Cerca de um minuto e meio. Foi esse o tempo suficiente para Theresa May se aproximar do pódio montando no número 10 de Downing Street, disparar o seu discurso e sair sem responder a perguntas dos jornalistas. A comunicação da primeira-ministra britânica na noite desta quarta-feira foi recebida com alta expectativa; afinal, tinha sido nessa tarde que May anunciou ter pedido um adiamento curto do Brexit (rejeitando um mais prolongado) e tinha recebido um “nim” de Bruxelas. O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, foi claro: adiamento sim, mas só se o acordo negociado com a União Europeia (UE) for aprovado. E, com essa declaração, Tusk deixou May exatamente no mesmo lugar onde estava há uma semana. A diferença é que, agora, falta pouco mais de uma semana para a data marcada para a saída, 29 de março.

May deixa apelo: “Espero apaixonadamente que os deputados consigam apoiar o meu acordo”

Perante este cenário, com uma proposta de acordo que já foi chumbada duas vezes no Parlamento e que não parece ter hipóteses de ser aprovada à terceira, a especulação era muita: iria May demitir-se? Anunciar um entendimento com a oposição? Pedir um cancelamento do Brexit? Convocar eleições antecipadas?

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No final da noite, a resposta era um “nada disso”. A primeira-ministra insistiu na estratégia que já lhe é habitual, que defende que mais vale quebrar do que torcer. Em minuto e meio, reforçou que o seu acordo é o melhor, acusou os deputados de estarem a boicotar o processo de saída e rejeitou por completo pedir um adiamento prolongado do Brexit, deixando a margem de manobra ainda mais curta. Se algo não mudar ao longo dos próximos dias, parece difícil entender como pretende a primeira-ministra evitar um no deal, a 29 de março. Um minuto e meio pode chegar para deixar claro que, encostada às cordas, May continua determinada em continuar a esmurrar o vazio. E que frases usou para tentar desferir golpes nos adversários e convencê-los de que a sua solução é a única possível?

“Os deputados permanecem incapaz de concordar numa forma de aplicar a saída do Reino Unido. Como resultado, não iremos sair a tempo com um acordo a 29 de março”

Theresa May colocou no Parlamento toda a responsabilidade pelo falhanço de uma saída do Reino Unido da UE com acordo, a 29 de março. Durante todo este processo, a primeira-ministra tinha vindo a dizer “este acordo ou nenhum acordo”. Agora, a nove dias da data que dita a saída do país, a frase poderia ser atualizada para “este acordo — para conseguir um adiamento até ao final de junho — ou nenhum acordo”.

Com a condição imposta por Tusk, não parece haver qualquer margem de manobra para renegociar o que está em cima da mesa, nem no backstop (mecanismo de salvaguarda para impedir a criação de fronteira física entre as duas Irlandas), nem em qualquer outro ponto. Mais: o adiamento que pode impedir um no deal só pode acontecer com uma imposição da própria UE, ou seja, a de que os deputados têm de mudar de ideias e alterar o seu sentido de voto face ao acordo.

Todas as restantes hipóteses (adiamento prolongado do Brexit, cancelamento, segundo referendo, eleições antecipadas…) são excluídas pela primeira-ministra, como a própria explicou mais à frente neste mesmo discurso. “Este acordo ou nenhum acordo”, uma vez mais. Pelo menos ninguém pode acusar Theresa May de inconsistência.

“Espero apaixonadamente que os deputados arranjem uma maneira de apoiar o acordo que negociei com a UE, um acordo que cumpre o resultado do referendo e que é o melhor acordo negociável”

Com a expressão “o melhor acordo negociável”, May volta a defender a sua dama e a deixar claro que esta é a única hipótese para o Reino Unido sair da UE com um acordo. Depois de colocar o ónus nos deputados, May sublinha ter a certeza que aquilo que negociou com os líderes europeus é a única coisa que a Europa aceitará.

O grosso do acordo até nem é problemático. Em causa está apenas uma pequena palavrinha: backstop. Segundo o acordo negociado, o mecanismo de salvaguarda entrará em vigor, caso o Reino Unido e a UE não cheguem a um acordo final até ao fim do período de transição (que termina em 2021). Na prática, isto significa que os britânicos permaneceriam numa união aduaneira com a UE. Mas os deputados não aceitam a ideia de que tal possa acontecer por tempo indeterminado, nem que o Reino Unido não possa abandonar essa união de forma unilateral.

Numa última tentativa, May foi a Estrasburgo na semana passada arrancar a ferros mais garantias a Jean-Claude Juncker. Chegada ao Parlamento, viu a esperança de o seu acordo ser aprovado esfumar-se perante a determinação dos deputados da oposição, dos seus aliados do DUP e de vários tories eurocéticos que não ficaram convencidos. Agora, espera que na cimeira europeia desta quinta-feira possa ter o reforço dos líderes europeus e que, de regresso, volte triunfal para conseguir uma aprovação à terceira. Pelo menos pede “apaixonadamente” aos deputados que compreendam que essa é a sua única hipótese perante a UE.

“Vocês querem que esta fase do processo do Brexit acabe. Eu concordo. Estou do vosso lado”

Dirigindo-se diretamente aos britânicos, May deu a estocada final na sua estratégia de diabolização do Parlamento e dos deputados que, segundo a primeira-ministra, são o entrave final a uma solução para o Brexit. Com a incapacidade de formarem uma maioria positiva em torno de uma solução, têm feito arrastar o processo até este ponto. E, sendo justos para May, se é certo que a primeira-ministra é responsável por vários avanços e recuos que complicaram o calendário, também não é menos verdade que o Parlamento está atualmente paralisado, incapaz de reunir consenso sobre qualquer um dos cenários (acordo, não-acordo, novo referendo).

Sublinhando ao povo britânico que pretende honrar o resultado do referendo, May tenta assim deixar claro que tal só não aconteceu ainda por culpa dos deputados. O problema desta estratégia? May precisa dos votos desses mesmos deputados para conseguir aprovar o seu acordo. E também não é certo que os britânicos concordem consigo. Ainda esta quarta-feira, uma sondagem da Sky News dava conta que 90% dos inquiridos considerava o ponto atual das negociações do Brexit como uma “humilhação nacional”. Dos inquiridos, a maioria culpava o Governo por esse impasse.

“Não estou preparada para adiar o Brexit para lá de 30 de junho”

Na semana passada, a primeira-ministra afirmou que, caso o seu acordo fosse aprovado, pediria um adiamento curto do Brexit. Em caso de chumbo, explicou, pediria um adiamento prolongado.

Agora — depois de uma reunião de Conselho de Ministros onde, de acordo com os media britânicos, os ministros mais eurocéticos arrasaram a possibilidade de um adiamento mais longo — May recua na intenção de equacionar um adiamento mais dilatado no tempo, como os europeus preferiam. Agora ou nunca, dita a primeira-ministra. Porquê? Porque um adiamento longo significaria que o Reino Unido teria de participar nas eleições europeias de maio. “Que mensagem é que isso enviaria?”, questionou May.

A primeira-ministra já tinha afirmado isso mesmo no Parlamento na manhã de quarta-feira, abrindo a porta à especulação de que, se não conseguisse fazê-lo, poderia estar a equacionar demitir-se. Questionado vários vezes pelos jornalistas, o porta-voz de Downing Street recusou clarificar se é essa ou não a intenção de May. O que levanta a questão: se na próxima semana o acordo for chumbado uma vez mais, qual será o passo seguinte da primeira-ministra? A verdadeira resposta é só uma: ninguém sabe.

“Alguns sugeriram fazer-se um segundo referendo. Não creio que é isso que vocês querem e não é isso que eu quero”

Dirigindo-se mais uma vez ao povo britânico, May decidiu terminar a sua comunicação pondo de parte um cenário de novo referendo, como vários deputados têm pedido. O líder da oposição, Jeremy Corbyn, juntou-se recentemente a este coro, embora não tenha feito voz grossa a pedi-lo. Instado a votar uma emenda parlamentar que propunha isso mesmo a semana passada, Corbyn optou por abster-se e sugerir aos seus deputados que fizessem o mesmo, por não ser “a altura certa” para avançar com uma proposta de referendo.

Por esclarecer ficou a possibilidade de ir a novas eleições. Esse cenário, contudo, continua improvável — pelo menos para as próximas horas. May tem repetido que não pretende fazê-lo, a oposição não avançou ainda com qualquer possibilidade de moção de censura e, a tão poucos dias da data de saída e com a ameaça de um no deal a pairar sobre a cabeça de todos, não parece ser esse o objetivo a curto-prazo. Mas no caso do Brexit nunca se pode dizer nunca.

Caso May, encostada às cordas, falhe o seu último gancho e não consiga suceder na sua última tentativa desesperada de aprovar o acordo, o Reino Unido pode mesmo sair sem acordo a 29 de março, deixando Theresa May K.O. no chão. Muitos deputados, incluindo a oposição, afirmam que não desejam esse cenário — tendo até votado duas vezes contra essa possibilidade, embora não a consigam impedir legalmente. Mas daria uma excelente desculpa a Jeremy Corbyn para propor uma moção de censura e tentar forçar eleições antecipadas, não daria?