Foi preciso esperar pelo terceiro dia de votações para que o PS desse ao seu antigo parceiro de gerigonça PCP anuência quanto a uma proposta de alteração ao Orçamento (em 353 entregues pelos comunistas, muitas ainda por votar): os municípios passam a ter direito de preferência na venda de habitações penhoradas pelo fisco, devido a dívidas fiscais. Ainda assim, a cedência dos socialistas não foi total e pelo caminho ficou a parte da proposta em que os imóveis comprados pelos municípios teriam como destino programas de renda apoiada ou de renda condicionada.

Aprovada proposta do PCP que dá direito de preferência a autarquias na venda de casas penhoradas

Mas este não deixou de ser o dia em que os comunistas conseguiram, finalmente, ver uma proposta de alteração ao Orçamento socialistas aprovada, depois até da Iniciativa Liberal, ideologicamente bem mais distante do PS do que o PCP. Ao longo destes três dias, os socialistas têm rejeitado matérias caras aos comunistas, como ir além no aumento extraordinário das pensões assim como nos aumentos da função pública, a universalidade da gratuitidade das creches ou reduções do IVA do gás e da eletricidade.

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Tudo propostas que ficaram pelo caminho. O PS parece ter seguido em frente do divórcio com os partidos à sua esquerda e tem preferido presentear antes o PAN, o Livre e, embora em menor grau, até a Iniciativa Liberal. André Ventura, do Chega, chegou a caraterizar, no início da sessão, o trio PS, IL e Livre como “os novos parceiros”.

Estudos, formações, outra vez a menstruação e um deputado único que garantiu horas de debate. O 2.º dia das votações do Orçamento

O PAN, que apresentou 244 propostas de alteração ao OE, é, até agora, o grande vencedor das aprovações, entre os partidos da oposição. O partido liderado por Inês Sousa Real conseguiu fazer passar, desde o início das votações, 34 propostas. Só esta quarta-feira, terceiro dia de votações, foram aprovadas 22 propostas. Algumas simbólicas e com pouco impacto orçamental, como a criação de um plano de ação “rios livres”, a criação de um atlas de risco sobre as alterações climáticas ou a proteção do tubarão anequim.

Mas houve propostas para as quais o partido liderado por Inês Sousa Real recebeu luz verde e que mexem com o orçamento. Graças ao PAN, o Governo vai proceder ao reforço do mecanismo financeiro de apoio à eficiência energética de edifícios, no valor anual de 40 milhões de euros, para agregados familiares que vivam em situação de pobreza energética.

Foi ainda garantido um aumento do valor atribuído ao Programa de Apoio à Densificação e Reforço da Oferta de Transporte Público (PROTransP), dos 15 milhões previstos inicialmente pelo Governo para 20 milhões.

Entre as propostas aprovadas, foi ainda avante um reforço do cheque-bicicleta, que passou de 400 mil euros para um milhão. E foi garantido o reforço dos meios humanos do ICNF, através da abertura de um concurso para a contratação de 25 novos vigilantes da natureza, e a contratação de 25 veterinários municipais. Assim como a criação de uma rede nacional de bancos de leite materno.

O partido garantiu também algumas medidas relativas a animais de companhia, nomeadamente a isenção do pagamento de taxas para os donos de cães em situação de insuficiência económica, e ainda para quem tenha adotado os cães em centros de recolha oficial de animais ou em associações zoófilas legalmente constituídas.

E verá também ir para a frente o primeiro centro de investigação em Portugal “com recurso a modelos alternativos aos animais utilizados para fins científicos.

Em segundo lugar na lista dos vencedores aparece o Livre, que teve, até ao momento, 13 propostas aprovadas (de 84 apresentadas — também ainda não foram todas votadas), algumas das quais têm sido muito badaladas: é o caso do alargamento do subsídio de desemprego às vítimas de violência doméstica, a majoração do apoio para os trabalhadores que se despedem para acompanharem o cônjuge ou unido de facto que aceitou um emprego no interior e a criação de uma licença de formação para quem queira melhorar as suas qualificações.

O partido de Rui Tavares foi também o autor da proposta que clarifica a lei que coloca os produtos menstruais na lista dos que têm IVA a 6%. A proposta foi alvo de polémica no primeiro dia de debate na especialidade, uma vez que vários produtos menstruais já beneficiam da taxa reduzida, mas são enquadrados numa outra categoria (produtos de gaze para “uso higiénico ou cirúrgico”).

O que a proposta do Livre faz é incluir na lei uma categoria sobre “produtos menstruais” com dois objetivos: clarificar e baixar o IVA também para produtos menstruais feitos de tecido, e não de gaze (cuecas menstruais ou pensos laváveis, por exemplo).

No mesmo tema, o partido conseguiu que o Governo avance com um estudo nacional sobre o impacto da menstruação na qualidade de vida das pessoas e das famílias. A ideia é avaliar a incidência de doenças como a endometriose, os sintomas associados à menstruação, a pobreza menstrual e o grau de literacia da população sobre o tema.

As cedências não ficaram por aqui: um dos programas-bandeira da campanha do Livre foi o 3C – Casa, Conforto e Clima, de melhoria da eficiência energética e conforto térmico nas casas. A proposta aprovada define que “os programas de eficiência energética e de incentivo à melhoria do conforto térmico dos edifícios para fins habitacionais e dos edifícios de serviços em Portugal, no âmbito do PRR, passam a designar-se “3C – Casa, Conforto e Clima””.

Programa 3C do Livre avança. Incentivos para melhoria de conforto térmico e eficiência energética

No caso dos edifícios habitacionais, os subsídios podem ir até 100% dos custos para as categorias de mais baixos rendimentos, excluindo IVA. Já nos edifícios de serviços pode ir até 200.000 euros. Ainda assim, a proposta aprovada foi um recuo face ao que o Livre tinha chegado a propor: caiu, por exemplo, a referência a um crédito fiscal.

Empatados a três estão a Iniciativa Liberal, o PSD e o PSD Madeira. No caso dos liberais, uma dessas propostas só recebeu luz verde depois de ser avocada a Plenário para o PS mudar o seu sentido de voto e garantir a aprovação. Ao que o Observador apurou, as negociações que levaram à aprovação aconteceram na maratona de terça-feira, dia em que os trabalhos de votação da Comissão de Orçamento e Finanças se arrastaram até de madrugada (2h30).

E com essa avocação e mudança do sentido de voto do PS, a Iniciativa Liberal garantiu a antecipação das decisões sobre a atribuição de bolsas de estudo no ensino superior, o que significa que a decisão sobre atribuição de bolsas tem de ser conhecida em data anterior à divulgação dos resultados do concurso nacional de acesso.

Dia 3. O novo parceiro do PS e as picardias da esquerda

Além desta proposta, que garantiu aprovação no Plenário, a Iniciativa Liberal conseguiu, ainda, duas outras pequenas conquistas. O reforço da formação dos magistrados para o combate aos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual e também a elaboração, tendo em conta o real impacto das ofertas formativas, de uma avaliação semestral contendo as recomendações que se considerem necessárias no combate a esses mesmos crimes. A IL apresentou um total de 127 propostas de alteração.

O PSD, por sua vez, viu aprovada por unanimidade o não agravamento no imposto de selo nos contratos de créditos “já celebrados e em execução”. O PS também se juntou aos social-democratas numa proposta que acelera a contratação de trabalhadores fora da Europa, numa altura em que muitas empresas se debatem com a falta de trabalhadores. E noutra que adiciona a referência à Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária no artigo sobre o reforço de meios de combate à corrupção, fraude e crime económico-financeiro.

PS aprova proposta do PSD que facilita contratação de trabalhadores fora da Europa

Já o PSD Madeira teve luz verde dos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças, e nomeadamente do PS, para três propostas até ao momento. Foi aprovada uma medida relativa à imputação de receitas fiscais às regiões autónomas que prevê a constituição de uma Comissão Técnica para “definir o modelo de imputação adequado das receitas fiscais às diversas circunscrições territoriais e de definir o montante concreto dos valores de receitas fiscais de anos anteriores devidos às Regiões Autónomas”. A comissão terá de ser formada até 30 de setembro e de apresentar um relatório de conclusões finais até ao fim do ano.

Os deputados do PSD Madeira conseguiram ainda fazer passar duas normas relativas a garantias para operações de crédito, uma respeitante à estratégia de gestão da dívida das regiões autónomas, e outra “tendo em conta a finalidade da garantia a prestar, no âmbito da construção do novo Hospital Central e Universitário da Madeira, até ao limite máximo de 158,7 milhões de euros.

Já esta quarta-feira, os três deputados do PSD conseguiram passar a aplicação de taxas de imposto reduzidas para rum e licores “desde que produzidos e declarados para consumo na Região Autónoma da Madeira”. A taxa do rum é fixada em 40% e a dos licores e os «crème de» produzidos a partir de frutos ou plantas regionais definidos em 28%.

O Bloco de Esquerda está a capitalizar bem menos neste Orçamento. Para já, viu aprovadas duas propostas (em 137 apresentadas): uma para que o Governo crie um programa de promoção do estatuto dos profissionais da área da cultura para a sua divulgação; e uma para a promoção de ações de informação sobre o ciclo menstrual, a utilização e a variedade de “produtos de recolha menstrual”.

Por fim, está o Chega, que não conseguiu luz verde a nenhuma proposta.

Já o PS, partido maioritário no Parlamento, tem visto, naturalmente, aprovadas todas as propostas que apresentou: foram mais de 40.

As 41 alterações que o PS quer fazer ao OE do próprio PS: propinas, isenção de impostos a carros ucranianos ou aeroporto na Horta