Jorge Moreira da Silva já entregou a moção global estratégica com que vai a votos. Apesar de ter falhado a deslocação à sede nacional do partido, em Lisboa — o antigo ministro do Ambiente está com Covid-19 –, o formalismo foi cumprido e o sinal político é claro: Moreira da Silva não deixará de fazer marcação cerrada ao seu adversário até ao fim da corrida.
Logo no arranque do documento estratégico, no texto introdutório, o antigo líder da JSD atinge o seu adversário sem nunca o nomear: “Não vivo a política como um vício ou um jogo e encaro-a como um serviço à comunidade”, escreve antes de sugerir que ele, ao contrário de Luís Montenegro, tem verdadeiramente ideias para o país.
“A responsabilidade dos militantes do PSD é agora enorme: quando votarem terão de saber interpretar a vontade de todos os Portugueses. Para esses não basta um líder capaz de criticar o governo. É preciso alguém que tenha um plano para Portugal”, escreve.
De resto, e tal como o seu concorrente, Moreira da Silva não faz as coisas por menos: o PSD está obrigado a ganhar todas as eleições que se aproximam. “O PSD tem de encarar o ciclo o próximo ciclo de quatro anos com a ambição de vencer todas as eleições“, escreve o candidato social-democrata.
Ora, qualquer líder que venha a suceder a Rui Rio terá sempre de ganhar as duas próximas eleições internas para continuar à frente do partido e a ir a jogo nas eleições legislativas de 2026. Até lá, há duas eleições — europeias (em 2024) e autárquicas (2025) de elevado grau de dificuldade — que podem ditar a queda do líder. Sobretudo as primeiras.
Moreira da Silva compromete-se a ganhar essas europeias, quer continuar a governar a Madeira (em 2023), ter maioria absoluta nos Açores (2024), ganhar as autárquicas (o que implica recuperar uma diferença de 35 câmaras) e ainda a derrotar o PS nas legislativas em 2026.
Se falhar estes objetivos a que agora se propõe, terá de prestar contas aos militantes — recentemente, na entrevista que deu ao Observador, o antigo ministro do Ambiente sugeriu que retiraria consequências se perdesse as europeias.
Chega é um assunto fechado
O tema Chega, por sua vez, continua a separar os dois candidatos, com Moreira da Silva a aproveitar mais uma oportunidade para acusar implicitamente o seu adversário nesta corrida a dois de ser propositadamente ambíguo em relação ao partido liderado por André Ventura.
Citando diretamente Montenegro, que se propôs a fazer do PSD “a casa comum dos não socialistas”, o candidato social-democrata renova a resposta: “Lamentamos que, em 2020, muitos tenham ficado convenientemente calados e, ainda pior, venham agora definir o PSD como ‘a casa comum dos não socialistas’. Na casa do PSD não cabem racistas, xenófobos e populistas”.
“[Esta candidatura] não admite, em qualquer circunstância dialogar e negociar com forças populistas e extremistas. Consideramos esta uma questão central neste processo de clarificação interna. Em tempo útil, de forma praticamente isolada, o primeiro subscritor desta moção [Jorge Moreira da Silva] alertou para os riscos da nossa ambiguidade na relação com o Chega. O resultado das eleições legislativas confirma que tinha razão”, acrescenta-se.
O antigo líder da JSD não esquece também a Iniciativa Liberal, a quem se refere como um “partido de nicho, com reservas quanto ao combate às alterações climáticas e ao papel essencial do Estado na provisão de serviços universais na saúde e na educação”.
Arrumar a casa e avançar com um governo-sombra
Também Moreira da Silva reconhece que o partido enfrenta uma “uma crise de modernidade” e que, como tal, precisa de se reencontrar, reorganizar e mesmo refundar, tal como fizeram nos respetivos partidos Bill Clinton, em 1992, Tony Blair, em 1994, ou David Cameron, em 2005.
“Seremos mais, seremos mais novos e seremos diferentes. Comprometemo-nos a aumentar significativamente o número de militantes; a dar mais poder aos militantes (o partido é deles, não é dos dirigentes); e a promover novas formas de participação de não militantes na vida interna do PSD, seja através do seu envolvimento no desenho de políticas, seja através do seu envolvimento nos nossos processos de decisão e de escolha interna. Adotaremos um código de conduta aplicável a todos os militantes e eleitos do PSD”, escreve o candidato.
Também nesse capítulo, e concretizando uma ideia que anunciou no dia em que apresentou a candidatura à liderança do PSD, Moreira da Silva quer avançar com a criação de um governo sombra, à imagem e semelhança do que vai acontecendo na política britânica.
“Ficam os Ministros e os secretários de Estado do governo socialista a saber que, a partir de agora, terão uma marcação direta por parte dos ministros-sombra e dos secretários de Estado sombra do PSD. Não lhes daremos descanso”, promete.
A reduzir impostos e atrair talentos, projetos e investimento
Já na parte da moção estratégica mais programática, Moreira da Silva explica que mais do que “tentar encontrar uma nova AutoEuropa, é fundamental que sejamos capazes de, a partir de uma cultura de inovação e empreendedorismo, acelerar a criação e o desenvolvimento de start-up, posicionando Portugal como um país de atração – de talentos, de projetos e de investimento – capaz de liderar numa realista economia de rede do que numa ilusória economia de escala”.
Parte desse esforço passa, também, por uma transformação do sistema fiscal, com redução de impostos, simplificação e combate ao monstro burocrático, com “redução do desperdício de recursos públicos e privados no cumprimento das obrigações fiscais”.
No caso particular do IRC, Moreira da Silva propõe reduzir o imposto por via “de um decréscimo progressivo da derrama estadual”, fazendo-o incidir preferencialmente sobre lucros distribuídos e usando-o como um “incentivo” ao reinvestimento dos lucros empresariais.
“No IRS, defendemos um alívio da carga fiscal assente numa progressividade mais harmoniosa e escalonada e em que a taxa marginal máxima não ultrapasse os 45%, acompanhada pela necessária atualização das tabelas de retenção na fonte com base na taxa de inflação e, tendencialmente, coincidente com o imposto devido a final”, acrescenta-se.
Investir na Saúde, dar liberdade nas escolas e resolver “problema” da Segurança Social
Na Saúde e na Educação, o espírito é o mesmo: o Estado não deve ter preconceitos ideológicos e deve garantir que os setores público, privado e social garantem a prestação do melhor serviço.
“A qualidade e a sustentabilidade da política de saúde exige, igualmente, o reforço da prevenção da doença, do diagnóstico precoce, da diminuição do desperdício em medicamentos e em exames repetidos e do cumprimento de critérios mínimos de qualidade dos serviços prestados, encurtando tempos de espera em todos os serviços”, escreve Moreira da Silva.
“Por outro lado”, continua o candidato à sucessão de Rui Rio, “é crucial criar mecanismos financeiros e salariais que reconheçam o bom desempenho de profissionais e das instituições do SNS”.
Sobre as escolas, Moreira da Silva propõe, entre outras medidas, uma caminho progressivo para que, no futuro, as escolas tenham a liberdade de “recrutar professores de um conjunto mais alargado de talentos; diversificar os seus recursos humanos; desenhar o seu próprio currículo (tendo por base orientações nacionais de caráter geral); avaliar os alunos, reconhecendo o valor das aprendizagens feitas fora do ambiente escolar e dos percursos educativos individuais”.
Ainda na Educação, o candidato social-democrata entende que o país deve “assegurar oferta de ensino pré-escolar para todas as crianças”. “Sendo a escola um fator mais decisivo na promoção da igualdade de oportunidades, é imperioso [fazê-lo]”, argumenta-se.
O candidato dedica ainda vários parágrafos à questão da sustentabilidade da Segurança Social, argumentando que Portugal enfrenta um “problema” que “não pode deixar de ser encarado com grande seriedade”.
“Precisamos sim de, tal como já tem vindo a ocorrer com o chamado IVA social, e com as transferências do Orçamento do Estado para a Segurança Social, conceber uma maior articulação entre as contribuições para a Segurança Social e o sistema fiscal, no sentido de garantir as condições de financiamento necessárias e de acautelar que a progressiva criação de riqueza — que se atinge com empresas tecnologicamente mais desenvolvidas e menos carecidas de mão-de-obra intensivas não deixe de se traduzir, através do sistema fiscal, no adequado contributo para o financiamento da segurança social que essas mesmas empresas teriam caso funcionassem com o tradicional custo inerente ao fator trabalho”, preconiza Moreira da Silva.
Aumentar investimento na Defesa e na Segurança
Além disso, Moreira da Silva defende um novo caminho, “sólido e sustentado”, para resolver os “crónicos problemas” que afetam estas duas dimensões do país . Moreira da Silva entende que só um “efetivo incremento (cuja necessidade é hoje indesmentível)” nestas duas áreas poderá resolver o problema de fundo.
“[Queremos] efetivos de recursos humanos suficientes, equilibrados, constantes e dignificados na sua condição estatutária e remuneratória; aquisição racionalizada de sistemas de armas e de equipamentos, sujeita a boas e efetivamente cumpridas programações de investimentos; sistemas de forças e dispositivos vocacionados para a disponibilização de capacidades realmente indispensáveis e de excelência; orçamentos correntes suficientemente dotados para o pessoal e para o funcionamento, aqui incluindo a operação e a manutenção”, elenca Moreira da Silva.
Fim de carros a combustão e penalizar quem polui mais
Como antigo ministro do Ambiente, o ex-diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) dedica várias páginas à questão ambiental e à importância de apostar num combate decidido às alterações climáticas. “. Esta é a década decisiva”, defende.
Moreira da Silva propõe-se a “rever as metas de redução das emissões para níveis mais exigentes e compatíveis com o objetivo de limite do aumento da temperatura a 1.5⁰C”; a ” assegurar, já nesta década, 100% de eletricidade renovável”; a “acelerar a transição para a mobilidade elétrica e o fim da venda de novos veículos a combustão“; a “aumentar a eficiência energética e hídrica nos edifícios e promover a reabilitação urbana em detrimento da nova construção”.
Além disso o candidato à sucessão de Rio quer “avançar para novas medidas de fiscalidade verde que, penalizando mais a poluição, contribua para o financiamento da eficiência energética e para a redução do IRS e do IRC”; “promover a reabilitação urbana em detrimento da nova construção”; “reforçar a rede, a qualidade e a interoperabilidade dos transportes públicos”; e “posicionar Portugal como um grande exportador de eletricidade renovável para a UE, tirando partido do histórico acordo europeu que alcançámos, em 2014, sobre o reforço das interligações elétricas entre a Península Ibérica e França”.
Atrair imigrantes e encontrar soluções mais flexíveis de aposentação
Mesmo assumindo que o país deve fazer muito mais em matéria de política de natalidade, Moreira da Silva reconhece que melhores políticas de imigração dão respostas com efeitos mais imediatos para resolver o “declínio demográfico” que Portugal enfrenta.
O social-democrata propõe o desenvolvimento de “políticas ativas de atração e retenção de trabalhadores estrangeiros, removendo obstáculos legais à sua mobilidade e integração e valorizando, na sociedade portuguesa, a diversidade cultural”; tornar “mais ágil o sistema de contratação de estrangeiros, designadamente, nas políticas de autorização de residência, fiscalidade e formação ao longo da vida”; e, por exemplo, desenvolver “programas, nos domínios do empreendedorismo tecnológico e da investigação científica, de atração de talentos internacionais e de retorno dos jovens portugueses altamente qualificados”.
Além disso, o candidato dá ainda um outro passo: “Temos de criar mecanismos que não penalizem o interesse, de muitos cidadãos em idade de reforma, de permanecerem ativos, incluindo na vertente profissional. É preciso uma nova abordagem para a população com mais de 65 anos que permita que a sociedade possa continuar a beneficiar do seu contributo depois da reforma, oferecendo soluções mais flexíveis de aposentação“, defende.
Reformar a Justiça e combater a corrupção
Neste capítulo, Moreira da Silva sugere um esforço decidido em duas dimensões: primeiro, é preciso dar todas as ferramentas para combater a criminalidade, em particular a criminalidade de colarinho branco; em segundo lugar, é preciso reformar a Justiça para que ela efetivamente funcione.
Escreve Moreira da Silva: “O primeiro desígnio é o de garantir as condições de base para detetar e punir a corrupção, a fraude fiscal, o branqueamento de capitais e o financiamento das atividades ilícitas, o que implica meios adicionais mas também melhor organização e coordenação de esforços”.
Além disso, acrescenta, “o segundo desígnio é o de conseguir que a justiça administrativa, fiscal e económica funcione efetivamente em tempo útil, algo que constitui condição absolutamente decisiva para o investimento de qualidade, nacional e estrangeiro, e para o crescimento da economia”.
Investir na Função Pública
Entre outras medidas — o documento tem 50 páginas — Moreira da Silva acaba por defender também a reforma da Administração Pública e um olhar particularmente atento para a revitalização do tecido de funcionários públicos.
“Nenhuma modernização e reforma do Estado pode dispensar a qualificação e dignificação dos funcionários públicos, quer através do desenvolvimento de programas de formação que permitam uma maior mobilidade entre carreiras e grupos profissionais, quer pelo recrutamento orientado e seletivo de novos quadros técnicos que permita a retenção e a reprodução do conhecimento daqueles que vão saindo.”, começa por dizer.
“Só com uma Administração Pública qualificada, determinada, com forte sentido de serviço público e dignificada poderá o país ultrapassar os enormes desafios que enfrenta”, remata.