravessou os Estados Unidos foi em 2017. Foi um dos mais aguardados e terá sido visto por perto de 215 milhões de norte-americanos (diretamente ou através de meios eletrónicos), segundo estimativas da NASA. Este ano as expectativas são ainda mais elevadas. O estado do Indiana, por exemplo, está a preparar-se para receber um recorde de 500.000 visitantes — mais de sete vezes o número de espectadores do Super Bowl de 2012, na cidade de Indianápolis. Não faltam eventos um pouco por todo o território norte-americano e até empresas a promover cruzeiros e voos para o observar o eclipse de perto.
O que justifica, afinal, tanta mobilização e preparativos? Há vários motivos. Por um lado, o caminho da totalidade do eclipse, isto é, o local onde é possível ver a Lua bloquear totalmente o Sol e ver a chamada coroa solar, é muito mais amplo do que o eclipse anterior. Isso é possível, explica a NASA, porque a distância da Lua em relação ao planeta Terra não é sempre a mesma e este ano será mais curta. Assim, em vez dos 12 milhões de pessoas que em 2017 estavam no caminho da totalidade, agora estão 31,6 milhões de habitantes — e outros 150 milhões vivem num raio de cerca de 250 quilómetros do caminho da totalidade. Além disso, todos os estados contíguos dos EUA, bem como algumas partes do Alasca e Havai, vão conseguir ver pelo menos um eclipse solar parcial.
Há outro aspeto que está a deixar a comunidade científica e curiosos na expectativa. É que o período de totalidade do eclipse de abril será mais longo: 4 minutos e 28 segundos, numa área a noroeste da cidade mexicana de Torreón. Em 2017, o maior período de totalidade aconteceu perto da cidade de Carbondale, no estado de Illinois (2 minutos e 47 segundos).
A somar a tudo isto, o Sol vai estar a atravessar um período de elevada atividade. “Estamos a entrar no chamado máximo de atividade do sol”, começa por explicar Ricardo Gafeiro, acrescentando que é um processo que se verifica a cada 11 anos. Nessa altura, o campo magnético do sol muda e cria, assim, uma alternância de ciclos de maior e menor intensidade.
“Quando está mais ativo, como acontece este ano, o sol lança mais partículas e mais matéria para o espaço e essas partículas depois chegam à Terra e podem interferir a vários níveis. Podem interferir com satélites, com comunicações e, quando são fluxos muito fortes, provocar quebras de corrente elétrica”, explica ainda o astrónomo José Augusto Matos.
Estamos, atualmente, no ciclo solar 25, que se iniciou em dezembro de 2019 e permite-nos saber que em abril o Sol estará no chamado período do máximo solar ou muito próximo dele durante o eclipse. Durante esta fase, é mais comum ver-se manchas solares — regra geral, quanto maior o número de manchas solares, maior a atividade solar –, erupções e também ejeções de material da coroa solar.
Um ano de previsões dificultadas
Os cientistas estão impacientes e já estão a fazer previsões sobre o que será visível durante o eclipse, ainda que a tarefa seja dificultada este ano devido à proximidade do período de máximo solar. Na semana passada, a Predictive Science, uma empresa sediada em San Diego, lançou a sua primeira aposta. Através de modelos computacionais e com base em dados da NASA, simulou o aspeto que a coroa solar terá durante o fenómeno (o resultado pode ser visto na imagem a baixo). A empresa tem também uma página com a previsão em tempo real e em constante evolução, que pode ser visto aqui.
Só nos é possível observar a coroa solar durante um eclipse solar total. Nessa altura, pode ser vista como um halo de luz esbranquiçada em torno da silhueta da Lua no momento em atinge a totalidade. Mas a aparência da coroa solar não é sempre a mesma. Evolui eternamente devido às mudanças constantes do campo magnético do Sol e é também diferente em cada eclipse. Espera-se que no de abril seja particularmente interessante devido à proximidade do máximo solar.
O melhor cenário possível para os cientistas seria se o período do eclipse coincidisse com uma erupção solar ou ejeções de massa coronal. Nestas últimas ocorre a libertação de uma grande quantidade de matéria solar para o espaço. Em alguns casos, esta matéria libertada pode ser prejudicial à vida na Terra, uma vez que é responsável por tempestades que afetam os sistemas elétricos e de comunicações, mas é também o que permite criar as auroras boreais.
“Se acontecesse [um desses fenómenos] seria muito bom, seria uma oportunidade única“, diz Ricardo Gafeiro. Ressalva, no entanto, que já se está a entrar no campo das probabilidades. “Sabemos que a probabilidade é maior e isso aumenta a nossa expectativa de que possa acontecer, mas não podemos dizer hoje que vai a acontecer. E quantificar [essa probabilidade] é difícil”, refere.
O que segue no calendário de eclipses? Há um na trajetória de Portugal
Depois do eclipse solar total de abril, os EUA só vão voltar a ter a oportunidade de presenciar novamente o fenómeno em 2044 (será visível nos estados de Montana e Dakota do Norte) e em 2045 (visível no sul do país). Até lá, será possível ver na Península Ibérica uma sequência de três. Dois eclipses solares totais, um em 2026 e outro em 2027, e no ano seguinte um solar anular. Este último acontece quando a Lua passa entre o Sol e a Terra, mas numa altura em que o satélite natural está no ponto mais distante do nosso planeta.
O primeiro destes três está a uma distância de 881 dias. Já se pode marcar no calendário o dia 12 de agosto, em que um eclipse solar total vai atravessar a Gronelândia, Islândia, Espanha, Rússia e uma parte de Portugal, segundo o calendário de eclipses da NASA. O último eclipse total solar em solo português aconteceu em 1912 e percorreu o norte do país, lembra José Augusto Matos. O de 2026 será, por isso, “especial”. E tem uma grande vantagem, acontece em pleno verão, com uma maior possibilidade de se garantir uma visão desimpedida.
O fenómeno será visível na totalidade numa minúscula porção de território, em Bragança, mesmo junto à fronteira, como mostra a imagem abaixo. Pode parecer dececionante, mas a verdade é que no resto do território nacional será visível um eclipse solar parcial e basta uma curta viagem de carro para o ver na totalidade em alguns locais da vizinha Espanha. Um mapa interativo do National Solar Observatory mostra em pormenor os locais onde será visível.
Portugal ainda terá nova oportunidade de ver um eclipse em 26 de janeiro de 2028, mas esse será anular. Pelo meio, ainda há outro que está a gerar bastante interesse: o eclipse solar total de 2 de Agosto de 2027. Se em solo português será novamente visível de forma parcial, será visto na totalidade desde a ponta sul da Espanha, ao Norte de África (visível em Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egíto e Sudão) e Médio Oriente (visível na Arábia Saudita e no Iémen).
É um fenómeno dos mais aguardados devido à duração máxima do período da totalidade: 6 minutos e 23 segundos, pelo que será o eclipse solar mais longo deste século. É precisamente na cidade egípcia de Luxor, onde se situa o histórico Vale dos Reis, que este fenómeno será visível durante mais tempo. Além disso, por atravessar uma grande parte do Norte de África, uma visão clara e sem nuvens do fenómeno é quase garantida.