No último debate da noite frente a Paulo Raimundo, Mariana Mortágua tentou demarcar-se primeiro do apelo de Pedro Nuno Santos do voto útil no PS, que considerou “esfarrapado, espantoso e incompreensível”, e só depois marcar diferenças em relação ao PCP, com quem disputa o eleitorado, assinalando divergências em relação à eutanásia, à Rússia e à “cleptocracia” de Angola. O secretário-geral dos comunistas afirmou que “o voto útil é na CDU”, e que “a única condição de obrigar o PS a tomar soluções positivas para o país é constituir uma maioria de esquerda”.
Antes, Inês Sousa Real tinha começado o debate com Luís Montenegro a dizer que a AD tinha parceiros que eram contra as mulheres e a favor da violência doméstica, numa alusão a Gonçalo da Câmara Pereira do PPM. O líder da Aliança Democrática viu-se obrigado não só a condenar essas declarações, como a afirmar que não dará tréguas ao combate à violência doméstica e a garantir que tem no programa várias medidas em defesa da igualdade. Depois foi Montenegro quem usou a aliança do PAN com o PS contra a porta-voz do Pessoas-Animais-Natureza, dizendo-lhe mesmo que “aparece aqui com uma ladainha contra a AD que não corresponde à verdade, talvez por que o secretário-geral do PS fez uma apelo voto ao útil”.
Esta segunda-feira há um único frente-a-frente, que promete. É às 21h00, na RTP, e opõe Luís Montenegro a André Ventura, com o tema do apoio ao governo minoritário da AD nos Açores, e também o “não é não” para o continente, sobre a mesa. Pode ver o calendário completo de todos os debates neste gráfico.
Quem ganhou cada um dos debates? Ao longo destes dias, um painel de avaliadores do Observador vai dar nota de 1 a 10 a cada um dos candidatos por cada um dos frente-a-frente. E explicar porquê. A soma vai surgindo a cada dia, no gráfico inicial.
Mariana Mortágua (Bloco)-Paulo Raimundo (PCP)
Ana Sanlez — Chamar debate ao que aconteceu entre as 22h00 e as 22h30 na SIC Notícias é capaz de ser exagerado. Os dois parceiros da geringonça tiveram uma conversa pacata, por vezes aborrecida, na qual o adversário principal (também por opção da moderação) nem estava na sala, e foi o PS. Mariana Mortágua precisa de um adversário mais estimulante para estar no seu melhor nestes formatos. E estimulante não é adjetivo que encaixe em Paulo Raimundo. A líder do Bloco de Esquerda esteve, ainda assim, melhor no frente a frente, ao sublinhar as diferenças entre os dois partidos, como a posição sobre a eutanásia e sobre os regimes de países como China e Angola. Paulo Raimundo não escorregou na casca de banana e não se comprometeu com a picardia. Até num tema trazido pelo próprio Paulo Raimundo, a cultura, acabou por ser Mariana Mortágua a dar exemplos de medidas e problemas (chove no museu do Traje!)
Miguel Pinheiro — Em tempos não muito longínquos, o PCP tinha alguma dificuldade em admitir que, apesar do nome, o Bloco de Esquerda era mesmo de esquerda. E via-o como um parceiro pouco fiável nos arranjos com o PS. Neste debate, não: Paulo Raimundo, pelos vistos, está ansioso por “construir” coisas “positivas” com o BE. É a queda de mais um muro à esquerda. De resto, num debate largamente dedicado a falar sobre o voto útil, só faltou convidarem Pedro Nuno Santos a trazer uma cervejinha e uns tremoços para resolverem o assunto à mesma mesa. Até porque seria interessante perceber a reação do líder do PS à forma como Mariana Mortágua traçou, de forma inteligente, uma equivalência entre “voto útil” e “maioria absoluta”.
Pedro Jorge Castro — Mariana Mortágua e Paulo Raimundo reescreveram este domingo à noite a história da Carochinha na política portuguesa. Ambos querem casar com Pedro Nuno Santos, mostrando-se disponíveis para repetir uma moderna relação a três, mas arrasam o noivo antes mesmo da formalização do matrimónio. A líder do BE ganha o lugar de João Ratão principal, por ser muito mais eficaz e cativante a atrair quem se deixou levar pelo papão do voto útil em 2022 (e acordou desiludido por o PS ter afinal uma maioria absoluta). O líder do PCP marcou pontos a lembrar Odete Santos, mas marcará mais se deixar de dizer “questão grossa” (que afinal eram duas: a legislação laboral e os lucros da banca). Devem ter saído do estúdio muito amigos — caso tenham ido beber um copo, Mariana Mortágua bem pode ter-se oferecido para pagar, porque meteu o adversário simpático no bolso, confirmando a tendência das sondagens.
Rui Pedro Antunes — Entre Mortágua e Raimundo não houve debate, mas um dueto. PCP e BE concordam em quase tudo. Mostraram-se ambos disponíveis para uma união com Pedro Nuno Santos, embora a líder do BE queira assinar os papéis (num acordo escrito) e o secretário-geral do PCP fale em “construir uma maioria de esquerda” para pressionar o PS. No dueto de saudosistas da geringonça ficou evidente que Paulo Raimundo é menos afinado, confirmando — ao fim de quatro debates — que não tem jeito para isto, mesmo por comparação com camaradas seus como João Oliveira ou João Ferreira. Na disputa do eleitorado, Mortágua foi politicamente astuta a destacar aquilo que mais tira votos ao PCP: o posicionamento internacional (relativamente à guerra da Ucrânia, mas também a Angola e China) e um conservadorismo em algumas matérias (como a eutanásia). Raimundo ainda tentou — referindo os 17 anos do referendo à IVG — mostrar que o PCP é progressista em algumas áreas, mas Mortágua conseguiu impor a ideia de que é o BE que representa a esquerda moderna. Isso dá-lhe vantagem sobre os jovens e no eleitorado urbano onde disputa, à esquerda, eleitorado com o PCP.
Sara Antunes de Oliveira — Durante 27 minutos e 39 segundos, Paulo Raimundo e Mariana Mortágua nunca se interromperam. Inês Sousa Real ficaria feliz, mas, na verdade, é só um dos sinais de que foi um mau “debate”. Em primeiro lugar porque a coordenadora do Bloco de Esquerda e o secretário-geral do PCP estiveram, afinal, a debater com Pedro Nuno Santos — que, naturalmente, não estava lá. E quando, aos 16 minutos, finalmente falaram sobre o que os distingue, também não sacaram propriamente das armas. E assim, quase sem debate um com o outro, sobrou (e se sobrou!) espaço para repetir propostas. Na verdade, só aí foram realmente muito diferentes: Mariana Mortágua foi, sem dificuldade, muito mais eficaz no tempo de antena; Paulo Raimundo continua incapaz de se expressar de forma clara, segura e, sobretudo, geradora de algum entusiasmo em quem está a ouvir.
Luís Montenegro (AD)-Inês Sousa Real (PAN)
Ana Sanlez — Um debate por vezes confuso dada a quantidade de interrupções dos dois candidatos, sobretudo de Luís Montenegro, que hoje não veio para levar desaforos para casa. E Inês Sousa Real veio para atacar. Isso ficou claro logo no arranque, com a líder do PAN a insurgir-se contra a aliança do PSD com o PPM, que levou Montenegro a admitir, com embaraço, que desconhecia e repudiava as lamentáveis declarações de Gonçalo da Câmara Pereira sobre um caso de violência doméstica. O debate teve pouco de esclarecedor sobre as propostas dos dois partidos para 10 de março. Mas foi dominado pelas questões caras ao PAN (ambiente, animais, direitos das mulheres), o que até poderia dar vantagem a Inês Sousa Real na avaliação final do confronto. No entanto, ficou mal à líder do PAN insinuar que estava a ser silenciada no debate por ser mulher.
Filomena Martins — Ao contrário do que fez contra Pedro Nuno Santos, Inês Sousa Real entrou no debate com Luís Montenegro ao ataque para justificar a decisão de, afinal, já não estar disponível para apoiar um governo da AD. Começou pelo mais fácil, as frases virais de Gonçalo da Câmara Pereira (PPM), para dizer que a AD tem parceiros que são contra as mulheres e defendem a violência doméstica; depois usou o facto de se estar em dia de aniversário do referendo ao aborto para dizer que a AD tem parceiros que votaram contra esse direito feminino; e a seguir pegou na velha questão das touradas para dizer que a AD tem parceiros que são contra os direitos dos animais. O líder do PSD ainda titubeou ao justificar a aliança com o PPM como uma questão histórica da AD (considerando lamentáveis as declarações de Gonçalo da Câmara Pereira), mas depois depressa se recompôs. E a culpa foi de Sousa Real. Sempre que Montenegro a interrompia, ela dizia que a AD queria silenciar as mulheres. Argumento fraquinho, fraquinho, que entregou de bandeja ao adversário. Ele acusou-a de se fazer de vítima, usando a sua condição de mulher. E a agressividade dela foi-se esboroando quando ele a acusou de estar descontextualizada, lhe atirou com leis ambientais e animais aprovadas pelo PSD, as que estão no programa da AD. Mas, sobretudo, quando lhe disse que estava a usar toda uma ladainha em relação à AD por culpa do apelo ao voto útil de que foi vítima no debate com Pedro Nuno Santos.
Miguel Pinheiro — O líder do PSD deixou-se prender aos temas que mais interessam ao PAN — e só no final do debate denunciou aquilo que vê como a cumplicidade de Inês Sousa Real com as más decisões do PS nestes anos. Devia ter sido mais rápido a dar a volta, mas antes teve que lidar com um absurdo: a líder do PAN defendeu que um líder partidário que a interrompa durante um debate de campanha eleitoral está “a atropelar a voz das mulheres” e “a silenciar as mulheres”. Percebe-se a perplexidade no olhar de Luís Montenegro.
Ricardo Conceição — O nível de demagogia de Inês Sousa Real atingiu esta noite um novo pico. A líder do PAN tentou colar Luís Montenegro e a AD ao marialvismo de Gonçalo da Câmara Pereira, o líder do PPM. Sousa Real gravou uma cassete que desbobina numa rotação demasiado acelerada, que nem os espectadores mais atentos conseguem apreender. E jogou a carta da tentativa de silenciamento das mulheres contra o adversário no debate. Luís Montenegro falhou ao não conseguir arrumar de forma peremptória o exercício demagógico da sua oponente. Não sei se ficou abilolado com o ataque, mas perdeu a oportunidade de derrotar sem dó nem piedade os golpes baixos da líder do PAN. E por isso, leva um 6. O presidente do PSD esteve bem no final ao lembrar de forma inequívoca que o PAN não é inodoro no que toca aos blocos políticos e sente-se melhor à esquerda do que à direita.
Sara Antunes de Oliveira —Não, Inês Sousa Real. Quando alguém a interrompe num debate não é sempre porque a Inês é uma mulher. É um debate, não é um tempo de antena, os adversários interrompem-se. E sim, eu bem sei que muitos homens interrompem muitas mulheres só porque são mulheres e eles acham que podem. Mas também sei que, quando isso serve de argumento para tudo, depois já não serve de argumento para nada — mesmo (é essa a grande chatice) quando é verdade. Pior: neste caso, só serviu para destruir um arranque em que a líder do PAN estava a deixar Luís Montenegro em dificuldades a propósito das declarações de Gonçalo da Câmara Pereira, que o líder do PSD devia ter conhecido melhor antes de convidar para a AD e que agora é uma pedra muito chata no sapato (para dizer o mínimo). Sousa Real nunca mais conseguiu o mesmo embalo e Montenegro não voltou a perder o pé.
Pode ver aqui as notas dos debates de segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira e sábado.