André Ventura ficou com o poder de adiar até um ano todas as eleições para as estruturas locais do Chega. A proposta foi levada ao último Conselho Nacional pelo próprio presidente do partido e acabou aprovada por 85,7% dos conselheiros. A exceção são as distritais de Évora e Setúbal que, por estarem sem órgãos eleitos, terão de ir a votos antes desse período.

No último Conselho Nacional do Chega, que decorreu no dia 9 de abril no Porto, estava previsto na ordem dos trabalhos um “ponto de situação das estruturas concelhias e distritais” e foi já na reunião que os conselheiros conheceram a proposta de André Ventura.

Com o ponto presente na ordem de trabalhos antecipava-se uma discussão para que as concelhias passassem a ter eleições independentes em vez de nomeações, mas, segundo as informações dadas por um conselheiro nacional do Chega ao Observador, não foi distribuído nenhum documento e André Ventura apresentou a proposta para que houvesse um adiamento dessa possibilidade, argumentando que as concelhias ainda não estão aptas para ir a eleições.

Aliás, o presidente do partido terá mesmo receio que haja pouco conhecimento sobre as questões técnicas e práticas do trabalho das concelhias e até das distritais, pelo que será criada uma comissão para organizar o processo eletivo e para apoiar as estruturas locais. Este poderá durar até um ano, altura em que as estruturas irão a votos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A proposta de André Ventura foi votada de braço no ar e aprovada com 66 votos a favor, sete abstenções e quatro votos contra.

Uma eleição adiada em Lisboa (onde até já havia candidato)

Uma das eleições que fica adiada é a da distrital de Lisboa. Pedro Pessanha, agora um dos 12 deputados do Chega na Assembleia da República, é presidente desde 2019 e viu o mandato de dois anos chegar ao fim em setembro de 2021.

Com as eleições autárquicas marcadas para esse mês e com a queda do Governo pouco depois, as eleições foram sendo adiadas e acabaram por não acontecer. Com este adiamento proposto por André Ventura, fica também adiada a possibilidade de mexidas na maior distrital do país.

Em janeiro, Nuno Afonso — um dos fundadores do partido, que chegou a ser vice-presidente e é agora vogal da direção —, mostrou disponibilidade para ir a votos em Lisboa, referindo numa entrevista à revista Sábado que era “algo que está em cima da mesa”.

“Para ser sincero, nunca me tinha passado pela cabeça porque fazia parte da direção nacional. Mas vejo tanta coisa a passar-se no distrito de Lisboa, nomeadamente no concelho de Sintra. Militantes e responsáveis concelhios que não sabem de nada sobre questões concelhias, que não sabem de nada sobre questões internas e recorrem a mim para resolver problemas. Sinto-os abandonados”, disse nessa altura o vereador do Chega de Sintra.

Apesar de André Ventura ter mantido Nuno Afonso como chefe de gabinete depois das eleições legislativas, o presidente do Chega optou por deixar o número dois do partido fora das listas de deputados num momento em que Nuno Afonso era um dos nomes fortes do Chega — tinha sido coordenador autárquico nas eleições e tinha conseguido ser eleito vereador em Sintra.

A exclusão da lista de deputados junta-se a outro episódio que deixou marcas no partido: Nuno Afonso já antes tinha sido relegado de vice-presidente do Chega para vogal da direção.

Agora, com a decisão de adiar eleições, Nuno Afonso fica afastado (para já) da possibilidade de ir a votos na distrital mais importante do país, numa fase em que a contestação interna do Chega começa a ganhar cada vez mais espaço dentro do partido.

Contactado pelo Observador, Nuno Afonso diz que manifestou a sua opinião através do voto no Conselho Nacional do Chega e prefere não fazer mais declarações sobre o assunto, não adiantando se seria ou não candidato nesta fase.

A queda lenta de Nuno Afonso. Ventura afasta número dois do Chega das listas de deputados

As dores de crescimento e o medo de perder o controlo

O Chega disputou três eleições num ano, iniciou uma implantação autárquica e passou de um para 12 deputados no Parlamento. Com um crescimento repentino, adiar as eleições das distritais e das concelhias dá mais tempo a André Ventura para acautelar alguns dos problemas com que se tem deparado: militantes descontentes e contestação interna — alguma mais audível desde a contratação da ex-deputada do PAN Cristina Rodrigues, que levou até a desfiliações.

Se o objetivo de atrasar as eleições permite travar mudanças nas estruturas locais e investir na organização interna do partido, também traz novamente à discussão a falta de democracia interna de que a direção tem vindo a ser acusada.

No último Congresso do partido, em Viseu, as críticas estiveram em cima da mesa, desde logo por causa dessa mesma questão das concelhias e da não existência de eleições. Numa reunião magna que aconteceu sem debate de moções temáticas e onde não foram admitidas moções estatutárias, o Chega criou a possibilidade de se apresentarem “recomendações” que iriam ser discutidas e votadas, mas afinal acabaram por não ser.

Entre elas estava a recomendação F, subscrita em primeiro lugar por Fernando Arriscado Amorim, que liderou durante nove meses a concelhia da Póvoa de Varzim, até ser exonerado pela distrital. A proposta prendia a realização de eleições para as concelhias, em vez de os membros serem escolhidos por nomeação, como acontecia naquela fase e se mantém.

O problema era o sintoma de uma falha mais grave apontada ao partido: a falta de democracia interna. Na recomendação F reconhecia-se precisamente que o tema “é recorrente em todos os congressos” e que o partido continua “num limbo que não serve nada nem ninguém”. O resultado, defendiam os proponentes, são “casos de atropelo da organização” do partido e até em “casos de polícia”, “destruidores da imagem” do Chega.

O problema, apontava ainda o texto, é que as nomeações promovem o amiguismo e até os nepotismos e podem resultar em equipas “subservientes, incapazes e incompetentes”. Para mais, prosseguia, as concelhias do Chega trabalham com “receio de que a sua atividade gere ciúmes ou antagonismos capazes de uma exoneração”. Soluções? Eleições diretas nas concelhias.

A recomendação não foi discutida nem votada na altura e, quatro meses depois, a resolução encontrada para o problema foi uma não-solução. Por outras palavras: o partido não vai a eleições nos próximos tempos e as concelhias vão continuar a ser nomeadas pelas distritais durante esse período.