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A escolha do procurador-geral da República não costuma ter fugas de informação. Não aconteceu com José Souto Moura (2000), com Joana Marques Vidal (2012) nem com Lucília Gago (2018). A única exceção a este processo confidencial foi Fernando Pinto Monteiro em 2006 — que o semanário Sol noticiou por existirem dúvidas do Presidente Cavaco Silva sobre o facto de o conselheiro ser um conhecido maçom do Grande Oriente Lusitano, o que não impediu a sua indigitação.
Marcelo e Montenegro fecham nome de novo procurador-geral da República até ao início de outubro
Sendo um conhecido defensor da confidencialidade do processo de decisão, nunca poderia existir uma fuga de informação com Luís Montenegro a conduzir o processo. E foi o que aconteceu. Nas diversas peças jornalísticas produzidas sobre o tema, nunca o nome de Amadeu Guerra ‘apareceu’.
Primeira sondagem aconteceu no verão, mas só o convite formal teve resposta positiva
Contudo, os contactos entre o primeiro-ministro e o agora indigitado procurador-geral da República já vinham de longe. Ao que o Observador apurou, a primeira sondagem aconteceu ainda no verão, mas o resultado não foi positivo.
Amadeu Guerra não queria aceitar sem antes ponderar bem os prós e os contras. Em primeiro lugar, o ex-diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal está jubilado desde 2020 e tinha dúvidas sobre um eventual regresso e logo num dos lugares de maior exposição pública do país.
Apesar de jubilado, Amadeu Guerra continuava no ativo. Foi indicado pela procuradora-geral Lucília Gago para a Comissão de Fiscalização de Dados do Sistema de Informações da República Portuguesa — a comissão que fiscaliza o funcionamento das secretas — e foi reconduzido em 2022.
E mantinha-se igualmente ativo com colaborações com outros órgãos públicos (como o Tribunal de Contas) e também com a Comissão Nacional de Proteção de Dados — uma área à qual esteve ligado durante muitos anos.
A segunda grande dúvida tinha a ver com um problema de saúde que teve, mas que já tem completamente controlado.
Montenegro e Amadeu trabalharam juntos na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos
Ao que o Observador apurou junto de várias fontes próximas do processo, a relação que existe entre Luís Montenegro e Amadeu Guerra foi essencial para desbloquear o processo.
Os dois conhecem-se desde meados da década de 2000 quando foram membros efetivos da Comissão Nacional de Acesso aos Documentos Administrativos — um órgão que funciona junto da Assembleia da República e que é conhecido por ajudar os cidadãos e os jornalistas a superarem os obstáculos que os governos, câmaras municipais e empresas públicas criam para evitar o acesso a documentação pública.
Montenegro foi indicado pela Assembleia da República, enquanto Amadeu Guerra representava a Comissão Nacional de Proteção de Dados. Discretos, trabalhadores e formais — é assim que fontes da CADA caraterizam os dois naquela altura —, construíram uma boa relação e mantiveram o contacto desde aí.
Foi precisamente essa boa relação que permitiu superar o pessimismo de Amadeu Guerra e convencê-lo a aceitar liderar o Ministério Público.
Amadeu Guerra. “Não é possível um retrocesso no combate à corrupção”
Ao contrário do que aconteceu com José Souto Moura, Joana Marques Vidal e Lucília Gago, o papel do titular da pasta da Justiça não teve relevância na escolha. Enquanto António Costa (ministro da Justiça em 2000), Paula Teixeira da Cruz (ministra da Justiça em 2012) e Francisca Van Dunem (ministra da Justiça em 2018) foram preponderantes e indicaram mesmo os respetivos procuradores-gerais, desta vez o processo foi liderado exclusivamente pelo primeiro-ministro.
Primeiro-ministro só levou um nome ao Presidente da República: Amadeu Guerra
Fontes governamentais asseguram que Amadeu Guerra foi a primeira e única opção de Luís Montenegro. No entendimento do primeiro-ministro, este cumpria claramente as características de liderança e de comunicação que a ministra da Justiça já tinha avançado em entrevista ao Observador.
Além disso, representa um corte com Lucília Gago — a tal “nova era” que Rita Alarcão Júdice defendeu na mesma entrevista — com quem, aliás, Amadeu Guerra teve uma relação sempre distante e fria. E é uma das caras do combate à corrupção por via do seu trabalho como diretor do DCIAP entre 2013 e 2019.
Como o Observador revelou, Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro tiveram duas conversas sobre o sucessor de Lucília Gago.
Na primeira, acertaram o perfil, excluindo a hipótese de ser um académico ou um advogado. E concluíram que teria de ser um magistrado, de preferência um procurador de carreira. Presidente e primeiro-ministro concordaram que não devia ser aberta qualquer guerra com a magistratura do Ministério Público e com o seu influente sindicato.
E com as características que a ministra da Justiça já tinha sinalizado em nome do Governo: liderança, exercício da ação hierárquica e comunicação.
Na segunda conversa, que estava aprazada para um período entre 27 de setembro e 1 de outubro, seriam discutidos nomes. “Nomes” porque a tradição, a praxis seguida noutras ocasiões, implica que o primeiro-ministro apresente uma lista de três nomes ao Presidente da República.
Luís Montenegro quebrou essa tradição e apresentou apenas um único nome (Amadeu Guerra) por estar convicto de que a primeira opção era de facto a única que deveria ser ponderada.
Fontes de Belém confirmam que Marcelo Rebelo de Sousa aceitou de pronto o nome de Amadeu Guerra por entender que correspondia perfeitamente ao perfil anteriormente acordado.
Depois da aceitação do nome, primeiro-ministro e Presidente da República acordaram que o anúncio do novo Procurador-Geral, em conjunto com o da nova presidente do Tribunal de Contas, seria feito através de uma nota da Presidência na hora seguinte. Com uma nuance: Luís Montenegro e Marcelo Rebelo de Sousa acertaram que a Casa Civil só divulgaria a nota depois do primeiro-ministro comunicar a escolha ao líder da oposição, Pedro Nuno Santos.
O secretário-geral do PS foi informado cerca de 20 minutos depois de Luís Montenegro sair de Belém. Depois desse contacto, São Bento informou Belém que já poderia divulgar o nome do novo PGR, o que aconteceu 10 minutos depois de Pedro Nuno Santos ter sido informado pelo primeiro-ministro.