“Sabemos que trabalhar com descontos de forma super agressiva não gera fidelização nos utilizadores. Pelo contrário, transforma-se numa indústria totalmente comprada, porque quando desinvestes esse subsídio, a indústria desfaz-se.” As palavras chegam-nos de Madrid, em português do Brasil, e são usadas por Daniel Bedoya, responsável pela Cabify na Europa, para descrever o que se passou com o mercado português desde que as concorrentes Bolt (ex-Taxify) e Kapten (ex-Chaffeur Privée) começaram a operar. “O que era um mercado de um ou dois players tornou-se num mercado de cinco a seis e é um mercado que, sim, é atrativo para este modelo de negócio. Só que o mercado competitivo começou a entrar numa disputa muito mais por subsídios [descontos para os utilizadores] e preços, o que vai contra as estratégias da Cabify.
O Observador sabe que tem sido difícil encontrar motoristas da Cabify disponíveis em Lisboa, nos últimos meses. A 23 de setembro, o Eco avançava que a empresa já não tinha equipa em Portugal, mas Daniel Bedoya explica que a mudança se deveu a uma operação integrada que “correu a nível global já há alguns meses”. Sem revelar números, diz que o unicórnio espanhol (a Cabify está avaliada em 1,4 mil milhões de dólares) já tem lucro nalguns mercados, mas não a nível global, e que “em pouco tempo, a empresa será financeiramente independente”. Os planos para a entrada em bolsa mantém-se e as estimativas apontam para, no máximo, 2021. “Hoje, temos um grande conforto nos mercados em que operamos.”
Tem sido bastante difícil apanhar um Cabify em Lisboa e há queixas de vários utilizadores. O que é que se está a passar com o negócio em Portugal?
Podemos resumir isto em dois pontos: um deles tem a ver com a estratégia da Cabify. A Cabify é uma empresa que começa, em 2011, com foco na qualidade mas também na rentabilidade. Não é de hoje que comentamos este objetivo de trabalho. O segundo tem a ver com o que aconteceu com o mercado nos últimos dois anos: o que era um mercado de um ou dois players tornou-se num mercado de cinco a seis e é um mercado que, sim, é atrativo para este modelo de negócio. Só que o mercado competitivo começou a entrar numa disputa muito mais por subsídios [descontos para os utilizadores] e preços, o que vai contra as estratégias da Cabify. Entendemos que podem ter alguns efeitos a curto prazo, possivelmente maior competição [no que diz respeito] a encontrar um motorista ou um carro nos horários que sejam muito mais adequados a alguns passageiros, porque também temos uma base ativa que continua a utilizar-nos no mercado. Temos um claro conhecimento de que esta é a melhor estratégia a médio e longo prazo para uma empresa. Optamos pelo que é rentável e sustentável a longo prazo.
Está a referir-se a campanhas de descontos e de promoções junto de utilizadores, é isso?
Exato. As margens deste negócio são muito baixas a nível global. Então, temo-nos preocupado, já há muitos anos, em ser a primeira empresa rentável e com o maior nível de rentabilidade dentro da indústria. Isso significa que trabalhamos de outra forma, até em modelos competitivos, focados mais na qualidade e não em trabalhar tanto com subsídios, até porque — e isto não acontece apenas na indústria do ride hailing [partilha de transporte], mas noutras também — sabemos que trabalhar com descontos de forma super agressiva não gera fidelização nos utilizadores. Pelo contrário, transforma-se numa indústria totalmente comprada, porque quando desinvestes esse subsídio, a indústria desfaz-se. Então, o nosso objetivo é: “Ok, entendemos o ambiente competitivo, entendemos o nosso ambiente estratégico e o foco na rentabilidade. Vamos utilizar os nossos principais pilares para competir nesse mercado, que são a qualidade do serviço, o atendimento e ao mesmo tempo garantir a disponibilidade mínima para os nossos clientes.
Mas tendo em conta esta concorrência, como é que pretendem dar a volta ao vosso negócio atualmente?
O mercado é bastante amplo e é sempre interessante colocar isso em contexto. Hoje, a Cabify não se foca em ser a primeira do mercado, mas está muito bem posicionada, logo após. O que é que significa bem posicionada? Aos clientes que nos procuram e que querem um serviço de maior qualidade, [significa] conseguir disponibilizar-lhes a eles, sim, a maior parte das entregas. Um dos nossos principais indicadores de satisfação é o número de viagens que não foram atendidas. Imagine que numa hora ocorrem 100 chamadas e não consigo atender essas 100. Hoje, os níveis de entrega em Portugal são adequados dentro dessa métrica que temos, a de satisfação. Entendemos que nalguns horários do dia, principalmente em horas de ponta, que deve ser o que dizia no início da pergunta… Mas se olharmos para o fecho de uma semana, de um um mês fechado, de um semestre, os indicadores realmente são aceitáveis, pelo que precisamos neste mercado e também pela competição que temos.
Neste momento, quantos motoristas trabalham para a plataforma da Cabify em Lisboa?
Não podemos divulgar o número de motoristas ativos, que estão a trabalhar connosco, mas podemos dizer quais são os motoristas inscritos: durante este período tivemos mais de 10 mil motoristas inscritos na plataforma, que seguem a operar connosco.
Uma das vossas características era o regime de exclusividade destes motoristas. Estando a conduzir ao serviço da app da Cabify não podiam estar a conduzir ao serviço de outras concorrentes. Esse regime de exclusividade mantém-se atualmente?
Não, no ano passado decidimos eliminá-lo, principalmente por causa da competição que estava a caminho. O que significa isso? Da mesma maneira que tem de satisfazer o cliente a encontrar viagens, o motorista tem de ter um nível de rendimento que é aceitável para conseguir pagar os custos operacionais que tem com o automóvel ou para si. E para que isso acontecesse precisámos de tirar a exclusividade. Além disso, o mercado evoluiu, a Cabify trabalhou muito tempo com exclusividade em mercados diferentes — não só a Cabify como outros players a nível global e não falo apenas de Portugal. E, claramente, hoje entendemos que o mercado não é de exclusividade. O mercado tem a ver com horas conectadas, ao dia, a alguma plataforma. Então, se antes procurávamos: quero 100% dos motoristas, 100% conectados. Agora, quero 100% dos motoristas com uma grande porção de horas conectados, que é um conceito bastante diferente de assimilar.
Portanto, o regime de exclusividade foi abandonado. Podemos esperar mais alguma mudança para o mercado português? Têm previstas novidades? Novas estratégias? Algo que faça concorrência?
Já fizemos algumas mudanças desde o início do ano. Posso resumir algumas: no início do ano, a maior mudança que trouxemos para o mercado português foi o lançamento de uma nova categoria, a Urban, que se junta a outro serviço que se estreou e que é mais conhecido no mercado português, o Cabify Lite. E claramente esta é a maior aposta que fizemos nos últimos meses em Portugal e onde temos trabalhado com a nossa estratégia. Consolidámos no Urban alguns tipos de serviços que são mais focados em curtas distâncias e que têm um custo mais baixo. Ao mesmo tempo que, no Lite, seguimos focados num serviço de maior qualidade e, ao mesmo tempo, para clientes corporativos e também em distâncias mais longas. Posso dizer que esta é a maior novidade no mercado português, que introduzimos no último ano.
Ao mesmo tempo, para fortalecer o posicionamento da Cabify nestes dois serviços, lançámos um sistema de propinas [bónus] para aumentar a gratificação dos motoristas. A Cabify é conhecida pela qualidade e pelo serviço que presta dentro do mercado e isso também faz com que, hoje, a Cabify tenha os maiores níveis de propinas dentro de todo o mercado português. E isto por uma análise clara que fizemos do mercado. Ao mesmo tempo, temo-nos estado a focar em mais campanhas para trazer motoristas. A estratégia da Cabify, hoje, está em trazer confiança a todo o mercado português — confiança nos motoristas e consequentemente nos passageiros.
Portanto, a prioridade é angariar mais motoristas para trabalhar na plataforma da Cabify? Pode concretizar que campanhas são essas?
Desde a criação de novos serviços, voltando um pouco à resposta anterior, estou a falar da categoria Urban e Lite. Também começámos a investir mais em campanhas de bónus para os motoristas, para que eles voltem a confiar na plataforma. Ao mesmo tempo, montámos toda uma nova estrutura de atenção e apoio ao cliente, na qual sentem hoje que têm uma estrutura muito mais robusta do que a que tinham antes. Também tivemos o lançamento do sistema de gorjetas e ao mesmo tempo melhorámos todo o nosso sistema… São temas muito internos mas que, no final do dia, aumentam a rentabilidade. Tudo isto são algumas das ações e há outras que continuam… Mas muito focadas em melhorar a rentabilidade do nosso motorista, em trazer satisfação para dentro da nossa plataforma e a segurança.
Não há, então, nenhuma novidade para breve no vosso serviço em Portugal?
As novidades são estas.
Pelo que sei, também já não há equipa da Cabify em Portugal. É tudo gerido a partir de Madrid.
Hoje, já uma integração, é uma operação integrada. Isto ocorreu a nível global já há alguns meses. Então, hoje, temos dentro da nossa equipa, em Madrid, pessoas de Portugal, inclusive algumas das que estavam em Portugal, outras pessoas daqui, porque faz mais sentido para a estratégia da empresa, quando vemos a otimização do conhecimento. Trazemos mais inovação aos diferentes mercados e também conseguimos trabalhar com mais agilidade.
Falámos há pouco da questão da concorrência. Existem 4 empresas de TVDE [transporte em veículos descaracterizados] a operar em Lisboa. Acha que há espaço para tantos players no nosso mercado?
Existe espaço… É a diferenciação. É bom lembrar o que é o consumo de transporte. O consumo de transporte tem várias vertentes: o tempo, o preço, a qualidade, segurança, etc. Se todos os players começarem a brigar por um único atributo com certeza que não há espaço para todos. E, hoje, uma grande parte dos players estão a posicionar-se num ou dois atributos. Com certeza, o mercado não deve ter tanta dispersão a médio e a longo prazo, mas, por outro lado, se existir especialização nalguns dos atributos de serviço, que são o que esperam os nossos clientes, há a possibilidade de haver mais empresas no mercado como esta. Isso depende claramente da visão estratégica da empresa e de qual é o mercado em que ele quer trabalhar.
A Cabify foi das primeiras a entrar em Lisboa, logo ali colada à Uber. Corremos o risco de a Cabify sair do país e deixar a sua operação em Lisboa?
Em qualquer empresa, existe uma visão financeira. Hoje, a Cabify tem números que são adequados ao que esperamos de uma empresa que procura ser rentável e, quer seja em Portugal ou em quaisquer outros mercados ou outras empresas, há o risco de serem fechadas. Hoje, não está na nossa visão, uma vez que os números são satisfatórios aos objetivos financeiros da empresa.
Está a competir num mercado que é dominado pela Uber? Quais são os principais desafios?
Os maiores desafios num mercado destes são os subsídios [descontos]. Por um lado, os clientes, os passageiros veem muitas vantagens nisto, mas é um mercado que não se mantém. Olhemos um pouco para os últimos trimestres — e falo dos trimestres de empresas que são públicas, no mercado de partilha de transporte — [e percebe-se que], claramente, não conseguem ter eficiência económica ao ponto de darem confiança a credores, etc. [ E isto acontece] simplesmente por causa do nível de subsídios. Hoje, esse é o maior desafio que temos. Claramente que procuramos contrapor o que seriam os subsídios com outras formas de trabalho, mas é lógico que também acabámos por investir em subsídios, a um nível que considerámos ser rentável para a empresa. Esse seria o desafio não só da Uber, mas também de qualquer outra empresa que está aí hoje.
E em relação à regulamentação portuguesa, que acabou por ser aprovada apenas com aquela taxa de 5%. Como é que a Cabify viu esta regulamentação? Teve impacto no vosso negócio?
Impacto teve, mas nós éramos a favor da taxa. Nos diferentes mercados em que opera, a Cabify procura construir mais regulamentação, que faça sentido para ambos os lados, que as empresas tenham uma maior transparência e uniformidade no trabalho e isso consegue-se com regulamentações transparentes e claras. Ao mesmo tempo, isto traz mais segurança tanto a motoristas como a clientes, por isso investimos nesta regulamentação e que ela fosse divulgada. Lógico que a taxa de 5% tem um impacto financeiro no negócio, mas no momento em que foi lançada já tínhamos a visão de que não nos afetaria assim tão negativamente. Por outro lado, esse capital pode ser investido em mobilidade e estrutura.
Portanto, foi uma coisa para a qual tiveram tempo de se preparar?
Sim.
A Cabify está presente em mais de 130 cidades… Quais são os principais mercados da Cabify? São uma startup espanhola, com sede em Madrid, quais são as principais fontes do vosso negócio?
Os principais mercados serão a região de Espanha e Portugal. Isto não é por ordem, mas são os principais. Outros grandes mercados são o Brasil, a Argentina, a Colômbia, o México e o Peru. São os mercados em que hoje estamos mais [presentes].
E são líderes de mercado nalguma destas cidades?
Sim.
E em quantas? Pode dar exemplos?
Não podemos dar pormenores, porque são dados estratégicos que o mercado quer saber. Existe hoje pouca transparência nessa informação, mas, infelizmente, não te posso dizer quais são os mercados.
E em relação à vossa vida de startup unicórnio, porque a Cabify já está avaliada em mais de 1,4 mil milhões de dólares, se não estou em erro…
Exato.
O Daniel é responsável pelo mercado europeu. Como é gerir uma empresa desta dimensão e com este tipo de pressão por parte dos investidores?
A empresa está numa fase de amadurecimento, creio que é o maior desafio: o amadurecimento dos fluxos de trabalho, de estratégia financeira que nos consolide a médio e a longo prazo. E é um desafio bastante diferente do que o que tivemos ao lançar [a empresa]. Acho que o desafio é conseguir que toda a empresa entenda que o período de lançamento, de conhecimento de mercado já passou e que agora estamos num período de nos consolidarmos mesmo como uma empresa. E eu gosto de usar a palavra empresa, porque, muitas vezes, a palavra startup esconde a necessidade de a startup se tornar numa organização que seja sustentável a médio e longo prazo. Esses seriam os maiores desafios agora.
Li numa notícia do TechCrunch, do ano passado, que afirmava que a Cabify já tinha lucros. Confirma?
Sim. É lógico que isto varia consoante o mercado, mas temos lucros em algumas destas operações. A nível global, ainda estamos a procurar maximizar a rentabilidade. Mas sim, é uma operação que hoje satisfaz bastante aquelas que são as necessidades dos nossos investidores e dos planos que temos para o médio e longo prazo. Como o IPO [entrada em bolsa].
Portanto, têm lucro nalgumas cidades, mas globalmente ainda não chegaram a essa fase?
Sim, exato.
Pode adiantar os últimos resultados da vossa faturação?
Infelizmente, esse dado é confidencial. Mas posso dizer que no mercado espanhol, no ano passado, faturámos 114 milhões de euros.
Pelo que li, a Cabify está a ponderar ir para bolsa, se não estou em erro, de Madrid.
Temos sondado vários mercados. Acho que anunciámos o mercado espanhol como sendo o de opção para o lançamento do IPO, mas, independentemente do mercado, sim, está nos nossos planos. Temos trabalhado nisto desde o momento em que anunciámos [o IPO] e antes. E, para que isso aconteça, temo-nos focado nalguns pilares: sermos uma empresa previsível, que também seja rentável e escalável nos seus recursos, ou seja, queremos uma empresa que se sustenta a longo prazo. Então, esses são os pilares em que temos trabalhado e, com certeza, isso vem para a pré-abertura do IPO que também já temos marcado na nossa agenda.
E essa agenda será para quando? Em 2020? Ainda em 2019?
É igual: as informações são confidenciais. O que comentámos — e trazendo à conversa dados mais públicos — é que tínhamos uma agenda para 2020 e não muito mais do que esses próximos anos, 2020 e 21. Claro que, uma vez que tivemos os IPO da Uber e da Lyft, também aprendemos mais do mercado. O mercado também se aprende e isso pode tanto adiantar a decisão ou, por alguma razão, fazer com que esperemos um pouco mais, caso vejamos que faz sentido organizar mais a empresa para o iPO. Não vemos uma necessidade de atraso em relação ao que tínhamos de datas, mas entendemos que há pontos mais importantes para nos focarmos antes do lançamento, uma vez que também houve o lançamento de outras empresas no mercado publico.
Era uma das perguntas que tinha, se a recente entrada em bolsa da Lyft e da Uber, e o comportamento destas ações, vos tinha assustado ou feito repensar o IPO, mas o que estão a retirar daí serão aprendizagens. É isso?
Creio que a maior aprendizagem que tivemos foi perceber que a nossa estratégia de rentabilidade estava correta. Só assegurou que devíamos ser muito mais focados nisto e, possivelmente, com muito mais estrutura e agilidade do que o que tínhamos trabalhado. Estivemos sempre focados nestes pilares e quando saíram os resultados de ambas as empresas, realmente confirmámos que este é o caminho do mercado e que é onde devemos investir o nosso tempo e recursos.
Têm planos para diversificar a vossa oferta além dos carros?
Lançámos dentro do grupo, no início do ano, uma empresa que se chama Movo, que trabalha com scooters, bicicletas e trotinetes, e lançámos na América Latina e em Espanha. Hoje, em Espanha, operamos em quatro cidades e este é um dos modelos. Recentemente, também anunciámos outra empresa de serviços financeiros, que se chama Lana. E no mercado espanhol também adquirimos algumas empresas de frota. Então, mais do que simplesmente intermediar o transporte, também estamos a trabalhar com estes serviços .
São uma startup, apesar de preferir o termo empresa.
Não, eu gosto de startup.
Acha que ainda há o risco de tudo isto falhar?
Pela nossa visão financeira, não. Creio que a empresa, em pouco tempo, será financeiramente independente, porque temos isso na nossa agenda de trabalho. E essa independência financeira dá-nos uma maleabilidade de investimento grande, por não dependermos de investimento externo. Hoje, a resposta poderia ser outra se a nossa sustentação e crescimento ainda dependessem, em grande parte, a nossa sustentação de investimentos. Hoje, pelo que precisamos financeiramente e pelo que precisamos de trabalhar nos próximos anos, temos um grande conforto nos mercados em que operamos, pela independência financeira que já foi criada.