“Um revolucionário obstinado.” É assim que Gustavo Petro, o primeiro Presidente da Colômbia assumidamente “progressista”, se define. Temido pelos empresários — é acusado de querer transformar o país numa nova Venezuela — e assumindo-se defensor das classes mais desfavorecidas, o novo chefe de Estado, que será empossado em agosto, abrirá um novo capítulo na política colombiana, tentando unir um país fragmentado.
Com um passado histórico que contou com a participação numa guerrilha revolucionária, Gustavo Petro integrou vários partidos de esquerda. Tendo ocupado importantes cargos, como o de autarca de Bogotá, o novo Presidente foi moderando o discurso ao longo dos anos, ao ponto de salientar que a ideia de esquerda é “anacrónica”. Fontes próximas da campanha presidencial admitiram ao jornal Ámbito que ganhou uma “certa maturidade” — e é hoje uma pessoa “mais serena e tranquila”. Nessa modulação do discurso, Petro chegou a assumir-se como capitalista, embora defendendo uma distribuição da riqueza menos desigual entre a população.
Gustavo Petro encontra um país que esteve décadas preso num bipartidarismo entre liberais e conservadores, mas que expressou nas urnas o seu desejo de mudar de rumo. Como nota a Agence-France Presse, o cargo que agora desempenha obrigou-o a limar as suas posições mais associadas à extrema-esquerda e a passar uma mensagem mais moderada. Mas será genuíno?
Gustavo Petro rejeita rótulos: “O mundo da esquerda é muito mais pequeno”
Apesar de se apresentar como um “revolucionário obstinado”, Gustavo Petro faz questão de evitar quaisquer tipo de rótulos. Prova disso é que não se considera de esquerda, mas sim um progressista. O que é que isso significa? “A palavra esquerda é muito europeia, muito famosa nos meios de comunicação de Colômbia, mas muito pouco aplicável”, afirmou numa entrevista ao órgão colombiano Semana, caracterizando o termo como “anacrónico”: “O mundo da esquerda é muito mais pequeno. Há problemas também com uma visão autoritária do Estado, de um estadismo exacerbado.”
Prefere delinear um “outro espetro político” em vez da dicotomia entre esquerda e direita, diferenciando entre “política da vida e a política da morte”. “O que existe na América Latina é uma nova proposta que tem a ver com a crise climática, com a diversidade social e com a democracia viva”, explica Gustavo Petro, que refere que nem sempre os políticos de esquerda optam pela “política da vida”. E dá um exemplo: Nicolás Maduro, o Presidente venezuelano. “É uma pessoa que está dentro das diligências da política da morte.”
Nos últimos anos, o regime venezuelano foi um exemplo múltiplas vezes usado pelas forças de direita para apontar os problemas que a esquerda traria à Colômbia caso chegasse ao poder. Nestas últimas eleições, esse discurso voltou a repetir-se: os oponentes de Gustavo Petro tentaram colá-lo a Nicolás Maduro. “Há uma influência exterior que quer aproveitar a violência para produzir um determinado resultado eleitoral e converter a Colômbia numa segunda Venezuela, numa terceira Cuba”, denunciou, por exemplo, o ex-Presidente colombiano Álvaro Uribe Vélez.
Além disso, os adversários exploraram a amizade que Gustavo Petro manteve com Hugo Chávez. No entanto, o Presidente recém-eleito já veio a público criticar as políticas do político venezuelano. Não se distanciou totalmente, mas tornou pública a sua crítica ao antigo Presidente venezuelano: “Chávez tentou desligar a Venezuela do petróleo, mas fracassou. A Venezuela encheu-se de dólares e quem ali vivia acreditava que isso era uma mudança e votavam nele”, sublinhou na entrevista ao órgão Semana, acrescentando que o ex-chefe de Estado venezuelano “fez parte de um progressismo que não deu respostas à América Latina”.
A reforma fiscal que assusta empresários e a luta pelo fim dos combustíveis fósseis
Gustavo Petro licenciou-se em Economia na Universidade Externado, em Bogotá. Oriundo de uma família de classe média, o novo Presidente recorda que não foi fácil ingressar no ensino superior e que conseguiu uma bolsa de estudo devido às boas notas que obteve. Após várias especializações em áreas como a Administração Pública ou a Economia Ambiental, o novo Presidente conta com experiência suficiente para consubstanciar um ambicioso plano económico durante o seu mandato.
Contudo, os grandes empresários colombianos olham com desdém para as ideias económicas do novo Presidente — e descrevem-no como um “salto para o vazio”, realçando que a Colômbia está a tentar copiar o modelo económico venezuelano. No entanto, Gustavo Petro já descartou medidas mais extremas, como a intervenção estatal na propriedade privada, garantido que quer concretizar uma reforma tributária estrutural. Algumas das medidas que já disse querer implementar passam por taxar as grandes fortunas, reduzir os impostos das pequenas e médias empresas e facilitar o acesso a apoios sociais aos mais pobres.
Outra das prioridades do novo mandato de Gustavo Petro é a diminuição drástica do uso de combustíveis fósseis, apostando nas energias renováveis. “A primeira decisão que vou tomar é a cessação da contratação de exploração de petróleo na Colômbia”, anunciou ainda antes das eleições, frisando que a mensagem que quer passar é “clara”: “Estamos a caminhar para uma economia produtiva e não uma extrativista.”
A justiça social é outro dos temas que Gustavo Petro defende, robustecendo o papel de Estado e transformando o sistema de saúde e de pensões. “O país necessita de justiça social para poder construir a paz. Isto é, menos pobreza, menos fome, menos desigualdades, mais direitos. Se não se faz isto, a violência aprofundiza-se”, afirmou.
No âmbito da segurança, Gustavo Petro quer levar a cabo uma reforma no seio das forças policiais e implementar mecanismos para controlar o que acontece dentro das Forças Armadas, principalmente no que concerne à corrupção. É também um Presidente que se assume feminista e prometeu criar um ministério da Igualdade, de modo a salvaguardar os direitos das minorias.
Adicionalmente, Gustavo Petro quer alterar a estratégia para o tráfico de droga — um dos principais problemas da Colômbia. Por exemplo, o novo Presidente deseja criar um apoio financeiro para a população rural, com vista a reduzir a sua dependência no que diz respeito à produção e consequente venda de cocaína.
Preso durante um ano e meio a autarca de Bogotá: o percurso político
Aos 62 anos, Gustavo Petro já ocupou cargos de relevo na sociedade colombiana. O início do seu interesse pela política começou cedo: aos 17 anos, integrou a guerrilha M-19, que se posicionava contra a vitória do conservador Misael Pastrana Borrero nas eleições de 1970, acusado de fraude eleitoral.
Sob a alcunha Aureliano (em homenagem à personagem do livro “Cem Anos de Solidão”, escrito por Gabriel García Márquez, que admirava), o novo Presidente reconhece que foi um combatente “medíocre”: “Nunca senti, ao contrário de muitos dos meus colegas, uma vocação militar. Queria era fazer a revolução.” Porém, por conta da sua atividade na guerrilha, acabou por ser detido, torturado e acabou preso durante 18 meses por posse ilegal de armas.
Após um período tenso e crispado na política colombiana, a guerrilha M-19 institucionalizou-se em 1990 e transformou-se num partido político, o Aliança Democrática. Nas eleições de 1991, Gustavo Petro é eleito pela primeira vez para a Câmara de Representantes por aquela força partidária. Não conseguiu a reeleição e, em 1994, foi mesmo obrigado a fugir do país, sofrendo ainda represálias pelo tempo que passou na guerrilha. Durante dois anos, esteve em Bruxelas a desempenhar cargos diplomáticos.
Voltou à Colômbia em 1998, é novamente eleito deputado e, depois, senador. Em 2010, chega o maior desafio da carreira de Gustavo Petro, que se candidata pela primeira vez à presidência. Não conseguiu chegar à segunda volta, tendo-se ficado pelos 9% das intenções de voto. Um ano depois é eleito autarca de Bogotá e consolidou-se como uma das figuras centrais da esquerda colombiana.
Durante os anos em que esteve à frente da autarquia da maior cidade do país, Gustavo Petro envolveu-se em várias polémicas com o poder central, uma dos quais associadas à recolha dos resíduos urbanos. Daniel Garcia-Peña, um ex-assessor do novo Presidente durante o mandato no executivo da capital, acusa-o, em declarações à Agence-France Presse, de “despotismo” e enfatiza as suas “dificuldades para trabalhar em equipa”. “Tem um temperamento muito impetuoso e autoritário”, sublinhou, envolvendo-se em várias “lutas ao mesmo tempo”, o que “gerou frustrações nas metas que ele próprio traçou”.
Gustavo Petro abandonou o cargo de autarca de Bogotá em 2015 e voltou a tentar candidatar-se à presidência em 2018. Desta feita, o resultado foi francamente melhor do que a sua primeira tentativa: passou à segunda volta e reuniu 41,77% dos votos, perdendo para o seu antecessor, Iván Duque. Quatro anos depois, chegou finalmente o momento de Gustavo Petro tornar-se Presidente. Com mais de 50% dos votos (contra 47% do seu adversário, Rodolfo Hernández), o novo chefe de Estado está decidido a inverter a marcha da política colombiana — e levá-la para um campo mais “progressista”.