Das críticas às lideranças de António Guterres e de José Sócrates até ao envolvimento na Operação Furacão, Henrique Neto, histórico socialista e o primeiro candidato “oficial” à corrida a Belém, tem-se destacado como uma voz crítica e controversa no seio do PS. Apesar de ter estado afastado da vida política ativa, o ex-deputado foi recentemente notícia quando comentou a detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates e rompeu com o silêncio definido pelo partido. Recorde aqui as polémicas em que se envolveu Henrique Neto e o que defendeu em diversas ocasiões.
José Sócrates: “Há anos anos que esperava que isso acontecesse. Os indícios eram mais que muitos”
Na véspera do XX Congresso Socialista, quando imperava a lei da rolha sobre Aquele-Cujo-Nome-Não-Pôde-Ser-Pronunciado, Henrique Neto rompeu com o silêncio e, em entrevista ao jornal i, disse o que pensava sobre o ex-primeiro-ministro. “Há anos anos que esperava que isso acontecesse. Os indícios eram mais que muitos”, afirmou.
Na altura, Henrique Neto criticou abertamente a atitude de muitos socialistas que, disse, “fecharam os olhos” e tiveram “uma reação irracional” às primeiras revelações sobre a Operação Marquês. “As reações de alguns socialistas são irracionais. Há muitos socialistas que não querem conhecer o que se passou. Fecham os olhos, porque estão moral e eticamente metidos nestas desgraças”, acusou Henrique Neto.
O ex-deputado socialista aproveitou, ainda, para desafiar António Costa a fazer uma rutura com o passado e a afastar da direção do partido as pessoas que estavam associadas à era-socrática.
“António Costa não será credível no país se não limpar o partido com grande clareza e grande determinação. Sofrerá com os estilhaços do que vier a acontecer com Sócrates”, avisou na ocasião, para depois acrescentar que aquele era “um dos momentos mais determinantes” da história do partido” e que sem uma mudança profunda o futuro do partido estava comprometido.
“Ou [António Costa] compreende isto e aproveita para mudar a política e apresentar novas ideias – e para haver novas ideias é preciso ter dirigentes que não estejam comprometidos com o passado – ou faz uma fusão entre os que vieram do passado e meia dúzia de caras novas e não será credível no país. É o grande momento de António Costa”, afirmou Henrique Neto.
O agora candidato presidencial foi, de resto, um dos maiores críticos do Governo de José Sócrates. Ainda em 2011, meses antes da chegada da troika a Portugal, Henrique Neto defendeu, em entrevista ao Público, que o estado periclitante da economia tinha sido o resultado “de um misto de falta de sentido de Estado, de ignorância, de voluntarismo e de teimosia e, porventura mais importante, de falta de convicção sobre o interesse geral a que muitos chamam patriotismo“. O ex-dirigente socialista traçou, também, aquele que, acreditava, viria a ser o futuro do país no pós-Sócrates. Um país que dificilmente evitaria a “vinda do FMI”, antecipou.
“Pelo que se ficou a saber, certo é apenas que os portugueses pagarão, em 2011 e nos anos seguintes, os erros, a imprevidência e a demagogia acumulada em cinco anos de mau Governo. É por isso que, nestas circunstâncias, falar da coragem do primeiro-ministro e do ministro das Finanças, como alguns têm feito, é um insulto de mau gosto a todos os portugueses que trabalham, pagam os seus impostos e veem defraudadas as suas expectativas de uma vida melhor“, criticou.
Antes, em 2009, já Henrique Neto tinha tecido duras críticas a alguns membros do núcleo duro do PS, denunciando a existência de um clima de “medo” no interior do partido. Curiosamente, o principal alvo do ex-dirigente socialista foi, na altura, “o ministro da propaganda” Augusto Santos Silva, que esta segunda-feira não poupou críticas ao “bobo” Henrique Neto.
“No momento em que se prepara mais um congresso do Partido Socialista, a missão de Augusto Santos Silva – que se distingue na obsessão da fidelidade ao líder – é matar à nascença qualquer veleidade de debate livre e de novas ideias para o PS e para Portugal (…) As sucessivas intervenções do ministro da propaganda do PS, caracterizam-se pelo dogmatismo, pela política da verdade única e pela incapacidade de compreender que um partido politico moderno é mais de que a arregimentação de militantes passivos, que por seguidismo, necessidade, ou medo, deixaram de ter ideias e vontade próprias“, criticou.
Reforma do Sistema Político e as críticas ao Governo de Guterres
Antes de José Sócrates, no entanto, a “vítima” das críticas de Henrique Neto tinha sido outra: António Guterres. Em 2001, no XII Congresso do PS, o ex-deputado apresentou a moção “Portugal Primeiro” que não chegou a ser debatida por decisão de António Guterres, então primeiro-ministro e líder do partido. Um ano depois, já com Ferro Rodrigues sentado na principal cadeira do Largo do Rato, Neto recuperou a maioria das medidas e apresentou um conjunto de propostas sob o lema “Pensar Portugal”, sem nunca esquecer Guterres, que conduzira “uma liderança sem ideias, convicções ou respostas adequadas” e refém do bloco central.
Ao contrário do que acontecera sob a liderança de Guterres, a moção desenhada por Henrique Neto foi debatida no conclave “rosa”, mesmo não tendo reunido as assinaturas necessárias. Nas 32 páginas do documento apresentado no XIII Congresso socialista, o ex-deputado fez uma análise critica de vários setores-chave do país como a economia, a educação e o sistema político, escreveu, na altura, a TSF.
Entre as medidas defendidas, Henrique Neto sugeria, por exemplo, o reforço das instituições de controlo do governo, o aumento da remuneração dos políticos eleitos – como forma de atrair apenas os melhores -, e a moralização dos ordenados dos administradores de empresas públicas. Além disso, propunha, ainda, a criação de círculos uninominais, a realização de eleições primárias nos partidos para a escolha de militantes na ocupação de cargos políticos, como deputados e autarcas, e a limitação dos mandatos autárquicos a dois mandatos consecutivos.
Já na altura, o ex-dirigente socialista alertava o secretário-geral do partido para a necessidade de renovar os quadros do partido, custasse o que custasse. “Se a renovação for feita, e se for profunda, como é desejável que seja, tenho receio que os descontentes causem problemas à nova liderança, neste período que medeia antes dos congressos e das próximas eleições”, avisou Henrique Neto.
Apesar da relação entre Henrique Neto e Ferro Rodrigues ter começado com uma espécie de “benefício da dúvida mútuo”, em 2003, na sequência do escândalo “Casa Pia”, Neto viria a tirar o tapete ao atual líder da bancada parlamentar do PS e a pedir a sua demissão, por considerar que “os dirigentes do PS” tinham-se deixado “encurralar de uma maneira indigna na matéria da pedofilia”. Ferro Rodrigues acabaria por deixar o partido, mas, para Henrique Neto, a renovação da política portuguesa, e do PS em particular, continuariam a ser as principais prioridades.
Tanto é que, em 2013, Henrique Neto foi um dos subscritores do manifesto pela democratização do regime, a par de Rui Tavares, de Vasco Lourenço e dos ex-deputados socialistas Eurico Figueiredo e Edmundo Pedro. Na altura, em entrevista ao Negócios, Neto explicou que “a ideia [do manifesto] partiu de um conjunto de ‘democratas’ que, em conversa uns com os outros, chegaram à conclusão que a raiz dos problemas que o país enfrenta reside na forma como funciona o nosso sistema político”.
“Sem uma profunda reforma do sistema político, dificilmente teremos governos com experiência, sabedoria e ética capazes de governar bem o país“, defendeu na mesma entrevista.
O Furacão que fragilizou Henrique Neto
A Operação Furacão rebentou em 2007 e levou à acusação de 30 pessoas, num processo que terá lesado o Estado em mais de 36 milhões de euros e que passava por ocultar os rendimentos através da transferência de dinheiro para entidades sediadas em paraísos fiscais e no Reino Unido. O empresário e self-made man, enquanto administrador da Iberomoldes, chegou a ser constituído arguido, mas não foi acusado porque, entretanto, pagou os 30 mil euros que não declarara ao fisco.
Na altura, a casa e a empresa de Henrique Neto foram alvo de buscas e o próprio terá admitido ao procurador Rosário Teixeira que tinha tomado “conhecimento da intenção da sociedade Iber Oleff [uma empresa que resultou da parceria entre os alemães da Olho Tecknik e a Ibermoldes] de aderir a um esquema que visasse [visava] a diminuição de resultados ou lucros”. Mais: Neto admitiria também ter recebido “alguns montantes monetários, tendo-os utilizado, pelo menos em parte, em benefício próprio”.
Apesar da resistência do juiz Carlos Alexandre, segundo escreveu o i, Henrique Neto e a Iber Oleff acabariam por não ser acusados de fraude fiscal qualificada por terem regularizado a situação – a sociedade luso-alemã foi mesmo obrigada a pagar 433 487 euros às Finanças.
A Iberomoldes e as contrapartidas militares
Em 2014, a empresa fundada por Henrique Neto, a Iberomoldes, voltou a estar debaixo do foco mediático pela sua relação como o chamado “Caso dos Submarinos”. Em causa, estava o nebuloso processo das contrapartidas relacionadas com os negócios militares e o papel da Escom em todo o processo.
A empresa do antigo deputado socialista era uma das que beneficiaria das contrapartidas negociadas com a Ferrostaal no âmbito da aquisição dos submarinos alemães – contrapartidas que, quer Luís Amado, quer Álvaro Santos Pereira, negaram, em sede parlamentar, existir. Por isso, e perante as afirmações dos dois antigos ministros, Henrique Neto pediu para ser ouvido pelos deputados para contar a sua versão dos acontecimentos. Um pedido que contou, de resto, com a resistência inicial da maioria PSD/CDS-PP.
E as revelações de Henrique Neto não desiludiram a comissão de inquérito: o socialista começou por contar como a Ibermoldes investiu quase 30 milhões em projetos de contrapartida relacionados com a aquisição de material militar (20 milhões nos helicópteros EH101 e “seis ou sete” milhões nos submarinos). Investimento que nunca resultou em qualquer retorno. E porquê? Henrique Neto começou por denunciar que “o objetivo [das empresas estrangeiras envolvidas] era não executar qualquer contrapartida. Pagaram para não fazer contrapartidas”, para depois envolver o nome da Escom no escândalo: “Ainda há pouco se perguntava se os 30 milhões correspondia ao trabalho realizado pela Escom. (…) Os 30 milhões de que se fala [eram o pagamento] para a não realização das contrapartidas”.
Uma acusação já antes feita em entrevista à revista Visão: “A minha convicção é que a Escom assumiu perante os vendedores de equipamentos a responsabilidade de não haver contrapartidas. Tudo o resto foi coerente com isso. Ganharam os concursos [helicópteros, viaturas blindadas e submarinos] e receberam o dinheiro. Depois de ganharem não mexeram uma palha e andaram anos e anos nisso.”
E aqui, mais uma vez, Henrique Neto voltou a criticar o sistema político português e a denunciar um problema de corrupção enraizado, ao qual o PS não era indiferente.
“Há 19 anos que estes casos são tratados com uma indiferença que só pode ser considerada conivência. Não se mexeu uma palha e o Parlamento nunca quis encontrar a verdade. [Não foi só Paulo Portas] quem praticou transparência duvidosa nas compras militares. Todos eles praticaram. Todos!”.
A Corrida para Belém
A candidatura presidencial de Henrique Neto deu o passo decisivo ontem à tarde, com um envio do email que confirmava oficialmente o nome do ex-deputado do PS e voltava a fazer o anúncio formal da sua candidatura para esta quarta-feira no Padrão dos Descobrimentos – um local, de resto, já escolhido por outro independente, o médico Fernando Nobre, candidato presidencial em 2011. Uma candidatura independente, sem qualquer conhecimento do PS, preparada há mais de um ano e que avançou em janeiro.
Henrique Neto já tem a sua campanha toda montada, com site, sede, lema, programa e equipa. Depois da apresentação formal, a inauguração da sede deve ter lugar depois da Páscoa.
A decisão de avançar já com a candidatura – com a qual os socialistas se têm mostrado preocupados, pela dispersão de votos à esquerda a que pode levar -, foi tomada pelo próprio Henrique Neto. A ideia do candidato, aconselhado pela sua equipa, é de que o PS ao mesmo tempo que tem estado a queimar nomes na praça pública – Vitorino, Maria de Belém e até Sampaio da Nóvoa -, está também a estender o tapete à direita e, em concreto, a Marcelo Rebelo de Sousa.
Neto e a sua equipa acham mesmo que o objetivo será lançar, no final deste processo, a candidatura de Carlos César (se Guterres não avançar mesmo), mas que, quando tal acontecer, será demasiado tarde.
As contas que o empresário-candidato faz são as de que, esperando-se pelo resultado das legislativas, não haverá hipótese de apresentar um candidato presidencial socialista antes de novembro. Isto porque é dado como certo que o PS não terá maioria nas legislativas, e como estas acontecem entre o final de setembro e o início de outubro, entre negociações para coligações ou para acordos de incidência parlamentar, a formação final do Governo só deve ficar concluída por essa altura.
Isso significaria que o candidato do PS teria apenas metade de novembro, o que é possível de aproveitar entre as festividades de dezembro e janeiro para se preparar e enfrentar o candidato da direita. E isso seria mais um trunfo para uma figura como Marcelo.