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“Temos números assustadores.” Quando o autor de um modelo epidemiológico, que prevê a evolução da pandemia em Portugal, usa este adjetivo para falar dos próximos dias da doença em Portugal, respira-se fundo. São, de facto, assustadores, os valores apresentados por Jorge Mendes, professor da Nova IMS — ainda mais se virmos que as previsões da plataforma Covid-19 Insight, disponíveis no Observador, têm acertado na mouche. Quando falham é por terem uma previsão conservadora, ou seja, por mostrarem um cenário mais otimista do que o real.
Os números? Três mil novos casos por dia já em novembro, sendo expectável que até ao final do ano cheguem aos 6 mil diários. Esta sexta-feira, o país bateu, de novo, o recorde de casos, com 2.608 novos contagiados. Para além disso, o pico da curva só já deve chegar em 2021, com o crescimento diário a ser cada vez mais acelerado. Os internamentos — o indicador que põe em causa a capacidade de resposta do Serviço Nacional de Saúde — poderá atingir em meados de novembro os 2 mil doentes hospitalizados, número nunca antes visto. Idem para os internados em cuidados intensivos, que serão 281, segundo os modelos matemáticos publicados na plataforma que resulta de uma parceria da COTEC Portugal e da Nova Information Management School (IMS).
Terceiro dia acima dos 2 mil casos. Internados superam os mil e há mais 985 recuperados
O valor mais alto de hospitalizações até agora foi registado a 16 de abril, data em que havia 1.302 doentes de Covid-19 nos hospitais, 229 em cuidados intensivos. Nos cuidados intensivos, o pico foi a 7 abril: 271 pacientes, de um total de 1.180, estavam em estado grave ou crítico. Esta sexta-feira, eram 1.015 camas ocupadas nos hospitais, 144 delas por doentes críticos.
As previsões dos modelos matemáticos, avisa, têm um alcance de 30 dias. Os investigadores param a 14 de novembro, mas não porque o futuro daí em frente possa ser como a aproximação a um buraco negro. “Temos a noção de que fazer previsões é um exercício de bruxaria sujeito a um grande erro. À medida que vamos incorporando a informação que temos disponível, se aumentarmos o nosso horizonte de previsão, o erro pode aumentar desmesuradamente, portanto, tentamos ser um bocadinho cautelosos”, explica Jorge Mendes. Ou seja, a partir daí, depende muito do que acontecerá até lá.
Pico da pandemia só deverá acontecer em 2021
“Nós estamos a fazer previsões a 30 dias e temos um número que é realmente assustador. No dia 14 de novembro, estamos a prever acima de 3.000 casos diários, se nada se fizer”, comenta o professor da Nova IMS, frisando que há sempre margem para erro. Depois de três dias consecutivos a superar a barreira dos 2 mil casos diários, e de nesta sexta-feira se passar os 2.500, os valores apresentados não parecem impossíveis. O próprio Jorge Mendes, depois de conhecê-los, assume que a sua previsão, feita ainda com os valores de quinta-feira, passou a ser conservadora e que o valor até poderá ser atingido mais cedo. “É uma previsão, sujeita a algum erro, mas significa que a tendência atual vai continuar a manter-se e o número diário de casos vai continuar a crescer”, explica.
Nas condições atuais, se nenhuma outra medida for tomada, assume que o crescimento irá prolongar-se até aos primeiros meses de 2021 e não descarta a hipótese, questionado pelo Observador, de que se possa chegar aos 5 mil ou 6 mil casos diários ainda este ano. Outro dado acrescenta-se a este: “O crescimento é cada vez mais rápido porque, neste momento, ainda estamos na base da curva e a sua inclinação tem sempre potencial para vir a aumentar à medida que o tempo vai passando. Portanto, estamos agora com crescimento baixo, daqui a 15 dias será muito mais forte.”
Embora diga que não tem como calcular o pico da curva, arrisca que o país só deverá lá chegar em 2021. “Tenho alguma base técnica para afirmar isto, mas misturo com um bocadinho de palpite: tenho sérias dúvidas de que um pico, como aquele que nós tivemos em abril, e que agora será muito superior, seja atingido ainda este ano.”
2.000 internamentos por dia: pressão sobre o SNS vai ser forte
Esta semana, em declarações à SIC Notícias, Ricardo Mexia, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde, argumentava que ter 10 mil casos diários não seria preocupante, desde que fossem de doentes ligeiros ou assintomáticos, ou seja, que não necessitassem de internamento hospitalar. Mas nas previsões do Insight, também os internamentos e doentes graves crescem. E muito.
“Teremos um ritmo de internamentos a crescer a um ritmo [também] assustador. Não sei exatamente quais são os limites que o SNS tem agora, serão com certeza superiores aos que tínhamos em abril e maio, mas a continuar assim, esses limites, independentemente do valor que tenham, serão atingidos muito rapidamente”, acredita Jorge Mendes. A informação que tinha, em abril, era de um limite de cerca de 1.500 lugares em enfermaria e 300 em cuidados intensivos, recorda, sendo que na altura existiam hospitais de campanha montados. “Penso que agora esses valores estarão bastante mais acima. Ao ritmo de crescimento atual, algures em meados de novembro, estaremos com mais de 2.000 doentes internados, são as nossas previsões”, diz, assumindo que há potencial para os valores continuaram a crescer durante todo o inverno.
Em cuidados intensivos, a previsão aponta para 281 doentes. Como o rácio entre cuidados intensivos e em internamento em enfermaria tem-se mantido relativamente constante, o professor diz ser fácil prever o que vai acontecer. Aumentar de forma exponencial é possível? “Só se houver algum evento extraordinário como a entrada do vírus em centros de dia ou em prisões. Isso pode fazer disparar um bocadinho os números”, explica.
Para terminar, as mortes — que esta sexta-feira estavam nas 2.149 — continuarão também a aumentar, segundo os modelos epidemiológicos, e a 14 de novembro, a previsão é de um acumulado de 2.663, ou seja, mais 514 mortos num espaço inferior a um mês.
Uso universal de máscara teria efeito “brutal” ao fim de um mês
Já fora do âmbito da parceria com a Cotec, a Nova IMS também estudou o impacto previsível do uso universal de máscara no número de novos casos e concluiu que teria um efeito semelhante a uma redução de 60% dos contactos, algo que foi comprovado por estudos de colegas europeus e norte-americanos, diz Jorge Mendes. Ou seja, é a ferramenta mais semelhante a um confinamento, argumenta o professor da Nova IMS.
Esse dado fica à margem da plataforma Covid-19 Insight, mas permitiu à Nova IMS prever como seria a curva da evolução da pandemia se toda a população andasse sempre de máscara. “É uma hipótese colocada por nós, em que estamos a considerar apenas 40% da taxa de transmissão que se está a verificar agora. Tem base científica. Há investigação muito recente nessa área feita por colegas quer na Europa quer nos EUA”, detalha o investigador.
Os resultados seriam relativamente rápidos, entre uma a duas semanas. “Diria que seria entre o prazo da doença incubar, cerca de uma semana, mais o tempo que as autoridades demoram a detetar os casos, entre os 3 e os 5 dias. No espaço de duas semanas iríamos começar a ver algum resultado”, esclarece o professor. Mas a grande diferença nos números — e nos boletins dos relatórios de situação, refletidos depois nos gráficos de evolução da pandemia — seriam visíveis em 30 dias. “Face à situação que estamos a viver hoje, a queda seria brutal ao fim de um mês”, argumenta Jorge Mendes.
Nos modelos, foi feita uma simulação com o uso universal de máscara a partir de 1 de setembro. Os efeitos estão à vista: a 14 de novembro, em vez dos 3.305 novos casos por dia previstos, seriam apenas 712. Jorge Mendes destaca também o efeito sobre o número de mortes: “Se olharmos para o comportamento dos casos diários, entre a situação atual e aquela que se verificaria com o uso universal de máscara, estimamos que entre 1 de setembro e 30 de novembro poderiam ser poupadas cerca de 200 vidas.”
Para além destes valores, o número de casos ativos não ultrapassaria os 24 mil, o número de doentes internados seria inferior a 800 e em cuidados intensivos rondaria os 100. Já o número acumulado de mortes nesse período de tempo seria inferior a 340.
A obrigatoriedade de usar máscara mesmo em espaços ao ar livre em Portugal, à semelhança do que já acontece em vários outros países, será discutida no Parlamento a 23 de outubro, caso a data proposta pelo Governo, autor do diploma, seja aceite. Os especialistas da Nova IMS entendem que poderia ser um travão que poderia mudar o curso da pandemia.
Até porque, na opinião pessoal do professor Jorge Mendes, as medidas que vão ser tomadas e foram anunciadas quinta-feira por António Costa “são paliativos que têm um efeito marginal” ou mesmo nulo. “Algumas, no limite, até acho que podem ter efeito contrário. Se reduzimos horários, isso significa que as pessoas se vão concentrar mais em determinados horas em locais públicos.”
[Artigo corrigido a 20 de outubro com a indicação de que o estudo relativo ao impacto do uso universal de máscara vincula apenas os especialistas da Nova IMS e não a COTEC Portugal.]