Augusto Santos Silva recebeu o Observador na Alfândega do Porto na mesma sala que serve de sala de apoio a António Costa e a pouco mais de uma hora antes do início da Cimeira Social. Se o mote era a Europa e a entrevista devia ter durado vinte minutos, estendeu-se para o dobro e o ministro dos Negócios Estrangeiros não fugiu da política nacional. Nem do caso Sócrates. Diz não ser bruxo para adivinhar se António Costa poderá ser um dia presidente do Conselho Europeu, diz que a posição portuguesa sobre o levantamento das patentes será a de Bruxelas e disse acreditar que o atual Governo chega a 2023. Já se ele próprio chegará, só Costa sabe.
De gravata da presidência portuguesa da UE — um dos brindes dos polémicos ajustes diretos — Augusto Santos Silva relativizou o caso e — qual vendedor — pegou durante a entrevista noutros brindes (um lápis, um bloco e um chocolate da Arcádia) ao mesmo tempo que desvalorizava a polémica.
Santos Silva desvalorizou também o recente conflito Rio-Costa, ao dizer, que tal como ele, o primeiro-ministro e o líder da oposição “não são vidrinhos de cheiro”. Logo, não levam a mal expressões mais duras. Apesar de não dizer se tem vontade de “malhar” no Chega, o chefe da diplomacia portuguesa disse que jamais participaria no evento do Movimento Europa e Liberdade, já que tem um novo objetivo: “Normalizar o Chega”. “Para esse peditório, não dou”, corta.
[Ouça aqui a entrevista ao Ministro dos Negócios Estrangeiros]
Augusto Santos Silva: “Rio e Costa não são vidrinhos de cheiro”
Os dois eventos apontados como pontos altos da presidência portuguesa são esta cimeira social e depois o encontro com a Índia. Esta cimeira não terá a Chanceler alemã presencialmente e o líder dos ‘frugais’ e a cimeira com a Índia passou a reunião informal. De alguma forma enfraquece a presidência portuguesa?
Passando as questões da terminologia, as cimeiras informais são também chamadas reuniões de líderes. A cimeira com a Índia realiza-se amanhã [sábado], portanto é falso que tenha sido adiada. Estava era prevista uma cimeira bilateral, aproveitando a presença do primeiro-ministro, Narendra Modi em Portugal e essa sim foi adiada. Mas realiza-se na mesma a cimeira UE/Índia, com participação por videoconferência.
Uma cimeira sem Modi não é o mesmo que estar no Vaticano sem o Papa?
Não, a reunião realiza-se com a presença de pessoas que podem estar aqui no Porto porque testaram negativo e em que os países estão a lidar com sucesso com a pandemia. Participam por via remota as pessoas que não podem estar presencialmente. Angela Merkel participa na cimeira, no jantar e amanhã no Conselho Europeu informal e também na cimeira com a Índia, mas por videoconferência, por ter uma situação pandémica mais complicada. Apesar das condicionantes, a cimeira vai produzir uma importante declaração política, a declaração do Porto, e a Chanceler vai participar em todas essas discussões.
E o que é que se prevê que seja essa grande declaração política?
Será uma declaração muito forte sobre a necessidade de reforçar o modelo social europeu e a natureza social da economia de mercado que existe na Europa e reforçar a componente social da recuperação económica, que não pode ser apenas liderada pela transição digital e verde mas também pela dimensão social. Em segundo lugar, os líderes europeus darão um impulso político ao Conselho no sentido de concretizar o plano de ação apresentado pela Comissão Europeia. Portanto, este Conselho Europeu no Porto significará a passagem da fase da declaração para a fase da ação, que é aliás o mote da presidência portuguesa: tempo de agir. Em terceiro lugar, os parceiros sociais europeus e as instituições da Europa associam-se para este plano de ação e finalmente, os líderes europeus também vão ser muito claros sobre a importância deste plano e sobre como medimos a evolução europeia — para além do PIB, do défice e outros indicadores — vão ter que ser incluídos também indicadores sociais.
Há três metas até 2030: 78% de pessoas entre os 20 e os 64 anos terem emprego; 60% dos adultos terem formação anual; e tirar 15 milhões de pessoas da pobreza. Uma Miss Mundo podia também desejar isto. De onde é que vêm estes dados?
Uma Miss Mundo talvez o pudesse dizer, mas não podia realizar. A Comissão Europeia — que é o nosso braço executivo –, realiza os estudos e aponta o que se pode definir como metas que permitam ir mais longe mas também que sejam exequíveis. A ideia é serem utilizadas como metas e não apenas como palavras que o vento leva. Estou convencido que Portugal pode não só cumprir como ultrapassar estes indicadores: 78% de taxa de emprego e em Portugal andará nos 74/75%, para outros países vai significar um esforço maior. Agora, nós funcionamos por metas porque as políticas sociais, ao contrário da política comercial que é Europeia, são dos Estados-membros. Nós não podemos dizer a um país que caminho é que vai fazer, por isso é que utilizamos este método de coordenação aberta, de vincular os países a metas e depois cada um escolhe os caminhos e os ritmos de forma soberana. Mas essa vinculação às metas existe. Não são vinculativas juridicamente? Naturalmente. Então se existir uma crise profunda e no fim do dia não conseguimos chegar aos 78%, estamos nos 77,4%, devemos ir a tribunal por isso? Não, mas são metas vinculativas politicamente, tais como as da Agenda de Lisboa. Sobre isto deixe-me contar a minha experiência até é um bocadinho humilhante do ponto de vista pessoal. Quando definimos a agenda de Lisboa com António Guterres a primeiro-ministro, definimos a taxa de abandono escolar para chegar aos 10%. Portugal conseguiu, mas quando a meta foi definida, essa taxa — que é humilhante para mim porque era eu o ministro da Educação –, estava nos 40%. Mas este esforço, visão e consciência foi muito importante.
Fala-se muito das insuficiências europeias por causa das vacinas. A União Europeia falhou aos cidadãos? E neste seguimento como é que olha para a posição dos Estados Unidos da América que se mostram favoráveis ao levantamento de patentes?
Tenho uma visão diferente. O processo de vacinação na União Europeia tem sido um processo bem conduzido, com resultados e foi uma decisão importantíssima por parte dos estados-membros. Imagine o processo de vacinação em Portugal, na Áustria, em Itália ou na Grécia se tivesse sido cada um por si. Imagine que a Alemanha ou a França tratariam de comprar as vacinas que entendessem. A decisão tomada pela União Europeia de conduzir um processo de vacinação com a compra de várias vacinas em nome de todos nós e a distribuição, não em função do PIB per capita, não em função das capacidade financeiras, mas sim com o critério da dimensão da população, foi uma decisão que honra a União Europeia. Tivemos um percalço que foi o falhanço da Astrazeneca nas obrigações contratuais, mas termos feito várias aquisições permitiu-nos ir compensando esse falhanço, esse sobressalto.
E na questão do levantamento das patentes essa união pende mais para o lado da Alemanha, que é contra, ou dos Estados Unidos da América, que é a favor?
O Governo português, como explicou a Ministra da Presidência, vale-se do processo de concertação a nível europeu. Temos várias opiniões que se têm exprimido. Ficaria muito surpreendido se os líderes europeus não aproveitassem o jantar de hoje para discutir entre eles, livremente, essas várias opiniões e depois fazemos o que sempre fizemos: encontramos um posicionamento comum. Faço minhas as palavras da Comissão Europeia: a possibilidade de levantamento temporário da propriedade intelectual está prevista nas regras internacionais, mas é uma possibilidade de ultimo recurso. A propriedade intelectual é um dos grandes incentivos à inovação e à descoberta. Temos que proteger quem inova. Agora, em circunstâncias excecionais podemos ter que usar todos os instrumentos ao nosso dispor e esse é um deles. Há uma discussão na Organização Mundial do Comércio em que a Europa participa e o que diz é que há vários passos a dar pelo caminho: aumentar a capacidade produtiva — o problema não é das patentes é na falta de capacidade produtiva a nível mundial –, quem tem a capacidade de produzir — e a Europa tem –, deve colocá-la à disposição de todos. Nós produzimos na Europa 500 milhões de doses, 200 milhões foram exportadas e 300 milhões foram para o mercado interno. Sabe quais são os números nos Estados Unidos? Zero. Nós estamos disponíveis para discutir, mas com o que podemos todos fazer já.
Ainda sobre a Presidência Portuguesa da União Europeia. A nomeação do procurador europeu e dos ajustes diretos de alguma forma ajudou a danificar a imagem da presidência ou continua imaculada?
Imaculada só a Imaculada Conceição. Quanto ao resto depende do ponto de vista. Quem gosta de encontrar percalços, problemas, pontas por onde se pegue, deve estar desiludido porque não há mais do que coisas anedóticas. Quem olha para isto sabendo que a presidência é um momento importante para um país, concentra-se nos resultados que o país consegue e quem olha com um ar distanciado pode ter uma avaliação equilibrada dos resultados. Devem compreender que estamos sentados numa sala para a qual foi necessário comprar mobiliário, melhorar as capacidades logísticas para que possam estar ai com os vossos computadores, instalar mais ecrãs do que os necessários para um encontro presencial, fazer uma limpeza. Como não vivemos num regime de exploração e esclavagista, tudo isto custa dinheiro, mas também dá emprego e gera atividade. Algumas posições sobre gastos supérfluos da presidência só podem vir de pessoas que nunca organizaram nada na vida. Se tivessem organizado sabiam que, por exemplo, quando se esperam 24 lideres europeus é preciso ter automóveis, motoristas, equipas de segurança, shuttles para organizar as viagens entre um ponto e outro. As pessoas que as conduzem têm que estar uniformizadas, não podem estar de sapatilhas e de calças de ganga e é também de bom tom, praticado universalmente, que as pessoas que nos visitam tenham um brinde, um chocolate de uma empresa portuguesa, um bloco, uns lápis. Com toda a franqueza não vejo o problema. O Politico [jornal norte-americano], nesse artigo infeliz, chamou presidência fantasma à presidência portuguesa e eu pergunto apenas se é essa presidência fantasma que consegue aprovar a primeira lei europeia do clima, aprovar o acordo de cooperação e comércio com o Reino Unido, se consegue concluir acordos sobre todos os programas que constituem o orçamento plurianual (Erasmus, entre outros). Podia dizer mais, mas vejo que estão um pouco enfadados
Não, mas precisamos de ir a mais assuntos no tempo limitado que dispomos.
Eu respondo. Eu gosto de responder às perguntas.
Vamos então ao caso do procurador europeu.
Portugal é um país que foi muito claro nisto: tendo havido uma divergência de avaliação entre um painel de peritos europeu e uma decisão tomada pelas autoridades competentes portuguesas, conselhos de magistratura, que são totalmente independentes do Governo, segundo a lei portuguesa, o Governo português não hesitou em preferir esta segunda avaliação: de autoridades portuguesas, que têm autonomia constitucional, segundo uma lei que a Assembleia da República aprovou.
Há uma outra questão que é a do Sofagate, e tentou em entrevista à EFE desvalorizar a questão. Também disse que um português se levantaria por questões culturais. Não teme de alguma forma ser acusado de machismo ao dizer que se levanta por ser uma mulher?
Não. Valha-me deus. Levanto-me quando uma senhora está em pé.
Se fosse um senhor era igual, portanto?
Eu levanto-me quando uma senhora está em pé por respeito. E, aliás, devo dizer que me levanto também quando um homem está em pé. Isto é: a possibilidade de me porem num sítio, estamos três pessoas, há duas cadeiras e eu desconheço que há ali uma questão, eu digo que instintivamente é isso que um português faz. Agora, não queria desvalorizar, queria apenas dizer que esse episódio foi muito infeliz, mas está ultrapassado. Sabe o que o Mandela dizia? “Eu nunca tenho derrotas. Ou ganho, ou aprendo”. Nos erros é a mesma coisa. Quando a gente faz erros, aprende.
Diz que um português nesse lugar não cometeria esse erro…
…digo isto como sociólogo, que como sabe os sociólogos estudam comportamentos e eu tenderia a dizer. Se eu não o fizesse seria alvo de uma crítica social bastante acesa em Portugal.
Mas queria aproveitar estar a falar de como se comportaria um português nesse cargo, para lhe perguntar se vê no futuro, um português como o primeiro-ministro a ocupar esse cargo?
O primeiro-ministro duvido. Mas, o então primeiro-ministro Durão Barroso foi escolhido para presidente da Comissão Europeia e deve recordar-se que foi escolhido numa altura em que a maioria parlamentar em Portugal era de direita. Depois houve uma maioria parlamentar de esquerda e o Governo de esquerda, o Governo de José Sócrates, renovou a nomeação de José Manuel Durão Barroso para que pudesse continuar como presidente da Comissão Europeia. Nós, felizmente em Portugal sabemos distinguir bem o que é a nossa política interna da…
Mas não vê António Costa com capacidades para ocupar este cargo no futuro?
Não sei. Tem de lhe perguntar a ele. E o futuro é melhor perguntar aos bruxos e aos profetas. Eu não sou bruxo nem sou profeta, portanto. Aliás, a minha formação básica é em história, sei falar mais do passado.
Conhece-o há muitos anos. Não lhe vê características para isso?
Sei onde quer chegar, mas não estou interessado em jogar esse jogo consigo.
Então vamos tentar outro. O fim da presidência portuguesa marca um fim de um ciclo e acabará a fase mais agressiva da pandemia. É indiscutivelmente um fim de um ciclo…
…para utilizar uma expressão laica, deus o oiça.
…é dos ministros que está há mais tempo e que tem mais experiência governativa.
Vai-me perguntar se sou remodelado?
Adivinhou. É isso que vou perguntar?
E eu vou-lhe responder que isso tem de perguntar ao primeiro-ministro porque a composição do Governo é competência exclusiva do primeiro-ministro. Mas pode reformular a pergunta e dizer: ‘Diz-se por aí que o senhor tem um pacto com o primeiro-ministro segundo o qual faria a presidência e depois seria libertado’. O que eu tenho de dizer e digo nestas circunstâncias é que essa notícia é falsa. Primeiro, não sou de pactos, segundo não preciso de fazer pactos com amigos tão próximos como faz a honra de me considerar o primeiro-ministro e depois porque isso pura e simplesmente é falso.
Esteja dentro ou fora do Governo acredita que o executivo cumpre o mandato até 2023.
Se estou dentro ou fora, não depende de mim. Se este Governo chega a 2023, mais uma vez eu diria que sim. Diria que é do interesse do país que chegue. Mas, agora, como este é um governo minoritário isso depende de uma circunstância. Creio que essa circunstância não ocorrerá porque este Governo só pode ser derrubado pelo Parlamento e só pode ser derrubado pelo Parlamento se houver uma votação convergente de todas as forças à direita do PS e de todas as forças à esquerda do PS. Nós já vimos em 2011 o que é acontece nesses casos. E, portanto, mais uma vez estou como o Mandela: ou ganhamos ou aprendemos.
Aquilo que chamava há dias no podcast do PS de “convergência tática ocasional” não se pode transformar numa aliança ao estilo PEC IV que deite o Governo abaixo?
Claro. Em todos os jogos, sejam eles jogos de cartas ou jogos afetivos, nós sabemos que em certos momentos o que nós consideramos primário, outros consideram secundário e em certos momentos deixamo-nos enlear tanto pelo jogo que nos esquecemos das suas consequências. Já houve, aliás, riscos desses no passado recente. Felizmente, conseguiram ser superados e, mais uma vez, espero que todos tenhamos aprendido. Agora, o que eu quis dizer é muito simples: quando eu digo que espero que não haja essa aliança negativa da direita e da esquerda à esquerda do PS para forçar o derrube do Governo pontual, isso não significa da minha parte que tenha intenção de interditar as votações. Evidentemente que todos nós fazemos opções e todos nós sabemos quais são as consequências. Agora, com toda a franqueza, embora perceba um certo elemento da cultura jornalística, que aliás é um pouco parecida à cultura de um cientista profissional, de tentar encontrar sempre o que é disruptivo, não vejo em Portugal nenhum clima, nem político, nem económico, nem sequer um comportamento, quer dos parceiros parlamentares quer da oposição que indicie qualquer crise. Acho que todos estão apostados muito agora nas eleições autárquicas.
Tentando essa ponta, queria perguntar se as autárquicas podem baralhar aquilo que tem sido a relação daquele que tem sido um parceiro privilegiado nesta legislatura que é o PCP.
Não creio. Como sabe, há três grandes partidos autárquicos, digamos assim, em Portugal. O Partido Socialista, que é aliás, o único que tem uma penetração nacional, o PSD, que tem uma muito importante implantação autárquica e o PCP que tem também uma muito importante implantação autárquica. Há um partido que tem reduzido o número de câmaras municipais, que é o CDS e outro que é o Bloco de Esquerda, que tem implantação sobretudo a nível de órgãos não executivos, ou vereadores da oposições ou membros de assembleias municipais. E, com toda a franqueza, eu não espero grande alteração na relação de forças nas próximas eleições autárquicas. Agora, as eleições autárquicas não são eleições nacionais. Aliás, como também sou professor de Ciência Política na Faculdade de Economia, tenho obrigação…
Mas fez parte de um Governo que caiu na sequência de umas autárquicas.
Não. Conhece aquela expressão inglesa que é o trigger, o gatilho. A razão de fundo era que vivíamos uma situação de impasse a nível parlamentar, o PS tinha 115 deputados e a oposição tinha outros 115, que eram todos os partidos, porque nesse caso todos os partidos faziam oposição e isso significou que a possibilidade de ter políticas orçamentais autónomas do PS. E basicamente foi isso. Agora, as eleições autárquicas, como estava a dizer na minha condição de professor de ciência política, são consideradas eleições de segunda ordem, quer dizer eleições que tipicamente penalizam os governos em funções, mas eu nem sequer estou à espera disso.
Se fosse preciso um Governo, com toda esta resiliência, governava em duodécimos. Ou não conseguir aprovar um orçamento faria cair o Governo?
Seria muito estranho para não dizer insensato da minha parte, com a experiência que tenho, pôr sequer essa hipótese numa altura em que nós começamos a preparar as condições para que o Orçamento de 2022 seja aprovado. Um treinador de futebol não começa um campeonato a dizer: ‘Eu posso não ganhar’.
O PSD tem sido parceiro do PS em muitas circunstâncias. No Parlamento, em questões mais estruturais essa convergência existe. O primeiro-ministro não exagerou no tom quando falou de Rui Rio? Esta relação entre Rio e Costa não pode ser prejudicial para esses eventuais acordos de regime?
Julgo conhecer bem as pessoas em causa. Portanto, nem eu, nem o dr. António Costa, nem o dr. Rui Rio, que também é um portuense, somos vidrinhos de cheiro. Todos os três gostamos de expressões que as pessoas compreendam. Portanto, é natural que neste ou naquele momento haja expressões mais vivas de parte a parte. E também é natural que estando a quatro meses de eleições as várias forças políticas sinalizem aquilo que as divide, mais do que aquilo que as une.
Gosta dessas expressões e já justificou várias vezes em entrevistas a expressão do “malhar” na direita.
O meu ponto é: a Língua Portuguesa tem expressões. E as expressões têm o sentido literal e o sentido figurado. Se for a um dicionário de Língua Portuguesa ver o malhar no sentido figurado quer dizer zombar, troçar. Quando, por exemplo, o Bloco de Esquerda fez uma campanha noutro ciclo, em que fez uma campanha a dizer: ‘Vota BE, vota em quem lhes bate forte’ e até tinha uma pá de padeiro, daquelas coisas tipo padeira de Aljubarrota, ninguém achou que o Bloco de Esquerda estava a ameaçar bater nas pessoas. São expressões que usamos.
É um diplomata, no sentido figurado, mas não lhe apetece às vezes malhar no Chega?
Sabe que eu tenho sempre uma muito boa relação com os meus colegas britânicos porque eu adoro o humor britânico. Eu sei que é pouco compreendido em Portugal. Aliás, a ironia é pouco compreendida em Portugal. Lembro-me sempre do que aconteceu ao Eduardo Lourenço, que logo em 1974 publicou um livro chamado O fascismo nunca existiu e ninguém conseguiu perceber. Foi criticadíssimo. E ele disse: ‘Eu estava a ser irónico. Mas as pessoas não compreendem a ironia?’ Com essa ressalva, que eu adoro usar o humor britânico, sabe que eu acho sempre o primeiro-ministro me mandou para os Negócios Estrangeiros exatamente para evitar duas coisas: primeiro que eu falasse muito sobre política interna; segundo que usasse uma linguagem chã, ou como se disse aqui no Porto falando francês, o franc-parlé, que caracteriza tão bem um portuense.
Tem havido aí uma polémica por um deputado do PS, com quem lidou muito porque foi presidente do comissão de Negócios Estrangeiros, participar na convenção das direitas. Se o convidassem para orador do Movimento Europa e Liberdade (MEL), participaria?
É uma condicional muito estranha, portanto vamos fazer um exercício de grande abstração porque imagino que não seria convidado. Mas evidentemente que, se me endereçassem esse dislate, a minha resposta era muito simples: Não, com vários pontos de exclamação à frente.
Não iria ao MEL, mas com a Hungria não tem problemas em conversar.
Como ministro dos Negócios Estrangeiros falo com muita gente. Aliás, recordo que Portugal tem relações diplomáticas com todos os países no mundo menos dois: a Síria e a Coreia do Norte. E, portanto, eu falo regularmente com o meu colega venezuelano e isso não quer dizer que tenhamos a mesma opinião sobre todas as coisas. Costuma ser até ao contrário. Não falo apenas com a minha colega espanhola, de quem sou amigo pessoal ou o meu colega francês, que trato por tu, ou o colega alemão, com quem tenho uma convergência praticamente total. Falo também com muitos outros países. Agora, não participaria numa atividade de um movimento que tinha dois objetivos, federar a direita e tentar criar uma alternativa ao PS, e passou a ter um terceiro objetivo, que é normalizar o Chega, e eu para esse peditório não dou.
Fazia parte do chamado grupo dos Silvas.
Augusto Santos Silva, José António Vieira da Silva e Pedro Silva Pereira.
Exatamente.
Bem, estava a ver que demoravam muito tempo a chegar a esse ponto.
Fazia parte do grupo de confiança ou pelo menos dos ministros mais próximos de José Sócrates…
Não, não. Não era um grupo de confiança. Fazia parte do núcleo de coordenação política dos dois governos de José Sócrates, quer enquanto ministro dos Assuntos Parlamentares, quer enquanto ministro da Defesa Nacional. Como sabe, todos os governos têm esse grupo de coordenação política semanal e eu fiz parte dele.
Sem dúvida. Mas o que lhe perguntava era uma questão que agora surge a muita gente: se não suspeitava de nada?
Indo direto ao que quer. Devo dizer que nessas circunstâncias nunca me dei conta que existisse outro Silva, ainda por cima Santos Silva. Mais uma vez, vejam o parolo que eu sou. Nunca ouvi falar dessa pessoa depois de sair do Governo nem nunca tinha sabido da sua existência.
Foi injusto, então, José Sócrates quando acusou o PS de estar a julgá-lo antes do tempo?
O PS, aliás, costuma ser acusado de fazer o contrário: de não julgar. E faz muito bem o PS. Quem julga são os tribunais. Há aqui uma componente ética, uma componente política e uma componente penal. Em relação à componente ética, não tenho nenhuma pretensão de dar lições de moral seja a quem for, o que digo sempre nestas circunstâncias é muito simples. Em 2002, quando saí do Governo fui eleito deputado, em 2011, quando saí do Governo voltei ao meu lugar de professor na Faculdade de Economia do Porto e agora quando sair do Governo voltarei ao lugar de professor na Faculdade de Economia do Porto. É assim porque tenho uma profissão, é assim que vejo as coisas e julgo que enquanto ex-membro do Governo tenho responsabilidades próprias. Do ponto de vista político, as coisas estão claras: quer o engenheiro Sócrates, quer António Costa foram muito claros em 2014 dizerem exatamente a mesma coisa, que este não era um processo em que o Partido Socialista fosse parte. O engenheiro Sócrates informou que tinha deixado de ter condições para ser membro do PS. O PS respeita o contributo, muito grande, aliás, do engenheiro Sócrates para a sua vida. E, por isso, se for ao Rato está lá a sua fotografia, etc.. Quanto à questão penal, durante muito tempo, demasiado tempo, na minha opinião, nem sequer conhecíamos a acusação. Agora conhecemos a acusação, a decisão instrutória e portanto precisamos todos de ver as duas partes (acusação e defesa) explicarem os factos, apresentarem as provas e uma instância independente, chamada tribunal, apurar responsabilidades.