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OBSERVADOR

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"O Banco de Portugal não é uma entidade divina"

O ministro do Trabalho acredita que este Governo não vai ter "um caminho no parque", mas que vai saber lidar com os riscos e tensões. Em entrevista ao Observador, mostra-se otimista e surpreendido.

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António Vieira da Silva é um dos ministros mais experientes deste Governo e por isso faz parte do núcleo político do Executivo de António Costa. Cem dias depois da tomada de posse, o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social mostra-se surpreendido pela relação com o PCP e o Bloco de Esquerda e acredita que o Orçamento do Estado vai ser aprovado sem grandes problemas. Diz que o futuro não vai ser um “caminho no parque” nem na “relva” e espera que o PSD ultrapasse o “estado de negação” porque há consensos que precisam de ser feitos. Vieira da Silva vê diferenças entre o PSD e o novo CDS e olha com “expectativa” para o que vai fazer o novo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

“Tem-me surpreendido pela positiva a capacidade de diálogo e de negociação, e de construção comuns”

Que balanço faz destes 100 dias de Governo?
É um balanço positivo. Os objetivos que tinham sido definidos foram, na generalidade, alcançados. E foram-no num quadro que tem vindo a reforçar a sua característica de estabilidade, que é um ponto considerado crítico em qualquer governação e ainda mais num Governo que tem um quadro parlamentar de apoio substancialmente distinto daquilo que tem sido tradicional. Apesar de ter sido um período complexo…

E conturbado também, com questões como a do Banif…
Tem sido um período complexo. E chegar ao fim destes 100 dias com um conjunto de objetivos alcançados e com um Orçamento que, diria, está em vias de ser aprovado, é algo que é extremamente positivo. Assim como também, julgo, o crescente reconhecimento de que esta solução governativa é uma solução viável.

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Como é que vê as relações da “geringonça”? Gosta do termo?
Os termos são o que são. E, por vezes, quem os inventa, quem serve de padrinho, não tem bem a noção do efeito que vai ter. Pessoalmente, acho que foi… Se bem que foi o doutor Paulo Portas que…

"Geringonça" não é um termo que seja, à partida, assim tão pejorativo como se poderia pensar, e para alguns poderá ser uma imagem com alguma simpatia
Vieira da Silva

Foi Vasco Pulido Valente quem o usou pela primeira vez…
Acho que ele cometeu um erro porque “geringonça” não é um termo que seja, à partida, assim tão pejorativo como se poderia pensar, e para alguns poderá ser uma imagem com alguma simpatia. Para além do termo, falando com a mais profunda sinceridade, tem-me surpreendido pela positiva a capacidade de diálogo e de negociação, e de construção comuns. O debate do Orçamento foi surpreendentemente diferente. E isso deve-se, em grande parte, ao novo quadro parlamentar. [É uma solução] mais estável do que aqueles acordos pontuais que suportaram governos de minorias, e diferente de um acordo governativo de maioria.

Não sente que foi só estável nas políticas que implicavam uma reversão do que tinha sido feito? Ou seja… Não sente que esse apoio da esquerda veio muito nessas alturas? Porque foi algo que não aconteceu no Orçamento Retificativo.
Não aconteceu isso no Retificativo… É verdade. Sabemos porquê. Talvez não valha a pena estarmos a aprofundar muito esse ponto.

Por causa, especificamente, do Banif. Não por causa de ser um Retificativo…
Foi o facto em causa, mais do que o instrumento, que levou a essa diferença. A afirmação que fez, que tem fundamento, pega apenas numa parte da realidade. Neste período, houve da parte dos três grupos parlamentares um comportamento que vai para além das medidas de reversão. Foi um comportamento que sustenta, também ele próprio, o Governo. Um conjunto de posições, que sabemos existirem, de propostas de diferentes ideias de natureza política, de perfil tático, de evolução das políticas públicas, não têm sido colocadas em cima da mesa, porque não estão dentro do espaço do acordo. Ou seja, a consistência não se vê apenas naquilo que se aprova em conjunto, mas também naquilo em que não se provocam divergências, em que não se criam divergências, em que não se criam conflitos difíceis de sanar. Acho que há um sentido de responsabilidade.

“Existe um problema” com as dívidas na União Europeia, mas o Governo não colocará essa questão

O debate que o Bloco forçou, agora, da renegociação da dívida, não foi uma traição?
Não considero uma traição. Todos sabem qual é que a posição dos diferentes partidos acerca dessa questão. Todos sabem que todos os partidos que apoiam o Governo têm uma posição crítica relativamente à forma como a União Europeia tem olhado para a questão das dívidas soberanas. Mas também é conhecido e é mais do que percetível, é explícito, o diferente entendimento sobre a possibilidade, ou até a vantagem de colocar esse tema no espaço europeu…

Acha vantajoso aproveitar este momento em que ainda decorre uma negociação? Porque a Comissão Europeia ainda poderá levantar dúvidas sobre o Orçamento.
A natureza deste acordo parlamentar, que permitiu a formação deste Governo da responsabilidade do PS, é conhecida no espaço europeu… As pessoas percebem bem qual é a distinção, qual é a natureza, sabem quem é que está a governar, sabem em que condições está a governar. Não creio que daí advenham problemas significativos.

Ou isto pode passar por uma estratégia do Governo para dizer a Bruxelas que têm ali uns senhores que os apoiam, que batem o pé…
Os problemas que hoje afetam a vida da União Europeia são de tal dimensão que essa é uma questão verdadeiramente menor. Não estou a falar da questão da dívida, estou a falar da especificidade do quadro político português. Sei que alguns ficaram desiludidos com isso. Agora se me perguntarem: “Considero eu que, do ponto de vista das prioridades políticas e das táticas para conseguir ultrapassar as nossas dificuldades, a colocação, por nossa iniciativa, do debate sobre a dívida é adequada?”. Não considero isso.

Em abril, quando for discutido o plano de estabilidade, será altura para novamente se poder falar em renegociação da dívida? Porque é previsível que esses partidos aproveitem…
Poder falar-se, pode-se falar. Poder discutir-se, pode-se discutir.

As posições que saírem, através do Governo e da Assembleia da República, são as posições que não colocarão essa questão como uma questão de momento. Estou eu a dizer que não existe um problema com as dívidas no espaço da União Europeia? Não, existe um problema
Vieira da Silva

Mas o Governo não o fará?
As posições que saírem, através do Governo e da Assembleia da República, são as posições que não colocarão essa questão como uma questão de momento. Estou eu a dizer que não existe um problema com as dívidas no espaço da União Europeia? Não, existe um problema. Todos sabem que existe, não há ninguém que o negue. O que se discute, e há diferentes perspetivas, é a forma de abordar esse problema.

Subscreve as palavras do deputado João Paulo Correia que, quando reagiu — foi a primeira reação do PS à proposta do BE — disse algo que o anterior ministro das Finanças, Vítor Gaspar, também dizia… Que é: “Portugal tem que mostrar boas contas e depois logo falamos”. É isso?
Talvez não fossem essas as palavras que ele usou, cada um usa as palavras…

A ideia é Portugal conseguir criar, no quadro da União Europeia, as melhores condições para ultrapassar as suas limitações ao crescimento, as limitações ao desenvolvimento, e isso, neste momento, não creio que inclua o levantamento de uma questão à escala europeia sobre a reestruturação da dívida

A ideia é cumprir primeiro e ganhar margem de manobra, para mostrar que estamos empenhados nas metas?
A ideia é Portugal conseguir criar, no quadro da União Europeia, as melhores condições para ultrapassar as suas limitações ao crescimento, as limitações ao desenvolvimento e isso, neste momento, não creio que inclua o levantamento de uma questão à escala europeia sobre a reestruturação da dívida. Volto a dizer… Estou a dizer que não há um problema com a dívida? Não, claro que existe. Mas há outras formas de alargar a margem de intervenção do Governo português na criação de condições para o crescimento.

O Governo não foi tão longe quanto gostaria de ir, e isso é visível, por exemplo, no cenário macroeconómico. Em termos de emprego ou em termos de crescimento… O Governo conseguiu afirmar que há uma maneira diferente de governar ou a Comissão Europeia conseguiu impor mais do que aquilo que o Governo gostaria?

Quando numa negociação há uma parte que está plenamente satisfeita quer dizer que não houve negociação. Houve uma imposição. Ninguém pode dizer com boa-fé que, neste caso, houve uma imposição do lado da Comissão Europeia, ou do Eurogrupo, nem da parte do Governo português. Vivemos num mundo um pouco paradoxal porque, das mesmas forças políticas, tanto se ouve dizer que este Governo é um Governo obcecado pela reversão das medidas, como se ouve dizer que está a continuar as políticas anteriores. Estes dois discursos são antagónicos. O que está neste Orçamento — para defender a minha ideia de que está aqui um Orçamento de mudança — é um ritmo mais elevado do que aconteceria com a política da direita, de restituição de salários, de diminuição de impostos, de criação de condições para o aumento do rendimento das famílias… distinto do que era previsto no PEC que o Governo anterior apresentou em 2015. Há aqui um conjunto de aspetos que estão neste Orçamento…

Mas também há outros que não estão, como, por exemplo, a descida da Taxa Social Única para trabalhadores abaixo dos 600 euros.
Bom, mas esse, se estivesse, era mais um aspeto que divergia da política do Governo anterior. Apenas para reafirmar que há caminhos diferentes, não há uma política única, não há uma via obrigatória. Aquela ideia de que não há alternativa e temos que fazer aquilo que está nos livros, não é verdade. Este Governo construiu um Orçamento e um percurso de política económica bem diferente daquilo que estava a ser feito.

Não tenho essa visão de que quanto mais difícil for a situação, nomeadamente externa, mais se reforçam os elementos de coesão. Obviamente, há sempre riscos. Este não é um caminho sem riscos
Vieira da Silva

Os partidos que apoiam o Governo, nomeadamente o Bloco e o PCP, sempre puseram em cima da mesa que o Governo pode estremecer pelas imposições de Bruxelas. Pergunto-lhe se partilha desta visão ou se partilha de uma visão de que quanto mais apertado estiver o Governo mais inevitável se torna o consenso?
Não tenho essa visão de que quanto mais difícil for a situação, nomeadamente externa, mais se reforçam os elementos de coesão. Obviamente, há sempre riscos. Este não é um caminho sem riscos. Também não conheço nenhum que não os tenha. Vivemos quatro anos com uma maioria, supostamente muito sólida, muito consistente, e ela atravessou momentos de viragem, momentos de rutura. Não creio que seja possível que este vá ser um caminho, como dizem alguns, no parque. O caminho sobre relva. Viveremos sempre uma tensão, como sempre viveríamos em qualquer quadro político. Mas uma tensão sobre a forma como as políticas europeias se refletem em Portugal, é uma tensão que vai continuar a existir, que vai colocar desafios sérios ao nosso quadro parlamentar, mas que julgo que não será impeditiva da manutenção desta lógica de ir construindo um alternativa sólida de diferença.

“Os nossos riscos internos parecem geríveis com alguma facilidade face à imensidão de incerteza que nos rodeia”

Ainda relativamente ao retificativo. O PCP e o BE votaram contra este, mas, nos acordos que foram celebrados, o instrumento Orçamento Retificativo não foi contemplado como um instrumento necessário e indispensável para que os quatro partidos envolvidos aparecessem unidos. Se forem precisos novos orçamentos retificativos serão momentos em que o Governo pode cair, por assim dizer?
O Governo pode cair a qualquer momento. A história já demonstrou várias vezes…

Acho que é um erro do ponto de vista da política económica, um Governo celebrar uma plataforma de acordos que inclua a possibilidade de orçamentos retificativos. Os orçamentos retificativos são uma emergência, não são um instrumento normal.

Mas não há garantias nenhumas acrescidas relativamente aos retificativos como há em relação a orçamentos.
As garantias são construídas… Acho que é um erro do ponto de vista da política económica, um Governo celebrar uma plataforma de acordos que inclua a possibilidade de orçamentos retificativos. Os orçamentos retificativos são uma emergência, não são um instrumento normal. Parece que são porque nos últimos anos tivemos bastantes, mas não são.

E não prevê nenhum? Há muita gente que fala agora da possibilidade de virmos a ter um rapidamente.
Eu creio que é mais por causa da embalagem histórica, de termos tido tantos. Porque ninguém faz um Orçamento a pensar que necessitará de um Retificativo. Também há diferentes tipos de Retificativo. O Retificativo que foi necessário aprovar no final do ano anterior tem a ver com uma emergência criada pela situação do Banif e da resolução do Banif que foi obviamente uma situação excecional. Outra coisa são orçamentos retificativos que derivam de um mau cumprimento dos objetivos orçamentais.

Há vários riscos para este ano…
Há riscos em toda a nossa vida. E a nossa vida económica também os tem.

Mas há alguns que estão mais ou menos identificados para este ano. Estamos perante uma crise financeira; temos a questão do Novo Banco. É verdade que o Governo tem até agosto de 2017 para a resolver, mas até que ponto pode influenciar? Há a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, há várias situações financeiras que podem levar…
É certo que há riscos e há muitos outros riscos da conjuntura internacional que eu diria que são muito mais preocupantes do que os do nosso plano interno, que já são difíceis. Temos uma enorme incerteza a nível internacional. Podia citar a desaceleração do crescimento das economias emergentes. O impacto que depois vai ter relativamente a algumas economias que têm uma relação forte connosco, como é o caso de Angola. Há ainda impactos imprevisíveis na Europa por causa do drama dos refugiados. À luz deste quadro, os nossos riscos internos quase que parecem relativamente geríveis com alguma facilidade face à imensidão dos valores de incerteza que nos rodeiam.

À luz deste quadro, os nossos riscos internos quase que parecem relativamente geríveis com alguma facilidade face à imensidão dos valores de incerteza que nos rodeiam

Centrando apenas nesses riscos de que falava, e que já são significativos, também é verdade que vêm quase todos do sistema financeiro. E também foi aí que o Governo atual não teve o apoio dos partidos da esquerda, como aconteceu recentemente com o Banif. Até que ponto é que estes riscos internos podem pôr em causa a estabilidade política do país?
Olho para estes acordos que julgo que estão a ter resultados surpreendentemente positivos…

Mais do que estava à espera? Correu melhor do que pensava?
Julgo que a riqueza do diálogo e da procura de entendimentos em várias áreas é de facto maior do que seria eventualmente de supor. Temos entendimentos diferentes sobre a situação e as necessidades do setor financeiro. Um acordo entre vários partidos não pode ser vistos apenas com essa dimensão. Têm de ser reequilibrados com outras áreas onde há mais proximidade, outras onde há diversidade. Não creio que face à natureza dos problemas…

Nacionalizar o Novo Banco? "Não é essa a prioridade para que aponta a posição que o Governo tem vindo a defender e a assumir face às autoridades da União Europeia. Quando nós falamos de diferentes soluções, temos de avaliá-las sempre no domínio da sua capacidade de concretização: sobre a capacidade de vender o Novo Banco ou da possibilidade de o colocarmos na esfera pública"
Vieira da Silva

Cito-lhe uma entrevista da deputada Mariana Mortágua que disse ao Público que só haveria desentendimentos com o PS se, por exemplo, o Governo decidisse vender o Novo Banco…
Não faço comentários a entrevistas de dirigentes…

Faço-lhe a pergunta de maneira diferente. Concorda com a possibilidade de nacionalização do Novo Banco?
Não é essa a prioridade para que aponta a posição que o Governo tem vindo a defender e a assumir face às autoridades da União Europeia. Quando nós falamos de diferentes soluções, temos de avaliá-las sempre no domínio da sua capacidade de concretização: sobre a capacidade de vender o Novo Banco ou sobre a possibilidade de o colocarmos na esfera pública. Quando essas questões estiverem mais próximas da discussão conclusiva, há outros fatores que têm a ver com o enquadramento das decisões que vão ter um papel muito importante.

Ou seja, as circunstâncias podem vir a mudar até acordos e apoios?
A incerteza do momento que vivemos infelizmente é tão grande que pode dar muita coisa. Estou pessoalmente mais interessado na reafirmação do que me parece essencial para o futuro do país, que é um caminho de estabilidade. O país tem de reparar algumas fraturas que foram produzidas em excesso e ao mesmo tempo que o está a fazer tem de preparar um caminho de futuro onde sejam mais valorizadas não as divergências, não medidas de curto prazo, mas alterações no sentido de mudar a estrutura dos nossos problemas. Julgo que introduzir no debate fatores de maior instabilidade neste momento não é algo que me pareça vantajoso.

“É inevitável” que os acordos sejam enriquecidos

Há pouco tempo fizemos um levantamento de quais as medidas que já tinham sido cumpridas à luz do que se conhece do OE para este ano e verificámos que 60% das medidas seriam cumpridas agora. Ou seja, ficariam 40% das medidas para distribuir pelos próximos três anos. Isso é programa para assegurar três anos de Governo. Este acordo vai ser enriquecido?

Isso é inevitável. A própria vida nos irá impor outras questões. Aliás, o próprio acordo prevê a existência de grupos de trabalho…

Mas só com o Bloco de Esquerda…
Com o PCP e os Verdes a metodologia é diferente, mas tem implícita…

Uma nova proposta?
Pontos que foram identificados. Em qualquer acordo, há as grandes orientações para política económica e social para uma legislatura, mas há sempre necessidade de ir enriquecendo. Eu próprio, da área em que sou responsável, tenho a perfeita noção de que o que nós temos estado a fazer são algumas correções que achamos essenciais, mas que há desafios novos, alguns deles provocados pela evolução dos últimos anos, e as respostas têm de ser repensadas e reconstruídas.

Sobre o Banco de Portugal: “Uma entidade independente, não é uma entidade divina”

Disse que está mais interessado num caminho de estabilidade. Durante a campanha eleitoral, o PS prometeu sempre uma postura mais dialogante. À luz disto, como é que viu as declarações sobre o Banco de Portugal, do primeiro-ministro, e a decisão de João Soares de demitir o Presidente do CCB? Não são contraditórias com isso? Não são posturas mais de confronto?
A vida política é feita de compromissos e de confrontos. O que temos de identificar é qual é o fator dominante. O que é dominante na atuação do primeiro-ministro? É uma cultura e uma atitude de compromisso e diálogo.

À exceção do governador do Banco de Portugal…
A política é feita de compromissos, mas também tem momentos de conflito. A atuação política não é um ato de contrição permanente. Tanto quanto conheço e acompanho a atuação do primeiro-ministro, julgo que a existência de momentos em que alguns conflitos e situações de contradição podem emergir, não afasta aquilo que é absolutamente óbvio: quer do ponto de vista institucional quer do ponto de vista político, António Costa é de uma rara capacidade de construir compromissos e de promover o diálogo.

O Governo foi criticado pela oposição por ter tido uma atitude de asfixia democrática por ter entrado em confronto com uma entidade independente que é o Banco de Portugal.
Uma entidade independente não é uma entidade divina. Há aqueles que acham que as entidades divinas estão para além da crítica. Eu compreendo que se considere um facto político de relevo uma posição crítica de um primeiro-ministro acerca de um governador do Banco Central. Compreendo, mas ainda me recordo de algumas posições críticas da anterior maioria, quando era maioria, por exemplo na Assembleia da República, na comissão de inquérito do BES.

António Costa não teria criticado o governador do Banco de Portugal “se não achasse que elas deviam ser feitas a bem da resolução do problemas que podem ser resolvidos”

Mas houve depois uma alteração de postura quando o primeiro-ministro disse que esperava que as conclusões do BES não apontassem para a culpa do governador.
Exatamente. Fez uma orientação para as suas bancadas na comissão de inquérito. É um exemplo recente de como responsáveis políticos numa sede de comissão de inquérito fizeram intervenções duras no que respeita ao comportamento do governador. Isso não me parece que seja nada de extraordinário. É um facto de relevo sem dúvida nenhuma e o primeiro-ministro não teria feito essas observações se não achasse que elas deviam ser feitas a bem da resolução de problemas que podem ser resolvidos.

E no caso do ministro da Cultura, que pediu publicamente para que uma pessoa se demitisse?
Não vou comentar atuações de colegas meus no Governo. Eu próprio fiz substituições no ministério.

A questão não é a exoneração. É a forma
Cada um tem a sua e, mais do que isso, não há um lado, há sempre dois lados nestas questões.

Falou do PSD. Pergunto-lhe: ficou surpreendido com a estratégia que o PSD adotou de se colocar à margem da discussão do Orçamento do Estado, não apresentando propostas, mas, acima de tudo, anunciando que vai votar contra os artigos? Como é que neste caso o Governo consegue garantir que todo o articulado tem de ser inteiramente cumprido?
Bom, não sei se fiquei surpreendido, agora que a atitude é um pouco surpreendente, é. A posição do PSD tem sido uma espécie de ausência porque acham que o que se passa não devia passar.

Não devia existir Governo?
Não devia existir este Governo. Está num estado a que normalmente se chama o estado de negação. Disse no debate na Assembleia da República que o antigo dava a ideia de ser um primeiro-ministro no exílio e não um deputado líder do maior partido da oposição. E é um pouco isso. Quando no debate — mesmo no da especialidade — foi gasto mais tempo afirmando ou insinuando estarmos perante uma solução ilegítima do que a defender uma solução alternativa e a propor…

Mas agora essa atitude representa um problema para o PS e os partidos que terão de viabilizar o Orçamento, não é?
Estou muito convencido que o Orçamento vai ser aprovado…

Debate sobre sustentabilidade da Segurança Social “terá de ser feito em 2016

Grande parte das propostas de alteração dos partidos da esquerda tem a ver com o seu ministério. Deixou-lhes margem para que os partidos pudessem fazer essas alterações? Foi pensada a priori ou agora está a fazer contas no ministério para acomodar tudo?
Nós tínhamos admitido a necessidade de dar resposta a propostas que nos parecessem adequadas. Essa margem de negociação existe. Depois, que é preciso fazer contas, é. Não estamos num momento em que se possa somar todas as nossas vontades e depois ver o que dá.

Fez contas até ao fim para ainda conseguir pôr a descida da Taxa Social Única para trabalhadores abaixo dos 600 euros? Ou deixou logo para 2017?
Essa foi uma decisão de política do Governo no âmbito do processo negocial com a União Europeia. Não nego que, pessoalmente, me custou que essa medida não pudesse estar. Medida que, aliás, passou um teste da negociação com os outros partidos que apoiam esta solução governativa que não tinham à partida uma posição favorável.

Sente que essas famílias não estão a ser tão beneficiadas por essa reversão como quem tem rendimentos logo acima? Porque estas pessoas já não pagam IRS, logo não há um alívio fiscal pelo lado da sobretaxa.
O impacto sobre o rendimento das famílias destes anos de austeridade é relativamente conhecido e estudado. (…) Aquilo que aconteceu foi de facto muito provocado não apenas pelo desemprego, mas por uma pressão salarial em baixa muito forte. Nesse plano, o crescimento e a recuperação do salário mínimo nacional é um fator de enorme importância e compensa de forma substancial aquilo que seria a menor capacidade de atingir essas famílias pelos instrumentos de políticas públicas, porque elas não pagam IRS. Mas, também aí, as medidas de apoio no domínio do abono de família são medidas que se dirigem principalmente a esse tipo de setores sociais.

Quando é que vai começar o debate sobre a sustentabilidade e as vias alternativas de financiamento da Segurança Social? Logo a seguir ao Orçamento?
Nós temos na área da concertação um programa alinhavado, orientado, que coloca como primeira prioridade as questões da competitividade, da internacionalização, do crescimento económico. É esse debate que está a ser construído. Admito que essa possa ser a questão seguinte.

Pode não ser este ano?
Julgo que esse debate será inevitavelmente, provavelmente não em toda a sua extensão mas em alguns aspetos relevantes, feito em 2016. Algumas das questões derivam até de medidas já tomadas pelo Governo, estou a lembrar-me das reformas antecipadas. O Governo apresentará ainda este ano um novo modelo de antecipação da reforma que corrija os riscos e os problemas que este que estava em vigor produzia.

Sobre Maria Luís Albuquerque: “Se for necessário alterar a lei, que se faça”

Acha que os ex-governantes podem assumir cargos em empresas privadas com as quais tivera negócios diretos nas áreas que tutelavam enquanto governantes?
Independentemente das leis e da correção das leis, para além disso há uma dimensão ética que considero fundamental. Essa separação é uma separação que deve existir, sempre entendi isso.

É uma questão ética pessoal ou acha que…
É uma questão da ética do exercício de cargos públicos.

Mas acha que é necessário que a lei, que já foi debatida na anterior legislatura, seja mudada para impedir casos como o que aconteceu com a ex-ministro das Finanças, Maria Luís Albuquerque?
Não conheço em detalhe, mas do que conheço parece-me que é um comportamento que não contribui para a dignificação do exercício de cargos públicos. (…) Acho sempre que a tentação de legislar em cima de casos concretos é uma má tentação. Agora, isso não quer dizer que pessoalmente não considere que se for necessário melhorar o enquadramento legislativo, para tornar bem claro que há um tempo que tem de ser um tempo suficientemente sólido, suficientemente robusto, para que seja bem claro que há uma distinção completa entre os cargos que se exerceram do ponto de vista público e os direitos que se têm na vida privada, se for necessário, que se faça. Terá todo o meu apoio. Agora, obviamente, também subscrevo aquelas perspetivas que salientam que nalguns casos são muito limitadas as possibilidades de ter uma outra atividade que não seja no espaço público. Eu, que fui ministro do Trabalho e da Economia, sem ser a função de ter aulas, não sei de muitas atividades onde pudesse trabalhar.

Recusou algum convite por ser ministro da Economia?
Nem sequer isso me passou pela cabeça. Também não estaria aqui a dizer que recusei, nem nunca chegaria a esse ponto. Porque essa distinção tem de existir.

Defende que tem de haver uma limitação, mas que essa limitação não pode ser tão exagerada que impeça que as pessoas possam ter um trabalho no futuro?
Claro. Têm direito à sua vida. Que seja rigorosa, que não limite a vida das pessoas para além daquilo que é o razoável, mas que não haja contaminações entre a vida pública e a vida privada. É de facto um desafio difícil de encontrar esse equilíbrio, mas julgo que a lei deve ser suficientemente inteligente para perceber o que é uma atividade feita em áreas que não têm nada a ver com a tutela, senão estamos perante uma condenação, uma exclusão que duvido que tenha até suporte na nossa Constituição. Agora, a questão ética é uma questão absolutamente essencial.

“Há uma diferença” entre PSD e CDS

O ministro dos Negócios Estrangeiros diz que conta com o PSD para consensos em áreas onde tradicionalmente PS e PSD convergiam. Na área da política externa, da defesa, acrescenta mais algumas áreas a essa necessidade de consenso com o PSD?
Pessoalmente defendi, de há muitos anos a esta parte, que é difícil que o caminho que Portugal tem de prosseguir seja definido por uma parte do país, com a outra parte a defender um caminho radicalmente distinto. Há aspetos diferenciais da nossa vida coletiva onde todos ganharíamos se existisse mais capacidade de consenso: a educação, por exemplo, o sistema de Segurança Social, o sistema de saúde. Provavelmente estamos numa fase em que o que é preciso é encontrar essa disposição e esse espaço para esse diálogo. Porque as feridas e a crispação foram muito duras.

E ainda não foi ultrapassada?
O anterior Governo, em particular o PSD, achou que era mais vantajoso para a gestão da sua política ter do outro lado do Parlamento alguém que pudesse permanentemente responsabilizar por tudo o que de mau existiu no país. Preferiu esse caminho ao caminho de encontrar as pontes que não são obviamente contraditórias com a crítica política. Não estou a defender que sejamos uma sociedade mais ou menos abúlica em que todos estão de acordo. É preciso que haja de todas as partes capacidade de sarar essas feridas.

Nesta legislatura?
Um dos instrumentos decisivos para sarar essas feridas passaria, a meu ver, por um reconhecimento de que esta solução governativa é tão legítima como qualquer outra. Faz parte desse clima de que parecia que havia políticos em Portugal, nomeadamente do PSD, que estavam à espera que alguém declarasse ilegal, seja com que critério fosse, esta solução governativa e ficaram parados à espera…

…Que o Presidente fizesse isso.
Até utilizei aquela expressão de que estão parados à espera do comboio na paragem do autocarro. À espera que alguém decidisse que isto não serve. Há aqui um passo para um caminho de pacificação da nossa vida coletiva, que de alguma forma já tem vindo a acontecer e o dr. Passos Coelho até já disse que se isto funcionasse ele passaria a ser um adepto da solução. Já é um passo. Talvez ainda num registo apenas irónico, mas muitas vezes a ironia é o caminho para chegarmos a uma mudança.

Quando olha para o PSD e para o CDS vê mais abertura para esse diálogo por parte do CDS?
Não sei. Conheço algumas pessoas do PSD que tiveram responsabilidades públicas e que manifestaram a vontade de que haja áreas e domínios em que se trabalhe em respostas abrangentes.

Não acha que há uma diferença?
Não me compete muito estar a comentar as estratégias do CDS e do PSD, mas sempre vou dizendo que parece haver uma diferença. Talvez porque o CDS, por ser um pequeno partido, tenha mais sensibilidade para a legitimidade de soluções que envolvam pequenos partidos e não tenha ficado à espera que alguém decidisse que não era legítimo e tenha começado a tratar das suas coisas e identificado uma linha de oposição que, de facto, no PSD não se consegue entender qual é.

Sobre Marcelo Rebelo de Sousa: “Tenho expectativa elevada”

Esta semana toma posse o novo Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa é o Presidente que o Governo gostaria de ter?
Não foi o candidato que apoiei. Seria hipócrita da minha parte dizer que sempre pensei que o senhor Presidente eleito era o indicado para o cargo. Tenho visto com muito interesse as atitudes e as posições políticas do professor Marcelo Rebelo de Sousa relativamente à forma como olha para a sociedade portuguesa e como olha para a sua diversidade e a legitimidade das diferentes soluções políticas e isso acho que é positivo.

Acredita que Marcelo Rebelo de Sousa, o “senhor Presidente eleito”, poderá vir a ajudar a essa aproximação para futuros consensos?
A Presidência da República tem um papel nesse plano. É um dos seus papéis. O professor Marcelo Rebelo de Sousa tem manifestado essa vontade. Tem, pelo menos a experiência.

E fê-lo com António Costa.
Não é obviamente uma personagem que deixe as pessoas indiferentes. É uma personagem marcante pela sua personalidade e da forma como se relaciona com a nossa vida coletiva. Agora, ele assumiu um lugar de enorme responsabilidade onde essa dimensão é muito importante. Tenho a expectativa elevada para acompanhar esse esforço. Não quero que passe nesta afirmação a ideia de que temos de ter aqui uma espécie de unanimidade nacional sobre as várias dimensões da nossa vida coletiva, não tenho nada essa ideia, antes pelo contrário. Julgo que há pontos de convergência de estabilidade da nossa vida coletiva que é vantajoso que tenham um quadro muito alargado, e quando digo alargado não estou a fazer nenhuma fronteira. Quando olhamos para os estudos de sondagens, vemos que esse consenso é muito mais alargado do que no espaço político. Agora vivemos um risco na Europa, de renascimento de posições políticas de natureza política extremista. Portugal tem conseguido resistir melhor que outras sociedades a esse fenómeno e portanto é bom que saibamos ter a capacidade de diálogo e de firmeza da defesa dos valores da democracia.

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