No início da década de 1930, surgiu nos Estados Unidos da América uma substância chamada Benzedrina. Comercializada pela empresa Smith, Kline & Franch, a Benzedrina — ou “bennies”, como era conhecida — era uma mistura de anfetaminas, altamente popular, muitas vezes usada como dopante. Fritz Hauschild, diretor químico da Temmler-Werke (empresa criada em 1931 por um judeu que, um ano depois, acabou expropriado), descobriu-a depois dos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, e decidiu criar a sua própria versão alemã. Depois de descobrir um novo método de sintetização da metanfetamina, aperfeiçoou a Benzendrina e criou um novo produto a que chamou pervitina.
A substância foi registada a 31 de outubro de 1937 pela Temmler-Werke, no Gabinete de Patentes do Reich, em Berlim. Tinha nascido a primeira metanfetamina alemã, uma “variante dos medicamentos revitalizantes e que ultrapassa a benzedrina americana”. No ano seguinte, a Temmler-Werke lançou-se numa campanha sem precedentes para dar a conhecer aos alemães o seu novo produto. Apareceram cartazes gigantescos em colunas publicitárias, no exterior de elétricos e autocarros e em todas as linhas de metro de Berlim onde, de uma maneira moderna e minimalista, se anunciava a pervitina e os problemas para os quais seria indicada: insuficiência circulatória, cansaço e depressão.
O sucesso foi imediato: os pequenos comprimidos, vendidos em tubos azuis e laranjas, conquistaram todas camadas da sociedade alemã. “A pervitina alastrou a todas as camadas sociais, como as secretárias que a usavam para datilografarem mais depressa, os atores que antes das representações queriam sentir-se mais animados, os escritores que recorriam à ação estimulante da anfetamina para terem noites lúcidas diante da máquina de escrever e os operários que, nas cadeias de montagem das grandes fábricas, se dopavam para aumentar a produção”, escreveu o alemão Norman Ohler, autor de Delírio Total: Hitler e as Drogas no Terceiro Reich, livro publicado recentemente em Portugal pela Vogais. Os estudantes começaram a usá-la para conseguirem estudar para os exames mais exigentes e até os médicos se começaram a automedicar com pervitina.
Mais tarde, quando o Partido Nazi começou a planear a invasão da vizinha França, em 1940, a pervitina tornou-se indispensáveis para manter os soldados acordados e operacionais durante as exigentes manobras militares. “Por esse motivo”, escreveu Ohler, “a Wehrmacht foi a primeira força militar mundial a optar por uma droga química. E [Otto F.] Rank, o fisiólogo do Exército viciado em pervitina, assumiu a responsabilidade do uso regulado da substância. Começou assim uma nova forma de fazer guerra”.
Norman Ohler dedicou cinco anos da sua vida a estudar esta “nova forma de fazer guerra”. Visitou perto de uma dezena de arquivos na Alemanha e também nos Estados Unidos, consultou os documentos deixados por Theodor Morell, médico pessoal de Adolf Hitler, e falou com testemunhas, historiadores, militares e médicos para conseguir perceber a relação dos nazis com as drogas, principalmente com a pervitina. O resultado desta profunda investigação, Delírio Total: Hitler e as Drogas no Terceiro Reich, é o primeiro livro sobre o consumo de drogas na Alemanha nazi e durante a Segunda Guerra Mundial. Elogiado por historiadores como Antony Beevor (autor de uma extensa obra sobre a Segunda Guerra Mundial), é um relato surpreendente que desconstrói muito dos mitos — nomeadamente o da política de abstinência e de proibição do consumo de drogas na Alemanha nazi — que ainda hoje persistem relativamente a uma dos momentos mais negros da história do século XX. Falámos com o autor, que nos explicou, a partir de Berlim, como é que decidiu fazer uma pausa nos romances para falar de História.
Delírio Total fala do consumo de drogas no Terceiro Reich. Porque é que se interessou por este tema?
Foi um amigo, chamado Alex, que é DJ em Berlim, que me falou nisso. Por acaso, ele visitou-me há pouco tempo e perguntei-lhe como é que ele se lembrou disso. Ele falou-me nisso há uns anos e já não me lembrava como é que ele soube isso. Ele disse-me que tinha um amigo que comprava recheios de vivendas e apartamentos — ele tem uma loja onde vende móveis antigos e basta ligar-lhe que ele leva tudo — e que, um dia, foi a uma casa que tinha uma farmácia antiga dos anos 40, que ele comprou. [A farmácia] tinha uma pequena prateleira de madeira com tubos de Pervitin [nome comercial da pervitina] e então, este amigo do Alex, ficou curioso e decidiu experimentá-la. E disse ao Alex: “Isto ainda funciona. É incrível que ainda funcione e que seja tão forte. Queres experimentar?”. Então ele experimentou-a. Ele disse-me que alguns dos comprimidos ainda estavam como novos, mas que outros não. Obviamente que só tomaram os que estavam bons. O Alex tomou três daqueles comprimidos e, como eram muito fortes, ficou muito “pedrado”. Como ele conhecia antigos soldados alemães, decidiu perguntar-lhes sobre aquilo. Eles disseram-lhe que a pervitina era muito conhecida naquele tempo e ele depois contou-me aquilo. Foi aí que comecei a pesquisar nos arquivos para tentar encontrar documentos sobre a pervitina.
Antes de Delírio Total, publicou três livros, todos eles romances. Este é, por isso, a sua primeira incursão na não-ficção. Porque é que optou por esse caminho?
Inicialmente queria escrever um romance. Quando o Alex me disse aquilo, achei que era perfeito para o meu quarto romance. Trabalhei nisso, pelo menos, durante um ano, senão mesmo durante dois. Só que, quando comecei a pesquisar sobre Theodor Morell, o médico pessoal de Hitler, comecei a ter alguns problemas — não conseguia escrever boas cenas com Morell a não ser quando contava o que estava escrito nos documentos, nos papéis dele. Não havia nada que quisesse inventar, mas soava estranho incluir estes documentos num texto de ficção. Discuti a questão com o meu editor e surgiu a ideia de não inventar nada e contar apenas a história verdadeira a partir do material que podia pesquisar. Também falei disto com o meu agente e ele perguntou-me se queria mesmo fazer isto, porque os livros de ficção têm regras diferentes. Pensei nisto durante dois dias e decidi escrever um livro de não-ficção. Gostei muito de o fazer porque é mais fácil do que escrever um romance. Não podemos inventar nada e temos mesmo de contar as coisas tal como elas aconteceram de uma forma engraçada e elegante. Foi um processo diferente, mas de que gostei bastante.
Então não teve dificuldades em fazê-lo?
Até achei que foi mais fácil. Para mim, os romances são muito mais difíceis.
Gostava de continuar a escrever obras de não-ficção?
Sim, estou a trabalhar num neste preciso momento, mas prefiro não falar sobre isso porque ainda não falei sobre ele a ninguém, nem mesmo ao meu editor.
Que tipo de pesquisa é que fez para este livro? Sei que passou cinco anos a consultar antigos documentos na Alemanha e também nos Estados Unidos da América. Cinco anos parece muito tempo.
Não é assim tanto tempo. [O romance] Gravity’s Rainbow, de Thomas Pynchon [que se passa no final da Segunda Guerra Mundial], demorou sete anos a ser escrito, mas também é um livro maior. Os livros levam muito tempo porque é preciso encontrar o estilo e a maneira certa de contar a história. Se se tiver tudo isso, então a escrita demora, pelo menos, um ano. É difícil encontrar o caminho certo. E, claro, a pesquisa demorou algum tempo porque tive de me tornar não só num especialista em drogas, mas também num especialista em nacional-socialismo. Consultei muitos documentos em Freiburg, no sul da Alemanha, que é onde ficam os Arquivos Militares alemães, e também visitou os Arquivos Nacionais em College Park, perto de Washington.
Apesar de falar de diferentes tipos de drogas, uma boa parte de Delírio Total é dedicada à pervitina. Que droga era esta?
A pervitina contém metanfetamina, um estimulante muito potente cujo uso regular causa dependência a que também se chama crystal meth. A pervitina era um novo produto, inventado pela empresa alemã Temmler, com sede em Berlim, que patenteou a 31 de outubro de 1937 a sua receita para fazer metanfetaminas. Depois de receberem a patente, puseram a pervitina no mercado e esta tornou-se muito popular na Alemanha. E não era regulamentada — ou seja, não era preciso uma prescrição do médico para ir à farmácia e comprar pervitina. Era uma droga muito forte, mas as pessoas adoravam-na porque achavam que não podiam ficar viciadas. Funcionava muito melhor do que o café porque era mais forte e deixava as pessoas felizes. Depois, quando o Exército se apercebeu que tirava o sono, os militares ficaram interessados nela e começaram a fazer testes para perceber se podia ser usada nos soldados.
O que é no mínimo irónico, porque a ideologia nazi condenava o uso de drogas.
Isso é uma das grandes hipocrisias, ironias da história — pessoas que se apresentavam ao mundo como sendo obcecados com a pureza do sangue, nem sequer eram fiéis à sua própria ideologia e davam crystal meth aos seus soldados para que pudessem marcar mais rapidamente e dormir menos. Por outro lado, isso também mostra que a Alemanha nazi era uma sociedade moderna e que, em boa verdade, a ideologia não era tão forte quanto a realidade da competição que era a Segunda Guerra Mundial. Mas era uma contradição que era reconhecida dentro do sistema porque o Ministro da Saúde alemão [Leo Conti] tentou impedir o consumo de pervitina porque dizia que ia contra a ideologia nazi.
A propaganda nazi chegou ao ponto de defender que o consumo de drogas estava relacionado com os judeus. De acordo com o Gabinete para a Política da Raça do Partido Nazi, o caráter judeu era naturalmente toxicodependente. Erwin Kosmehl, diretor do Gabinete Central do Reich para a Luta contra os Delitos por Estupefacientes a partir de 1941, defendeu que “os judeus” ocupavam “uma posição destacada” no mercado mundial das drogas.
No seu livro argumenta que o uso de pervitina durante a guerra, nomeadamente durante a invasão de França, foi um dos combustíveis que alimentou a Blitzkrieg, permitindo que os soldados passassem vários dias sem dormir. Acha que o conflito podia ter sido diferente se esta droga nunca tivesse sido inventada?
Podia ter sido muito diferente, mas se calhar a Alemanha tinha ganho a campanha na mesma. É difícil dizer. Nos quartéis-generais, discutia-se se havia a possibilidade de os soldados não dormirem, ainda antes de se falar na pervitina. Hitler disse que, quando estava nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial, houve vários dias em que não dormiu e que, por isso, era óbvio que um soldado alemão era capaz de passar sem dormir. Mas a verdade é que usaram metanfetaminas para os manterem acordados. É difícil dizer se a estratégia teria funcionado se tivesse sido desenhada sem drogas, muitas pessoas diziam que era impossível fazer uma invasão relâmpago de França. A verdade é que tomaram drogas e fizeram-na.
Então não acha que a guerra tenha sido moldada pelo uso da pervitina?
Não, eu acho que foi. Aconteceu como aconteceu porque a pervitina fez parte dela, mas também aconteceu como aconteceu por causa de muitas outras coisas. A pervitina foi uma parte importante do motor da guerra. Sem pervitina, não teria funcionado da maneira que funcionou. Mas, claro, não podemos explicar tudo através do uso da pervitina. Temos é de perceber que a droga fez parte da guerra e que papel desempenhou. Foi isso que tentei examinar no livro.
Era essa a ideia que tinha quando começou a pesquisar nos arquivos?
Fiquei muito surpreendido com o que se passou com Hitler e com muitas outras histórias. São uma surpresa para os leitores, mas também foram uma surpresa para mim quando as descobri e falei com especialistas, que me deram mais documentos.
A pervitina tornou-se numa droga muito popular na Alemanha. Toda a gente a tomava, não eram apenas os soldados. Estava à espera de encontrar um abuso tão generalizado?
Não, não estava espera. Não sabia se ia ser uma grande história ou se ia ser uma coisa pequena. Foi bom fazer esta pesquisa por causa disso.
Hitler tinha consciência do que se passava?
Tenho a certeza de que ele nunca seria a favor de os soldados andarem drogados. Sempre foi contra as drogas, até contra aquelas que ele próprio tomava, o que é outra das ironias desta história — Hitler não as encarava como drogas, mas como medicamentos normais que o seu médico lhe administrava para que se mantivesse saudável. O chamado “Decreto sobre Substâncias Estimulantes”, emitido em abril de 1940, três semanas antes de França ser atacada, enviado a todos os médicos militares instruindo-os na utilização das metanfetaminas, foi assinado por [Walther] Von Brauchitsch, comandante-chefe do Exército alemão. Von Brauchitsch trabalhava diretamente com Hitler. Talvez o documento tenha passado pela sua secretária e talvez não lhe tenha prestado muita atenção, mas não existe nenhum registo. Não sabemos exatamente o que é que Hitler pensava sobre o assunto.
Durante anos, Hitler foi injetado diariamente com dezenas de preparados hormonais, esteroides e outras substâncias, das quais acabou por se tomou dependente. Que papel é que Theodor Morell desempenhou no consumo de drogas do Führer?
Morell foi obviamente responsável pela medicação que deu a Hitler. Sendo médico, devia ter percebido que era muito irresponsável dar-lhe aquelas injeções. Ou, pelo menos, devia ter percebido que ao dar regularmente opiáceos muito fortes, como Eukodal, ao seu paciente, que este ia ficar dependente, principalmente quando não precisava propriamente daquilo. Pelo menos, devia tê-lo informado, o que não fez. Isso não foi correto.
O Eukodal era um analgésico e antitússico dos laboratórios Merck, de Darmstadt, introduzido no mercado em 1917. De acordo com Ohler, ganhou uma popularidade tal na década seguinte, que chegou a dar origem à palavra eukodalismo, usada para descrever a sua dependência. Tinha um efeito quase duas vezes superior à morfina graças ao seu princípio ativo, um opioide chamado oxidona.
Porque, apesar de ser o Führer, não deixava de ser um paciente.
Claro. Morell disse uma vez que um “médico tem de ser o Führer”, o que significa que ele era o Führer do Führer. Morell ficou embriagado com o poder — estava tão próximo de Hitler que, a certa altura, se começou a sentir mesmo como o Führer do Führer porque Hitler estava viciado nas suas injeções. Morell desempenhou um papel invulgar que não devia ter desempenhado, só que desempenhou-o. Ele não era mau, apenas queria agradar a Hitler e que este se sentisse feliz. Não queria desapontá-lo. Por isso, quando Hitler se sentia miserável, Morell sabia que podia deixá-lo em forma com Eukodal. Se Hitler quisesse outra injeção, ele dava. Nunca teve coragem para parar e dizer: “Ouve, homem, estamos a caminhar por uma estrada perigosa”. [Nos seus documentos], diz que às vezes tinha de parar com as injeções porque já não tinha onde espetar a agulha, porque já não havia espaço, mas não sabia como. Ele era demasiado oportunista e cobarde para ocupar o cargo que ocupava.
O curioso é que ele nunca encaixou verdadeiramente. Nunca se sentiu confortável no papel que desempenhava.
Foi sempre posto de lado. A única coisa em que ele era bom era a dar injeções. Göring chamava-lhe o “mestre da seringa”. Houve uma altura em que ele começou a injetar outras pessoas. Havia cada vez mais pessoas em cargos de topo a tornarem-se seus pacientes. Ele tornou-se cada vez mais influente e fê-lo com uma seringa.
Göring também consumia drogas regularmente. Era viciado em morfina.
Sim, era. Hitler sabia, aparentemente.
Isso não o preocupava?
Provavelmente era uma deceção. Mas, quer dizer, ele também era drogado! Göring decidiu desligar-se do mundo, tomar morfina e ficar na sua propriedade a norte de Berlim a alimentar o seu leão bebé. Vivia num mundo de fantasia. Hitler também mas, ao mesmo tempo, estava no meio da ação — comandava as ações militares, o genocídio. Dava ordens e as ordens eram seguidas. De certo modo, percebiam-se, apesar de um tomar metanfetaminas e o outro heroína. Isso fazia com que estivessem no mesmo cosmos.
Que efeito é que o consumo de drogas teve a longo prazo na saúde de Hitler?
A saúde dele deteriorou-se. No final estava um farrapo. Não tinha nenhuma doença, simplesmente perdeu o equilíbrio. Antes, era um homem muito saudável. As pessoas diziam que parecia mais novo do que era, mas depois houve uma mudança, por volta de 1943 ou 1944. Nos últimos dias, parecia um velho.
Alguns autores sugerem que tinha Parkinson. Acha que isso é possível?
É uma possibilidade, mas não há muitas evidências nesse sentido. Morell, no final de 1945, receita-lhe um medicamento contra o Parkinson. Penso que é por isso que alguns historiadores acham que ele tinha essa doença, e também porque ele tremia. Mas podia ser por não ter acesso às drogas que costumava tomar. Além disso, o Parkinson é uma doença autoimune que ele pode ter desenvolvido por ter tomado todas aquelas injeções hormonais. Mas a verdade é que não existem provas.
Referiu há pouco que Morell acabou por ter muitos outros pacientes influentes. Uma coisa que pouca gente sabe é que também foi consultado por causa de Benito Mussolini. Como é que isso aconteceu?
Foi através do Dr. Zachariae, que era médico na embaixada alemã e do Gabinete Plenipotenciário do Reich em Itália. Mussolini era o chefe de Estado italiano, mas era completamente dependente da Alemanha naquela altura [no final da guerra]. Era visto regularmente pelo Dr. Zachariae, que escrevia todas as semanas a Morell descrevendo o estado de saúde de Mussolini — se ele tinha jogado ténis, se se tinha constipado, se comia esparguete ou se não tinha fome — e perguntava-lhe como é que podia tratar isto ou aquilo. Morell aconselhava-o e dizia-lhe que medicação é que Mussolini devia tomar. De certo modo, Morell estava a administrar drogas semelhantes às que dava a Hitler a Mussolini. Mas não eram opiáceos, eram coisas mais hormonais.
Delírio Total é o primeiro livro sobre o consumo de estupefacientes durante o Terceiro Reich e um dos poucos sobre droga. Porque é que acha que os historiadores têm prestado tão pouca atenção a este tema e ao papel que desempenhou em alguns eventos importantes da História mundial?
Não tomaram drogas suficientes. Geralmente deixamos o estudo da História para historiadores que não têm experiência de vida, que vivem numa torre de marfim e que não entendem a realidade. Claro que isto é uma generalização, mas é a explicação que encontro para o facto de nunca o terem analisado.
Considera que existem outros temas que nunca foram explorados pela mesma razão?
Provavelmente. Nem tudo é tão importante quanto as drogas. As drogas são uma parte muito importante da nossa cultura humana. Foi isto que Nietzsche disse — se percebermos o papel que as drogas desempenham na nossa cultura, conseguimos entender a cultura. Por essa razão, é ainda mais imperdoável que os historiadores não tenham tido a possibilidade de analisar isso devidamente. Mas a História é uma coisa muito complexa — todos os dias são descobertas coisas novas ou novas abordagens, novas formas de interpretação. E à medida que compreendemos mais sobre o nosso passado, conseguimos formar uma ideia de como devemos viver no presente e no futuro.
Espera que o seu livro possa abrir portas a novas abordagens históricas e à análise de temas como estes, que têm vindo a passar despercebidos?
Penso que sim. Acho que esta é uma nova forma de contar a História. Sei que agora há alguns historiadores que estão a ponderar fazê-lo. A Royal Historical Society [do Reino Unido] publicou uma crítica na qual diz que os historiadores têm de levar esta questão mais a sério e que, por essa razão, o livro tinha aberto uma porta.
O Norman é alemão e este é um tema que, obviamente, não lhe é indiferente. A pesquisa que fez para este livro ajudou-o de alguma forma a compreender melhor o que aconteceu na Alemanha durante o tempo de Adolf Hitler?
Sim, costumava falar muito sobre isto como o meu avô quando era adolescente. As histórias dele eram sempre demasiado “limpas”. Acho que o livro nos aproxima daqueles tempos, e é por isso que acho que é muito bom para pessoas mais novas, para adolescentes. Não apenas alemães, isso não interessa, porque a Segunda Guerra Mundial afetou toda a gente, pelo menos na Europa. Acho que é interessante ler sobre temas como o consumo e abuso de drogas e sobre como as empresas e os governos tentam manipular o nosso consumo.
Disse que as histórias que o seu avô contava era “muito limpas”. O que é que quer dizer com isso?
Ele ainda acreditava no mito de que Hitler era um abstémio, que estava ligado ao mito de que tudo na Alemanha estava em ordem, que havia muitas coisas boas quando os nazis estavam no poder. É muito extremo, nem todos alemães mais velhos acham isso, mas havia alguns nos anos 80 que eram assim e o meu avô era um deles. Ele dizia que não tinha sido tão mau como toda a gente dizia porque toda a gente vivia bem e Hitler tinha boas intenções, trabalhava muito para o bem dos alemães… Acho que é tudo uma treta.
Conseguia entender essas coisas que o seu avô dizia?
Não, acho que é por isso que eu me tornei tão de esquerda. Queria trabalhar contra a propaganda prevalente na Alemanha ocidental nos anos 80, que era muito anti-esquerda, anti-comunista, a favor dos norte-americanos, das armas nucleares e que procurava desculpar os nazis. Foi por isso que a revolução estudantil de 1968 também foi um protesto contra essa desculpabilização. Havia muitos nazis em cargos de relevo na Alemanha ocidental nos anos 60 e 70. Até nos anos 80. Até agora. Tivemos um político que concorreu ao parlamento nas últimas eleições e que disse que o desempenho do Exército alemão, a Wehrmacht, tinha sido extraordinário. Esta é precisamente a razão pela qual escrevi sobre o abuso das drogas no Terceiro Reich porque, ainda hoje, as pessoas pensam que os soldados alemães eram extraordinários, o que leva ao ódio nacionalista, que depois leva aos movimentos de extrema-direita na Alemanha. O meu livro procura lutar contra isso.
Foi por isso que escreveu este livro? Para tentar destruir um mito?
Acho que o destruí.
Completamente?
Sim, por isso é que foi tão divertido escrevê-lo.