O epidemiologista Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), definiu seis indicadores que devem servir de bandeira de perigo para a necessidade de restabelecer novas medidas, mais restritivas, mesmo após o desconfinamento. A ideia é que sirvam de guias para acompanhar a situação e agir rapidamente caso os números voltem a aumentar e a epidemia se descontrole de novo.
As “linhas vermelhas”, como o próprio classificou, foram apresentadas na reunião no Infarmed esta segunda-feira, que juntou também outros peritos responsáveis pelo aconselhamento científico ao poder político. Segundo o especialista, será necessário regressar às medidas mais restritivas quando:
1A incidência atinja os 240 casos diários acumulados ao longo de 14 dias por cada 100 mil habitantes, o que em Portugal se traduz na identificação de 1.765 novos casos em 24 horas. Segundo Baltazar Nunes, estes níveis, além de serem internacionalmente referenciados para medir o nível de controlo sobre uma epidemia, também simbolizam um decréscimo na eficácia da testagem massiva;
2O risco de transmissão (R), que representa quantas pessoas um infetado pode contagiar, for superior a 1 e a incidência for maior que 120 casos ao longo dos 14 dias anteriores por 100 mil habitantes. Ou seja, a epidemia só pode ser dada como controlada quando a incidência não ultrapassar os 60 casos por 100 mil habitantes ou, sendo o dobro disso, o R estiver abaixo de 1. A incidência e o R são os indicadores mais importantes de todos, aponta o epidemiologista;
3A taxa de positividade (a porção de testes positivos à presença do coronavírus do total de testes realizados) ultrapassar os 4% ou houver um atraso na notificação em mais de 10% dos casos confirmados. Neste contexto, considera-se um “atraso na notificação” sempre que ela não ocorre até ao dia seguinte à colheita de amostra para teste;
4A percentagem de casos com isolamento e rastreio de contactos efetuado nas primeiras 24 horas após a notificação for inferior a 90%. Se isso acontecer, é necessário reforçar imediatamente os recursos humanos. Caso o problema permaneça por mais de sete dias, coloca-se em xeque a capacidade para travar a circulação de casos positivos, afetando a gestão do nível de transmissão;
5A ocupação das camas nas unidades de cuidados intensivos com doentes Covid-19 alcançar os 245. O objetivo, explica Baltazar Nunes, é que a taxa de ocupação pela Covid-19 seja inferior a 85% da capacidade de camas abertas depois de março de 2020. A atividade relacionada com a Covid-19 não deve prejudicar a qualidade de resposta aos doentes que sofrem com outras patologias;
6Forem identificadas variantes potencialmente mais transmissíveis (que aumentarão a incidência de casos positivos), mais severas (que causarão mais internamentos e um aumento da letalidade) e com capacidade de fugir ao sistema imunitário (comprometendo a eficácia das vacinas e provocando reinfeções). Segundo Baltazar Nunes, e de acordo com aquilo que João Paulo Gomes, investigador do INSA, já havia alertado, é preciso prestar especial atenção à vigilância dessas variantes no pós-desconfinamento.
Se estas linhas vermelhas forem ultrapassadas, a situação epidemiológica do país compromete o controlo da transmissão na comunidade, a sustentabilidade e qualidade da resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e pode implicar um aumento do impacto social e económico da Covid-19. As orientações de Baltazar Nunes foram resumidas no quadro aqui em baixo.
Numa audição na Comissão de Administração Pública, Modernização Administrativa, Descentralização e Poder Local da Assembleia da República, outros especialistas já tinham apontado critérios que indicariam a necessidade de apertar as medidas de restrição.
O matemático Jorge Buescu estabeleceu nessa mesma audição que, sempre que o R chega a 1,2, a incidência de contágios torna-se demasiado difícil de controlar porque a inércia da onda é complicada de reverter: “Quase fatalmente, dali a quinze dias, estabelece-se uma vaga”, determinou o perito quando foi ouvido no Parlamento, apelando a que esta métrica seja continuamente monitorizada após o desconfinamento, sob pena de Portugal viver uma quarta vaga.
Carlos Antunes, engenheiro da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que tem seguido a evolução da pandemia em Portugal, estabeleceu cinco níveis de risco para classificar a situação epidemiológica no país, segundo os quais se devem aplicar as medidas mais rígidas ou aliviá-las. Em conjunto com Manuel Carmo Gomes, que abandonou as apresentações no Infarmed há poucas semanas, participou no estabelecimento das linhas vermelhas apontadas esta segunda-feira por Baltazar Nunes.
De acordo com o perito, é necessário apertar as medidas sempre que se ultrapasse o segundo nível da tabela, o que implica que a incidência alcance 2.250 casos diários, o R chegue a pelo menos 1,05, a taxa de positividade ultrapasse os 5% e as camas ocupadas por doentes Covid-19 nas unidades de cuidados intensivos ultrapasse os 190.
Ou seja, quando Portugal passar do nível 2 para o nível 3 na escala de risco e permanecer neste nível durante cinco a sete dias, é preciso impor medidas mais fortes. Os dois níveis seguintes já assinalam uma situação epidemiológica muito grave que pode ser irreversível e tudo deve ser feito para não se chegar ao quinto e último degrau da escala.
Há duas semanas, a 24 de fevereiro, Carlos Antunes previa que o país só deveria reunir todas as condições necessárias para desconfinar no fim do mês março. Foi a primeira vez que os especialistas delinearam objetivos concretos que determinam os momentos ideais para iniciar o desconfinamento do país
Mas, na reunião desta segunda-feira, Baltazar Nunes antecipa que, como a incidência em Portugal está em fase decrescente, é expectável que a 15 de março se esteja “numa situação muito perto dos 60 casos por 100 mil habitantes e da taxa de ocupação desejada” para as unidades de cuidados intensivos — podendo isso permitir o início do desconfinamento faseado.