Copo meio cheio ou copo meio vazio. Nas primeiras dez sondagens realizadas desde que foi eleito líder do PSD, Luís Montenegro não tem números muito diferentes dos de Rui Rio, conseguindo uma média de 26,25% nas intenções de voto – nas legislativas, o partido teve 27,67%. Em contrapartida, Montenegro já conseguiu por duas vezes bater a barreira dos 30% e está definitivamente a encurtar a diferença para António Costa, dois objetivos que Rui Rio nunca atingiu nas primeiras dez sondagens que teve enquanto líder eleito.
Os desempenhos do presidente social-democrata não convencem todos no partido. “Para quem falava tanto de más sondagens, deviam reconhecer o problema: mesmo com o PS que a cair, o PSD não está arrancar”, diz ao Observador um antigo general do rioísmo. Entre os mais próximos de Montenegro, a ordem é para desvalorizar: “Entre a saída de Rui Rio e a eleição do novo líder, o PSD não existiu. Esse prolongar foi muito nefasto. Tivemos de começar a trabalhar daí”, nota um destacado dirigente social-democrata.
“Nem sequer seria muito bom estarmos agora com grandes sondagens. Para o voto estar verdadeiramente fidelizado, o processo deve ser gradual. O contrário seria um epifenómeno”, acrescenta fonte do núcleo duro de Luís Montenegro.
“Não me lembro de serem tão compreensivos com Rui Rio”, contrapõe o mesmo antigo general rioísta. “Um ano depois de ter tomado posse e sem ter ido a qualquer eleição, já Montenegro exigia a demissão de Rio. Era preciso que existisse coerência. Mas não há.”
Jorge Fernandes, investigador Auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário Europeu, Florença, resume as coisas desta forma: “Parece-me evidente que há uma estabilidade total no PSD. A mudança de liderança não trouxe qualquer mudança às intenções de voto”, aponta.
O que ainda não é possível dizer é para onde estão a migrar os eleitores que diziam votar no PS, salvaguarda o mesmo Jorge Fernandes, colaborador regular do Observador. “A transferência de votos entre partidos é uma das matérias mais difíceis de estudar em Ciência Política. Muito mais com dados agregados. Os exercícios publicados de transferência de ‘x’ para ‘y’ são metodologicamente incorrectos.”
Descascando os números
De facto, olhando para os números, as primeiras dez sondagens de Rui Rio enquanto líder eleito, entre janeiro e julho de 2018, resultaram numa média de 27,76%. Fazendo o mesmo exercício com as primeiras dez sondagens de Montenegro, entre junho e setembro de 2022, o novo líder do PSD consegue 26,25% nas intenções de voto, não muito longe dos 27,67% conseguidos por Rui Rio nas últimas legislativas. Estabilidade é a palavra chave.
“Não há qualquer drama nestas sondagens”, diz ao Observador Pedro Duarte, presidente do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD. “Não me surpreendem nada, devem ser lidas com toda a normalidade. Estamos lentamente a retomar e é natural que tão cedo não existam grandes mudanças”, consente.
No entanto, o atual ciclo traz uma novidade: os socialistas estão em clara quebra e existe uma evidente aproximação entre António Costa e Luís Montenegro – que resulta muito mais da quebra do PS do que de um crescimento avassalador do PSD. Por outras palavras, o PS está num ciclo negativo, mas o PSD ainda não conseguiu capitalizar esse desgaste de forma proporcional.
Este tipo de exercício deve ser lido sempre com muito cautela – desde logo, e é sempre importante recordar, as sondagens são fotografias de cada momento. Se é natural que o PS comece agora a ser mais penalizado pelo período difícil que o país atravessa, nada garante que no futuro as coisas não se venham a alterar; igualmente natural é que um líder como Montenegro, há pouco mais de 100 dias à frente do PSD, ainda não tenha tido tempo para ver refletida a sua impressão digital nas sondagens.
Além disso, diferentes empresas de sondagens usam diferentes tipos de metodologias, o que infirma qualquer comparação que se possa fazer — inclusivamente na forma como são distribuídos os indecisos. Mas até este capítulo traz notícias positivas para Montenegro: apesar de estar longe dos resultados a que o PSD já se habituou, o líder social-democrata tem subido consistentemente nos estudos de opinião que são diretamente comparáveis.
A título de exemplo: entre junho e setembro, nas sondagens feitas pela Intercampus (CMTV), Montenegro passou dos 21,70%, teve um pico negativo de 19,80% (6 a 11 de julho, ainda antes do congresso que o entronizou) e cresceu sempre a partir daí (22,8% e 24,70%). Um aumento de três pontos entre a primeira vez que foi medido em intenções de voto pela Intercampus e a última vez, já em setembro.
O mesmo vale para as duas sondagens já realizadas pela Aximage (JN, DN e TSF), a primeira antes do congresso e a segunda já entre os dias 21 e 24 de setembro. Em ambas, Montenegro supera a barreira dos 30%, sobe quase um ponto percentual e, nesta última, fica a menos de quatro pontos percentuais do PS.
Trambolhão do PS e esquerda esvaziada
Mas mais do que olhar para a evolução conseguida por Montenegro desde que foi eleito líder do PSD, o que salta de imediato à vista é o trambolhão de António Costa. Nas primeiras dez sondagens da era Rui Rio, o PS raramente baixou a fasquia e ficou-se numa média de 40,40%. Quatro anos depois, nos primeiros meses de Montenegro, Costa tem uma média de 35,45%.
Pior: nesses primeiros meses de 2018, quando ainda existia uma convivência saudável à esquerda, Costa tinha resultados na casa dos 40%; ao lado, tinha um Bloco de Esquerda e um PCP com vitalidade, com uma média de 9% e 7,35%, respetivamente. Hoje, no conjunto das dez sondagens, bloquistas (5,10%) e comunistas (3,25%) estão em mínimos olímpicos.
Ou seja, além de António Costa estar a perder fôlego nas intenções de voto, não há sinais de que possa recuperar esse eleitorado entre aqueles que assumem votar no Bloco de Esquerda e no PCP. Com o PSD a encurtar distâncias, isto pode significar que a margem de crescimento do PS pode ser hoje muito menor do que era em 2018.
De resto, foi esse fenómeno de esvaziamento à esquerda que ajudou o PS a atingir a maioria absoluta nas legislativas de 2022, como foi amplamente reconhecido por todos os analistas e figuras políticas. Das eleições de 2019 para as últimas, os parceiros de ‘geringonça’ tiveram uma perda acumulada de mais 7 pontos percentuais; e o PS ganhou mais de 5 pontos.
PS a perder onde dói mais
Depois existe um outro indicador que vai animando as hostes sociais-democratas: os estudos de opinião indiciam um mudança socioeconómica importante para o PSD, uma vez que os socialistas estão a perder fôlego entre os mais velhos e as pessoas com menores rendimentos – duas importantes bases eleitorais do PS.
Esse dado é bastante evidente na última sondagem realizada até ao momento, pela Aximage para o DN, JN e TSF, já depois de conhecidos os apoios sociais encontrados para fazer face à crise inflacionista e a polémica medida para as pensões, que resulta num corte real do valor das mesmas.
Nesse estudo de opinião, os inquiridos com 65 ou mais anos dão uma avaliação negativa a António Costa (uma absoluta novidade neste tipo de inquéritos); os entrevistados dos dois menores escalões de rendimentos também; e o mesmo para os inquiridos que vivem nas áreas metropolitanas metropolitanas do Porto e de Lisboa.
Ora, são precisamente essas as três grandes fragilidades que há muito condicionam o PSD e que são reconhecidas no interior do partido — por esta e pela anterior direção social-democrata. Como explicava aqui o Observador, nos últimos anos, os sociais-democratas têm-se transformado numa força rural (em quebra nas grandes cidades), divorciado dos pensionistas (consequência da imagem que ficou do período de intervenção da troika) e a perder força entre os menos qualificados, que têm fugido quer para o Chega quer para o PS.
O facto de o PS estar a perder ímpeto nesses três segmentos eleitorais é um sinal encorajador para o PSD. “Estamos a assistir a uma inversão na relação de forças onde estávamos mais frágeis, sobretudo entre pensionistas”, analisa António Leitão Amaro, vice-presidente do PSD. “Essa mudança de ciclo socioeconómico tem de ser vista como positiva.”
De resto, numa estratégia concertada e deliberada, o PSD tem aproveitado as dificuldades de António Costa para lidar com as más notícias nas pensões para tentar a todo custo seduzir os pensionistas. À boleia do corte do PS nas pensões, o PSD apareceu por cima e propôs um aumento em linha com inflação, recusando entrar em debates sobre a sustentabilidade da Segurança Social enquanto o PS não der o passo em frente. “Já chega de sermos sempre os certinhos”, justificava-se ao Observador um destacado dirigente social-democrata.
A vantagem de Rio que Montenegro não tem
Entre os mais próximos de Luís Montenegro, há quem insista que as sondagens devem ser lidas à luz não só do ponto de partida em que Rui Rio deixou o partido (“O PSD tinha deixado de existir”) mas também olhando para o próprio perfil do novo líder por oposição ao antecessor: Montenegro não existia para lá da bolha político-mediática.
“Rui Rio tinha sido presidente da Câmara do Porto durante 12 anos. Era reconhecido por isso. Luís Montenegro foi líder parlamentar entre 2011 e 2015. Ninguém, a não ser jornalistas e políticos, conhece os líderes parlamentares”, reforça um elemento da direção social-democrata.
“Vai demorar tempo a ser percecionado como líder da oposição e candidato a primeiro-ministro. É um caminho que tem de ser feito e por isso é que são importantes aqueles momentos como o do acordo para o novo aeroporto”, acrescenta outro dirigente do PSD, referindo-se ao facto de o presidente do partido ter aparecido, de igual para igual, a falar com António Costa.
Aparentemente, esses sinais já se vão sentido nos estudos que avaliam as intenções de votos. Na já citada sondagem da Aximage para o DN, JN e TSF (a última divulgada), Montenegro dá um salto evidente no reconhecimento dos eleitores: na sondagem de julho, o presidente social-democrata não conseguia mais do que 19% na escolha para principal figura de oposição; agora está nos 30%, em igualdade com André Ventura.
Nas quatro sondagens realizadas pela Intercampus no período analisado – e portanto diretamente comparáveis –, Montenegro consegue uma ligeira recuperação e passa de uma avaliação de 2,8 (numa escala de 0 a 5) para 2,9 – neste indicador, António Costa mantém-se nos 3 e todos os outros líderes partidários conseguem menos do que o presidente do PSD.
Apesar de aparentemente anódina, esta evolução e a comparação com os demais líderes parecem confirmar a tendência registada na sondagem da Aximage: Montenegro estará a crescer aos olhos dos eleitores e o seu papel como líder da oposição começa a ser reconhecido.
IL instável. Chega consistentemente terceiro
“Existem outros dados importantes”, insiste António Leitão Amaro. “Foi possível quebrar o ciclo de irrecuperável queda do PSD e parece que o estado de graça de António Costa está perto de se desfazer, até mais cedo do que prevíamos.” Além disso, continua o antigo secretário de Estado da Administração Local, a “trajetória de crescimento” dos partidos à direita do PSD parece “ter-se invertido”.
Olhando para o conjunto das dez últimas sondagens, essas duas conclusões podem ser retiradas: a Iniciativa Liberal está com dificuldades em manter resultados consistentes desde que Luís Montenegro foi eleito líder do PSD; e o Chega é cada vez mais terceiro mas sem que daí resulte um resultado galopante.
A média conseguida pelos liberais (6,80%) está acima do resultado eleitoral conseguido em janeiro de 2022 (4,91%). No entanto, já teve estudos de opinião alarmantes (3% na sondagem realizada pelo ISCTE-ICS para a SIC/Expresso) e tem descido nos inquéritos diretamente comparáveis.
Veja-se outra vez os quatro barómetros da Intercampus para a CMTV sobre a evolução da Iniciativa Liberal: 6,90% (junho); 8,50% (julho, um pico que coincide com a quebra do PSD); 7,10% (agosto); e 5,20% (em setembro).
Com o partido de André Ventura é diferente. O Chega, que teve 7,18% nas legislativas de 2022, não teve uma única sondagem com score inferior ao das legislativas, já teve estudos de opinião com 11% nas intenções de voto, tem uma média de 8,95% nas últimas dez e parece subir consistentemente nos inquéritos diretamente comparáveis.
Veja-se outra vez os quatro barómetros da Intercampus para a CMTV sobre a evolução do Chega: 8,20% (junho); 8,30% (julho); 8,40% (agosto); e 9,20% (em setembro).
“É verdade que a Iniciativa Liberal até cai e que o Chega parece crescer um bocadinho. Mas em termos absolutos está a crescer menos do que o PSD”, salvaguarda um alto dirigente social-democrata. “Mesmo num ciclo socioeconómico favorável para a direita populista, mesmo com o que está a acontecer à direita em toda a Europa, não assistimos à explosão do Chega”, completa a mesma fonte.
Seja como for, as três últimas sondagens realizadas e divulgadas, por três empresas diferentes (Intercampus, ISCTE-ICS e Aximage), apontam para a mesma realidade: juntos, os três partidos à direita conseguiriam suplantar o PS. Mais: no caso das sondagens da Intercampus e da Aximagem a maioria à direita existiria mesmo se o PS tentasse reeditar a geringonça.
E essa tendência (re)coloca um problema: o tema das alianças com o Chega está longe de ser assunto resolvido no interior do PSD e a IL jura a pés juntos que nunca se entenderá, sob qualquer fórmula, com o partido de André Ventura. A manterem-se os dados atuais, o Chega é um aliado incontornável se a direita quiser voltar ao poder. Mas isso são outros quinhentos; Montenegro ainda tem de arrumar a casa.
Sem base, sem país, sem quadros e sem espaço. O PSD ainda tem futuro?