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Barão das criptomoedas. William Hill geria no centro de Lisboa uma app que permitia a oligarcas russos escaparem a sanções do Ocidente

Norte-americano detido há dias pela PJ numa investigação liderada pelo FBI chegara a Lisboa há quase um ano. Durante grande parte do tempo foi vigiado. Geria, a partir do centro histórico, a Samourai.

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William Hill vivia em Portugal há quase um ano. Pouco tempo depois de ter aterrado, vindo de França onde até então vivia com a mulher, passou a ser vigiado 24 horas pela Polícia Judiciária, a pedido do FBI. Era a partir do seu apartamento, no centro histórico de Lisboa, que o norte-americano, com 65 anos, geria a carteira de criptoativos Samourai, que fundou em 2015 com Keonne Rodriguez — que vive na Florida, EUA — e que desde 2022 tentou que fosse uma ferramenta de branqueamento de dinheiro de oligarcas russos abrangidos pelas sanções do Ocidente. E este, sabe o Observador, é um dos pontos mais relevantes da investigação: os esforços dos responsáveis da Samourai para que a app se transformasse numa plataforma para circulação de dinheiro russo sem qualquer controlo.

Hill preparava-se para mais um dia normal, quando a 24 de abril foi surpreendido por uma mega operação — que já há muito vinha a ser preparada pela Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica da PJ e que contou com a colaboração Divisão de Investigação Criminal da Receita Federal (IRS-CI) dos EUA. Nesse mesmo dia as autoridades norte-americanas irromperam igualmente pela casa de Rodriguez.

Em Lisboa a Judiciária apreendeu equipamentos informáticos, servidores e outros elementos de prova. Uma apreensão que, acredita a investigação, poderá ter significado várias dezenas de milhões de euros.

No mesmo dia em que as autoridades norte-americanas irromperam pela casa de Rodriguez, em Lisboa a Judiciária apreendia equipamentos informáticos, servidores e outros elementos de prova que estava na posse de Hill

O esquema tinha sido montado ao pormenor e a investigação confrontava-se com uma realidade cada vez mais comum. “Estávamos habituados já há algum tempo, relativamente ao ransomware, no que diz respeito aos ciberataques, ou ao malware. Aqui tínhamos o cibercrime como prestação de serviços para outros grupos cibercriminosos poderem levar a cabo os tais ciberataques”, explica ao Observador uma fonte da Judiciária, esclarecendo que é algo que tem aumentado muito.

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App foi descarregada 100 mil vezes

Descodificando, a Samourai era uma aplicação para telemóvel (tinham sido já feitos 100 mil downloads) que permitia aos utilizadores de todo mundo — tinha clientes em vários países, incluindo em Portugal — armazenar as suas chaves privadas (palavra-passe do proprietário da criptomoeda). Apesar de as chaves privadas não serem partilhadas com os funcionários da Samourai, esta plataforma operava um servidor centralizado que, “entre outras coisas, supervisiona e facilita as transações entre os utilizadores da Samourai e cria novos endereços BTC usados ​​durante as transações”, explica o Ministério Público norte-americano.

E, ao misturar criptoativos oriundos de atividades ilícitas com criptoativos provenientes de operações legais, tornava impossível às autoridades seguirem o rasto das criptomoedas — o follow the money, como é referido na banca tradicional. Era, por isso, uma “plataforma de mixing, a conhecida Whirpool”.

“Whirlpool”: o serviço que mais rendeu à Samourai

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“Whirlpool” é, na prática, um serviço de mistura de criptomoedas que envolve fundos potencialmente identificáveis ​​ou “contaminados” com outros, de modo a apagar o rasto e impossibilitar a identificação originária, bem como o seu congelamento pelas autoridades, como explica a Polícia Judiciária.

Este mixing permite criar, por exemplo, cinco criptomoedas a partir de outras cinco criptomoedas. Cada uma das novas é uma mistura de todas criptomoedas antigas, que assim perdem o código inicial.

Além deste serviço, a acusação da Procuradoria Distrital do Sul de Nova Iorque, a que o Observador teve acesso, revela que a Samourai prestava também serviços de Ricochet — nas palavras da PJ, uma “troca de criptoativos, que se dedica ao desenvolvimento de soluções exclusivas que permitem aos utilizadores investir os seus ativos criptográficos em tempo real”. Por ambos os serviços — Whirpool e Ricochet —  acredita-se que os arguidos tenham lucrado o equivalente a mais de 4 milhões de dólares (só pelo mixing de criptomoeda terão sido recebidos fees de 3,4 milhões de dólares).

Segundo a Polícia Judiciária, apurou-se que, no total, “terão sido movimentados mais de mil milhões de dólares em bitcoins e mais de 680 milhões de dólares em BTC, usados em transações Ricochet”.

Site foi apreendido e mostra os logotipos das polícias que levaram a cabo a operação

Além da polícia portuguesa, também a polícia islandesa colaborou na investigação para que “os servidores web e o domínio de Samourai (https://samourai.io/) fossem apreendidos”, revela a acusação. Tal como aconteceu com o site, a app até então disponível na Google Play Store também foi desativada nos últimos dias.

A vida do norte-americano desde que chegou a Lisboa

Há muito que William Hill morava na Europa. Na acusação da Procuradoria do Sul de Nova Iorque, o procurador Damian Williams explica mesmo que o acusado estava neste continente nos momentos mais relevantes do esquema montado.

A mudança para Portugal, para um apartamento no centro histórico de Lisboa, deu-se no verão do ano passado. As autoridades acreditam que trouxe a família à procura de uma qualidade de vida que tem atraído muitos estrangeiros: um país seguro e com características que apreciava.

O dia a dia era perfeitamente normal, se se tiver em conta que via a Samourai como a sua atividade profissional, que desenvolvia a partir de casa. Mas saía regularmente.

“Tinha os seus equipamentos, tinha o seu material, tinha tudo o que necessitava em sua casa. Portanto, fazia uma vida perfeitamente normal”, conta uma fonte conhecedora da investigação, acrescentando que para gerir a Samourai não necessitava de muito espaço em casa: “Há ferramentas que, sim, precisam de espaço, porque precisam de capacidade de computação ou precisam de ter servidores com muita capacidade. E aí é preciso ter algumas especificidades,  como refrigeração, mas não é o caso”.

Foi seguido por inspetores da PJ 24 horas por dia

Durante meses, a Judiciária seguiu os passos do norte-americano para saber sempre onde estava. As informações trocadas constantemente com a congénere norte-americana mostravam que a sua relevância no suposto esquema de lavagem de dinheiro era grande e era importante garantir que não sairia do país — até pela facilidade que tem de circular pelo espaço europeu, por ser casado com uma cidadã da União Europeia.

Uma fonte da Judiciária explica mesmo que foi, por isso, feita uma monitorização, com inspetores no terreno, desde o momento em que o FBI pediu colaboração.

A acusação da Procuradoria Distrital do Sul de Nova Iorque tem 19 páginas

“Ele esteve acompanhado 24 horas por dia, obviamente, sabendo a importância que ele tinha nesta rede. Foi feito um acompanhamento durante estes meses por um número suficiente de operacionais”, explicou, referindo que é o procedimento comum quando se trata de suspeitos com esta relevância. Hill nunca se apercebeu que os seus passos estavam a ser seguidos pela polícia.

A origem das criptomoedas investidas na carteira

O segredo da carteira Samourai era exatamente a origem das criptomoedas — as transações tinham origem lícita e ilícita. Era examente a mistura de ambas as proveniências em moedas novas que fazia com que as autoridades não pudessem agir.

Esquema apresentado pela Samourai e onde se percebe como funciona o mixing de criptomoedas. Cada nova moeda criada após o processo é composta por parcelas da moeda antiga

De todas as transações ilegais feitas pela plataforma — que terão um valor aproximado de 2 mil milhões de dólares — as autoridades acreditam que, pelo menos, o equivalente a 100 milhões de dólares tenham sido operações de lavagem de dinheiro de mercados ilegais da dark web, como o Silk Road e o Hydra Market. Mas também valores provenientes de intrusões informáticas e ações de phishing.

Silk Road é um mercado da darknet conhecido pela venda de grandes quantidades de drogas. E o Hydra Market é um site, também da darknet, russo e para falantes de russo igualmente dedicado à venda de drogas. Criado em 2015, permite ainda transacionar documentos falsos, informações roubadas e serviços de branqueamento de capitais.

“Keonne Rodriguez e William Hill geriam as contas no Twitter (que entretanto mudou o nome para rede social X), encorajando e convidando utilizadores para operações de lavagem de dinheiro através da Samourai”, acrescenta a investigação norte-americana.

Mas, afinal, como é que se concluiu que poderia ajudar magnatas russos?

Em junho de 2022, quatro meses após o início da guerra na Ucrânia, os fundadores da Samourai tentam dar um salto grande, abrindo as portas a outro tipo de transações — aquelas que passaram a estar bloqueadas pelas sanções impostas pelo Ocidente à Rússia.

Na acusação é mesmo reproduzida uma publicação na conta da Samourai no então Twitter, feita por Rodriguez, a 30 de junho: “Bem-vindos oligarcas russos novos utilizadores da carteira Samourai”. Coincidência ou não, por essa altura tinha sido aprovado o sexto pacote de sanções europeias à Rússia, que reforçava as medidas já tomadas e alargava os visados nas sanções.

Publicação feita pela conta Samourai Wallet no antigo Twitter e onde se pode ler: "Bem-vindos oligarcas russos novos utilizadores da carteira Samourai"

Voltando à acusação, num outro momento é dado ainda o exemplo de uma conversa entre Hill, através da conta “Samourai Dev”, e um utilizador do Twitter, em que o fundador da plataforma que vive em Lisboa discute o uso da Samourai em operações relativas a transações ilegais.

O marketing e a reação a um alerta da Europol

Também através da conta “SamouraiDev”, no então Twitter, em março de 2021, William Hill comentou as preocupações das polícias, neste caso da Europol, com as atividades desenvolvidas pela app que fundou: “A Europol também destacou a carteira Samourai como uma “ameaça de topo” emergente no mesmo artigo. Acham que estamos borrados de medo?”

Publicação no antigo Twitter em que Hill fala das preocupações das autoridades com os serviços oferecidos pela Samourai

Além destes comentários e posições públicas, também aos potenciais investidores eram dados a conhecer materiais de promoção da carteira Samourai em que, segundo a acusação norte-americana, esclareciam como estavam abertos a pessoas com atividades ilícitas que procuravam privacidade ou até quem, pura e simplesmente, pretendia fugir aos mecanismos de controlo legais.

Um desses materiais de marketing tem como título: “Quem está disposto a pagar pela privacidade?”. Num outro material reconhecem que as receitas derivam do mercado ilícito. Quando se referem ao grupo de pessoas que utiliza o “dark/grey Market”, dão conta de que com a Samourai podem “trocar as bitcoins com várias partes, destruindo os metadados que foram criados”. Ou seja, podem lavar dinheiro.

Exemplo de material de marketing da Samourai, usado pela acusação

EUA vão pedir extradição. Procurador agradece trabalho da PJ

De acordo com um comunicado da Procuradoria do Distrito do Sul de Nova Iorque, os Estados Unidos vão iniciar o processo com vista à extradição de Hill, com o objetivo de levá-lo a julgamento em solo norte-americano, num caso que está entregue ao juiz distrital Richard M. Berman.

“Rodriguez, 35 anos, de Harmony, Pensilvânia, e HILL, 65 anos, cidadão americano que foi preso em Portugal, são acusados ​​da coautoria do crime de branqueamento de capitais, punível com uma pena máxima de 20 anos de prisão”, refere a nota do Ministério Público, acrescentando que ambos estão ainda acusados por um crime relativo à criação de um esquema de circulação ilegal de dinheiro, “que é punível com uma pena máxima de cinco anos de prisão”.

“Operação Samourai”. PJ detém em Lisboa norte-americano suspeito de “lavar” fortunas criminosas com criptomoedas

No comunicado é deixada uma palavra de agradecimento do procurador Damian Williams às autoridades e entidades dos EUA envolvidas, mas também “à Europol, à Polícia Judiciária de Portugal, à Polícia Islandesa”.

 
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