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O problema de arrancar com a descrição do percurso de Artur Santos Silva é: o que deixar de fora para evitar um primeiro parágrafo interminável? Foi secretário de Estado do Tesouro no VI Governo Provisório, quando todos os bancos estavam nacionalizados. Foi vice-governador do Banco de Portugal. Fundou e liderou o BPI. Presidiu à Fundação Gulbenkian. E à Comissão para o Centenário da República. E à Porto Capital da Cultura 2001. E foi administrador da Fundação de Serralves. Agora lidera a Fundação La Caixa em Portugal.
Antes das respostas sobre as prioridades da fundação e sobre o que falhou com as elites a que pertence, três impressões mais descontraídas.
1) Sobre o sumo servido por KikoPericoli, barman oficial das Observador Summer Sessions. “Grande bebida, pá”. “Por acaso, não é nada má, o que é que ele terá posto?” “Realmente a laranja identifico-a, a cenoura nem tanto”. “Também tem salsa.” “Mas sei que há outra coisa… a salsa também vejo.”
2) Sobre o cenário – o terraço do Observador. “Este espaço é muito simpático e inspirado aqui pelo Conservatório de Música, que é um edifício belíssimo e que espero que seja devidamente restaurado e aproveitado. Curiosamente, o Conservatório de Música no Porto foi criado pelo meu avô quando foi Presidente da Câmara do Porto.”
E 3) Sobre as férias. “Durante muito tempo fazia 15 dias em Vidago e 15 dias no Algarve com a minha mulher e os meus filhos, que nasceram uns a seguir aos outros com uma média de 15 meses separados uns dos outros. Quando o cinto apertou, quando houve mais dificuldades, o Algarve foi cortado e fazíamos praia mais para o Norte, mas quando as coisas voltaram a navegar em condições mais normais, voltei ao Algarve. Ia para lá em Setembro, mas quando começámos a ter a abertura das aulas no princípio de Setembro, encerrámos o Algarve, então pensámos em comprar uma segunda casa. Primeiro fomos para Moledo e agora estamos numa zona que não é nem rio, nem mar, está entre uma coisa e outra. Normalmente fico muito por lá e saio para dar umas voltas de bicicleta.”
[Veja no vídeo o best of da entrevista, gravada num dia quente, mas ventoso]
Queria começar por lhe agradecer, porque sei que tem a família já toda para o pé de Viana do Castelo, não é? Agora está com um desafio novo. Depois do BPI, depois da Gulbenkian, tem o desafio da Fundação La Caixa. É uma fundação com uma dimensão que, para Portugal, é extraordinária: porque nós estamos habituados a ouvir falar de grandes fundações, mas muito provavelmente, num período de tempo relativamente curto, a intervenção em termos financeiros na área social em Portugal vai ficar, penso eu, só atrás da realizada pela Santa Casa da Misericórdia e essa tem o financiamento das lotarias, não é?
É realmente muito importante no seu papel, sobretudo na sociedade espanhola e agora vai ser em toda a Ibéria e de uma maneira bastante equilibrada com o que faz em Espanha. Isso será feito de uma forma gradual, mas, no plano mundial, deve ser a terceira fundação em capitais próprios e em orçamento. A fundação Bill and Melinda Gates é claramente a maior pela dimensão, mas é uma fundação que vai acabar, porque não é uma fundação que tenha objetivos de perpetuidade, a sua grande missão é contribuir para combater as desigualdades e os grandes problemas de saúde no mundo. A segunda fundação em dimensão e em orçamento é o Welcome Trust do Reino Unido que, sobretudo, financia a investigação. E a Fundação La Caixa é a terceira e é uma fundação que dedica cerca de 60% do seu orçamento, e o deste ano foi de 520 milhões, à área social, 20% à ciência e educação e 20% à cultura e à divulgação da ciência.
O primeiro programa em Portugal que começou a ser financiado foi precisamente na área da ciência. Mas já há mais programas lançados, não é?
Exatamente, lançaram-se antes outros. Definiu-se na fundação que Portugal ia ter um apoio significativo: em cinco anos espera-se chegar a 50 milhões. A orientação do presidente é fazê-lo o mais depressa possível, mas é evidente que montar redes, montar processos e identificar quais são verdadeiramente as necessidades do país demora tempo. Neste momento estamos empenhados, por exemplo, na criação de uma rede muito mais poderosa de cuidados paliativos, porque morrer é inevitável, mas morrer mal não é inevitável e é muito importante fazer com que a vida, no final, também seja uma vida que se queira viver. Isso tem inúmeros
instrumentos que já estão quase todos em marcha e vamos financiar ONGs e instituições do sistema de saúde público e privado que se disponham a ter aqui um papel diferenciador.
E a dificuldade é conseguir estabelecer essas redes?
Exatamente. Nós criámos já em todas as regiões uma rede de paliativos que dê grande importância à componente espiritual e psicossocial, porque os problemas maiores são dessa natureza. Além disso, vamos criar cinco redes de cuidados domiciliários que, em matéria de paliativos, é onde o país está mais fragilizado. O governo tem uma estratégia, tem uma estrutura montada e nós tivemos um grande diálogo exatamente para modelar o que devíamos fazer, de acordo com as reais necessidades do país.
Uma das coisas em que eu reparei e achei muito original foi a forma como, na Ciência, fizeram um acordo com o Ministério para duplicar a verba: há um determinado montante que é entregue pela fundação e o governo compromete-se a entregar outro tanto. Já sabem por quantos anos?
Não garanto, mas acho que o acordo é de cinco anos e foi muito interessante… eu contactei o ministro da Ciência para o informar do que íamos fazer, que íamos lançar um programa que estava pensado para Espanha e que procura privilegiar o apoio à ciência cujo avanço tenha impacto em problemas de saúde.
Não estamos a falar da ciência básica, mas de uma ciência aplicada.
E, neste caso, com grande interação entre a investigação e o sistema clínico, para resolver as doenças mais sérias que o homem enfrenta como as neurodegenerativas, as cardiovasculares, as infecciosas e as oncológicas. São estas as quatro áreas. O nosso país está a meio, mais ou menos, no ranking europeu da investigação e da inovação e tem que investir muito mais, sobretudo o setor privado, se quisermos responder aos desafios das sociedades modernas e cumprir as políticas e os objetivos europeus. Portanto, pensou-se fazer isto todos os anos, através de concursos.
“Morrer mal não é inevitável”
São concursos que abarcam Portugal e Espanha, não é ?
É um concurso aberto a qualquer instituição de investigação de Portugal e de Espanha. É extraordinário que a seca de financiamento que houve nesta área conduziu a que fossem apresentados mais de 750 projetos de investigação na Península Ibérica e cerca de 170 de Portugal. As nossas maiores instituições estiveram todas lá e fizeram muito boa figura. Até 2020 a fundação vai triplicar o apoio à ciência, passando de 30 milhões para 90 milhões e ser, portanto, um dos grandes instrumentos de apoio à ciência. Este ano, no screening do concurso, tivemos de passar de 750 projectos para cerca de 70, num processo em que intervieram 250 peritos internacionais em cada uma destas quatro áreas para escolher os melhores. Depois os 70 melhores ainda foram fazer uma apresentação aos peritos para uma escolha final de 20, sendo 4 para Portugal, 20% dos projetos. Quando apresentei ao ministro da Ciência o que se ia fazer, ele disse: “Mas isso é assim? Isso tem esse processo? Isso tem essa seleção dessa qualidade? Então tantas instituições nossas vão preparar projetos de investigação e depois isso perde-se para ficarem de fora? Porque é que não havemos de colocar o mesmo montante a ser atribuído a instituições portuguesas classificadas logo a seguir?” Foi assim que nasceu a ideia de a Fundação de Ciência e Tecnologia colocar outro tanto, fazer um matching…
É curioso pois é uma instituição privada, da sociedade civil, que acaba por dar ao próprio Estado garantias de qualidade e independência no processo de seleção. É quase uma inversão da lógica, mas que no mundo de hoje pode fazer todo o sentido.
Ainda recentemente vi uma intervenção sua a propósito da importância do privado e do público na solução de problemas do homem e numa sociedade livre, aberta e participativa e, realmente, este foi o caso e o resultado final foi vermos financiados mais quatro projectos. Num total de 24, nós tivemos com este mecanismo 8 projetos e a Espanha teve 16. E como isto vai repetir-se todos os anos, será por certo uma fonte muito importante para financiar a investigação científica dedicada a resolver problemas da saúde.
E com regularidade, que é uma coisa que muitas vezes não se consegue.
É. E isso já está assumido.
Na área da investigação também vão apoiar um programa de bolsas de pós-doutoramento com a intenção ou de atrair, ou de fixar investigadores. Aí a abrangência também é centrada nestas áreas?
Não. Nas bolsas, tradicionalmente, há três componentes: as bolsas de mestrado, que são talvez as bolsas mais populares porque permitirão aos excepcionais do primeiro grau do ensino universitário tirarem um mestrado numa das maiores universidades no mundo, como Harvard, Oxford, Stanford, Singapura. Isso está neste momento em reflexão porque, normalmente, os alunos excepcionais têm origens sociais mais altas e deve ser ponderado o extrato social de onde as pessoas vêm e a necessidade do apoio que têm para poderem dar esse salto. Agora o que temos já aberto é o programa de bolsas pós-doutoramento, com realmente essas duas componentes que referiu, uma que é de atração, incoming, outra de retenção de talentos, retaining. No caso do incoming queremos atrair cientistas das áreas da ciência, tecnologia e matemática, os chamados STAM – as iniciais em inglês – e só os que se disponham a fazer pós-doc, projetos de investigação. No caso português, em instituições que tenham a acreditação de excelente ou de excepcional no último concurso da FCT.
Esses investigadores até podem ser portugueses.
Portugueses ou espanhóis. Já o retaining é aberto a todas as áreas, incluindo ciências sociais, humanidades. E não tem de ser numa instituição de investigação que tenha excelente, pode até ser numa universidade. São bolsas de investigação que não têm necessariamente de conduzir à produção científica ou tecnológica. No caso do pós-doc são bolsas podem ir até aos 300 mil euros em três anos, no caso das bolsas de doutoramento, são 100 mil euros em três anos. Portanto, são bolsas bastante substanciais.
Diria que estamos a intervir junto da camada superior da sociedade, das atuais ou futuras elites. Mas há uma outra intervenção da fundação para tentar recuperar quem fica para trás, não é? Um programa que pretende colocar no mercado de trabalho pessoas que estão há muito tempo desempregadas, ou que têm deficiências, ou que têm dificuldade em encontrar o seu lugar e, para o qual, vocês estão a trabalhar com uma rede enorme de organizações que já trabalham no terreno. Como é que vai ser feita essa articulação?
Umas já estão no terreno, outras foram desafiadas pelo concurso que fizemos. A este concurso responderam noventa e tal ONGs, ou instituições que cumprem missões neste âmbito.
Há misericórdias, por exemplo…
Estão várias misericórdias, como a do Porto. Queremos apoiar a integração no mercado de trabalho de pessoas que tenham incapacidades físicas, psíquicas ou mentais, mulheres sujeitas a violência doméstica, presos que estão a concluir pena, desempregados de longa duração e jovens sem aptidões. O que fizemos foi criar concursos aos quais responderam noventa e tal instituições, foram escolhidas 32 que nesta primeira fase ficaram nas zonas onde há mais problemas, à volta do Porto, de Coimbra, de Lisboa e de Setúbal. O que se pretende é que as instituições que aderem e que são por nós financiadas tenham programas para conquistar pedidos de emprego para pessoas que estão nas zonas de exclusão social e que nós queremos que sejam incluídas. Temos de captar quem esteja disposto a integrar pessoas destas categorias.
Empresas, mas não só…
Claro, também do setor público. Ou do terceiro setor, que merecerá a maior das atenções. E, para estes programas, até já há apoios financeiros, apoios fiscais e nas contribuições para a Segurança Social. São políticas europeias para combater a exclusão social. Também é muito importante dar formação aos candidatos. Os presos a acabar a pena, por exemplo, têm de aprender uma série de coisas para poderem entrar no mercado de trabalho. Em Espanha, o êxito deste programa que tem quase dez anos foi muito grande, no ano passado foram colocados, destes extratos, 35 mil pessoas no mercado de trabalho. A fundação tem de resto acordos com 45 mil empresas. Na área social também damos muita relevância à infância, pois o período dos 0 aos 6 anos é decisivo para o futuro do ser humano, pelo que temos um programa pró-infância que é muito poderoso, muito bem sucedido e que para o ano vai ser implantado em Portugal. Outra área a que damos muita importância é a do apoio aos seniores, onde já temos, por via do BPI, concursos que apoiam pessoas de idade avançada, que vivem isoladas e que são um problema para a nossa sociedade.
Também pensaram no Interior, com o programa Promove dedicado a regiões fronteiriças, um programa que não há em Espanha…
Esse programa não há em Espanha como, por exemplo, nos paliativos muitas das coisas que estamos a fazer, nunca fizemos em Espanha. Foi adaptado ao país pois nós temos um conselho constituído por mim próprio, pelo António Barreto, pelo meu colega do banco e administrador executivo, José Amaral, pela Isabel Jonet e por um diretor da fundação La Caixa. O nosso país tem uma grande assimetria com o litoral, em Espanha não existe tanto esse problema. Pedimos a ajuda de dois grandes especialistas, o professor João Ferrão e o Félix Ribeiro, e desenhámos um conjunto de projetos que, pelo menos durante três anos, vão estar de pé, e espero que venham a ser um grande sucesso, porque realmente as instituições do ensino superior estão a ter um papel muito relevante na aceleração do desenvolvimento. É o caso do Politécnico de Bragança que tem feito um bom trabalho, do Politécnico da Guarda, da Universidade de Trás-os-Montes, que fez uma revolução na zona do Douro na passagem dos vinhos do Porto para os vinhos de mesa, da Universidade da Beira Interior, dos politécnicos de Portalegre e de Beja e da Universidade de Évora. Todo este sistema de ensino superior e, em alguns casos, de investigação vai estar muito mobilizado e eu pessoalmente faço uma grande aposta neste programa.
E isso casa bem com as iniciativas para o interior? Houve aquele programa dinamizado por um grupo de autarcas e de antigos autarcas, com o Miguel Cadilhe.
Espero que sim. Eles estão a fazer uma aposta muito agressiva na área fiscal, mas eu acho que há outras componentes fundamentais e o que nós queremos é atrair investimento estrangeiro, atrair investimento português do Litoral para o Interior, queremos projetos que valorizem os recursos naturais e o património histórico e cultural e que atraiam pessoas pelas forças próprias dessa região. E depois há o problema da proteção de catástrofes naturais, como os incêndios.
“É preciso que as pessoas que acumularam grandes fortunas também entendam devolver à sociedade”
Essa fundação é a terceira maior do mundo em termos de dinheiro que coloca no fundo, na sociedade, nos seus objetivos. Em Portugal já temos fundações com orçamentos significativos, como a Francisco Manuel dos Santos que trabalha numa área completamente diferente, como a Gulbenkian, que conhece muito bem por dentro, como a Champalimaud. É uma forma de quem acumulou muito dinheiro na vida devolver uma parte à sociedade, como é o caso da fundação Melinda e Bill Gates? É um caminho para procurar equilibrar os
desequilíbrios da globalização?
A Fundação La Caixa tem uma origem diferente. Foi inicialmente uma instituição com uma obra social que nasceu no princípio do século XX sobretudo para apoiar trabalhadores desempregados e garantir o seu sistema de pensões dos trabalhadores, porque o apoio público era raro e muito insuficiente. Ou seja, nasceu como caixa e pensões e, depois, passou a caixa de pensões e aforro e, depois, a um notável banco, mas mais recentemente o BCE obrigou a separar a parte da fundação da dos ativos, sendo que a La Caixa tem investido sobretudo na área das Utilities, empresas que têm uma importância muito relevante em toda a sociedade. Em Espanha, com o fim da ditadura, essas empresas foram privatizadas e a fundação investiu muito nelas, está na Telefónica, nas energias, no gás natural, na Repsol, nas águas de Barcelona e por aí fora. Esses ativos ficaram agora fora do banco, ficaram na fundação. Já em Portugal houve, no século XVIII e XIX, um grande sentido filantrópico, sobretudo, dos que vieram do Brasil com dinheiro e procuraram, apoiando misericórdias, com obras próprias e iniciativas próprias, devolver à sociedade muito daquilo que tinham acumulado. Mas se olharmos para o século XX isso é bastante mais raro. Falo muito aqui da minha cidade no Porto, onde particulares criaram hospitais, asilos, escolas e uma série de atividades ao serviço da sociedade.
A sua cidade tem uma tradição, talvez por estar mais longe do centro do poder, onde as pessoas sentem que têm de fazer mais pelos outros.
Sabe, eu acho que no século XX não se viu tanto isso. Agora temos a grande fundação da Gulbenkian, que foi um estrangeiro, a fundação Champalimaud e a Fundação Francisco Manuel dos Santos mas, no nosso caso, acho que vamos fortalecer muito o nosso terceiro setor, pois havendo muito mais fontes de financiamento podem fazer-se muito mais coisas. Vamos querer capacitar o terceiro setor, ter iniciativas que ajudem à formação de muitas pessoas que dirigem essas instituições em part-time, ou mesmo em full-time numa fase menos ativa nas suas vidas profissionais…
Às vezes em regime de voluntariado.
Exatamente, mas que necessitam de mais capacitação. É uma agenda para o futuro muito importante, porque o nosso terceiro setor tem uma importância em relação ao PIB muito baixa se olharmos para outras sociedades comparáveis à nossa na Europa.
É preciso que as pessoas que acumularam grandes fortunas também entendam devolver à sociedade e contribuir para que termos uma sociedade melhor no future. Termos entidades privadas bem sucedidas a cumprirem missões com um impacto grande na sociedade vai estimular muitos outros a fazer o mesmo.
Há muitas pessoas que encontram no terceiro sector uma actividade que dá sentido à parte final das suas vidas, depois de deixarem o seu emprego nestes tempos em que se vive cada vez mais anos…
Um caso extraordinário de intervenção no terceiro setor é dessa minha colega na comissão de responsabilidade social do BPI…
A Isabel Jonet.
Ela é uma excepção por ser muito nova pois, em regra, as pessoas nas instituições a que tenho estado ligado são pessoas em idade já mais avançada. Já na área cultural, em lugares como a Fundação de Serralves, ou a Fundação Casa da Música, há pessoas que estão no pleno da sua atividade e que se dispõem a dedicar parte do seu tempo a essas missões. É ótimo para pessoas com grandes qualidades, com grande experiência de gestão, que se sintam ativas, por um lado, e que se sintam missionários. Eu vi isso na Fundação Gulbenkian: fizemos um concurso para levar para os PALOPs pessoas com grande experiência – como engenheiros ou gestores – e o concurso teve três, quatro vezes mais candidatos do que as vagas. As pessoas estão ávidas por fazer alguma coisa pela sociedade…
“Façam mais coisas, não vivam obcecados só com um desafio na vida”
Pode dar um novo sentido à vida. Não acho que vá cometer nenhuma indiscrição, não tenho de ter aquele cuidado que por vezes se tem com as senhoras, pelo que posso dizer a sua idade. Tem 77 anos e mantém um grau de atividade e dinamismo que não é comum na sociedade portuguesa. Há algum segredo para isso?
O segredo talvez seja o meu percurso de vida, pois nunca fui uma pessoa empenhada apenas numa intensa atividade profissional. Procurei sempre ligar os meus interesses profissionais com outros, porque a vida não é só o trabalho. Procurei ter outros azimutes, ter outros interesses e estimulá-los. Isso deu um grande sentido à minha vida e quando comecei a abrandar na parte profissional, e fui eu próprio que insisti firmemente que o limite para o exercício de funções executivas fosse o ano a seguir a ter concluído 62 anos de vida. A partir daí pude…
Já lá vão 15 anos, quase.
Pude ter mais estímulos, mais interesses. Foi o Porto Capital da Cultura, as fundações de Serralves e da Casa da Música, as comemorações do Centenário da República, o arranque da COTEC. Tudo foi muito importante e ajudou-me muito. Tive a sorte de acabar a minha vida profissional com este desafio. É muito gratificante.
E o que é que pode dizer a outras pessoas que procuram o mesmo?
Façam mais coisas, não vivam obcecados só com um desafio na vida, a sociedade chama por nós para muitas coisas e, além das pequenas coisas que dão sabor à vida, porque não é só nos grandes projetos que cultivamos a nossa felicidade, mas também na aproximação à família, saborear a família, os amigos e projetos que podem ter impacto na sociedade, cumprir missões de cidadania que são especialmente gratificantes. Para mim, o melhor sabor da vida é dado pela família, pelos amigos. O mundo dos afetos é um mundo vital para a nossa felicidade. Depois, acho que temos de olhar para trás e para a frente e sentirmos que estamos cá a fazer alguma coisa, ou especificamente a um e a outro – os que precisam da nossa ajuda – mas também, naturalmente, a causas que tenham impacto na sociedade. Isso para mim foi importante e uso o meu pai como exemplo. Infelizmente teve um problema de saúde aos 65 anos que condicionou muito a sua vida, mas foi uma pessoa que se empenhou sempre imenso em que Portugal tivesse um regime democrático e sofreu isso na pele muito. E o meu avô foi uma pessoa que parou a sua atividade – era um médico com imenso que fazer – aos 72 anos e depois passava um dia da semana a atender e a servir os pobres. Nas férias ia três meses para o Douro e todos os dias à tarde fazia isso aos outros, sempre empenhadíssimo politicamente, empenhadíssimo em projetos com impacto na sociedade do Porto. Esses exemplos ajudaram-me muito na forma de olhar para a vida.
Tenho de fazer uma pergunta, talvez um bocadinho incómoda, mas que também faço a mim próprio, até porque já não sou tão novo quanto isso. Se cumprisse a sua regra, a partir do ano que vem não poderia desempenhar funções executivas…
Não parece, está bem disfarçado! (Risos)
Mas é assim… Tinha 33 anos quando foi o 25 de Abril, fez parte das elites que estiveram à frente deste país nos últimos 40 anos e que ajudaram a construí-lo com as suas virtudes e defeitos. Quando comparamos este país ao país que era não tem comparação possível, mas, ao mesmo tempo, sentimos alguma frustração. O que é que as elites, das quais faz parte, não fizeram e deviam ter feito nestes 30, 40 anos para que nós hoje não estivéssemos sempre a pensar que o dia seguinte não vai ser aquilo que nós gostávamos que fosse?
Olhe, eu acho que a nossa geração nesse aspeto falhou, porque desinteressou-se cedo demais. As máquinas partidárias são máquinas complexas, eu ajudei a formar o PPD, hoje PSD, pescando à linha muitos elemento que foram muito importantes na vida do partido, em especial nos primeiros tempos. Mobilizou-se para trabalhar no partido e para se dedicar ao partido gente de qualidade de todo o país, mas acho que fomos muito ingénuos e não soubemos antecipar que as máquinas partidárias podem gerar muitas perversidades e podem gerar muitas cumplicidades negativas, pelo que muitos desistiram cedo demais de ter um papel importante nos partidos pois não há só situações em que sintamos que estamos a mobilizar os melhores. Nunca quis ter um papel de estar ligado à máquina de topo do partido porque me realizava a fazer outras coisas, na altura era diretor do Banco Português do Atlântico e via-me bastante bem naquela função.
E fundou a seguir um banco.
E mais tarde vim a fazer isso. Mas tive uma fase em que estive no governo e em que estive no Banco de Portugal e vi como era difícil trabalhar numa estrutura de topo do poder do Estado, mas penso que devíamos ter sido mais persistentes em qualquer das funções que tínhamos. Eu saí no primeiro apeadeiro, digo muitas vezes, que foi na crise que se abriu no Congresso de Aveiro, em Dezembro de 1975, porque o partido que eu tinha idealizado estava a tomar um caminho diferente. Eu sou convictamente social-democrata e começou a haver muitos aspetos que fragilizavam esse projeto. Por outro lado, vi o peso excessivo de pessoas
que tinham grande vontade de poder e de estar à volta do poder e de alguns dos melhores. A nossa geração falhou porque devia ter estado mais presente nas estruturas partidárias, quer em missões de liderança, quer noutro tipo de missões que são necessárias, tínhamos de perceber que as máquinas partidárias, por vezes, mobilizam as pessoas sem os melhores propósitos, porque se não fosse por lá não venceriam na vida. Mas do que eu não tenho dúvida é que as elites eram pequenas, nós tínhamos 30 mil alunos em todas as Universidades, hoje temos entre 400 a 450 mil, e, portanto, falhámos. Falhámos porque os partidos são fundamentais para a construção de um quadro democrático e, além disso, outra coisa que tem de ser forte é o poder da sociedade civil e a nossa também é fraca. Quer dizer, as organizações das classes deviam ter um papel mais importante, as pessoas das Universidades deviam ter mais voz, as pessoas da academia deviam ter mais voz e deviam intervir mais a tomar posições sobre os grandes problemas do país. Não foram só as elites políticas – a no seu setor, o dos média, isso também acontece. Tivemos notáveis mudanças, mas a geração que teve responsabilidades muito significativas, a geração que tinha em 1974 entre os 30 e os 45 anos teve responsabilidades grandes e, nalguns casos, eu falo por mim, acho que me decepcionei cedo demais.
Muito obrigado por esta sua sinceridade.
Muito obrigado.
Vou-lhe pedir para tirar uma fotografia, tenho só de encontrar os botões. Isto é uma coisa que já não se usa que é uma Polaroid.
Eh pá, fantástico!
Agora, temos de esperar que ela apareça.
E beneficiar do vento (…) Ah! Já está aqui a aparecer. O ancião está aqui.