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Os contratos de seis anos celebrados ao abrigo da norma transitória do DL 57 estão prestes a terminar, deixando centenas de investigadores sem saber o que irá acontecer

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Os contratos de seis anos celebrados ao abrigo da norma transitória do DL 57 estão prestes a terminar, deixando centenas de investigadores sem saber o que irá acontecer

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As histórias dos investigadores que podem ficar sem emprego de um dia para o outro

Serão perto de dois mil investigadores que, nos próximos meses, podem ficar sem emprego. A solução do Governo não agrada e deixa muito por explicar. Reitores e sindicatos pedem outra solução.

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“Tenho o nome no asteroide para sempre e não consigo ter um contrato na carreira em Portugal.” Nuno Peixinho é astrofísico. É também o único português numa extensa lista de cientistas escolhidos para dar nomes a pequenos corpos celestes. O seu é um asteroide com capacidade para causar uma extinção em massa, caso se dirigisse à Terra. Não se dirige. O antigo asteroide (40210) 1998 SL56 está entre as órbitas de Marte e Júpiter e pertence à Cintura de Asteroides. Nuno Peixinho, distinguido internacionalmente, é há 25 anos um trabalhador precário em Portugal.

Foi do Arizona, Estados Unidos, que falou com o Observador. Por coincidência, estava na conferência onde o Grupo de Trabalho para a Nomenclatura de Pequenos Corpos da União Astronómica Internacional (UAI) vai dizer o seu nome, já que quando foi agraciado o mundo vivia a pandemia de Covid-19 e não houve celebrações. “Só hoje, no jantar [21 de junho], é que vão dizer o meu nome e vão dizer o nome dos novos, de certeza. Portanto é engraçado, quando tudo isto está a acontecer em Portugal”, diz o investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.

Asteroide recebe nome do astrofísico português Nuno Peixinho

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O “tudo isto” é uma situação complexa, que envolve décadas de precariedade para quem escolhe ser cientista ou investigador em Portugal, um problema que o ministério de Elvira Fortunato afirma pretender resolver com o programa FCT Tenure — que só será apresentado na totalidade em julho e que tem sido muito contestado. 

É também uma bomba relógio, cujo temporizador começou a contagem decrescente de seis anos em 2017, e que se prepara para explodir em 2023, deixando na incerteza cerca de 1.200 investigadores. Para perceber a situação, é preciso entender o Decreto Lei 57/2016 e a sua norma transitória, é preciso perceber como funcionam os regimes de bolsas de investigação, e de como muitos investigadores quase à beira da reforma nunca descontaram um dia que fosse para a Segurança Social, arriscando não ter pensão.

Entre os investigadores precários, que contaram a sua história ao Observador, está o astrofísico Nuno Peixinho, com 25 anos de precariedade; está Susana Santos, especializada em Sociologia do Direito, que já orientou perto de 50 teses de mestrado, e é precária há 21 anos; e ainda Vera Costa, considerada a segunda melhor expert de cardiotoxicidade (dano causado ao coração pelo tratamento oncológico) no país, precária há 18 anos.

No imediato, o problema destes três investigadores prende-se com os contratos de seis anos celebrados ao abrigo da norma transitória do DL 57 e que estão prestes a terminar, deixando-os, assim como centenas de cientistas, sem saber o que irá acontecer. Alguns, mediante determinadas condições, terão um novo contrato à sua espera, mas a maioria não. A solução governamental passa pelo FCT Tenure de que os sindicatos, SNESup e Fenprof, não gostam, os reitores detestam, e que a ministra da Ciência e do Ensino Superior continua sem esclarecer, remetendo a revelação de detalhes para julho.

A ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, intervém durante a iniciativa "63 anos de Medicina e Ciência. Como será o futuro?", no Porto, 20 de junho de 2022. O evento, inserido nas comemorações dos 63 anos do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), tem como objetivo debater a medicina e a ciência na formação e na prática aliada às novas tecnologias e realidade aumentada/virtual. RUI MANUEL FARINHA/LUSA

A equipa de Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, apresentou uma solução aos parceiros, mas que está longe de agradar a todos

RUI MANUEL FARINHA/LUSA

O Observador contactou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, mas não obteve, até à publicação deste artigo, qualquer resposta.

Nuno Peixinho: “Sou daquelas pessoas que lidam mal, por isso, tudo isto custa-me muito”

“Já chega.” Nuno Peixinho não esconde o cansaço que as mais de duas décadas de trabalho precário lhe causam. “Isto faz muita mossa a nível pessoal, há umas pessoas que lidam melhor, outras pior. Sou daquelas que lidam mal, por isso, tudo isto custa-me muito.”

O astrofísico volta a repetir a interjeição várias vezes. “Já emigrei duas vezes, tenho a minha mãe num lar, teve um AVC e está paralisada de um lado, já estou farto disto, quero estar num sítio e já chega. Eu faço o meu trabalho, até o faço bem, portanto, enquanto faço o meu trabalho bem, tenho um emprego. A lei permite despedir uma pessoa que não o faz”, sublinha o investigador. A sua lógica não corresponde ao que é a realidade dos investigadores em Portugal.

No seu caso, tem um contrato a termo, “um daqueles famosos do DL 57”, diz ao Observador. Antes disso, teve bolsas durante o mestrado, teve um contrato de 5 anos e regressou às bolsas, teve um novo contrato de dois anos, e acabou, de novo, bolseiro. “Agora, tenho este contrato de seis anos. A seguir, legalmente, já não se pode voltar à bolsa”, esclarece.

"Honestamente acho que não, pelo currículo que tenho, pelo trabalho que tenho, honestamente acho que é impossível ter uma avaliação negativa. Acho que vou ter uma avaliação boa. Mas há esse problema, de terem sido dadas instruções aos centros de investigação e aos conselhos científicos de não se renovar ninguém para o 6.º ano para não estarem obrigados a abrir concurso. Isto é um perigo real"
Nuno Peixinho, investigador

Os famosos contratos do DL 57, como lhes chama Nuno Peixinho, surgiram em 2017. Em Portugal, a maioria do trabalho científico é feito por bolseiros — pessoas que fazem trabalho de investigação, financiadas por uma bolsa que, no final, lhes garante (se forem bem sucedidos) obter um grau académico — e por contratados a termo. Esta última é a situação atual do astrofísico.

Em 2017, substituiu-se as bolsas de pós-doutoramento (que não são consideradas trabalho, mas antes formação) pelos contratos do DL 57 que têm um prazo máximo de 6 anos. No fim, os investigadores com doutoramento concluído, com contratos de direito público, teriam direito a um lugar no quadro. Desde o início que a posição dos reitores foi de que preferiam contratar professores para a carreira docente, lembrando o subfinanciamento crónico do ensino superior — ou seja, não teriam verbas para pagar estes salários de investigadores.

Os contratos DL 57 são financiados na totalidade pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

“É horrível não ter estabilidade profissional”. Reitores pedem reforço de verbas para contratar investigadores precários

Nuno Peixinho tem a expectativa de ser integrado e entrar para a carreira, 25 anos depois de ter começado. “Tenho um contrato de investigador, a termo. Como estou na universidade, que é pública, estamos a falar de direito público. Estou no quinto ano do contrato, termina em dezembro, portanto em julho o Conselho Científico decide se me dá o sexto ano de contrato, ou não.”

Há aqui duas nuances importantes. Se o contrato do astrofísico fosse de direito privado, por exemplo com uma fundação de uma universidade, já não havia obrigatoriedade de criar um lugar no quadro para integrar Nuno Peixinho. A outra é que o lugar é aberto apenas aos investigadores que cheguem ao fim dos seis anos de contrato — são de 3 anos, renováveis anualmente, até ao máximo de seis. E o que se diz nos corredores das universidades é que há intenção de não deixar os contratos chegar ao sexto ano. No entanto, ninguém consegue apontar um caso concreto onde isso já tenha acontecido.

“A lei diz que se não me informarem até 90 dias antes, de que não vou continuar, tenho automaticamente direito ao 6.º ano. Por isso, a avaliação é feita agora, em julho, para, na eventualidade de ter uma avaliação negativa, porem-me a andar”, explica o astrofísico que, apesar de tudo, não perspetiva que isso vá acontecer.

Nuno Peixinho no Observatório da Universidade de Coimbra, em 2019. Há um asteróide que recebeu o nome do astrofísico português

Fernando Fontes/Global Imagens /Global Imagens

“Honestamente acho que não, pelo currículo que tenho, pelo trabalho que tenho, honestamente acho que é impossível ter uma avaliação negativa. Acho que vou ter uma avaliação boa. Mas há esse problema, de terem sido dadas instruções aos centros de investigação e aos conselhos científicos de não se renovar ninguém para o sexto ano para não estarem obrigados a abrir concurso. Isto é um perigo real”, acredita Nuno Peixinho, que é também dirigente sindical da Fenprof.

Susana Santos: primeiro choque foi com os 300 euros de licença de maternidade

“Eu, que experimento a precariedade há mais de 20 anos, posso dizer que tem um impacto forte na vida das pessoas.” Susana Santos é especialista em Sociologia do Direito e, como muitos outros investigadores em Portugal, tem vivido bolsa atrás de bolsa. Foi abrangida pelo DL 57 e termina os seus seis anos de contrato em 2024. Como a instituição em que trabalha é uma fundação — “uma instituição pública que é gerida como direito privado” — não é obrigatório que abram um lugar de quadro para si.

“Fiz a licenciatura, fiz o mestrado. Inscrevi-me no doutoramento, mas só avançava com bolsa, porque não tinha capacidade nem apoio familiar para continuar a estudar sem financiamento. Consegui essa bolsa de doutoramento de quatro anos e durante esse período tive dois filhos. Foi o meu primeiro grande embate sobre o que é precariedade”, conta a investigadora ao Observador.

Os bolseiros não têm acesso à Segurança Social — uma bolsa não é considerada trabalho pelo Estado português e, como tal, não faz descontos para a carreira contributiva — mas têm direito, em alternativa, ao Seguro Social Voluntário. “Os bolseiros de investigação são como as pessoas que fazem voluntariado na igreja. Estamos quase ao nível das pessoas que fazem bolinhos na quermesse, é assim que os investigadores são tratados em Portugal.”

Em termos de apoios do Estado, em momentos de necessidade, os valores que o Seguro Social garante em nada se comparam com os da Segurança Social. E Susana Santos descobriu isso da pior maneira possível. “Fui aos serviços da Segurança Social para perceber aquilo a que tinha direito. Tiro a senha, fico na fila, grávida, e pergunto quanto é que vou receber. Na altura, não me quero enganar, mas não chegava a 300 euros. Isto foi em 2008. No fundo isto é uma esmola, não é?”

Embora as bolsas de investigação não sejam consideradas trabalho, os bolseiros têm de ir a uma junta médica que atesta que estão prontos para trabalhar e, assim, ter acesso ao Seguro Social. “Fui vista por uma junta médica para ver se estava apta para o trabalho. Depois de me considerarem apta, fico com um vínculo que não é trabalho, e tenho acesso ao Seguro Social Voluntário, um valor que tem de ser colocado no financiamento da bolsa, dentro do bolo total. Há um valor mínimo que se desconta, coberto pelo projeto e cada um de nós, na nossa consciência, pode contribuir com mais.” O problema, argumenta, é que não ganham o suficiente para descontar um valor superior.

"O meu primeiro verdadeiro choque com a precariedade foi quando fiquei grávida e fui aos serviços da Segurança Social para perceber aquilo a que tinha direito. Tiro a senha, fico na fila, grávida, e pergunto o que é que vou receber. E, na altura, não me quero enganar, mas não chegava a 300 euros. Isto foi em 2008. No fundo isto é uma esmola, não é?"
Susana Santos, investigadora

É por isso que Susana Santos considera que ser bolseiro é seguir uma via completamente ao lado de um contrato de trabalho, já que não há subsídio de alimentação, não há subsídio de férias e não há subsídio de Natal. “Os meses que trabalhamos são os meses que recebemos, o que faz com que muitas pessoas não tirem férias.”

Voltando ao dia em que entrou na Segurança Social, a investigadora conta como ficou abalada. “Saí completamente aterrada, a pensar o que é que ia fazer da minha vida, a pensar nas opções que fiz e liguei para a FCT. Na altura, não que não tivessem existido pessoas grávidas antes, mas a FCT andava a pensar mais no assunto e disseram que iam analisar a situação.” A decisão foi estender o prazo dado ao projeto.

Na prática, a sua bolsa foi estendida por quatro meses devido ao nascimento da criança. “A partir daí tinha de resolver a minha vida, porque tinha de continuar o meu trabalho.” Embora tenha sido durante a gravidez que sentiu com mais força o embate da precariedade, ela não começou nessa altura.

Susana Santos é licenciada em Sociologia, pelo ISCTE, e em 2002, assim que terminou a licenciatura, começou a fazer investigação. Na altura, um tempo diferente do atual, muitos dos seus professores estavam ainda a fazer doutoramentos e os alunos eram chamados a participar nos projetos de investigação.

“Em 2002, quando terminei a licenciatura, surgiu a oportunidade de apoiar um projeto de investigação que já estava a acontecer”, conta ao Observador. Desde 2002 a 2023, em diferentes posições, nunca deixou de fazer investigação, até chegar à bolsa na categoria de licenciada.

Os investigadores fazem um trabalho semelhante aos dos professores que estão na carreira, como dar aulas e orientar mestrados e doutoramentos

PhotoBylove/Getty Images/iStockphoto

“Nunca estive formalmente desempregada, mas trabalhei nas mais variadas formas de flexibilidade ou precariedade. Inscrevi-me num mestrado, fi-lo sempre a trabalhar, e, quando concluí o mestrado, concorri a um novo projeto, já com novo estatuto, passei a ser bolseira de investigação, mas mestre”, recorda a investigadora da área de Ciências Sociais.

Os projetos em que foi trabalhando, financiados pela FCT, tinham em regra uma duração de 24 a 36 meses. “Claro que isto implica sempre uma disponibilidade para além da bolsa, há sempre a possibilidade de prorrogação sem financiamento. Isto quer dizer o quê? O projeto em geral contempla sobretudo atividades de pesquisa, de recolha, e tem sempre menos espaço e menos tempo para as críticas e para as publicações.”

Depois do projeto, o ciclo de publicações pode ser bastante longo, com processos que chegam a atingir os dois anos. “Há sempre esse compromisso pós-financiamento de continuarmos a trabalhar enquanto equipa, já não de forma remunerada, para garantir que as publicações saiam.” Não é por acaso que estes compromissos surgem. Susana Santos explica que é a forma de se manter ativa no mercado.

“A forma de continuarmos no sistema é garantir a nossa disponibilidade para, durante estes períodos em que estamos sem receber, continuarmos ativos. No fundo, trabalhamos em duas linhas. A linha do projeto e da equipa, e a nossa linha pessoal, o nosso próprio percurso académico e profissional.” Sem esta disponibilidade, o percurso pessoal sai altamente prejudicado, considera Susana Santos, exatamente porque os projetos contemplam pouco tempo para trabalhar na escrita e nas publicações. “Como somos avaliados pela escrita e pelas publicações, é um pouco como se não estivéssemos a trabalhar.”

Quando chega a altura de publicar, o problema é outro. Nenhum cientista ou investigador é pago pelos artigos que publica em revistas científicas. Pelo contrário, é preciso pagar quantias significativas para garantir que o seu trabalho fica em acesso livre, chegando ao maior número possível de investigadores, o que abre a porta a ser citado — fundamental para ganhar prestígio. “Quando estamos a falar de open access estamos a falar de valores que podem variar entre os mil e os dois mil euros. Se for para publicar na revista Nature, o valor chega a mais de 2.500 euros por artigo.” Na verdade, consultando o preçário da revista, os valores ultrapassam os 9 mil euros.

"Os bolseiros não têm acesso à segurança social como carreira contributiva — uma bolsa não é considerada trabalho pelo Estado português. Temos direito ao Seguro Social Voluntário, ou seja, os bolseiros de investigação são como as pessoas que fazem voluntariado na igreja. Estamos quase ao nível das pessoas que fazem bolinhos na quermesse, é assim que os investigadores são tratados em Portugal."
Susana Santos, investigadora

As últimas regras da FCT obrigam a que os projetos que financia tenham publicações em acesso aberto e esse valor pode estar dentro do valor que é orçamentado. Aliás, a FCT aconselha a que assim seja. “Ao fazer o orçamento, podemos ter uma rubrica só dedicada às publicações, mas, claro, ao ser destinada a esta componente, a verba é retirada de outra componente porque o bolo é o mesmo e temos de fazer esta ginástica”, argumenta a investigadora.

Susana Santos recorda outro problema: quando se publica é preciso prescindir dos direitos de autor. Se um investigador quiser fazer uma republicação noutro contexto, noutra língua, tem de pedir autorização à revista. “Estas revistas são um negócio, um dos mais lucrativos da ciência. Os Estados financiam a ciência, os investigadores publicam e prescindem dos direitos de autor, utilizam a verba do Estado para pagar estas revistas, e estas publicam os artigos. E contam com os direitos de autor.”

Outra parte deste negócio, e que é mais um lado da precariedade da vida de investigador, é a revisão por pares (peer review). “Nenhum texto é publicado sem revisão de pares. Quando enviamos um texto, a revista é responsável por encontrar pessoas daquela área científica que possam discuti-lo, possam melhorá-lo, ou possam reprová-lo e pedir alterações. Este trabalho, central da atividade científica, é completamente gracioso. E todos nós, em algum momento, estamos a rever os artigos de outros colegas. Sem receber”, afirma a socióloga.

A única coisa que conta é para o seu capital simbólico, explica Susana Santos, já que pode dizer que foi revisora da revista X e Y. Uma vez que a revisão é anónima, não pode dizer que artigo reviu. “Este é o único ganho que qualquer cientista tem por pertencer a esta atividade. Claro que é também uma forma de reconhecimento, se uma revista que considero boa, que os meus colegas consideram boa, que é bem cotada, me pede para fazer revisão, isto é um reconhecimento do meu trabalho, embora puramente gracioso.”

É por isso que o negócio é tão bom, argumenta a investigadora, porque tudo é feito de forma graciosa, inclusive pelos editores das revistas, que também são cientistas e não recebem pelo seu trabalho. “Todos os nossos sistemas de reconhecimento e de valorização entre pares são aproveitados por outros e que transformam isto em dinheiro.”

Vera Costa: “A minha reforma não daria para pagar um lar”

Aos 42 anos, Vera Costa não quer falar da reforma. “Quando faço a simulação é assustador. A minha reforma não daria para pagar um lar.” Licenciada em Ciências Farmacêuticas, desde os 17 anos que sonhava fazer investigação. É também esse o tempo que acumula como precária, estando à beira de completar os 18 anos.

Depois de anos de Seguro Social Voluntário, conseguiu agora, com um contrato DL 57, ter “seis anos de descontos de uma carreira contributiva digna”. No entanto, o seu contrato termina daqui a seis meses e a especialista em toxicidade cardíaca não sabe o que lhe vai acontecer.

Ao contrário do colega Nuno Peixinho, que trabalha numa instituição de direito público, a sua é de direito privado, apesar de estar ligada à Universidade do Porto — uma situação semelhante à de Susana Santos. Por isso, não há a obrigatoriedade de ser criado um lugar no quadro para si, mesmo que chegue ao fim dos seis anos de contrato com uma avaliação de excelência.

Durante a pandemia de Covid-19, os investigadores portugueses, na sua grande maioria precários, foram muito aplaudidos pelo trabalho feito

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Antes deste contrato, fez a licenciatura “com boa média”, terminou o doutoramento em 2009 e fez o seu primeiro pós-doc no ano seguinte. Fez um segundo pós-doc, teve uma bolsa de cientista convidado e, finalmente, chegou o primeiro contrato.

“O meu primeiro contrato foi aos 37 anos, quase a fazer 38, ao abrigo do DL 57”, conta ao Observador. Não fosse a precariedade, em termos profissionais as queixas seriam poucas e hoje, refere, é considerada a segunda expert em cardiotoxicidade em Portugal. “A vida, em termos de investigação, corre-me bem: já tive dois projetos financiados, tenho mais de 100 artigos publicados. Antes disso, fomos adiando muitas decisões, como comprar casa ou realizar o sonho de ter filhos. E adiámos até a biologia falar mais alto, porque há coisas que não podemos adiar para sempre.” Atualmente, tem dois filhos.

O futuro é incerto, apesar de a sua avaliação, enquanto profissional, ser boa e ser orientadora de cinco alunos de doutoramento. “Tenho um responsável de laboratório que me dá toda a liberdade,  tenho alunos próprios, mas sinto que sou um número para apresentar na União Europeia. Trabalho num laboratório associado ao abrigo da Universidade do Porto, já dei aulas na universidade, mas não sou considerada funcionária da Universidade do Porto”, já que o contrato de Vera Costa é ao abrigo do direito privado.

“Nós, os contratados ao abrigo do DL 57, estamos com a vida suspensa, somos orientadores de vários alunos, de vários projetos mestrados e doutoramentos, alimentamos a ciência em Portugal, mas ninguém se preocupa em como vamos alimentar a nossa família”, diz com angústia.

Com 42 anos, não sabe de cor as vezes que foi avaliada, mas foram muitas: “Somos avaliados constantemente, não há carreira em Portugal como esta, para continuar na investigação estou sempre a ser avaliada, nacional e internacionalmente, e não saber o que acontece a seguir é uma ideia que me deixa muito triste. Há uma componente pessoal que fica perdida, há uma ansiedade e uma angústia associada a esta situação de sermos bons para orientar alunos, sermos muito elogiados na pandemia e ficar por aí.”

Na altura da pandemia de Covid-19, Vera Costa chegou a trabalhar grávida para não deixar de responder às suas responsabilidades e manter os compromissos de docência e de investigação assumidos. Por tudo isso, criou expectativas, mas que não sabe se se irão cumprir.

"O meu primeiro contrato foi aos 37 anos, quase a fazer 38, ao abrigo do DL 57. A vida, em termos de investigação, corre-me bem: já tive dois projetos financiados, tenho mais de 100 artigos publicados. Antes disso, fomos adiando muitas decisões, como comprar casa ou realizar o sonho de ter filhos. E adiámos até a biologia falar mais alto, porque há coisas que não podemos adiar para sempre."
Vera Costa, investigadora

“Esperava que houvesse, por exemplo, um concurso por mérito. Não me importo de entrar em mais um concurso se fosse para obter algo durável, estável. Só estamos aqui porque fomos avaliados constantemente por várias entidades, mas a verdade é que se gerou esta expectativa e não há, do outro lado, intenção política de resolver a situação.” Para o seu caso, e com os pormenores que se conhecem, o FCT Tenure não é solução: fica automaticamente excluída por não fazer parte da universidade.

“Nós damos aulas graciosamente. Quando nos pedem, apesar de não ser a nossa função, estamos lá. Não somos carne nem peixe. Somos indicadores para a Universidade do Porto, mas o meu responsável de laboratório quer contratar-me e não sabe como. Não tem como. Nem sequer me oponho a trabalhar como docente, porque já faço isso graciosamente e até deve ser interessante ser remunerada”, refere Vera Costa.

Sem lugar no quadro, a segunda melhor hipótese é voltar a ter um CEEC (Concurso de Estímulo ao Emprego Científico) que terá a duração de seis anos. Já se candidatou, sabe que se o conseguir vai acabar por aceitar, apesar de todas as dúvidas que tem, e mesmo que isso signifique esperar mais meia dúzia de anos por um lugar permanente.

“Se conseguir um CEEC, no fim vou ter 48 anos. Volto a ficar nesta situação e sem saber se entro no mercado de trabalho com quase 50 anos. Fico sempre na dúvida se seguir o meu sonho foi a opção certa.” Na visão copo meio cheio, diz que, pelo menos, desta vez terá subsídio de desemprego, algo que nunca teve quando vivia das bolsas, quando chegou a ter de fazer outros trabalhos para garantir que pagava a renda.

“O pior é que gosto do que faço, acho que sou razoavelmente boa, sinto que há vontade das pessoas com quem eu trabalho de me manterem no laboratório, mas com que dinheiro? Ninguém sabe”, conclui a cientista.

Centenas de investigadores em risco de ficar sem emprego. Como é que se resolve?

A resposta oficial do Governo para o problema dos investigadores passa pelo programa FCT Tenure, do qual se sabe muito pouco. Em abril, no Parlamento, a ministra Elvira Fortunato anunciou tratar-se de um concurso através do qual os escolhidos entram diretamente para a carreira de investigação ou de docência na instituição de ensino superior a que se candidatem. Quanto a números, perspetivou que seriam abertas cerca de mil vagas. No entanto, cada instituição decide quantas vagas abre e em que carreira.

Em termos de financiamento, durante três anos a FCT paga metade do salário destes profissionais.

Olhando para os números dos contratos feitos ao abrigo do DL 57, na sua página oficial, a FCT diz que foram identificados 2.076 bolseiros pelas instituições, dos quais 1.816 foram validados e considerados elegíveis pela fundação. No final, 1.721 contratos de trabalho foram celebrados.

“O FCT Tenure e o DL57 não esgotam, de modo nenhum, o problema da precariedade”, começa por dizer José Moreira, presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup), que se queixa da falta de detalhe do programa da tutela. Quanto a números, aponta para cerca de 6.000 investigadores precários em Portugal, frisando que a maioria deles não assinou contrato ao abrigo do DL 57.

Fundação para a Ciência e a Tecnologia adia para novembro abertura de concursos que estavam previstos para julho

Em relação aos que assinaram, José Moreira lembra que a obrigatoriedade de abrir lugares nos quadros só existe para quem tenha contratos ao abrigo do direito público. “Os números não chegam a 600, e estou a exagerar, estarão mais perto dos 500. Todos os outros estão com instituições de direito privado, apesar de cerca de 90% delas terem como únicas entidades fundadoras instituições de direito público. É um pouco como as empresas municipais que foram criadas dentro das câmaras para desorçamentar”, diz ao Observador.

Para si, a solução tem de passar por outro lado, aquilo a que chama um PREVPAP 2, ou seja, uma reedição do programa que serviu para vincular mais de 17 mil trabalhadores precários da Administração Pública. “Foram residuais os números de investigadores que foram integrados ao abrigo do PREVPAP”, diz o professor universitário. Apesar disso, insiste que um programa semelhante, vocacionado para estas pessoas, poderia resolver a situação de milhares de profissionais “que estão há mais de 20 anos em situações precárias e que nunca conseguem ter uma perspetiva de vida”.

Embora preferisse outra solução, José Moreira argumenta que tanto o DL 57 como o FCT Tenure têm pontos positivos em relação às bolsas. “O DL57 foi o primeiro programa que previu que, ao fim de algum tempo, os vínculos precários fossem convertidos em vínculos por tempo indeterminado. No caso dos investigadores, isto nunca tinha acontecido”, diz. O lado negativo, aquela que considera ter sido “a grande derrota” dos sindicatos, foi ter sido criada a figura de investigador júnior, “uma nova figura extra-carreira” que fez com que pessoas “que têm exatamente as mesmas funções, o mesmo perfil funcional, os mesmos currículos que os colegas que estão na carreira, têm um vencimento que é cerca de mil euros inferior”.

Esta situação aconteceu aos três investigadores — Nuno Peixinho, Susana Santos e Vera Costa — com quem o Observador falou.

“Foi uma grande perda. É querer tornar a profissão menos digna. Agora, o que está em cima da mesa, a proposta do Ministério, não resolve o problema, nem penso que tenha sido criado para isso. Mas é um passo importante, ou que não podemos desprezar, porque cria a possibilidade de criar lugares do quadro, portanto, lugares não precários. É um passo em frente. Não é o suficiente, mas é de facto um passo em frente”, conclui José Moreira.

O que querem os reitores? Autonomia e verba para contratar

O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) também tem uma solução para o problema, que não passa pelo FCT Tenure. As universidades querem criar a carreira de investigador dentro das suas instituições, além de pedirem que parte da verba que sai da FCT para financiar os investigadores seja transferida diretamente para os cofres do ensino superior.

António Sousa Pereira, presidente do CRUP e reitor da Universidade do Porto, frisa que mais de metade dos investigadores trabalha ou nas universidades ou nas suas unidades de investigação e que é preciso autonomia para tomar decisões. Na sua universidade, diz ao Observador, havia 106 contratos que beneficiariam da norma transitória do DL 57. “Assinaram contrato 99, alguns foram concorrendo a concursos de docência, a concursos de investigação, outros arranjaram outras soluções. Neste momento, restam 56 que têm a sua situação dependente da solução que venha a ser encontrada”, frisa o reitor do Porto.

António Sousa Pereira, reitor da Universidade do Porto, participa no Dia da Universidade do Porto no âmbito das comemorações do 108º aniversário da Universidade do Porto realizadas na Reitoria da Universidade do Porto, 22 de março de 2019. FERNANDO VELUDO/LUSA

António Sousa Pereira, presidente do CRUP e reitor da Universidade do Porto, diz que as instituições precisam de mais verbas e de autonomia

FERNANDO VELUDO/LUSA

O problema das universidades, sublinha, é falta de verba para abrir vagas para investigadores. “Foi tomada essa decisão, e ao abrigo da chamada norma transitória foram contratados cerca de 1.200 investigadores. O que acontece é que ao fim de seis anos, terminado o financiamento da FCT, as instituições não acederam a nenhum tipo de suporte financeiro para poderem efetivar as contratações”, sublinha Sousa Pereira.

No dia em que as universidades contratarem estes investigadores, com um contrato sem termo, vão ter de assegurar o pagamento de salários até eles se reformarem, sublinha o presidente do CRUP. O problema? “Não há nenhuma forma de financiamento para fazer esse pagamento. E, portanto, no limite, ao fazê-lo estaríamos a cometer uma irregularidade de gestão grave, que era comprometer as instituições com uma despesa fixa, com uma receita inexistente”, acrescenta o reitor, recordando o subfinanciamento crónico do ensino superior.

“Não há nenhuma universidade que tenha, do Orçamento do Estado, verba suficiente para pagar o salário dos professores. Neste momento, a instituição que estará em situação mais confortável será a Universidade do Porto”, defende o reitor.

O FCT Tenure não é, por tudo isto, uma solução que agrade aos reitores. “A proposta inicial do Governo previa que alguns destes investigadores pudessem ser contratados como docentes. Parece-nos bem, se houver necessidade de docentes nas áreas de trabalho em que eles estão, mas não há propriamente um cross-match perfeito entre as áreas de trabalho deles e as áreas em que as universidades precisam de docentes.”

No fim, o argumento do CRUP é sempre o da falta de financiamento. Mesmo que algumas situações se possam resolver com o FCT Tenure, o financiamento, recorda Sousa Pereira, é de apenas três anos.

Para finalizar, deixa uma pergunta no ar, que cabe ao ministério de Elvira Fortunato responder: “Se algumas situações se pudessem resolver dessa forma, fantástico, porque falta substituir docentes que se reformam e, portanto, não representarão um acréscimo de gastos com salários. Mas, para contratar como investigadores, não há qualquer hipótese. Durante três anos, há o financiamento do programa. E depois? Depois quem é que paga?”

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