895kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

António Gomes

António Gomes

As ideias, os inimigos e a língua afiada de Henrique Neto

Foram muitas as controvérsias em que se viu envolvido: somou inimigos dentro do PS, esteve ligado à Operação Furacão e ao Caso dos Submarinos. Defendeu sempre uma maior transparência na política.

Das críticas às lideranças de António Guterres e de José Sócrates até ao envolvimento na Operação Furacão, Henrique Neto, histórico socialista e o primeiro candidato “oficial” à corrida a Belém, tem-se destacado como uma voz crítica e controversa no seio do PS. Apesar de ter estado afastado da vida política ativa, o ex-deputado foi recentemente notícia quando comentou a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates e rompeu com o silêncio definido pelo partido. Recorde aqui as polémicas em que se envolveu Henrique Neto e o que defendeu em diversas ocasiões.

José Sócrates: “Há anos anos que esperava que isso acontecesse. Os indícios eram mais que muitos”

Na véspera do XX Congresso Socialista, quando imperava a lei da rolha sobre Aquele-Cujo-Nome-Não-Pôde-Ser-Pronunciado, Henrique Neto rompeu com o silêncio e, em entrevista ao jornal i, disse o que pensava sobre o ex-primeiro-ministro. “Há anos anos que esperava que isso acontecesse. Os indícios eram mais que muitos”, afirmou.

Na altura, Henrique Neto criticou abertamente a atitude de muitos socialistas que, disse, “fecharam os olhos” e tiveram “uma reação irracional” às primeiras revelações sobre a Operação Marquês. “As reações de alguns socialistas são irracionais. Há muitos socialistas que não querem conhecer o que se passou. Fecham os olhos, porque estão moral e eticamente metidos nestas desgraças”, acusou Henrique Neto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O ex-deputado socialista aproveitou, ainda, para desafiar António Costa a fazer uma rutura com o passado e a afastar da direção do partido as pessoas que estavam associadas à era-socrática.

“António Costa não será credível no país se não limpar o partido com grande clareza e grande determinação. Sofrerá com os estilhaços do que vier a acontecer com Sócrates”, avisou na ocasião, para depois acrescentar que aquele era “um dos momentos mais determinantes” da história do partido” e que sem uma mudança profunda o futuro do partido estava comprometido.

“Ou [António Costa] compreende isto e aproveita para mudar a política e apresentar novas ideias – e para haver novas ideias é preciso ter dirigentes que não estejam comprometidos com o passado – ou faz uma fusão entre os que vieram do passado e meia dúzia de caras novas e não será credível no país. É o grande momento de António Costa”, afirmou Henrique Neto.

O agora candidato presidencial foi, de resto, um dos maiores críticos do Governo de José Sócrates. Ainda em 2011, meses antes da chegada da troika a Portugal, Henrique Neto defendeu, em entrevista ao Público, que o estado periclitante da economia tinha sido o resultado “de um misto de falta de sentido de Estado, de ignorância, de voluntarismo e de teimosia e, porventura mais importante, de falta de convicção sobre o interesse geral a que muitos chamam patriotismo“. O ex-dirigente socialista traçou, também, aquele que, acreditava, viria a ser o futuro do país no pós-Sócrates. Um país que dificilmente evitaria a “vinda do FMI”, antecipou.

“Pelo que se ficou a saber, certo é apenas que os portugueses pagarão, em 2011 e nos anos seguintes, os erros, a imprevidência e a demagogia acumulada em cinco anos de mau Governo. É por isso que, nestas circunstâncias, falar da coragem do primeiro-ministro e do ministro das Finanças, como alguns têm feito, é um insulto de mau gosto a todos os portugueses que trabalham, pagam os seus impostos e veem defraudadas as suas expectativas de uma vida melhor“, criticou.

"António Costa não será credível no país se não limpar o partido com grande clareza e grande determinação. Sofrerá com os estilhaços do que vier a acontecer com Sócrates"

Antes, em 2009, já Henrique Neto tinha tecido duras críticas a alguns membros do núcleo duro do PS, denunciando a existência de um clima de “medo” no interior do partido. Curiosamente, o principal alvo do ex-dirigente socialista foi, na altura, “o ministro da propaganda” Augusto Santos Silva, que esta segunda-feira não poupou críticas ao “bobo” Henrique Neto.

“No momento em que se prepara mais um congresso do Partido Socialista, a missão de Augusto Santos Silva – que se distingue na obsessão da fidelidade ao líder – é matar à nascença qualquer veleidade de debate livre e de novas ideias para o PS e para Portugal (…) As sucessivas intervenções do ministro da propaganda do PS, caracterizam-se pelo dogmatismo, pela política da verdade única e pela incapacidade de compreender que um partido politico moderno é mais de que a arregimentação de militantes passivos, que por seguidismo, necessidade, ou medo, deixaram de ter ideias e vontade próprias“, criticou.

Reforma do Sistema Político e as críticas ao Governo de Guterres

Antes de José Sócrates, no entanto, a “vítima” das críticas de Henrique Neto tinha sido outra: António Guterres. Em 2001, no XII Congresso do PS, o ex-deputado apresentou a moção “Portugal Primeiro” que não chegou a ser debatida por decisão de António Guterres, então primeiro-ministro e líder do partido. Um ano depois, já com Ferro Rodrigues sentado na principal cadeira do Largo do Rato, Neto recuperou a maioria das medidas e apresentou um conjunto de propostas sob o lema “Pensar Portugal”, sem nunca esquecer Guterres, que conduzira “uma liderança sem ideias, convicções ou respostas adequadas” e refém do bloco central.

Ao contrário do que acontecera sob a liderança de Guterres, a moção desenhada por Henrique Neto foi debatida no conclave “rosa”, mesmo não tendo reunido as assinaturas necessárias. Nas 32 páginas do documento apresentado no XIII Congresso socialista, o ex-deputado fez uma análise critica de vários setores-chave do país como a economia, a educação e o sistema político, escreveu, na altura, a TSF.

Entre as medidas defendidas, Henrique Neto sugeria, por exemplo, o reforço das instituições de controlo do governo, o aumento da remuneração dos políticos eleitos – como forma de atrair apenas os melhores -, e a moralização dos ordenados dos administradores de empresas públicas. Além disso, propunha, ainda, a criação de círculos uninominais, a realização de eleições primárias nos partidos para a escolha de militantes na ocupação de cargos políticos, como deputados e autarcas, e a limitação dos mandatos autárquicos a dois mandatos consecutivos.

Já na altura, o ex-dirigente socialista alertava o secretário-geral do partido para a necessidade de renovar os quadros do partido, custasse o que custasse. “Se a renovação for feita, e se for profunda, como é desejável que seja, tenho receio que os descontentes causem problemas à nova liderança, neste período que medeia antes dos congressos e das próximas eleições”, avisou Henrique Neto.

"Os dirigentes do PS [deixaram-se] encurralar de uma maneira indigna na matéria da pedofilia"
Henrique Neto, depois de pedir a demissão de Ferro Rodrigues

Apesar da relação entre Henrique Neto e Ferro Rodrigues ter começado com uma espécie de “benefício da dúvida mútuo”, em 2003, na sequência do escândalo “Casa Pia”, Neto viria a tirar o tapete ao atual líder da bancada parlamentar do PS e a pedir a sua demissão, por considerar que “os dirigentes do PS” tinham-se deixado “encurralar de uma maneira indigna na matéria da pedofilia”. Ferro Rodrigues acabaria por deixar o partido, mas, para Henrique Neto, a renovação da política portuguesa, e do PS em particular, continuariam a ser as principais prioridades.

Tanto é que, em 2013, Henrique Neto foi um dos subscritores do manifesto pela democratização do regime, a par de Rui Tavares, de Vasco Lourenço e dos ex-deputados socialistas Eurico Figueiredo e Edmundo Pedro. Na altura, em entrevista ao Negócios, Neto explicou que “a ideia [do manifesto] partiu de um conjunto de ‘democratas’ que, em conversa uns com os outros, chegaram à conclusão que a raiz dos problemas que o país enfrenta reside na forma como funciona o nosso sistema político”.

“Sem uma profunda reforma do sistema político, dificilmente teremos governos com experiência, sabedoria e ética capazes de governar bem o país“, defendeu na mesma entrevista.

O Furacão que fragilizou Henrique Neto

A Operação Furacão rebentou em 2007 e levou à acusação de 30 pessoas, num processo que terá lesado o Estado em mais de 36 milhões de euros e que passava por ocultar os rendimentos através da transferência de dinheiro para entidades sediadas em paraísos fiscais e no Reino Unido. O empresário e self-made man, enquanto administrador da Iberomoldes, chegou a ser constituído arguido, mas não foi acusado porque, entretanto, pagou os 30 mil euros que não declarara ao fisco.

Na altura, a casa e a empresa de Henrique Neto foram alvo de buscas e o próprio terá admitido ao procurador Rosário Teixeira que tinha tomado “conhecimento da intenção da sociedade Iber Oleff [uma empresa que resultou da parceria entre os alemães da Olho Tecknik e a Ibermoldes] de aderir a um esquema que visasse [visava] a diminuição de resultados ou lucros”. Mais: Neto admitiria também ter recebido “alguns montantes monetários, tendo-os utilizado, pelo menos em parte, em benefício próprio”.

Apesar da resistência do juiz Carlos Alexandre, segundo escreveu o i, Henrique Neto e a Iber Oleff acabariam por não ser acusados de fraude fiscal qualificada por terem regularizado a situação – a sociedade luso-alemã foi mesmo obrigada a pagar 433 487 euros às Finanças.

A Iberomoldes e as contrapartidas militares

Em 2014, a empresa fundada por Henrique Neto, a Iberomoldes, voltou a estar debaixo do foco mediático pela sua relação como o chamado “Caso dos Submarinos”. Em causa, estava o nebuloso processo das contrapartidas relacionadas com os negócios militares e o papel da Escom em todo o processo.

A empresa do antigo deputado socialista era uma das que beneficiaria das contrapartidas negociadas com a Ferrostaal no âmbito da aquisição dos submarinos alemães – contrapartidas que, quer Luís Amado, quer Álvaro Santos Pereira, negaram, em sede parlamentar, existir. Por isso, e perante as afirmações dos dois antigos ministros, Henrique Neto pediu para ser ouvido pelos deputados para contar a sua versão dos acontecimentos. Um pedido que contou, de resto, com a resistência inicial da maioria PSD/CDS-PP.

E as revelações de Henrique Neto não desiludiram a comissão de inquérito: o socialista começou por contar como a Ibermoldes investiu quase 30 milhões em projetos de contrapartida relacionados com a aquisição de material militar (20 milhões nos helicópteros EH101 e “seis ou sete” milhões nos submarinos). Investimento que nunca resultou em qualquer retorno. E porquê? Henrique Neto começou por denunciar que “o objetivo [das empresas estrangeiras envolvidas] era não executar qualquer contrapartida. Pagaram para não fazer contrapartidas”, para depois envolver o nome da Escom no escândalo: “Ainda há pouco se perguntava se os 30 milhões correspondia ao trabalho realizado pela Escom. (…) Os 30 milhões de que se fala [eram o pagamento] para a não realização das contrapartidas”.

Uma acusação já antes feita em entrevista à revista Visão: “A minha convicção é que a Escom assumiu perante os vendedores de equipamentos a responsabilidade de não haver contrapartidas. Tudo o resto foi coerente com isso. Ganharam os concursos [helicópteros, viaturas blindadas e submarinos] e receberam o dinheiro. Depois de ganharem não mexeram uma palha e andaram anos e anos nisso.”

E aqui, mais uma vez, Henrique Neto voltou a criticar o sistema político português e a denunciar um problema de corrupção enraizado, ao qual o PS não era indiferente.

“Há 19 anos que estes casos são tratados com uma indiferença que só pode ser considerada conivência. Não se mexeu uma palha e o Parlamento nunca quis encontrar a verdade. [Não foi só Paulo Portas] quem praticou transparência duvidosa nas compras militares. Todos eles praticaram. Todos!”.

A Corrida para Belém

A candidatura presidencial de Henrique Neto deu o passo decisivo ontem à tarde, com um envio do email que confirmava oficialmente o nome do ex-deputado do PS e voltava a fazer o anúncio formal da sua candidatura para esta quarta-feira no Padrão dos Descobrimentos – um local, de resto, já escolhido por outro independente, o médico Fernando Nobre, candidato presidencial em 2011. Uma candidatura independente, sem qualquer conhecimento do PS, preparada há mais de um ano e que avançou em janeiro.

Henrique Neto já tem a sua campanha toda montada, com site, sede, lema, programa e equipa. Depois da apresentação formal, a inauguração da sede deve ter lugar depois da Páscoa.

A decisão de avançar já com a candidatura – com a qual os socialistas se têm mostrado preocupados, pela dispersão de votos à esquerda a que pode levar -, foi tomada pelo próprio Henrique Neto. A ideia do candidato, aconselhado pela sua equipa, é de que o PS ao mesmo tempo que tem estado a queimar nomes na praça pública – Vitorino, Maria de Belém e até Sampaio da Nóvoa -, está também a estender o tapete à direita e, em concreto, a Marcelo Rebelo de Sousa.

Neto e a sua equipa acham mesmo que o objetivo será lançar, no final deste processo, a candidatura de Carlos César (se Guterres não avançar mesmo), mas que, quando tal acontecer, será demasiado tarde.

As contas que o empresário-candidato faz são as de que, esperando-se pelo resultado das legislativas, não haverá hipótese de apresentar um candidato presidencial socialista antes de novembro. Isto porque é dado como certo que o PS não terá maioria nas legislativas, e como estas acontecem entre o final de setembro e o início de outubro, entre negociações para coligações ou para acordos de incidência parlamentar, a formação final do Governo só deve ficar concluída por essa altura.

Isso significaria que o candidato do PS teria apenas metade de novembro, o que é possível de aproveitar entre as festividades de dezembro e janeiro para se preparar e enfrentar o candidato da direita. E isso seria mais um trunfo para uma figura como Marcelo.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.