(notícia atualizada com a informação de que Norberto Rosa rejeita que terá contactado Rui Rio e Marcelo Rebelo de Sousa.)
Foi “muito, muito tensa” a reunião do Banco de Portugal de 6 de novembro — aquela em que, segundo esclareceu a instituição esta segunda-feira, Carlos Costa acabou a pedir escusa por ter sido um dos administradores da Caixa Geral de Depósitos no período analisado pela auditoria da EY. Uma auditoria que estará prestes a fazer mais duas “vítimas”: um administrador do Banco Finantia e outro do EuroBic.
Fonte conhecedora do processo recordou ao Observador que essa foi a reunião em que se discutiu a avaliação negativa de Norberto Rosa, o banqueiro que, depois de se reformar do Banco de Portugal, tinha sido convidado para a administração do BCP (a seguir à CGD, Norberto Rosa regressou ao Banco de Portugal como consultor do conselho de administração, muito próximo de Carlos Costa).
Foi um caso que dava um filme. Foi o comentador político Luís Marques Mendes a revelar, originalmente, que tinha havido esse convite para que Norberto Rosa fosse presidir a uma comissão de fiscalização da nova administração do Millennium BCP, em que Miguel Maya é CEO. Mas o Banco de Portugal e o BCE, confrontados com as conclusões da auditoria da EY, empataram ao longo de vários meses a aprovação do nome de Norberto Rosa como uma pessoa “fit and proper” para o BCP — essa “luz verde” acabaria por nunca chegar.
Norberto Rosa moveu-se nos bastidores políticos, por todo o arco da governação — terá chegado mesmo a contactar Rui Rio e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa garante uma fonte, embora ao Observador nem a Presidência da República nem o PSD confirmem essa informação. Norberto Rosa, que, contactado pelo Observador, garantiu não ter feito estes contactos, foi secretário de Estado do Orçamento de Manuela Ferreira Leite e de Eduardo Catroga. Esteve na Caixa entre 2004 e 2013, trabalhando com Vítor Martins, Carlos Santos Ferreira, Faria de Oliveira e ainda apanhou o início do mandato de José de Matos.
Mesmo assim, as equipas do Banco de Portugal e do BCE mantiveram-se firmes na sua oposição a que Norberto Rosa recebesse idoneidade. E, com a escusa de Carlos Costa, de quem Norberto Rosa é próximo, essa posição acabou por vencer. Perante isso, Norberto Rosa retirou a candidatura — ou seja, formalmente nunca houve um “chumbo” — e avançou, imediatamente, para um alto cargo na Associação Portuguesa de Bancos (liderada por um seu ex-CEO, Fernando Faria de Oliveira, de cuja administração na CGD Norberto Rosa também havia feito parte).
Norberto Rosa foi, assim, a primeira “vítima” da auditoria da EY, documento que tinha chegado ao Banco de Portugal antes desse verão. Outro ex-gestor, Pedro Cardoso estava na calha para a presidência executiva do Bison Bank, antigo Banif Investimento, mas mudou de planos.
Mais dois nomes em avaliação
Há outros gestores, em atividade na banca nacional, que estão a ver a sua idoneidade reavaliada, com decisão iminente, apurou o Observador: António Vila-Cova, presidente não-executivo do Banco Finantia (antigo administrador da CGD, que baixou a diretor quando Armando Vara e Carlos Santos Ferreira entraram), e José Fernando Maia de Araújo e Silva, hoje no banco EuroBIC, liderado por Fernando Teixeira dos Santos — o ex-ministro das Finanças que levou Carlos Costa da CGD para o Banco Europeu de Investimento (BEI) e depois o propôs para governador do Banco de Portugal.
Carlos Costa esteve na Caixa Geral de Depósitos entre abril de 2004 e setembro de 2006, mas, mesmo depois de ter ido para o BEI, manteve ligações a alguns dos seus ex-colegas administradores — chegou mesmo, como o Correio da Manhã noticiou mais tarde, a comprar um monte no Alentejo a Armando Vara, perto de Montemor-o-Novo. Esse negócio foi feito em 2007, a notícia saiu em 2011 — Carlos Costa pagou 250 mil euros pela Herdade do Cortiço, um imóvel que Armando Vara tinha comprado e reabilitado ainda nos tempos de secretário de Estado da Administração Interna.
No momento do negócio, sublinhe-se, Armando Vara ainda não tinha sido alvo de qualquer acusação judicial. O atual presidente da Caixa Geral de Depósitos, Paulo Macedo, defendeu no parlamento que ter sido gestor da Caixa não deve ser lido, automaticamente, como “cadastro”. Houve “más práticas”, “designadamente quando as vemos à luz de hoje”, mas há que apurar os factos com cuidado — “tentar que qualquer pessoa que tenha passado pela Caixa seja automaticamente culpado ou tenha cadastro, isso não é aceitável”.
Paulo Macedo defenderá o mesmo tipo de raciocínio no que diz respeito ao BCP, onde alguns padrões se alastraram (do banco público para o BCP) quando Carlos Santos Ferreira e Armando Vara se transferiram para o banco privado. Paulo Macedo também integrou esse conselho de administração, com Santos Ferreira e Vara, como, aliás, também António Ramalho, que hoje lidera o Novo Banco.
Como confirmou Paulo Macedo, tanto na apresentação de resultados anuais como na audição parlamentar da última quinta-feira, a Caixa está a avaliar a atuação dos ex-gestores, para apurar até que ponto cada um deles terá responsabilidades que sirvam de base a que a Caixa possa vir a ser ressarcida de algumas das perdas. Estará, portanto, também a avaliar os atos de gestão do principal responsável nacional pela sua supervisão: Carlos Costa. O governador, no entanto, está imune à verificação de idoneidade que está a decorrer dentro do Banco de Portugal, como noticiou o Jornal Económico na última sexta-feira.
Carlos Costa não será avaliado pelo Banco de Portugal sobre o seu papel como ex-gestor da Caixa
O presidente da Caixa confirmou, também, a contratação dos advogados da Vieira de Almeida — uma firma que, de resto, tem contrato de assessoria jurídica com o Banco de Portugal — mas terá de contratar uma segunda e, também, uma terceira firma de advogados por causa de incompatibilidades dos juristas.
O que fez (e não fez) Carlos Costa sobre a auditoria à CGD?
A reunião de 6 de novembro levanta muito mais questões do que apenas o futuro de Norberto Rosa. As respostas as estas questões podem ser essenciais para perceber a forma como o Banco de Portugal encarou toda a questão da auditoria da EY à Caixa Geral.
Começando pelo início. A intenção de abrir uma auditoria aos atos de gestão da CGD (entre 2000 e 2015) foi anunciada pelo Governo a 23 de junho de 2016 no comunicado que se seguiu ao Conselho de Ministros desse dia. O requerimento das Finanças que ordena à administração da CGD que faça a auditoria foi concretizado apenas a 13 de março de 2017, com Paulo Macedo há pouco mais de um mês em funções.
Auditar a Caixa “exorbitaria” papel do Banco de Portugal, como disse Centeno?
Hoje, mais de dois anos depois da decisão inicial do Conselho de Ministros, a narrativa de Mário Centeno e também de António Costa é a de que foi preciso chegar este governo para que se fizesse uma auditoria à CGD. Isto num período (2000-2015) em que estiveram em funções sete ministros de várias cores políticas.
O ministro das Finanças até introduziu uma nova questão, sobre o governador do BdP, Carlos Costa, ao discursar perante os deputados no parlamento. Centeno, sem que ninguém lho tivesse perguntado, disse que antes de ordenar a auditoria tinha pedido ao Banco de Portugal que a fizesse, e que o supervisor terá dito que isso “exorbitaria as suas atribuições e competências”.
Mas nem sempre o tom foi este. O comunicado do Conselho de Ministros de 23 de junho de 2016 dava a entender que o Banco de Portugal tinha feito quase tudo bem no que diz respeito à atividade fiscalizadora da CGD e estava a agir porque “membros do Governo anterior, nomeadamente a ex-ministra das Finanças, suscitaram dúvidas sobre a legalidade de atos de gestão praticados até 2015, relativamente aos quais nunca solicitaram informação adicional”.
O governo salienta que quer “que tudo seja definitivamente esclarecido”, mas é exaustivo a descrever os diversos “mecanismos de controlo existentes” à Caixa.
- Diz que “no período compreendido entre 2011-2013, o Banco de Portugal” promoveu a realização “de 4 exercícios transversais de revisão dos níveis de imparidade da carteira de crédito que envolveram os 8 maiores do sistema bancário português, incluindo a CGD”.
- Recorda que, em 2014, “a CGD foi incluída no exercício ‘Comprehensive Assessment‘ promovido pelo Mecanismo Único de Supervisão do BCE (SSM), que incluiu uma revisão da qualidade dos ativos (focada nos níveis de imparidade da carteira de crédito) e um teste de esforço à resiliência do balanço”.
- Sublinha que “a CGD é supervisionada diretamente pelo SSM desde novembro de 2014 e, como tal, quer no período anterior de supervisão direta do Banco de Portugal, quer na vigência deste novo modelo de supervisão, foram efetuadas as ações que sempre se entenderam necessárias do ponto de vista da supervisão, transversalmente a todo o sistema, como acima se referiu, e individualmente a esta instituição.
- Por isso, conclui, que foram “tomadas as medidas adequadas para correção das situações detetadas“.
Ou seja, o governo disse em junho de 2016 que o Banco de Portugal fez e estava a fazer o que devia. E a relação entre o executivo de António Costa e o supervisor nem perfeita por essa altura. Menos de dois meses antes, a 15 de abril de 2016, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças, Ricardo Mourinho Félix, tinha acusado o Banco de Portugal de ter cometido uma “falha de informação grave”. Em causa estava o facto de o BdP ter omitido do Governo a informação de que tinha pedido ao BCE para limitar o financiamento ao Banif.
É nesse contexto que é anunciada a auditoria e não houve o “apontar de dedo” ao BdP por parte do Governo. Essa questão foi levantada apenas em janeiro último, já depois de a ex-deputada do Bloco de Esquerda Joana Amaral Dias ter divulgado uma versão preliminar da auditoria da EY que não só listava os créditos mais ruinosos da Caixa, causadores de perdas superiores a 1.200 milhões de euros, como recordava que Carlos Costa tinha passado pela administração da CGD no período mais crítico de concessão desses créditos (entre 2006 e 2008). Ainda assim, o tom do governo para com Carlos Costa tem sido cauteloso.
Governador pode ser demitido? E o que diria o BCE sobre isso?
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Sob fogo intenso dos partidos nos últimos dias, o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa pode ser exonerado da função, mas apenas se “não cumprir os requisitos ” ou tiver cometido uma “falta grave”.
De acordo com a lei orgânica do Banco de Portugal, “os membros do Conselho de Administração [do Banco de Portugal] são inamovíveis” e só podem “ser exonerados dos seus cargos caso se verifique alguma das circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 14.º dos Estatutos do SEBC/BCE [Sistema Europeu de Bancos Centrais/Banco Central Europeu]”.
Esta legislação europeia refere que “um governador só pode ser demitido das suas funções se deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”. Uma exoneração tem de acontecer por resolução do Conselho de Ministros, por proposta do ministro das Finanças ou por recomendação da Assembleia da República.
No entanto, os estatutos do SEBC/BCE não especificam o que constitui “falta grave”. Também não listam quais são os “requisitos” que um governador de banco central tem de cumprir (para não ser afastado). Como recorda o Expresso, recentemente foi afastado o governador do banco central da Letónia, por suspeitas de ter recebido subornos.
No entanto, o BCE recorreu dessa suspensão, considerando que se trata de uma decisão ilegal. Não há ainda decisão final sobre o caso. Mas o caso do governador do banco da Letónia vem comprovar a dificuldade que o Governo teria em afastar Carlos Costa, mesmo no caso de se juntar à pretensão do Bloco de Esquerda.
Com o PSD a atacar o PS por causa dos créditos concedidos pela Caixa ao tempo do governo de José Sócrates, o PS em modo defensivo a afirmar-se como o único que pediu a auditoria, as questões passaram nos últimos dias dos milhões que a CGD perdeu e ainda se arrisca a perder (e os milhões que os contribuintes deram para a recapitalizar) para Carlos Costa. O que fez e não fez relativamente a este assunto?
Daquilo que se sabe, Carlos Costa recebeu a versão final da auditoria em finais de junho de 2018. Mas o comunicado do BdP da passada segunda-feira dá conta que só em novembro houve a primeira deliberação “no âmbito” dos resultados da auditoria, não obstante os serviços do BdP terem tomado em consideração desde logo as conclusões do documento. Se o governador só pediu escusa dos assuntos da Caixa em novembro, ficam as perguntas: Carlos Costa pegou ou não pegou nas questões relacionadas com a auditoria da CGD entre junho e novembro?
Por outro lado, Carlos Costa salienta no primeiro comunicado de esclarecimento sobre o caso, na passada sexta-feira, que não teve responsabilidades na área de crédito, apenas teve o pelouro das áreas de marketing e internacional. O comunicado do governador surgiu como resposta a uma reportagem da revista Sábado, que dava conta que Carlos Costa participou em pelo menos quatro reuniões do conselho alargado de créditos nas quais foram aprovados empréstimos a devedores que acabaram por resultar em perdas elevadas para o banco público.
Na lógica que consta do comunicado do supervisor, os pelouros sobrepõem-se à participação em reuniões de crédito. Será que é essa a bitola que está a ser aplicada em todas as avaliações de idoneidade?
PSD considera pedido de exoneração de Carlos Costa, pelo BE, “desproporcionado”
Já esta terça-feira, em declarações no Fórum TSF, o deputado socialista João Paulo Correia disse que o PS tem “obviamente suspeitas sobre a conduta [de Carlos Costa] mas temos de aguardar que os inquéritos sejam concluídos e que apontem responsáveis e responsabilidades”. O Bloco de Esquerda já tinha pedido a exoneração do governador e o CDS-PP está também a ponderar. Estão criadas as condições para que Carlos Costa seja um dos responsáveis sob fogo intenso na próxima comissão sobre a Caixa Geral de Depósitos.